Nocoes Basicas de Epidemiologia

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1 NO˙ÕES B`SICAS DE EPIDEMIOLOGIA Ana M. B. Menezes INTRODU˙ˆO A Epidemiologia Ø a ciŒncia que estuda os padrıes da ocorrŒncia de doenças em populaçıes humanas e os fatores determinantes destes padrıes (Lilienfeld, 1980). Enquanto a clínica aborda a doença em nível individual, a epidemiolo- gia aborda o processo saœde-doença em grupos de pessoas que podem variar de pequenos grupos atØ populaçıes inteiras. O fato de a epidemiologia, por muitas vezes, estudar morbidade, mortalidade ou agravos à saœde, deve-se, simplesmente, às limitaçıes metodológicas da definiçªo de saœde. USOS DA EPIDEMIOLOGIA Por algum tempo prevaleceu a idØia de que a epidemiologia restringia-se ao estudo de epidemias de doenças transmissíveis. Hoje, Ø reconhecido que a epidemiologia trata de qualquer evento relacionado à saœde (ou doença) da populaçªo. Suas aplicaçıes variam desde a descriçªo das condiçıes de saœde da populaçªo, da investigaçªo dos fatores determinantes de doenças, da avalia- çªo do impacto das açıes para alterar a situaçªo de saœde atØ a avaliaçªo da utilizaçªo dos serviços de saœde, incluindo custos de assistŒncia. Dessa forma, a epidemiologia contribui para o melhor entendimento da saœde da populaçªo - partindo do conhecimento dos fatores que a determinam e provendo, conseqüentemente, subsídios para a prevençªo das doenças. 1

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  • 1NOES B`SICAS DE

    EPIDEMIOLOGIA

    Ana M. B. Menezes

    INTRODUOA Epidemiologia a cincia que estuda os padres da ocorrncia de

    doenas em populaes humanas e os fatores determinantes destespadres (Lilienfeld, 1980).

    Enquanto a clnica aborda a doena em nvel individual, a epidemiolo-gia aborda o processo sade-doena em grupos de pessoas que podemvariar de pequenos grupos at populaes inteiras. O fato de a epidemiologia,por muitas vezes, estudar morbidade, mortalidade ou agravos sade,deve-se, simplesmente, s limitaes metodolgicas da definio de sade.

    USOS DA EPIDEMIOLOGIAPor algum tempo prevaleceu a idia de que a epidemiologia restringia-se

    ao estudo de epidemias de doenas transmissveis. Hoje, reconhecido que aepidemiologia trata de qualquer evento relacionado sade (ou doena) dapopulao.

    Suas aplicaes variam desde a descrio das condies de sade dapopulao, da investigao dos fatores determinantes de doenas, da avalia-o do impacto das aes para alterar a situao de sade at a avaliao dautilizao dos servios de sade, incluindo custos de assistncia.

    Dessa forma, a epidemiologia contribui para o melhor entendimento dasade da populao - partindo do conhecimento dos fatores que a determiname provendo, conseqentemente, subsdios para a preveno das doenas.

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  • SADE E DOENA

    Sade e doena como um processo binrio, ou seja, presena/ausncia, uma forma simplista para algo bem mais complexo. O que se encontra usual-mente, na clnica diria, um processo evolutivo entre sade e doena que,dependendo de cada paciente, poder seguir cursos diversos, sendo que nemsempre os limites entre um e outro so precisos. Essa progresso pode seguiralguns padres, como mostra a Fig. 1-1.

    1. Evoluo aguda e fatal Exemplo: estima-se que cerca de 10% dospacientes portadores de trombose venosa profunda acabam apresentan-do pelo menos um episdio de tromboembolismo pulmonar, e que 10%desses vo ao bito (Moser, 1990).

    2. Evoluo aguda, clinicamente evidente, com recuperao Exemplo:paciente jovem, hgido, vivendo na comunidade, com quadro viral de viasareas superiores e que, depois de uma semana, inicia com febre, tosseprodutiva com expectorao purulenta, dor ventilatria dependente econsolidao na radiografia de trax. Aps o diagnstico de pneumoniapneumoccica e tratamento com beta-lactmicos, o paciente repete aradiografia e no se observa seqela alguma do processo inflamat-rio-infeccioso (j que a definio de pneumonia implica recuperao doparnquima pulmonar).

    3. Evoluo subclnica Exemplo: primo-infeco tuberculosa: a chegadado bacilo de Koch nos alvolos reconhecida pelos linfcitos T, que iden-tificam a cpsula do bacilo como um antgeno e provocam uma reaoespecfica com formao de granuloma; assim acontece o chamadocomplexo primrio (leso do parnquima pulmonar e adenopatia). Na

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Fig. 1-1. Padres de progresso das doenas (Pereira, 1995).

    Evoluo clnica bito

    InvalidezCronicidadeLimiar clnico

    Recuperao da sadeTempo

    Evoluo subclnica

    Inte

    nsid

    ade

    dopr

    oces

    so

    a

    b d

    c

    e

  • maioria das pessoas, a primo-infeco tuberculosa adquire uma formasubclnica sem que o doente sequer percebe sintomas de doena.

    4. Evoluo crnica progressiva com bito em longo ou curto prazo Exemplo: fibrose pulmonar idioptica que geralmente tem um curso ine-xorvel, evoluindo para o bito por insuficincia respiratria e hipoxemiasevera. As maiores sries da literatura (Turner-Warwick, 1980) relatamuma sobrevida mdia, aps o surgimento dos primeiros sintomas, inferi-or a cinco anos, sendo que alguns pacientes evoluem para o bito entre 6e 12 meses (Stack, 1972). J a DPOC serve como exemplo de uma doen-a com evoluo progressiva e bito em longo prazo, dependendo funda-mentalmente da continuidade ou no do vcio do tabagismo.

    5. Evoluo crnica com perodos assintomticos e exacerbaes Exemplo: a asma brnquica um dos exemplos clssicos, com perodosde exacerbao e perodos assintomticos. Hoje, sabe-se que, apesardessa evoluo, a funo pulmonar de alguns pacientes asmticos podeno retornar aos nveis de normalidade (Pizzichini, 2001).

    Essa a histria natural das doenas ,que, na ausncia da interfernciamdica, pode ser subdividida em quatro fases:

    a) Fase inicial ou de susceptibilidade.b) Fase patolgica pr-clnica.c) Fase clnica.d) Fase de incapacidade residual.

    Na fase inicial, ainda no h doena, mas, sim, condies que a favore-am. Dependendo da existncia de fatores de risco ou de proteo, algunsindivduos estaro mais ou menos propensos a determinadas doenas do queoutros. Exemplo: crianas que convivem com mes fumantes esto em maiorrisco de hospitalizaes por IRAS no primeiro ano de vida, do que filhos demes no-fumantes (Macedo, 2000). Na fase patolgica pr-clnica, adoena no evidente, mas j h alteraes patolgicas, como acontece nomovimento ciliar da rvore brnquica reduzido pelo fumo e contribuindo,posteriormente, para o aparecimento da DPOC. A fase clnica correspondeao perodo da doena com sintomas. Ainda no exemplo da DPOC, a faseclnica varia desde os primeiros sinais da bronquite crnica como aumentode tosse e expectorao at o quadro de cor pulmonale crnico, na fase finalda doena.

    Por ltimo, se a doena no evoluiu para a morte nem foi curada, ocorremas seqelas da mesma; ou seja, aquele paciente que iniciou fumando, posteri-ormente desenvolveu um quadro de DPOC, evoluiu para a insuficincia respi-ratria devido hipoxemia e passar a apresentar severa limitao funcional fase de incapacidade residual.

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • Conhecendo-se e atuando-se nas diversas fases da histria natural dadoena, poder-se- modificar o curso da mesma; isso envolve desde as a-es de preveno consideradas primrias at as tercirias, para comba-ter a fase da incapacidade residual.

    PREVENOAs aes primrias dirigem-se preveno das doenas ou manuteno

    da sade. Exemplo: a interrupo do fumo na gravidez seria uma importantemedida de ao primria, j que mes fumantes, no estudo de coorte de Pelo-tas de 1993, tiveram duas vezes maior risco para terem filhos com retardo decrescimento intra-uterino e baixo peso ao nascer sendo esse um dos determi-nantes mais importantes de mortalidade infantil (Horta, 1997). Aps a instala-o do perodo clnico ou patolgico das doenas, as aes secundriasvisam a faz-lo regredir (cura), ou impedir a progresso para o bito, ou evitaro surgimento de seqelas. Exemplo: o tratamento com RHZ para a tuberculo-se proporciona cerca de 100% de cura da doena e impede seqelas impor-tantes como fibrose pulmonar, ou cronicidade da doena sem resposta ao tra-tamento de primeira linha e a transmisso da doena para o resto da popula-o. A preveno atravs das aes tercirias procura minimizar os danos jocorridos com a doena. Exemplo: a bola fngica que, usualmente um res-duo da tuberculose e pode provocar hemoptises severas, tem na cirurgia seutratamento definitivo (Hetzel, 2001).

    CAUSALIDADE EM EPIDEMIOLOGIAA teoria da multicausalidade ou multifatorialidade tem hoje seu papel defi-

    nido na gnese das doenas, em substituio teoria da unicausalidade quevigorou por muitos anos. A grande maioria das doenas advm de umacombinao de fatores que interagem entre si e acabam desempenhandoimportante papel na determinao das mesmas. Como exemplo dessas mlti-plas causas chamadas causas contribuintes citaremos o cncer de pul-mo. Nem todo fumante desenvolve cncer de pulmo, o que indica que houtras causas contribuindo para o aparecimento dessa doena. Estudos mos-traram que, descendentes de primeiro grau de fumantes com cncer de pul-mo tiveram 2 a 3 vezes maior chance de terem a doena do que aqueles sema doena na famlia; isso indica que h uma suscetibilidade familiar aumenta-da para o cncer de pulmo. Ativao dos oncogenes dominantes e inativaode oncogenes supressores ou recessivos so leses que tm sido encontradasno DNA de clulas do carcinoma brnquico e que reforam o papel de deter-minantes genticos nesta doena (Srivastava, 1995).

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

  • A determinao da causalidade passa por nveis hierrquicos distintos,sendo que alguns desses fatores causais esto mais prximos do que outrosem relao ao desenvolvimento da doena. Por exemplo, fatores biolgicos,hereditrios e socioeconmicos podem ser os determinantes distais daasma infantil so fatores a distncia que, atravs de sua atuao em outrosfatores, podem contribuir para o aparecimento da doena (Fig. 1-2). Por outrolado, alguns fatores chamados determinantes intermedirios podemsofrer tanto a influncia dos determinantes distais como estar agindo em fato-res prximos doena, como seria o caso dos fatores gestacionais, ambien-tais, alrgicos e nutricionais na determinao da asma; os fatores que estoprximos doena os determinantes proximais , por sua vez, tambmpodem sofrer a influncia daqueles fatores que esto em nvel hierrquicosuperior (determinantes distais e intermedirios) ou agirem diretamente nadeterminao da doena. No exemplo da asma, o determinante proximalpode ser um evento infeccioso prvio.

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

    Fig. 1-2. Determinao de causalidade na asma brnquica.

    Fatoresbiolgicos

    Fatoreshereditrios Fatores socioeconmicos

    Fatoresgestacionais

    Fatores ambientais Fatores alrgicos

    Fatores nutricionais

    Evento infeccioso prvio

    Asma

    FALTAM SINAIS NESTAFIGURA

  • Critrios de causalidade de HillSomente os estudos experimentais estabelecem definitivamente a causa-

    lidade, porm a maioria das associaes encontradas nos estudos epidemio-lgicos no causal. O Quadro 1-1 mostra os nove critrios para estabelecercausalidade segundo trabalho clssico de Sir Austin Bradford Hill.

    Fora da associao e magnitude. Quanto mais elevada a medida deefeito, maior a plausibilidade de que a relao seja causal. Por exemplo: estu-do de Malcon sobre fumo em adolescentes mostrou que a fora da associaoentre o fumo do adolescente e a presena do fumo no grupo de amigos foi damagnitude de 17 vezes; ou seja, adolescentes com trs ou mais amigosfumando tm 17 vezes maior risco para serem fumantes do que aqueles semamigos fumantes (Malcon, 2000).

    Consistncia da associao. A associao tambm observada emestudos realizados em outras populaes ou utilizando diferentes metodolo-gias? possvel que, simplesmente por chance, tenha sido encontrada deter-minada associao? Se as associaes encontradas foram conseqncia doacaso, estudos posteriores no devero detectar os mesmos resultados.Exemplo: a maioria, seno a totalidade dos estudos sobre cncer de pulmo,detectou o fumo como um dos principais fatores associados a esta doena.

    Especificidade. A exposio est especificamente associada a um tipo dedoena, e no a vrios tipos (esse um critrio que pode ser questionvel).Exemplo: poeira da slica e formao de mltiplos ndulos fibrosos no pulmo(silicose).

    Seqncia cronolgica (ou temporalidade). A causa precede o efeito? Aexposio ao fator de risco antecede o aparecimento da doena e compat-vel com o respectivo perodo de incubao?

    Nem sempre fcil estabelecer a seqncia cronolgica, nos estudos rea-lizados quando o perodo de latncia longo entre a exposio e a doena.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Quadro1-1. Critrios de causalidade de Hill

    Fora da associao

    Consistncia

    Especificidade

    Seqncia cronolgica

    Efeito doseresposta

    Plausibilidade biolgica

    Coerncia

    Evidncias experimentais

    Analogia

  • Exemplo: nos pases desenvolvidos, a prevalncia de fumo aumentou signifi-cativamente durante a primeira metade do sculo, mas houve um lapso devrios anos at detectar-se o aumento do nmero de mortes por cncer depulmo. Nos EUA, por exemplo, o consumo mdio dirio de cigarros, emadultos jovens, aumentou de um, em 1910, para quatro, em 1930, e 10 em1950, sendo que o aumento da mortalidade ocorreu aps vrias dcadas.Padro semelhante vem ocorrendo na China, particularmente no sexo mascu-lino, s que com um intervalo de tempo de 40 anos: o consumo mdio diriode cigarros, nos homens, era um em 1952, quatro em 1972, atingindo 10 em1992. As estimativas, portanto, so de que 100 milhes dos homens chineses,hoje com idade de 0-29 anos, morrero pelo tabaco, o que implicar a trs mi-lhes de mortes, por ano, quando esses homens atingirem idades mais avan-adas (Liu, 1998).

    Efeito dose-resposta. O aumento da exposio causa um aumento doefeito? Sendo positiva essa relao, h mais um indcio do fator causal.

    Exemplo: os estudos prospectivos de Doll e Hill (Doll, 1994) sobre a mor-talidade por cncer de pulmo e fumo, nos mdicos ingleses, tiveram umseguimento de 40 anos (1951-1991). As primeiras publicaes dos autores jmostravam o efeito dose-resposta do fumo na mortalidade por cncer de pul-mo; os resultados finais desse acompanhamento revelavam que fumantesde 1 a 14 cigarros/dia, de 15 a 24 cigarros/dia e de 25 ou mais cigarros/diamorriam 7,5 para 8 vezes mais, 14,9 para 15 e 25,4 para 25 vezes mais do queos no-fumantes, respectivamente.

    Plausibilidade biolgica. A associao consistente com outros co-nhecimentos? preciso alguma coerncia entre o conhecimento existente eos novos achados. A associao entre fumo passivo e cncer de pulmo umdos exemplos da plausibilidade biolgica. Carcingenos do tabaco tm sidoencontrados no sangue e na urina de no-fumantes expostos ao fumo passi-vo. A associao entre o risco de cncer de pulmo em no-fumantes e onmero de cigarros fumados e anos de exposio do fumante diretamenteproporcional (efeito dose-resposta) (Hirayama, 1981).

    Coerncia. Os achados devem ser coerentes com as tendncias tempo-rais, padres geogrficos, distribuio por sexo, estudos em animais etc.

    Evidncias experimentais. Mudanas na exposio resultam emmudanas na incidncia de doena. Exemplo.: sabe-se que os alergnios ina-latrios (como a poeira) podem ser promotores, indutores ou desencadeantesda asma; portanto o afastamento do paciente asmtico desses alergnios capaz de alterar a hiper-responsividade das vias areas (HRVA), a incidncia dadoena ou a precipitao da crise.

    Analogia. O observado anlogo ao que se sabe sobre outra doena ouexposio. Exemplo: bem reconhecido o fato de que a imunossupresso

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • causa vrias doenas; portanto explica-se a forte associao entre AIDS etuberculose, j que, em ambas, a imunidade est diminuda.

    Raramente possvel comprovar os nove critrios para uma determinadaassociao. A pergunta-chave nessa questo da causalidade a seguinte: osachados encontrados indicam causalidade ou apenas associao? O crit-rio de temporalidade, sem dvida, indispensvel para a causalidade; se acausa no precede o efeito, a associao no causal. Os demais critriospodem contribuir para a inferncia da causalidade, mas no necessariamentedeterminam a causalidade da associao.

    INDICADORES DE SADE

    Para que a sade seja quantificada e para permitir comparaes napopulao, utilizam-se os indicadores de sade. Estes devem refletir, comfidedignidade, o panorama da sade populacional. interessante observarque, apesar desses indicadores serem chamados Indicadores de Sade,muitos deles medem doenas, mortes, gravidade de doenas, o que denotaser mais fcil, s vezes, medir doena do que medir sade, como j foi menci-onado anteriormente. O Quadro 1-2 mostra alguns desses indicadores.

    Esses indicadores podem ser expressos em termos de freqncia absolu-ta ou como freqncia relativa, onde se incluem os coeficientes e ndices. Osvalores absolutos so os dados mais prontamente disponveis e, freqente-mente, usados na monitorao da ocorrncia de doenas infecciosas; especi-almente em situaes de epidemia, quando as populaes envolvidas estorestritas ao tempo e a um determinado local, pode assumir-se que a estruturapopulacional estvel e, assim, usar valores absolutos. Entretanto, para com-parar a freqncia de uma doena entre diferentes grupos, deve-se ter emconta o tamanho das populaes a serem comparadas com sua estrutura deidade e sexo, expressando os dados em forma de taxas ou coeficientes.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Quadro 1-2. Indicadores de sade

    Mortalidade/sobrevivncia Morbidade/gravidade/incapacidade funcional Nutrio/crescimento e desenvolvimento Aspectos demogrficos Condies socioeconmicas Sade ambiental Servios de sade

  • Coeficientes (ou taxas ou rates). So as medidas bsicas da ocorrnciadas doenas em uma determinada populao e perodo. Para o clculo doscoeficientes ou taxas, considera-se que o nmero de casos est relacionadoao tamanho da populao que lhes deu origem. O numerador refere-se aonmero de casos detectados que se quer estudar (por exemplo: mortes, doen-as, fatores de risco etc.), e o denominador refere-se a toda populao capazde sofrer aquele evento a chamada populao em risco. O denominador,portanto, reflete o nmero de casos acrescido do nmero de pessoas quepoderiam tornar-se casos naquele perodo de tempo. s vezes, dependendodo evento estudado, preciso excluir algumas pessoas do denominador. Porexemplo, ao calcular-se o coeficiente de mortalidade por cncer de prstata,as mulheres devem ser excludas do denominador, pois no esto expostas aorisco de adquirir cncer de prstata.

    Para uma melhor utilizao desses coeficientes, preciso o esclarecimen-to de alguns pontos:

    1. Escolha da constante (denominador).2. Intervalo de tempo.3. Estabilidade dos coeficientes.4. Populao em risco.

    1. Escolha da constante: a escolha de uma constante serve para evitar queo resultado seja expresso por um nmero decimal de difcil leitura (porexemplo: 0,0003); portanto faz-se a multiplicao da frao por umaconstante (100, 1.000, 10.000, 100.000). A deciso sobre qual constantedeve ser utilizada arbitrria, pois depende da grandeza dos nmerosdecimais; entretanto, para muitos dos indicadores, essa constante j estuniformizada. Por exemplo: para os coeficientes de mortalidade infantilutiliza-se sempre a constante de 1.000 nascidos vivos.

    2. Intervalo de tempo: preciso especificar o tempo a que se referem oscoeficientes estudados. Nas estatsticas vitais, esse tempo geralmentede um ano. Para a vigilncia epidemiolgica (verificao contnua dosfatores que determinam a ocorrncia e a distribuio da doena e condi-es de sade), pode decidir-se por um perodo bem mais curto, depen-dendo do objetivo do estudo.

    3. Estabilidade dos coeficientes: quando se calcula um coeficiente paratempos curtos ou para populaes reduzidas, os coeficientes podem tor-nar-se imprecisos e no ser to fidedignos. Gutierrez, no captulo da epi-demiologia da tuberculose, exemplifica de que forma o coeficiente deincidncia para tuberculose pode variar, conforme o tamanho da popula-o. Para contornar esse problema, possvel aumentar o perodo de

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • observao (por exemplo, ao invs de observar o evento por um ano,observ-lo por dois ou trs anos), aumentar o tamanho da amostra(observar uma populao maior) ou utilizar nmeros absolutos no lugarde coeficientes.

    4. Populao em risco: refere-se ao denominador da frao para o clculodo coeficiente. Nem sempre fcil saber o nmero exato desse denomina-dor e muitas vezes recorre-se a estimativas no lugar de nmeros exatos.

    MORBIDADEA morbidade um dos importantes indicadores de sade, sendo um dos

    mais citados coeficientes ao longo desse livro. Muitas doenas causam impor-tante morbidade, mas baixa mortalidade, como a asma. Morbidade um ter-mo genrico usado para designar o conjunto de casos de uma dada afecoou a soma de agravos sade que atingem um grupo de indivduos.

    Medir morbidade nem sempre uma tarefa fcil, pois so muitas as limita-es que contribuem para essa dificuldade (esse tpico ser abordado nocaptulo final do livro).

    Medidas da morbidadePara que se possa acompanhar a morbidade na populao e traar parale-

    los entre a morbidade de um local em relao a outros, preciso que se tenhamedidas-padro de morbidade. As medidas de morbidade mais utilizadas soas que se seguem:

    1. Medida da prevalncia: a prevalncia (P) mede o nmero total de casos,episdios ou eventos existentes em um determinado ponto no tempo. Ocoeficiente de prevalncia, portanto, a relao entre o nmero decasos existentes de uma determinada doena e o nmero de pessoas napopulao, em um determinado perodo. Esse coeficiente pode ser mul-tiplicado por uma constante, pois, assim, torna-se um nmero inteirofcil de interpretar (essa constante pode ser 100, 1.000 ou 10.000). O ter-mo prevalncia refere-se prevalncia pontual ou instantnea. Isso querdizer que, naquele particular ponto do tempo (dia, semana, ms ou anoda coleta, por exemplo), a freqncia da doena medida foi de 10%, porexemplo. Na interpretao da medida da prevalncia, deve ser lembradoque a mesma depende do nmero de pessoas que desenvolveram adoena no passado e continuam doentes no presente. Assim, como j foidescrito no incio do captulo, o denominador a populao em risco.

    Coeficiente de prevalncia =nmero de casos existentes

    nmero de pessoas na populao

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

  • Por exemplo, em uma populao estudada de 1.053 adultos da zonaurbana de Pelotas, em 1991, detectaram-se 135 casos de bronquite crnica;portanto, a prevalncia de bronquite crnica, seguindo a equao abaixo, foide (Menezes, 1994):

    1351.053

    = 12,8%

    2. Medida da incidncia: a incidncia mede o nmero de casos novos deuma doena, episdios ou eventos na populao dentro de um perododefinido de tempo (dia, semana, ms, ano); um dos melhores indicado-res para avaliar se uma condio est diminuindo, aumentando ou per-manecendo estvel, pois indica o nmero de pessoas da populao quepassou de um estado de no-doente para doente. O coeficiente de inci-dncia a razo entre o nmero de casos novos de uma doena queocorre em uma comunidade, em um intervalo de tempo determinado, e apopulao exposta ao risco de adquirir essa doena no mesmo perodo.A multiplicao por uma constante tem a mesma finalidade descrita aci-ma para o coeficiente de prevalncia. A incidncia til para medir a fre-qncia de doenas com uma durao mdia curta, como, por exemplo,a pneumonia, ou doena de durao longa.A incidncia pode ser cumulativa (acumulada) ou densidade de inci-dncia.Incidncia Cumulativa (IC). Refere-se populao fixa, onde no h

    entrada de novos casos naquele determinando perodo. Por exemplo: em umgrupo de trabalhadores expostos ao asbesto, alguns desenvolveram cncer depulmo em um perodo de tempo especificado. No denominador do clculoda incidncia cumulativa, esto includos aqueles que, no incio do perodo,no tinham a doena.

    Incidncia cumulativa =nmero de casos no decorrer do perodopopulao exposta no incio do perodo

    Exemplo: 50 pessoas adquiriram cncer de pulmo do grupo dos 150trabalhadores expostos ao asbesto durante um ano.

    Incidncia cumulativa = 50/150= 0,3= 30 casos novos por 100 habitantes em 1 ano.

    A incidncia cumulativa uma proporo, podendo ser expressa comopercentual ou por 1.000, 10.000 etc. (o numerador est includo no denomina-dor). A IC a melhor medida para fazer prognsticos em nvel individual, pois

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • indica a probabilidade de desenvolver uma doena dentro de um determinadoperodo.

    Densidade de Incidncia (DI). A densidade de incidncia uma medidade velocidade (ou densidade). Seu denominador expresso em popula-o-tempo em risco. O denominador diminui medida que as pessoas, inici-almente em risco, morrem ou adoecem (o que no acontece com a incidnciacumulativa).

    Densidade de incidncia =nmero de casos novos

    populao tempo em risco

    Relao entre incidncia e prevalnciaA prevalncia de uma doena depende da incidncia da mesma (quanto

    maior for a ocorrncia de casos novos, maior ser o nmero de casos existen-tes), como tambm da durao da doena. A mudana da prevalncia podeser afetada tanto pela velocidade da incidncia como pela modificao dadurao da doena. Esta, por sua vez, depende do tempo de cura da doenaou da sobrevivncia.

    A relao entre incidncia e prevalncia segue a seguinte frmula (Vaug-han, 1992):

    PREVALNCIA = INCIDNCIA X DURAO MDIA DA DOENA

    Na Fig. 1-3 observa-se de que forma essa relao acontece, tomandocomo exemplo um inqurito instantneo de uma morbidade de evoluo rpi-da (Fig. 1-3 A) e uma de evoluo lenta (Fig. 1-3 B). Os traos horizontais dasFig. 1-3 A e B mostram a durao da doena. No incio do ms de abril (Fig.1-3 A), a prevalncia da doena foi de apenas trs casos, sendo que, em mea-dos de setembro, no se detectou nenhum caso devido rpida evoluo dadoena. A medida da incidncia, entretanto, mostrou que aconteceram 17casos novos da doena no decorrer do ano (o que d uma idia mais real damorbidade em estudo). J na Fig. 1-3B, a prevalncia instantnea foi de 5 e 4casos, respectivamente, com a mesma incidncia.

    MORTALIDADEO nmero de bitos (assim como o nmero de nascimentos) uma

    importante fonte para avaliar as condies de sade da populao.Medidas de Mortalidade. Os coeficientes de mortalidade so os mais tra-

    dicionais indicadores de sade, sendo que os principais esto relacionados noQuadro 1-3.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

    Quadro 1-3. Principais coeficientes de mortalidade

    Coeficiente de mortalidade geral

    Coeficiente de mortalidade infantil

    Coeficiente de mortalidade neonatal precoce

    Coeficiente de mortalidade neonatal tardia

    Coeficiente de mortalidade perinatal

    Coeficiente de mortalidade materna

    Coeficiente de mortalidade especfico por doena

    Fig. 1-3. (A e B) Relao entre prevalncia e incidncia de uma doena hipottica (Kloetzel,1973). (A) Doena de evoluo rpida. (B) Doena de evoluo lenta (com a mesmaincidncia).

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    A

    B

  • Nesse captulo, sero abordados apenas o coeficiente de mortalidadegeral e o coeficiente especfico por causas respiratrias.

    Coeficiente de mortalidade geral. Obtido pela diviso do nmero total debitos por todas as causas em um ano pelo nmero da populao naqueleano, multiplicado por 1.000. Exemplo: no RS, em 1997, houve 63.961 bitose a populao estimada era de 9.762.110; portanto o coeficiente de mortali-dade geral para o estado, no ano de 1997, foi de 6,55 (Estatsticas de Sade,1997).

    Coeficiente de mortalidade especfico por doenas respiratrias. pos-svel obterem-se os coeficientes especficos por determinada causa, como,por exemplo, o coeficiente por causas externas, por doenas infecciosas, porneoplasias, por AIDS, por tuberculose, dentre outros. Da mesma forma,pode-se calcular os coeficientes conforme a idade e o sexo. Estes coeficientespodem fornecer importantes dados sobre a sade de um pas, e, ao mesmo,tempo fornecer subsdios para polticas de sade.

    Exemplo: o coeficiente de mortalidade por tuberculose no RS para o anode 2.000 foi de 51,5 por 100.000 habitantes.

    O coeficiente de mortalidade infantil refere-se ao bito de crianas meno-res de um ano e um dos mais importantes indicadores de sade. O coeficientede mortalidade perinatal compreende os bitos fetais (a partir de 28 semanasde gestao) mais os neonatais precoces (bitos de crianas de at seis dias devida). Outro importante indicador de sade que vem sendo bastante utilizado,nos ltimos anos, o coeficiente de mortalidade materna, que diz respeito aosbitos por causas gestacionais (Estatsticas de Sade, 1997).

    LetalidadeA letalidade refere-se incidncia de mortes entre portadores de uma

    determinada doena, em um certo perodo de tempo, dividida pela populaode doentes. importante lembrar que, na letalidade, o denominador onmero de doentes.

    Padronizao dos coeficientesComo, na maioria das vezes, a incidncia ou prevalncia de uma doena

    varia com o sexo e o grupo etrio, a comparao das taxas brutas de duas oumais populaes s faz sentido se a distribuio por sexo e idade das mesmasfor bastante prxima.

    Sendo essa uma situao absolutamente excepcional, o pesquisador fre-qentemente v-se obrigado a recorrer a uma padronizao (ou ajustamen-to), a fim de eliminar os efeitos da estrutura etria ou do sexo sobre as taxas aserem analisadas.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

  • Para um melhor entendimento, examinemos, por exemplo, os ndices(1980) de mortalidade da Frana e do Mxico. Caso a anlise limite-se comparao das taxas brutas 368 e 95 por 100.000 habitantes/ano, respec-tivamente, pode parecer que h uma grande diferena entre os padres demortalidade dos dois pases. Entretanto, ao considerar-se a grande diferenana distribuio etria dos mesmos, com o predomnio no Mxico de gruposcom menor idade, torna-se imprescindvel a padronizao. Uma vez efetuadaa padronizao por idade, o contraste entre os dois pases desaparece, resul-tando taxas de 164 e 163 por 100.000 habitantes/ano, respectivamente(WHO, 1987).

    Esses ndices ajustados so na verdade fictcios, prestando-se somentepara fins de comparao.

    H duas maneiras de realizar-se a padronizao.

    1. Mtodo direto: este mtodo exige uma populao padro que poderser a soma de duas populaes a serem comparadas (A e B) ou umapopulao padro. obtido multiplicando-se a distribuio da populaopadro conforme a idade pelos coeficientes de mortalidade (por exem-plo) de cada uma das populaes a serem estudadas (A e B).

    2. Mtodo indireto: utiliza-se o mtodo indireto quando os coeficientesespecficos por idade da populao que se quer estudar no so co-nhecidos, embora se saiba o nmero total de bitos. Empregando-seuma segunda populao (padro) semelhante populao que se querestudar cujos coeficientes sejam conhecidos, multiplica-se o coeficien-te por idades da populao padro pelo nmero de bitos de cada cate-goria de idade, chegando, assim, ao nmero de mortes que seria espera-do na populao que est sendo estudada. O nmero total de mortesesperado dessa populao confrontado com o nmero de mortes efeti-vamente ocorridas nessa populao, resultando no que se convencionouchamar de razo padronizada de mortalidade (RPM) (Ahlbom, 1990).

    RPM = BITOS OBSERVADOS/BITOS ESPERADOS

    A RPM maior ou menor do que um indica que ocorreram mais ou menosmortes do que o esperado, respectivamente.

    Resumindo, as taxas brutas so facilmente calculadas e rapidamente dis-ponveis; entretanto so medidas difceis de interpretar e de serem compara-das com outras populaes, pois dependem das variaes na composio dapopulao. Taxas ajustadas minimizam essas limitaes, entretanto so fict-cias e sua magnitude depende da populao selecionada.

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • TIPOLOGIA DOS ESTUDOS EPIDEMIOLGICOSOs estudos epidemiolgicos constituem um timo mtodo para colher

    informaes adicionais no-disponveis a partir dos sistemas rotineiros deinformao de sade ou de vigilncia. Os estudos descritivos so aqueles emque o observador descreve as caractersticas de uma determinada amostra,no sendo de grande utilidade para estudar etiologia de doenas ou eficciade um tratamento, porque no h um grupo-controle para permitir infernciascausais. Como exemplo podem ser citadas as sries de casos em que ascaractersticas de um grupo de pacientes so descritas. Entretanto os estudosdescritivos tm a vantagem de ser rpidos e de baixo custo, sendo muitasvezes o ponto de partida para um outro tipo de estudo epidemiolgico. Suagrande limitao o fato de no haver um grupo-controle, o que impossibilitaseus achados serem comparados com os de uma outra populao. possvelque alguns desses achados aconteam simplesmente por chance e, portanto,tambm aconteceriam no grupo-controle.

    J os estudos analticos pressupem a existncia de um grupo de refe-rncia, o que permite estabelecer comparaes. Estes, por sua vez, de acordocom o papel do pesquisador, podem ser:

    Experimentais (sero discutidos no captulo epidemiologia clnica). Observacionais.

    Nos estudos observacionais, a alocao de uma determinada exposioest fora do controle do pesquisador (por exemplo, exposio fumaa docigarro ou ao asbesto). Eles compreendem (Fig. 1-4):

    Estudo transversal. Estudo de coorte.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Fig. 1-4.Tipos de estudosepidemiolgicos.

    Descritivos

    ObservacionaisExperimentais

    Transversal Coorte Caso-controle Ecolgico

    Analticos

  • Estudo de caso-controle. Estudo ecolgico.

    A seguir, cada um desses estudos sero abordados nos seus principaispontos.

    ESTUDO TRANSVERSAL (CROSS-SECTIONAL) um tipo de estudo que examina as pessoas em um determinado

    momento, fornecendo dados de prevalncia; aplica-se, particularmente, adoenas comuns e de durao relativamente longa. Envolve um grupo de pes-soas expostas e no expostas a determinados fatores de risco, sendo que algu-mas dessas apresentaro o desfecho a ser estudado e outras no. A idia cen-tral do estudo transversal que a prevalncia da doena dever ser maior entreos expostos do que entre os no-expostos, se for verdade que aquele fator derisco causa a doena.

    As vantagens do estudo transversal so a rapidez, o baixo custo, aidentificao de casos e a deteco de grupos de risco. Entretanto algumaslimitaes existem, como, por exemplo, a da causalidade reversa exposioe desfecho so coletados simultaneamente e freqentemente no se sabequal deles precedeu o outro. Nesse tipo de estudo, episdios de doena comlonga durao esto sobre-representados e doenas com durao curta estosub-representadas (o chamado vis de sobrevivncia). Outra desvantagem que se a prevalncia da doena a ser avaliada for muito baixa, o nmero depessoas a ser estudado precisar ser grande.

    A medida de ocorrncia dos estudos transversais a medida da preva-lncia, expressa da seguinte maneira:

    Prevalncia =N casos

    Total=

    a + cN

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

    Doentes Sadios Total

    Expostos a b a + b

    No-expostos c d c + d

    Total a + c b + d N

  • A pesquisa de bronquite crnica, na cidade de Pelotas, no ano de 2000revelou o seguinte (dados no-publicados):

    Prevalncia de bronquite crnica em Pelotas (2000) =308

    1985= 15,5%

    Para obter-se uma melhor estimativa da medida da prevalncia, utiliza-sea medida do intervalo de confiana de 95% (IC 95%). Ao estudar-se umaamostra da populao, e, no todos os habitantes, a medida da prevalnciapode ter uma variao. No exemplo da bronquite crnica, essa prevalnciapode variar de 13,9% a 17,1% dentro de uma margem de 95% de certeza (verfrmula abaixo para o clculo do IC 95%).

    IC 95% = P 1.96 (P (1 P) N)/

    A medida de efeito comumente usada em estudos transversais, a razode prevalncias, ou seja, a expresso numrica da comparao do risco deadoecer entre um grupo exposto a um determinado fator de risco e um grupono-exposto:

    Razo de Prevalncias =Prevalncias nos expostos

    Prevalncias nos no - expostos

    Seguindo o mesmo exemplo da bronquite crnica:

    A razo de prevalncias entre fumantes e no-fumantes de:26999

    , %, %

    =

    2,7, ou seja, os fumantes tm 2,7 vezes mais bronquite crnica dos que osno-fumantes.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Bronquite crnica Sadios Total

    Fumante atual 175 475 650

    No-fumante e ex-fumante 133 1.202 1.335

    Total 308 1.677 1.985

    Bronquite crnica Sadios Total

    Fumante atual 175 475 650

    No-fumante e ex-fumante 133 1.202 1.335

    Total 308 1.677 1.985

  • ESTUDO DE COORTE um tipo de estudo em que um grupo de pessoas com alguma coisa em

    comum (nascimento, exposio a um agente, trabalhadores de uma indstriaetc.) acompanhado ao longo de um perodo de tempo para observar-se aocorrncia de um desfecho. Por exemplo, uma coorte de nascimentos podeser um grupo de pessoas que nasceram no mesmo ano, e, a partir da soacompanhadas por um perodo para avaliar-se um desfecho como a mortali-dade infantil, as hospitalizaes no primeiro ano de vida, a durao daamamentao ou outro desfecho qualquer. Sendo a dimenso tempo a basedo estudo de coorte, torna-se possvel determinar a incidncia de doenas. Noincio do acompanhamento do estudo de coorte, os participantes devem estarlivres da doena ou do desfecho sob estudo, segundo os critrios empricosusados para medir a doena. O princpio lgico do estudo de coorte aidentificao de pessoas sadias, a classificao das mesmas em expostas eno-expostas ao fator de risco e o acompanhamento destes dois grupos porum perodo de tempo suficientemente longo para que haja o aparecimento dadoena. A anlise do estudo ser a comparao da incidncia da doena emestudo entre os indivduos expostos e entre os no-expostos. Esse tipo decoorte a coorte prospectiva. A coorte histrica ou retrospectiva quando aexposio medida atravs de informaes colhidas do passado e o desfecho medido daquele momento em diante.

    Os estudos de coorte so excelentes para avaliar vrias exposies edoenas ao mesmo tempo; esto indicados para doenas freqentes e doen-as que levam seleo dos mais saudveis; por outro lado, sendo estudoscaros e demorados, as perdas de acompanhamento podem distorcer o estu-do, no servem para doenas raras e as associaes podem ser afetadas porvariveis de confuso.

    INCIDNCIA CUMULATIVA =casos novos

    populao inicial

    DENSIDADE DE INCIDNCIA =casos novos

    pessoas ano em risco

    A medida de efeito no estudo de coorte a razo de taxa de incidncia,comumente referida como risco relativo (RR).

    O RR pode ser interpretado como quantas vezes maior o risco entre osexpostos comparados aos no-expostos. Um risco relativo de 1,5 significa queo risco entre os expostos 50% maior [(RR 1) X 100%] do que entre osno-expostos. Quando se estudam fatores de proteo, o RR ser menor doque um. Por exemplo, o estudo das hospitalizaes por pneumonia at umano de idade nas crianas da coorte de 1993, em Pelotas, mostrou um riscode 0,20 para as crianas da classe social mais elevada (burguesia, segundo a

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

  • classificao de Bronfman, 1988), em relao s crianas de classes baixas, oque significa que houve uma reduo da incidncia de 80% nas hospitaliza-es por pneumonia nessas crianas [(1 RR) x 100%] (Csar, 1997).

    ESTUDO DE CASOS E CONTROLESO estudo de casos e controles parte do desfecho (do efeito ou da doena)

    para chegar exposio. O grupo, tanto de casos quanto de controles, noprecisa ser necessariamente representativo da populao em geral. Os casospodem ser um subgrupo de pessoas, desde que atendam aos critrios de ele-gibilidade previamente estabelecidos pelo pesquisador. Por exemplo, o pro-psito do investigador pode ser o estudo de pacientes com asma grave querequeiram hospitalizao. A populao de origem dos casos, portanto, apopulao de asmticos, e desta mesma populao devem originar-se oscontroles. Os controles devem representar a populao de onde se origina-ram os casos, e no a populao geral.

    Definio dos casosA definio dos casos ou eventos necessita de critrios objetivos; se o pro-

    jeto pretende estudar cncer de pulmo, preciso que os casos sejam confir-mados atravs de laudos anatomopatolgicos, e no casos possveis ou pro-vveis. Outro cuidado nesse tipo de estudo, refere-se durao da doena; seos casos estudados forem casos prevalentes, aqueles que sobrevivem pormais tempo estaro sobre-representados na amostra. Com casos incidentes,no ocorre esse problema. Uma alternativa, se quisermos incluir casos preva-lentes, estipular que somente podero entrar no estudo casos que tenhamsido diagnosticados h, no mximo, por exemplo, seis meses, e no casosdiagnosticados h muito tempo.

    Fonte dos casos. As fontes dos casos podem ser:1. Fontes de base populacional: aqui a chance de ocorrer vis de seleo

    menor, pois teoricamente todos os casos podem ser includos no estudo.As fontes de base populacional podem ser atravs de: Registros de mortalidade. Registros de morbidade exemplo: registros de doenas infecciosas etc..

    2. Fontes ligadas a servios mdicos: Hospitais incluir todos os hospitais do local. Centros de sade.Critrios de incluso e excluso. Os mesmos critrios de incluso e

    excluso para os casos devem ser aplicados aos controles. Por exemplo, parasimplificar o estudo em termos logsticos, decide-se estudar casos de cncerde pulmo somente da zona urbana de uma localidade; os controles tambmdevero ser apenas da zona urbana.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

  • Definio dos controles. Um dos princpios bsicos para a escolha doscontroles que a probabilidade de incluir um controle no pode estar associa-da com o fator de risco em estudo (a exposio), para no ocorrer vis de sele-o. Por exemplo, um controle para um caso de cncer de pulmo no deveser um paciente com cncer de bexiga, j que esse tipo de cncer est bastan-te ligado ao fumo (fator de exposio). Outro item a considerar que o contro-le deve ser algum, que, se desenvolver a doena, deve ser detectado peloestudo e participar como caso.

    Fontes dos controles. As fontes dos controles podem ser:

    Controles hospitalares (ou de servios de sade): pessoas hospitaliza-das nos mesmos hospitais dos casos, mas com outros diagnsticos.

    Controles comunitrios ou populacionais: as pessoas so selecionadasda mesma comunidade de onde se originaram os casos, de forma aleat-ria.

    Os estudos de caso-controle tm como vantagens o fato de que soestatisticamente eficientes, permitem testar hipteses, podem ser rpidos ebaratos, estudarem doenas raras e comuns e, se forem de base populacional,permitirem descrever a incidncia e caractersticas da doena.

    A lgica do estudo de caso-controle estabelece que se o fator de risco cau-sa a doena em estudo, o odds de exposio entre os casos ser maior do queentre os controles. Odds uma palavra inglesa que se refere a um quociente.

    A medida de ocorrncia no estudo de caso-controle a medida da pre-valncia da exposio {(a/a + c) > (b/b + d)}.

    A medida de efeito, no estudo de caso-controle, a razo de odds (RO)ou razo de produtos cruzados, j que no se pode estimar riscos relativos emestudos de casos e controles; a razo de odds a probabilidade de um eventodividido pela probabilidade da ausncia deste evento. Nesse tipo de estudo,apenas as prevalncias das exposies podem ser estimadas. A frmula parao clculo dessa medida de efeito :

    RO =adcb

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

    Casos Controles

    Expostos a b

    No-expostos c d

    Total a + c b + d

  • A interpretao da razo de odds a mesma do RR, ou seja, RO=1 equivalea um RR=1, RO > 1 equivale a um RR > 1 e RO < 1 equivale a um RR < 1.

    Cabe ressaltar que a RO superestima o RR quando este for maior que 1 e osubestima quando este for menor que 1 (Rodrigues, 1990).

    Quanto maior for a prevalncia da doena entre os no-expostos e quantomaior o risco relativo, maior ser a diferena entre a RO e a razo de prevaln-cia ou o RR.

    Um estudo de casos e controles para tuberculose em Pelotas revelou oseguinte (Menezes, 1998):

    Portanto, as pessoas de cor no-branca tiveram cerca de quatro vezes maischance de terem tuberculose do que as de cor branca (51 264/101 31).

    Estudo ecolgicoNos estudos ecolgicos, a unidade de observao um grupo de pessoas, e

    no o indivduo, como nos outros tipos de estudos at aqui comentados. Essesgrupos podem ser turmas de alunos em escolas, fbricas, cidades, pases etc.

    O princpio do estudo o de que, nas populaes onde a exposio maisfreqente, a incidncia das doenas ou a mortalidade sero maiores.

    Incidncia e mortalidade so as medidas mais usadas para quantificar aocorrncia de doenas nesse estudo.

    A anlise de correlao mostrar a associao entre o fator de risco e adoena (isso no quer dizer relao de causaefeito).

    Os estudos ecolgicos so conhecidos como estudos de correlao. freqente a utilizao de dados secundrios para os estudos ecolgicos, poisseria muito dispendioso e demorado realizar uma pesquisa para obterem-sedados primrios em grandes grupos. O estudo ecolgico pode utilizar dadosprimrios, quando, por exemplo, o propsito do estudo averiguar difuso dedoenas infecciosas.

    Fontes dos dados sobre doena Registros de mortalidade. Registros de morbidade. Dados censitrios sobre morbi-mortalidade e populao.

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    EPIDEMIOLOGIA DAS DOENAS RESPIRATRIAS

    Casos com tuberculose Controles

    Cor preta 51 31

    Cor branca 101 264

    Total 152 295

  • Fontes dos dados sobre exposio Censos demogrficos. Censos econmicos. Dados de produo ou consumo.

    Um dos exemplos de estudo ecolgico o de Victora (1980) sobremortalidade infantil conforme a estrutura agrria do Rio Grande do Sul.

    Medidas de impactoEstas medidas servem para saber quanto de uma doena ocasionada

    por um determinado fator de risco e quanto da mesma seria prevenvel se ofator de risco fosse eliminado.

    Risco atribuvel populacional (ou frao etiolgica) Calculado confor-me a frmula abaixo. Exemplo: um estudo de casos e controles sobre cncerde pulmo e fumo em Pelotas mostrou um risco atribuvel populacional de71% para fumo.

    Risco atribuvel populacional =freqncia da exposio (RR 1)

    1 + freqncia da

    exposio (RR 1)

    O clculo foi obtido com os seguintes dados oriundos do estudo: Freqncia do fumo na populao estudada 34%; Odds ratio (ou risco relativo) para fumantes atuais 8,0.

    RAP =0 34

    0 34,

    ,(8,0 1)

    (8,0 1) + 1= 0,71 (71%)

    Isso significa que 71% das mortes por cncer de pulmo foram decorren-tes do fumo.

    No caso de uma exposio que previne a doena, usa-se a medida:

    Frao prevenvel Demonstra quanto de uma doena pode ser prevenvelse o fator protetor estiver presente. Pode ser calculada pela frmula abaixo:

    Frao prevenvel =freqncia da exposio (1 RR)

    RR + freqncia da

    exposio (1 RR)

    No caso de uma vacina aplicada em 90% da populao e cujo RR seja 0,2(ou seja, proteo de 80%), a frao prevenvel de 78%.

    Frao prevenvel =090, (1 0,2)

    0,2 + 0,90 (1 0,2)

    Se a cobertura da vacina fosse de 100%, a FP seria de 80%.

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    NOES BSICAS DE EPIDEMIOLOGIA

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