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Raça na pauta da educação A proximidade do dia 13 de Maio deveria despertar na sociedade brasileira uma reflexão a respeito das conseqüências da Abolição e, mais ainda, de todo o processo de escravização dos negros que por séculos marcou e continua mar- cando a história do País. Deveria. Com um sistema educacional público transbordando de dificuldades e outro particular mais preocupado em fabricar aprovados em vestibulares, perde-se no meio do caminho a discussão sobre o que é um dos pontos mais fortes da iden- tidade nacional - a contribuição da população negra na formação da sociedade brasileira. Sem um trabalho sério dentro de todas as escolas do País, o fato acaba sendo abordado apenas superficialmente, numa perpetuação sem fim de clichês e estereótipos que em nada contribuem para amenizar o racismo. Desde 2003, a legislação brasileira já prevê que a questão racial esteja pre- sente com mais intensidade e profundidade nos currículos escolares de todas as unidades de educação do País, por meio do ensino de cultura e história africana e afro-brasileira de forma transversal, em todas as disciplinas. Recentemente revista, a Lei (antiga 10.639/03 e atual 11.645/08) agora inclui também a questão indígena. Solenemente ignorada desde que surgiu, a Lei recebe um reforço primordial do Fundo das Nações Unidas para a Infância. A partir deste ano, os esforços dos municípios para implantação de práticas pedagógicas preocupadas com a questão racial serão levados em conta na concessão do Selo Unicef. O prêmio -uma espécie de Santo Graal para as prefeituras do interior - deve estimular gestores do semi-árido brasileiro a, finalmente, atenderem sua obrigação de cumprir a Lei. Selo Unicef agora avalia esforços dos municípios no ensino da história e cultura afro- brasileira RAÇAS EM CHOQUE NO ROMANCE DE MONTEIRO LOBATO Os Estados Unidos elegem seu primeiro presidente negro. O candidato derrota de forma surpreendente sua aliada na oposição, uma branca feminista, e o líder conservador que até então ocupava o poder. O fato joga o país na iminência de uma guerra cujo eixo será a raça. Homens e mulheres brancos, então, deixam as diferenças ideológicas de lado para formar uma aliança. O objetivo será impedir que o país afunde num abismo provocado pelo domínio do que con- sideram ser um povo estética, intelectual e moralmente infe- rior. O complô contra o candidato negro termina com seu assassinato e com a esterilização em massa de todos os afro- descendentes. Assim, está assegurada a hegemonia ariana e o surgimento da mais racialmente perfeita nação do planeta. O relato acima pode até parecer, mas não é uma previsão ultra-direitista sobre as conseqüências de uma possível vitória de Barack Obama sobre Hillary Clinton nas prévias eleitorais e, eventualmente, no pleito majoritário dos Estados Unidos. É o enredo resumido do único romance adulto escrito por Monteiro Lobato, autor brasileiro imortalizado como ícone da literatura infantil. Sob o título O presidente negro ou o choque das raças, a história foi publicada pela primeira vez em 1926 como um folhetim no jornal A Manhã. E até hoje des- perta controvérsias. A polêmica não tem nada a ver com a coincidência do enre- do com o momento atual vivido pelos Estados Unidos. O livro revela uma face obscura e raramente discutida de Lobato: a de entusiasta e grande propagandista da eugenia. Esta "ciência" inspirada na lei da seleção natural de Darwin defendia o controle do Estado sobre a reprodução humana como forma de se alcançar a verdadeira civilização pelo mel- horamento genético. A eugenia negligencia intencional- mente a dimensão social do homem reduzindo até a pobreza ao determinismo biológico. No romance de Lobato, o personagem principal é Ayrton, um funcionário de escritório que esbarra com um gênio da ciência em um castelo (!) escondido no interior do Sudeste. Lá, ele se vê frente a frente com a mais fantástica invenção: o porviroscó- pio, um aparelho capaz de revelar acontecimentos futuros em qualquer lugar do planeta. Enamorado pela filha do cientista, Ayrton passa a freqüentar o castelo e ouve dela um relato detal- hado do que acontecerá nos EUA no ano de 2228. O país estará vivendo em uma espécie de utopia genética na qual a doença, a fealdade, a imoralidade e a miséria terão sido absolutamente eliminadas graças à política eugenista adotada pelo Estado. Os americanos terão, ainda, conseguido separar completamente as raças branca e negra. Mesmo com este apertheid total, os Estados Unidos de 2228 ainda estarão discutindo o que fazer com a "questão negra". No futuro imaginado por Lobato, o “problema” é amenizado através de avançadíssimas técnicas de despigmentação e de- sencarapinhamento (uma espécie de chapinha high tech) que promovem o branqueamento gradual da população de cor. Os malabarismos criativos do criador do do pi- rilimpimpim seriam extremamente engraçados se não fossem, em realidade, de um racismo acintoso. Por entre elogios ras- gados à eficiência americana ao lidar com a questão racial, fica clara a crítica de Lobato à miscigenação ou, como ele registra, à "solução brasileira". E o timing é impressionante: o auge da eugenia se dá justo no momento em que o modernismo e o regionalismo da década de 20 começam a propagandear o mulato como estereótipo-símbolo da identidade nacional. O romance chega ao clímax quando as elites brancas do futuro se articulam para pôr em prática o tal programa secre- to de esterilização em massa e, no tempo presente, Ayrton finalmente toma coragem de declarar seu amor pela filha do cientista. Assim termina o livro de Lobato: todos felizes para sempre, desde que brancos, louros e de olhos azuis. Monteiro Lobato achava que podia entrar para a história com esse romance, pois acreditava estar apontando o cami- nho seguro para que o Brasil pudesse alcançar o verdadeiro progresso. Sua obra acabou sumindo junto com a eugenia, relegada ao ostracismo após a II Guerra Mundial. O fim do conflito revelou as conseqüências do holocausto e passou a ser extremamente embaraçoso ter qualquer ligação com a pretensa ciência, levada a extremos pela Alemanha nazista, mas praticada na mesma época em todo o mundo ocidental. Recentemente reeditado, O presidente negro raramente é cita- da com destaque quando se discute o autor. O que é só mais um exemplo de como nossa propalada democracia racial se deve, em muito, à velha prática de se empurrar a poeira para debaixo do tapete. * Jornalista (matéria publicada originalmente no suplemento Pernambuco, do Diário Oficial do Estado) Renata Beltrão* 8 - GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008 Foto: Renata Beltrão NÚMERO 11 MAIO 2008

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Raça na pautada educaçãoA proximidade do dia 13 de Maio deveria despertar na sociedade brasileira

uma reflexão a respeito das conseqüências da Abolição e, mais ainda, de todoo processo de escravização dos negros que por séculos marcou e continua mar-cando a história do País. Deveria.Com um sistema educacional público transbordando de dificuldades e outro

particular mais preocupado em fabricar aprovados em vestibulares, perde-se nomeio do caminho a discussão sobre o que é um dos pontos mais fortes da iden-tidade nacional - a contribuição da população negra na formação da sociedadebrasileira. Sem um trabalho sério dentro de todas as escolas do País, o fato acabasendo abordado apenas superficialmente, numa perpetuação sem fim de clichêse estereótipos que em nada contribuem para amenizar o racismo.Desde 2003, a legislação brasileira já prevê que a questão racial esteja pre-

sente com mais intensidade e profundidade nos currículos escolares de todasas unidades de educação do País, por meio do ensino de cultura e históriaafricana e afro-brasileira de forma transversal, em todas as disciplinas.Recentemente revista, a Lei (antiga 10.639/03 e atual 11.645/08) agora incluitambém a questão indígena.Solenemente ignorada desde que surgiu, a Lei recebe um reforço primordial

do Fundo das Nações Unidas para a Infância. A partir deste ano, os esforçosdos municípios para implantação de práticas pedagógicas preocupadas com aquestão racial serão levados em conta na concessão do Selo Unicef. O prêmio-uma espécie de Santo Graal para as prefeituras do interior - deve estimulargestores do semi-árido brasileiro a, finalmente, atenderem sua obrigação decumprir a Lei.

Selo Unicefagora avaliaesforços dosmunicípiosno ensino dahistória ecultura afro-brasileira

RAÇAS EM CHOQUENO ROMANCE DE MONTEIRO LOBATO

Os Estados Unidos elegem seu primeiro presidente negro.O candidato derrota de forma surpreendente sua aliada naoposição, uma branca feminista, e o líder conservador queaté então ocupava o poder. O fato joga o país na iminênciade uma guerra cujo eixo será a raça. Homens e mulheresbrancos, então, deixam as diferenças ideológicas de lado paraformar uma aliança. O objetivo será impedir que o paísafunde num abismo provocado pelo domínio do que con-sideram ser um povo estética, intelectual e moralmente infe-rior. O complô contra o candidato negro termina com seuassassinato e com a esterilização em massa de todos os afro-descendentes. Assim, está assegurada a hegemonia ariana e osurgimento da mais racialmente perfeita nação do planeta.O relato acima pode até parecer, mas não é uma previsão

ultra-direitista sobre as conseqüências de uma possível vitóriade Barack Obama sobre Hillary Clinton nas prévias eleitoraise, eventualmente, no pleito majoritário dos Estados Unidos.É o enredo resumido do único romance adulto escrito porMonteiro Lobato, autor brasileiro imortalizado como íconeda literatura infantil. Sob o título O presidente negro ou ochoque das raças, a história foi publicada pela primeira vez em1926 como um folhetim no jornal A Manhã. E até hoje des-perta controvérsias.A polêmica não tem nada a ver com a coincidência do enre-

do com o momento atual vivido pelos Estados Unidos. Olivro revela uma face obscura e raramente discutida deLobato: a de entusiasta e grande propagandista da eugenia.Esta "ciência" inspirada na lei da seleção natural de Darwindefendia o controle do Estado sobre a reprodução humanacomo forma de se alcançar a verdadeira civilização pelo mel-horamento genético. A eugenia negligencia intencional-mente a dimensão social do homem reduzindo até a pobrezaao determinismo biológico.No romance de Lobato, o personagem principal é Ayrton, um

funcionário de escritório que esbarra com um gênio da ciênciaem um castelo (!) escondido no interior do Sudeste. Lá, ele sevê frente a frente com a mais fantástica invenção: o porviroscó-pio, um aparelho capaz de revelar acontecimentos futuros emqualquer lugar do planeta. Enamorado pela filha do cientista,Ayrton passa a freqüentar o castelo e ouve dela um relato detal-hado do que acontecerá nos EUA no ano de 2228.O país estará vivendo em uma espécie de utopia genética na

qual a doença, a fealdade, a imoralidade e a miséria terão sidoabsolutamente eliminadas graças à política eugenista adotadapelo Estado. Os americanos terão, ainda, conseguido separarcompletamente as raças branca e negra.Mesmo com este apertheid total, os Estados Unidos de 2228

ainda estarão discutindo o que fazer com a "questão negra".No futuro imaginado por Lobato, o “problema” é amenizadoatravés de avançadíssimas técnicas de despigmentação e de-sencarapinhamento (uma espécie de chapinha high tech) quepromovem o branqueamento gradual da população de cor.Os malabarismos criativos do criador do pó do pi-rilimpimpim seriam extremamente engraçados se não fossem,em realidade, de um racismo acintoso. Por entre elogios ras-gados à eficiência americana ao lidar com a questão racial, ficaclara a crítica de Lobato à miscigenação ou, como ele registra,à "solução brasileira". E o timing é impressionante: o auge daeugenia se dá justo no momento em que o modernismo e oregionalismo da década de 20 começam a propagandear omulato como estereótipo-símbolo da identidade nacional.

O romance chega ao clímax quando as elites brancas dofuturo se articulam para pôr em prática o tal programa secre-to de esterilização em massa e, no tempo presente, Ayrtonfinalmente toma coragem de declarar seu amor pela filha docientista. Assim termina o livro de Lobato: todos felizes parasempre, desde que brancos, louros e de olhos azuis.

Monteiro Lobato achava que podia entrar para a históriacom esse romance, pois acreditava estar apontando o cami-nho seguro para que o Brasil pudesse alcançar o verdadeiroprogresso. Sua obra acabou sumindo junto com a eugenia,relegada ao ostracismo após a II Guerra Mundial. O fim doconflito revelou as conseqüências do holocausto e passou aser extremamente embaraçoso ter qualquer ligação com apretensa ciência, levada a extremos pela Alemanha nazista,mas praticada na mesma época em todo o mundo ocidental.Recentemente reeditado, O presidente negro raramente é cita-da com destaque quando se discute o autor. O que é só maisum exemplo de como nossa propalada democracia racial sedeve, em muito, à velha prática de se empurrar a poeira paradebaixo do tapete.

* Jornalista(matéria publicada originalmente no suplemento

Pernambuco, do Diário Oficial do Estado)

Renata Beltrão*

8 - GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008

Foto: Renata Beltrão

NÚMERO 11MAIO 2008

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EXPOSIÇÃOA atuação do Ministério Público de

Pernambuco pela inclusão racial no mu-nicípio de São Bento do Una continua ren-dendo iniciativas positivas. Para agregarconteúdo à implantação da Lei 10.639/03(revogada pela 11.645/08) - conformeacordo firmado pela prefeitura junto aopromotor Antônio Fernandes - a Assessoriade Comunicação do MPPE está preparan-do uma exposição fotográfica cujo temaserá os habitantes da comunidade quilom-bola Serrote do Gado Bravo. As fotografiasfeitas pelo designer Osmário Marques epela jornalista Renata Beltrão mostramcenas cotidianas e retratos dos quilombolas,que recentemente receberam direito aosbenefícios do Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS), também em decorrência daatuação do MPPE. A proposta é que aexposição passe uma semana em cada esco-la da cidade e depois fique em caráter per-manente no colégio da própria comu-nidade. Uma das imagens, de autoria deOsmário Marques, foi vencedora doPrêmio Cristina Tavares de Jornalismo nacategoria Fotografia-Estudante.

CORTÊSA Promotoria de Cortês, a 112 km do

Recife, também assinou um Termo deCompromisso de Ajustamento de Con-duta com a prefeitura local para que, apartir do próximo semestre deste anoletivo, seja incluída no conteúdo pro-gramático escolar a temática História eCultura Afro-Brasileira. De acordo com

o promotor de Cortês, Allisson de Jesus,a Secretaria Municipal de Educação afir-mou que já incluiu no seu cronograma acapacitação do corpo docente. Aprefeitura deverá remeter relatóriossemestrais a respeito do cumprimento doconteúdo programático à Promotoria,que, por sua vez, fará fiscalizações nasescolas.

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NA IMPRENSA CONCURSO EXPEDIENTE

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MPEM AÇÃONessa coluna, o GT Racismo reserva espaço para publicação denotícias das atividades dos promotores e procuradores de Justiçano combate ao racismo. Envie seu material e participe dasdiscussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

>>> O racismo institucional foidestaque em uma série de reporta-gens da Folha de Pernambuco elabo-rada em comemoração ao Dia In-ternacional da Mulher. Na matéria“Mulher negra, cidadania em branco”,publicada no dia 24 de fevereiro, arepórter Mirthyani Bezerra traça umpanorama das desigualdades raciais e de gênero em váriossetores, principalmente no mercado de trabalho. A atuação

do Ministério Público de Pernambucono combate ao racismo institucionaltambém foi abordada na matéria. Apromotora Helena Capela, integrantedo GT Racismo, falou sobre a legis-lação brasileira contra a discriminaçãoe ressaltou a dificuldade que as víti-mas do crime vêm tendo na hora de

prestar a queixa, já que muitos delegados tendem a regis-trar o fato como injúria.

GT RACISMO - MPPE

Paulo Varejão - Procurador-Geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo (coordenadora), GilsonRoberto de Melo Barbosa (sub-coordenador), Judith PinheiroSilveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria Ivana BotelhoVieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima, TacianaAlves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva e Janeide deOliveira Lima.

www.mp.pe.gov.br � [email protected] � (81)3419.7000Edf. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473, Stº Antônio Recife-PE

Projeto gráfico: Ricardo MeloJornalista responsável: Renata BeltrãoIlustrações: Leonardo Martins

>>>O GT Racismo encaminhou requerimento ao ConselhoSuperior do Ministério Público, no dia 23/04, solicitandoque a legislação relativa à questão racial seja incluída noconteúdo programático do concurso público para promotorde Justiça. O MPPE está abrindo 15 vagas para novos mem-bros e, para o GT, a inclusão da legislação específica éessencial para marcar o trabalho do MPPE em combate aoracismo institucional. O CSMP indeferiu o pedido, pormaioria de votos, alegando dificuldades operacionais juntoà Fundação Carlos Chagas. Entre as legislações anti-racismoem vigor estão a 7 .716/89 (contra preconceito de raça ecor) e a 11.645/08 (que revogou a 10.639/03, para incluir aobrigatoriedade do ensino também da cultura e históriaindígena nas escolas brasileiras).

Foto do designer Osmário Marques fará parte de exposição em São Bento do Una

Foto: Osmário Marques

CONFERÊNCIA MUNDIAL NO BRASILRepresentantes governamentais de 35

países das Américas se reúnem no Brasilentre os dias 17 e 19 de junho durante aConferência Preparatória Regional daConferência de Revisão de Durban, sob opatrocínio da Organização das NaçõesUnidas (ONU) e com o apoio do Governobrasileiro.Segundo a Secretaria Especial de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial (Seppir),a candidatura para sediar o evento insere-se

no esforço do Estado brasileiro em con-tribuir de forma ativa para os avanços naimplementação do Programa e do Plano deAção da Conferência Mundial Contra oRacismo, Discriminação Racial, Xenofobiae Intolerância Correlatas, realizada emDurban, na África do Sul, em 2001.

Antecedendo a Conferência Regional,também será realizada em Brasília umaConferência da Sociedade Civil sobre omesmo tema. O evento ocorrerá no perío-

do de 13 a 15 de junho próximo e contarácom a participação das organizações dasociedade civil do Brasil e das Américas.

Os preparativos das duas reuniões estãoem andamento, em trabalho conjunto dasagências interessadas das Nações Unidas,do Ministério das Relações Exteriores e daSEPPIR. Nos dias 6 e 7 de maio, ocorre emSão Paulo o I Encontro preparatório daComissão Organizadora da Conferência daSociedade Civil. (Do site da Seppir).

PREVENÇÃO À ANEMIA FALCIFORME NO RSO Estado do Rio Grande do Sul deu um

passo à frente na efetivação de uma políticapública que leva em consideração as especi-ficidades raciais. A governadora Yeda Crus-sius assinou no dia 19 de março o decreto45.555/08, que instituiu a Política Es-tadual de Atenção Integral às Pessoas comDoença Falciforme e outras Hemoglo-binopatias. O decreto deixa claro o seuobjetivo: "proporcionar um atendimentodiferenciado com eqüidade, inclusão social,

integração e resolutividade".A anemia falciforme é uma doença here-

ditária que pode causar a formação detrombos (coágulos) no organismo dos por-tadores, podendo até levar à morte. Emmédia, a doença ocorre em um a cada 380nascidos vivos, mas a prevalência é maiorentre os indivíduos negros - daí a necessi-dade de se levar em consideração a cor dapele nos atendimentos de saúde da popu-lação brasileira.

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GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008 - 54 - GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008

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Educação contra o racismo

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) é umadaquelas instituições com idoneidade à prova de tudo. Ter onome associado à entidade, então, acaba sendo uma forma deadquirir um pouco de sua credibilidade. E é exatamente issoque, a cada dois, anos centenas de prefeituras brasileiras tentamfazer, se inscrevendo para disputar o Selo Unicef - MunicípioAprovado, concedido às cidades, dispostas a colocar em práticaum conjunto de ações voltadas à melhoria da qualidade de vidae à construção dos direitos das crianças e adolescentes.

Implantado no Brasil desde o ano 2000 (e em Pernambuco,desde a edição de 2006), o Selo Unicef inova este ano ao incluir adimensão racial entre os critérios observados para a concessão doprêmio. A partir de 2008, a cidade que tiver a intenção de con-seguir a chancela do organismo internacional terá que se mostrarcom disposição para implantar a Lei federal 11.645/08 (que atu-alizou a 10.639/03), que institui a inclusão da história e culturaafricana, afro-brasileira e indígena nos currículos escolares.

A Lei é defendida pelo movimento negro brasileiro como pri-mordial para o combate ao racismo no Brasil, já que tem comofoco a educação partindo desde o ensino fundamental - perío-do em que as crianças estão em pleno processo de formação. Eladetermina que em todas as disciplinas sejam incluídos conhe-cimentos sobre a cultura afro-brasileira e o negro na formaçãoda sociedade nacional, resgatando a contribuição deste povopara a identidade brasileira.Na instrução normativa que deverá guiar a implantação da Lei

em Pernambuco, também fica definido que a questão racialdeve ser uma presença constante nas práticas pedagógicas decada escola, de forma a promover o respeito e a valorização dasdiferenças. As expectativas com relação à iniciativa são as me-lhores possíveis, até porque o projeto Selo Unicef abrange os1.124 municípios brasileiros do semi-árido, região historica-mente mais prejudicada pelas desigualdades sociais e falta deinfra-estrutura básica.

INDICADORES"Hoje os professores sequer sabem lidar com situações de dis-

criminação em sala de aula", afirma a coordenadora de progra-mas na área de eqüidade étnico-racial para a infância e ado-lescência do Unicef, Helena Silva. Em janeiro deste ano, elacoordenou uma reunião com 11 especialistas brasileiros nesseassunto - incluindo a coordenadora do GT Racismo doMinistério Público de Pernambuco, procuradora MariaBernadete Martins Azevedo. Do encontro, ocorrido emBrasília, saiu uma lista de indicadores de monitoramento queservirão para verificar o grau de comprometimento do municí-pio com a implantação da Lei. Entre eles estão, por exemplo,percentual de investimentos na educação das relações étnicoraciais, educação continuada e aquisição de material pedagógi-co adequado, o que poderá ser verificado através do orçamentoe prestação de contas das secretarias municipais de educação.De acordo com Helena Silva, o Unicef tem uma série de ori-

entações para os municípios que pretendem concorrer ao Selo,incluindo um material específico sobre a Lei 11.645/06. "Oprimeiro passo deve ser a formação de um grupo de trabalhodentro da Secretaria de Educação. O grupo deve ser integradopor professores, alunos, gestores, que vão mapear a situação domunicípio e traçar estratégias de mobilização da sociedade",afirmou. Outro ponto fundamental é o investimento na for-mação continuada dos professores, que devem estar permanen-temente recebendo informações e treinamento - não só naforma de conhecimentos a serem repassados como conteúdodas disciplinas, mas principalmente no tratamento, junto aosestudantes, das questões raciais e de discriminação que eles pos-sam vivenciar no dia-a-dia, dentro e fora da escola.As orientações do Unicef para as prefeituras - não só quanto à

implantação da Lei, mas todos os pontos avaliados na concessãodo Selo - podem ser encontradas na internet, no endereçoeletrônico www.selounicef.org.br.

Renata Beltrão

DICAS DO UNICEF

Para as Secretarias deEducação

- Conhecer e discutir a Lei.- Conhecer e analisar o perfil étnico-racial e de gênero dos alunosmatriculados na rede municipal.- Criar um grupo de trabalho paracoordenar a implantação da Lei nomunicípio.- Separar verba no orçamento parainvestir na educação das relaçõesétnico-raciais.- Realizar ações de sensibilizaçãodos profissionais da escola - tantoprofessores quanto funcionários.- Adquirir material pedagógicosobre história e cultura afro-brasileira e africana que levem emconsideração os aspectos locais eregionais.

Para as escolas

- Indicar um professor ou grupo deprofessores que serão referênciacom relação à implementação daLei.- Caracterizar as relações étnico raci-ais dentro da escola, considerandoas relações interpessoais.- Registrar permanentemente eavaliar de forma crítica as experiên-cias de ensino/aprendizagem, con-siderando avanços e dificuldades.- Realizar monitoramento e avali-ação das atividades planejadas.

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DICAS DE LEITURA MODA E GLOBALIZAÇÃO

GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008 - 36 - GT RACISMO - NÚMERO 11 - ABRIL 2008

ENTREVISTA

A gestora de programas e coorde-nadora de área de eqüidade étnico-racial para infância e adolescênciado Fundo das Nações Unidas para aInfância (Unicef), Helena Silva,falou ao GT Racismo sobre aimportância de se implantar a Lei11.645/08 como forma de se com-bater o racismo através da edu-cação. Ela também falou sobre oracismo praticado dentro das insti-tuições, problema comum, masainda pouco discutido no Brasil.

Qual sua expectativa com relação àinclusão da Lei 11.649/08 entre osparâmetros avaliados na concessãodo Selo Unicef aos municípios?A gente defende que uma educaçãode qualidade seja direito de todas ascrianças, sejam negras, brancas ou

indígenas. Hoje, no entanto, se veri-fica que o percentual de evasão esco-lar entre negros é muito maior, e épreciso trazer esses alunos de voltapara a sala de aula. Ainda há muitopreconceito dentro das escolas, e cadaprofessor, cada unidade de ensinopode ser um grande aliado no com-bate ao racismo. Nenhuma criançanasce discriminando - ela aprendeisso durante o seu processo de for-mação. Por isso, a escola é um dosatores mais importantes no combateao preconceito.

Além da educação, como os municí-pios podem contribuir para mitigaro racismo no Brasil?Existe uma dimensão que é poucoconsiderada, que é a do racismo nasinstituições, ou racismo institucional,

que muitas vezes acontece de formainconsciente. Trata-se da prática dadiscriminação de quem atende nobalcão da empresa ou do órgão públi-co, da forma desqualificada com queesse atendimento acontece. O própriousuário muitas vezes nem percebe. Épreciso primeiro um esforço no senti-do de observar isso dentro da institu-ição, e depois implementar ações parapromover um atendimento maishumanizado e que respeite todas aspessoas, sem discriminação.

Qual o papel da sociedade comrelação a isso?Todo mundo tem que ter o compro-misso de combater o racismo - asociedade, o Estado, cada um de nós.Todos podemos contribuir de algumaforma.

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HELENA SILVA

>>> O Recife recebe entre os dias 19 e 21de maio o simpósio Moda global e identi-dades locais: roupas e moda na África e noBrasil, evento realizado pela Universidadede Lüneburg, da Alemanha, e trazido àcidade pelo Centro Cultural BrasilAlemanha (CCBA). O simpósio terá comoobjetivo debater a ligação entre o processode globalização e a moda global em contra-posição às tradições e identidades locais devestuário - levando em consideração que a moda também pode ser

encarada como uma forma de afirmação daidentidade. A partir disso, os participantesvão avaliar em que grau a homogenizaçãopromovida pela globalização interfere emgrupos mais fracos social e culturalmente ecomo eles podem, eventualmente, acabartomando parte no próprio processo de glo-balização. As discussões vão se basear emestudos de caso tanto no Brasil quanto naÁfrica. O evento acontecerá no Museu da

Cidade do Recife (Forte das Cinco Pontas).

Em vários pequenos contos,Marcelino Freire trata daquestão racial com humor,ironia e, por vezes, até fúria.Além do preconceito de raça,o homossexualismo e a dis-criminação social tambémsão tratadas em suas peque-nas histórias, escritas numaprosa fluente cujo ritmolembra a poesia. O livro foiadptado para a peça deteatro Negro de Estimação.

CONTOS NEGREIROSMarcelino FreireEditora RecordR$ 23,00

O livro da jornalista Marileide Alves resgata a história doterreiro da Nação Xambá, o primeiro quilombo urbanoreconhecido pela Fundação Cultural Palmares. A autorarecupera detalhes da época do estabelecimento do ter-reiro na localidade do Portão do Gelo, em Olinda; aperseguição durante o Estado Novo e o resgate promovi-do por Mãe Biu, a matriarca da Nação Xambá.

NAÇÃO XAMBÁ - DO TERREIROAOS PALCOSMarileide AlvesR$ 30,00

Foto: www.modeinafrika.de

PERNAMBUCO INICIA CENSO DE QUILOMBOLAS

A Secretaria de Educação (SE) vai realizar oCenso Sócio Educacional nas comunidadesremanescentes de quilombolas. Pelaprimeira vez, os descendentes dos escravosafricanos terão um diagnóstico da realidadesócio-educacional e ambiental que servirácomo base para a construção de uma políti-ca pedagógica focada no respeito às especi-ficidades desses povos. Em Pernambuco,existem cerca de 112 comunidadesQuilombolas identificadas pela pelaFundação Cultural Palmares, apenas duasreconhecidas pelo Governo Federal.

A elaboração do formulário contou com acolaboração da Comissão Estadual deEducação Quilombola e foi discutido nofinal de abril em um encontro com repre-sentantes das comunidades, ocorrido emGravatá e organizado pela Coordenadoriade Educação do Campo. O formulário bus-cará informações sobre o nível educacional,número de escolas, qualificação dos profes-sores e grade curricular. Os dados irão com-plementar as informações já existentes nocenso escolar de 2007. (Do site da SecretariaEstadual de Educação).

NOVA LEI FEDERAL REVOGA A 10.639/03Nova alteração na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação agora obriga também ainclusão da cultura e história indígenas noscurrículos das escolas públicas e particu-lares de ensino fundamental e médio doPaís. A Lei 11.645/08, em vigor desde o dia10 de março, revoga a Lei 10.639/03, atu-alizando-a. A 10.639 já exigia que o sis-tema de ensino brasileiro incluísse aquestão racial entre suas práticas pedagógi-

cas, levando em consideração o ensinotransversalizado da cultura e história deafricanos e afro-descendentes no País.A atualização da Lei para abarcar também

a participação indígena na formação daidentidade brasileira era uma necessidadeóbvia. A população indígena, apesar detutelada pelo Estado e alvo de programasespecíficos de educação nas tribos, vinhasendo tratada pela sistema de Educação

com a mesma superficialidade de que sem-pre foi alvo também a população negra.

A coordenadora do GT Racismo doMPPE, procuradora Maria Bernadete Mar-tins Azevedo, reforça apenas para a necessi-dade da efetiva implementação da Lei.“Essa alteração não pode servir de pretextopara que haja um retrocesso com relação aoque o movimento negro já conseguiu, porexemplo nos materiais didáticos”, afirma.

Encontro de quilombolas em Gravatá

Foto: Divulgação