Nodari e Guerra 2003 Plantas transgênicas impactos riscos
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BIOSSEGURANÇA DE PLANTAS TRANSGÊNICAS | 105
Rev. Nutr., Campinas, 16(1):105-116, jan./mar., 2003 Revista de Nutrição
COMUNICAÇÃO | SHORT COMMUNICATION
1 Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina. Caixa Postal. 476,88040-900, Florianópolis, SC, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: R.O. NODARI. E-mail: [email protected]
Plantas transgênicas e seus produtos: impactos,riscos e segurança alimentar (Biossegurançade plantas transgênicas)
Transgenic plants and their products: effects, risks and food
safety (Biosafety of transgenic plants)
Rubens Onofre NODARI1
Miguel Pedro GUERRA1
R E S U M O
Este trabalho aborda tópicos relacionados com plantas transgênicas, também chamadas de Organismos
Geneticamente Modificados, alimentos derivados delas e segurança alimentar. As biotecnologias modernas
são ferramentas de grande potencial de reprogramação dos seres vivos. Contudo, o maior problema na
análise de risco destes organismos gerados pela biotecnologia é que seus efeitos não podem ser previstos em
sua totalidade. Os riscos à saúde humana incluem aqueles inesperados, alergias, toxicidade e intolerância. No
ambiente, as conseqüências são a transferência lateral de genes, a poluição genética e os efeitos prejudiciais
a organismos não-alvo. O princípio da equivalência substancial, até agora utilizado, deveria ser abandonado
em favor de um cientificamente embasado. Com a aprovação em janeiro de 2002 do Protocolo Internacional
de Biossegurança, o princípio da precaução foi estabelecido como básico e a rotulagem tornou-se obrigatória.
A percepção pública obriga empresas e cientistas a um maior uso da ciência na análise de risco antes do
consumo destes alimentos.
Termos de indexação: alimentos transgênicos, análise de risco, biossegurança, princípio da precaução,
segurança alimentar.
A B S T R A C T
This paper provides an overview of the effects of transgenic plants, also known as Genetically Modified
Organisms, and food safety. Modern biotechnologies are powerfull tools in reprogramming life. However, a
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major problem in the risk assessment of the organisms produced by biotechnology is that the outcome of
transformations can not be fully foreseen. Potential risks to human health include unpredicted side-effects,
allergy, toxicity and intolerance. The main effects on the environment include the gene lateral transfer, genetic
pollution, and damage to non-target species. The substantial equivalence principle should be abandoned in
favor of more scientific criteria. With the Biosafety Protocol approved January 2000, the precautionary principle
was reaffirmed and the labeling became compulsory. The public perception reached a stage where restrictions
on the consumption of genetically modified foods are imposed, compelling enterprises and scientists to a science-
based approach for the risk assessment analysis.
Index terms: transgenic foods, risk assessment, biosafety, precautionary principle, food safety.
I N T R O D U Ç Ã O
O cultivo de plantas transgênicas, assimcomo o consumo humano e animal de seusderivados, é um evento recente, revestindo-se deinteresses, impactos e conflitos múltiplos,constituindo um tema sobre o qual predominamas discussões científicas, éticas, econômicas epolíticas nesta transição de século. Mundialmentehá um debate sobre os impactos dos OrganismosGeneticamente Modificados (OGM) na saúdehumana e animal e no meio ambiente, e sobreuma possível reformulação nos modelos deexploração agrícola em vigência no mundo.
Considerando a abrangência multidisci-plinar do assunto, este artigo procura abordar eaprofundar alguns dos aspectos mais relevantessobre o tema, com ênfase sobre a segurançaquanto ao uso alimentar dos produtos transgênicos.
As plantas transgênicas e seus produtostêm sido aceitos nos EUA, mas rejeitados nospaíses da União Européia. No Brasil, a liberaçãopara o cultivo da soja transgênica e a posteriordecisão judicial de suspensão temporária destaliberação por ação impetrada pelo Instituto deDefesa do Consumidor (IDEC) e pelo Greenpeace,tendo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) comolitisconsorte, acirraram a discussão em todos ossetores da sociedade. Por isto, a Comissão TécnicaNacional de Biossegurança (CTNBio) passou aassumir importância fundamental no tocante aoscuidados necessários para a análise e liberaçãode plantas transgênicas. O motivo maior desta
polêmica é a falta de dados científicos quepermitam uma avaliação conclusiva para aliberação comercial.
Está prevista no artigo 19 da Convençãosobre a Diversidade Biológica (CDB) a existênciade um protocolo internacional sobre os OGM,devidamente aprovado em janeiro de 2000, naConferência de Partes, realizada em Montreal.Em nível nacional, está também em debate oaperfeiçoamento do arcabouço legal sobre oassunto como condição importante paraproporcionar clareza e eficácia ao sistema deavaliação e gestão dos OGM.
A transgenia é uma técnica que podecontribuir de forma significativa para omelhoramento genético de plantas, visando aprodução de alimentos, fibras e óleos, comotambém a fabricação de fármacos e outrosprodutos industriais (Nodari & Guerra, 2000). Acompetência para desenvolver novas variedadesou produtos alimentícios é altamente dependentede recursos humanos qualificados, deinvestimentos substanciais no sistema de Ciênciae Tecnologia (C&T), de domínio de conhecimentocientífico e de disponibilidade de germoplasma,requerendo, sobretudo, enfoque interdisciplinar.Contudo, o cultivo de plantas transgênicas acampo e consumo requerem ainda análises derisco.
Desta forma, há uma série de desafios aserem superados para poder usufruir os benefíciosdecorrentes do uso das biotecnologias modernas.A pertinência da sua utilização é dependente de
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inúmeros fatores, o que proporciona altacomplexidade à sua definição. O próprio exercícioda discussão da implantação de uma tecnologiapor parte da sociedade, como está ocorrendo pelaprimeira vez na história do Brasil, constitui umdesafio.
Afirma-se com frequência que o insumomais importante para o novo milênio é oconhecimento. As tecnologias decorrentes desteconhecimento poderão acentuar assimetrias nasrelações econômicas entre as nações, caso nãosejam estabelecidos mecanismos compensatóriose regulatórios.
B I O S S E G U R A N Ç A
Biossegurança, na visão da Food andAgriculture Organization (FAO) (Food..., 1999),significa o uso sadio e sustentável em termos demeio ambiente de produtos biotecnológicos e suasaplicações para a saúde humana, biodiversidadee sustentabilidade ambiental, como suporte aoaumento da segurança alimentar global. Destaforma, normas adequadas de biossegurança,análise de riscos de produtos biotecnológicos,mecanismos e instrumentos de monitoramento erastreabilidade são necessários para assegurar quenão haverá danos à saúde humana e efeitosdanosos ao meio ambiente. Os testes a seremrealizados, os protocolos mais apropriados, ostermos de referência, os instrumentos defiscalização e monitoramento mais adequadosestão sendo desenvolvidos e discutidos.
Determinação de risco
O impacto de um transgene no ambientee na saúde humana deve ser criteriosamenteavaliado via análise de risco. “Risco é tecni-camente a probabilidade de um evento danosomultiplicado pelo dano causado”. Então, se odano é grande, mesmo uma baixa probabilidadepode significar um risco inaceitável (Traavik,1999).
Riscos à saúde humana
A maioria das plantas transgênicas deprimeira geração contém genes de resistência aantibióticos. Qual a relação destes genes com asaúde humana? Nos últimos 20 anos, surgirammais de 30 doenças na espécie humana (AIDS,ebola e hepatites, entre outras). Além disso, houveo ressurgimento de doenças como a tuberculose,malária, cólera e difteria com muito maisagressividade por parte dos microrganismospatogênicos. Paralelamente, houve umdecréscimo na eficiência dos antibióticos. Nadécada de 40, um antibiótico tinha uma vida útilde 15 anos. Na década de 80, a vida útil passoupara cinco anos, ou seja três vezes menos.Segundo comprovam estudos, tanto arecombinação como a transferência horizontalentre bactérias aceleraram a disseminaçãocontínua de regiões genômicas na natureza e, porisso, também entre os organismos causadores dedoenças. O mesmo pode ocorrer com os genesde resistência a antibióticos (Ho et al., 1998). Éconhecido o exemplo da estreptomicina emsuínos; após um ano de aplicação nos animais(1983), genes de resistência a estreptomicinaestavam presentes nos plasmídeos de bactériasque viviam na garganta e estômago dos suínos.Uma das implicações disto é que, embora afreqüência de transformação e, conseqüente-mente, a transferência horizontal em bactériassejam extremamente baixas, os genes deresistência a antibióticos inseridos em plantastransgênicas poderão ser transferidos parabactérias humanas, constituindo-se um risco a serconsiderado.
Recentemente, diversos casos de absorçãode Ácido Desoxirribonucléico (DNA) por célulaseucariotas foram registrados por Tappeser et al.(1999). Conforme foi demonstrado, o DNA contidona alimentação de ratos não era totalmentedestruído no trato gastrintestinal poderia alcançara corrente sanguínea e ser temporariamentedetectado nos leucócitos ou células do fígado.Existem indícios de que o DNA ingerido possa
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alcançar células de fetos de ratos, como foimostrado no mesmo estudo.
Um segundo tipo de risco relaciona-se àsreações adversas dos alimentos derivados deOGM, os quais, de acordo com os efeitos, podemser classificados em dois grupos: alergênicos eintolerantes. Os alimentos alergênicos causam ahipersensibilidade alérgica. O segundo gruporesponde por alterações fisiológicas, como reaçõesmetabólicas anormais ou idiossincráticas etoxicidade, (Finardi, 1999). Existe ainda uma sériede outros riscos à saúde humana que devem seranalisados com os protocolos adequados.
No caso da variedade transgênica SojaRoundup Ready, os testes realizados não foramsuficientes para discriminar as possíveis variaçõesnas 16 proteínas alergênicas presentes na soja.Padgette et al. (1996) compararam os perfisprotéicos de variedades transgênicas e nãotransgênicas de soja e observaram, in vitro, umaumento de 26,7% no teor do inibidor de tripsina,considerado alergênico.
No ano de 2000, foram identificados nosEstados Unidos e em outros países produtosalimentícios contendo derivados de umavariedade de milho Bt liberada somente paraconsumo animal devido ao seu potencialalergênico. Um Comitê Científico (SAP) atuandocomo parte do Federal Insecticide, Fungicide, andRodentic ide Act (F IFRA), reunido pelaEnvironmental Protection Agency (EPA, EUA),analisando 34 casos, concluiu que entre 7 e 14pessoas provavelmente manifestaram reaçõesalérgicas a alimentos contendo derivados davariedade de milho Bt StarLink (FederalInsecticide..., 2000). A comprovação definitivadependeria da identificação de anticorpos IgEnestas pessoas, resultante da presença da toxinaCry9C produzida por este milho, bem como dasensibilização de outras pessoas.
Como o transgene confere novas caracte-rísticas, em geral pouco avaliadas quanto aos seusimpactos, ainda não foi gerada uma base deconhecimento suficiente e adequado para abordar
corretamente o assunto. Contudo, existe aexperiência com os agroquímicos liberados a partirda Segunda Guerra Mundial para uso sem arealização de testes adequados: só posteriormentealguns dos efeitos nefastos causados por elesseriam conhecidos.
Neste sentido, as liberações para o cultivocomercial de plantas transgênicas devem serprecedidas por estudos nutricionais e toxicológicosde longa duração. Esta cautela poderia evitarconseqüências danosas, as quais eventualmenteum produto pode vir a apresentar, se liberadoapressadamente. Tais estudos de longa duraçãoainda não existem, nem mesmo nos EstadosUnidos, que, reconhecendo o fato, manifestarama necessidade de fazê-los. A British Medical...(1999), considerando a possibilidade de eventuaisque possíveis efeitos adversos das plantastransgênicas serem irreversíveis, sugeriu obanimento dos genes de resistência a antibióticos,a moratória de plantações comerciais e a melhoriada Vigilância Sanitária.
Riscos ao meio ambiente
A ameaça à diversidade biológica podedecorrer das propriedades intrínsecas do OGM oude sua potencial transferência a outras espécies.A adição de novo genótipo em uma comunidadede plantas pode proporcionar efeitos indesejáveis,como o deslocamento ou eliminação de espéciesnão domesticadas, a exposição de espécies anovos patógenos ou agentes tóxicos, a poluiçãogenética, a erosão da diversidade genética e ainterrupção da reciclagem de nutrientes e energia.
Entre os riscos ambientais, a transferênciavertical e a transferência horizontal são muitoimportantes. Aquela refere-se ao acasalamentosexual entre indivíduos da mesma espécieenquanto esta está relacionada à transferênciade DNA de uma espécie para outra, aparentadaou não (Doebley, 1990; Wilson, 1990). Outrosriscos referem-se à ação direta destas novasproteínas sobre os componentes do ecossistema,
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sejam organismos não-alvo ou outros como solo,rios ou processos ecológicos.
O Brasil é ainda berço de várias espéciescultivadas ou apresenta regiões com altavariabilidade genética das populações crioulasainda em cultivo, situação que requer muitacautela. Como avaliar adequadamente este tipode risco é sem dúvida um grande desafio.
A introdução em plantas de genes deresistência a insetos e a herbicidas isolados debactérias ou outras fontes levanta questõesrelativas à probabilidade e às conseqüências deesses genes serem transferidos pela polinizaçãocruzada a espécies aparentadas, principalmenteplantas daninhas que competem com asvariedades cultivadas. Estas plantas daninhas setonariam mais persistentes ou invasivas naqueleambiente?
Cruzamentos interespecíficos envolvendoplantas transgênicas resistentes a herbicidas eplantas daninhas aparentadas já foramconstatados com canola, trigo, sorgo e beterraba(Arriola & Ellstrand, 1996; Chèvre et al., 1997;Steven et al., 1999). No caso do cruzamento entrecanola e a mostarda silvestre, o número desementes da segunda geração do híbrido foi dezvezes maior em relação à primeira. Nas geraçõesseguintes, as plantas produziram grandequantidade de sementes viáveis contendo o genede resistência ao herbicida. Isto demonstra apossibilidade de transferência de genescondicionadores dessa resistência ocorrer commaior intensidade e facilidade do que se poderiasupor. Este fato levou alguns países a suspenderemtemporariamente o cultivo de canola transgênicaem seus territórios.
Como mencionado, a disseminação degenes também pode ser dar por transferênciahorizontal. Exemplos deste tipo de evento são: 1)a seqüência que faz parte do íntron de um genemitocondrial teria sido adquirida de um fungo efoi encontrada em 335 espécies de 48 diferentesgêneros (Cho et al., 1998); 2) genes humanosforam detectados em Mycobacterium tuberculosis
(a bactéria causadora da tuberculose) e genes deplantas foram detectados em bactérias (Micro-bial..., 1999); e 3) foi observada a transferênciade genes de plantas transgênicas para plasmídeosde bactérias de solo, possivelmente viarecombinação homóloga (Nielsen et al., 2000).Trocas de material genético também podemocorrer entre plantas e vírus (Greene & Allison,1994).
Qual a magnitude da contribuição daengenharia genética para a transferênciahorizontal? Geralmente, as plantas transgênicascontêm elementos mediadores da transformaçãoin vitro e também da transferência horizontal,como plasmídeos, transposons e vírus. Estasplantas freqüentemente apresentam, naconstrução quimérica introduzida, a origem dereplicação, as seqüências de transferência, ospromotores fortes e os genes de resistência aantibióticos. Todos estes elementos facilitam arecombinação e a transferência de genes.Plasmídeos e vírus quiméricos estão sujeitos ainstabilidades estruturais, o que facilita tambéma recombinação. Na natureza, a poluição commetais pesados pode ser um fator benéfico paraa transferência de genes. Como parte dasseqüência introduzidas são homólogas a muitosprocariotos, a transferência de material genéticopara os mesmos via recombinação é factível.
São duas, então, as principais implicações.A primeira refere-se a maior probabilidade detransferência horizontal de genes a partir deplantas transgênicas, comparativamente àsvariedades tradicionais. A segunda refere-se aofato de que os genes com potencial dedisseminação podem dar vantagem seletiva aosorganismos receptores, podendo vir a alterardramaticamente a dinâmica das populações e apaisagem.
A determinação de riscos de plantastransgênicas resistentes a insetos também écomplexa. Não se conhece ainda profundamenteo efeito sobre insetos benéficos. Além disso,os poucos estudos sobre pássaros ou outros animaiscuja alimentação inclui insetos que se alimentam
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de plantas transgênicas não são conclusivos. Umtrabalho com amplo impacto na comunidadecientífica relatou o efeito do pólen de milhotransgênico possuidor de um gene de Bacillusthuringiensis (Bt), o qual que codifica para umatoxina que afeta vários insetos. A taxa demortalidade de lagartas da borboleta monarcaatingiu 44% quando foi adicionado pólen de milhoBt ao seu alimento natural. Entretanto, todas aslagartas alimentadas com pólen de milho nãotransgênico sobreviveram (Losey et al., 1999).Revisões sobre os avanços científicos relacionadosaos impactos de transgênicos no meio ambientee propostas de avaliação de riscos foram feitaspor Wolfenbarger & Phifer (2000) e Nodari &Guerra (2001).
Uma constatação inquestionável: os insetoshoje susceptíveis ao Bt no futuro serão resistentesa ele. Resta saber em quanto tempo. Se houveruma grande área plantada com variedadestransgênicas resistentes a um inseto, somente osespécimes com resistência sobreviverão. Oacasalamento entre estes insetos gerará progêniesrecombinantes, as quais eventualmenteapresentarão maior nível de resistência. Apósvários ciclos de recombinação, deverão aparecerinsetos resistentes ao gene Bt. O fato de aresistência da lagarta às formulações comerciaisde Bt ser controlada por um gene parcialmentedominante (Huang et al., 1999) indica querapidamente lagartas se tornarão prevalentes e,eventualmente, superpragas.
Com o aumento rápido da freqüência deinsetos resistentes ao Bt, o uso atual deformulações comerciais à base de Bt em lavourasorgânicas fica comprometido, como também odesenvolvimento de produtos com este tipo deinseticida, considerado muito menos tóxico queos demais.
A rigor, nenhum dos pedidos de liberaçãocomercial de produtos transgênicos estáacompanhado de um estudo de impactoambiental. Embora a matéria seja complexa,entende-se serem estes estudos necessários,conforme determinam o artigo 225 da Constituição
Federal, a Lei Ambiental e a Resolução 237/97do Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA), o que não teria sido observado pelaCTNBio. Com base no artigo 225 da ConstituiçãoFederal, a sentença judicial exarada pelo JuizAntonio Prudente, em 1999, exige o Estudo deImpacto Ambiental (EIA) acompanhado doRelatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA)como condição indispensável para o plantio emescala comercial da Soja RR, transgênica.
Não bastasse isto, a CDB estabeleceu noArt. 14 (Avaliação de Impacto e Minimização deImpactos Negativos) que cada Parte Contratante,na medida do possível e conforme o caso, deveestabelecer procedimentos relacionados àavaliação de impacto ambiental de projetos quepossam ter sensíveis efeitos negativos nadiversidade biológica, a fim de evitar ou minimizartais efeitos e, conforme o caso, permitir aparticipação pública nesses procedimentos.
Protocolo Internacional deBiossegurança
A CDB estabeleceu o seguinte nos itens 3e 4 do artigo 19: (3) As Partes devem examinara necessidade e as modalidades de um protocoloque estabeleça procedimentos adequados,inclusive, em especial, a concordância préviafundamentada, no que respeita a transferência,manipulação e utilização seguras de todoorganismo vivo modificado pela biotecnologia,que possa ter efeito negativo para a conservaçãoe utilização sustentável da diversidade biológica;e (4.) Cada Parte Contratante deve proporcionar,diretamente ou por solicitação, a qualquer pessoafísica ou jurídica sob sua jurisdição provedora dosorganismos a que se refere o § 3 acima, à ParteContratante em que esses organismos devam serintroduzidos, todas as Informações disponíveissobre a utilização e as normas de segurançaexigidas por essa Parte Contratante para amanipulação desses organismos, bem como todasas Informações disponíveis sobre os potenciaisefeitos negativos desses organismos específicos.
Nas várias rodadas realizadas para negociar
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o referido Protocolo Internacional de Biossegu-rança, duas posições praticamente antagônicasse firmaram. De um lado estão os Estados Unidose os outros países do Grupo de Miami (Argentina,Austrália, Canadá, Chile e Uruguai) e de outrolado, os demais países. Os primeiros (i) queriamexportar commodities geneticamente modificadas(OGM e seus derivados) como alimentos,fármacos e ração para animais sem solicitarpermissão aos países importadores e (ii) tornaro protocolo um instrumento legal independenteou ligado à Organização Mundial do Comércio.Os demais países queriam (i) avaliação deimpacto socioeconômico inserida na análise deimpacto ambiental a ser realizada previamenteà liberação comercial, (ii) presença no oprotocolo de instrumentos de compensação emcaso de acidentes de transporte com OGM e(iii) ausência de conflitos com outros acordosinternacionais atualmente existentes. Algunspaíses, como os da África, querem ainda que oprotocolo assegure compensação financeira emcaso de impactos negativos na saúde humanaou danos ao ambiente.
Finalmente, nesta última rodada, realizadaem janeiro de 2000, na cidade de Montreal, oProtocolo Internacional de Biossegurança foiacordado. Os dois principais pontos são: (i) oprincípio da precaução deve ser adotado emcaso de dúvida ou falta de conhecimentocientífico e (ii) os produtos transgênicos devemser rotulados (art. 18a). O referido protocolotem cerca de 40 artigos e trata basicamente
da movimentação de transgênicos entre países,
com atribuição de responsabilidades em caso
de danos. Ele dá garantias, ainda, ao país
importador de recusar o produto caso não esteja
acompanhado de estudo de risco adequado.
Um terceiro aspecto, explicitado noartigo 15 e anexo II, impõe que a análise derisco seja conduzida cientificamente peloexportador. Na ausência desta, os importadorespodem se negar a receber os produtos.
Desta forma, a adoção do princípio daprecaução tem o objetivo de proteger a vida. Esteprincípio foi estabelecido pelos gregos e significater cuidado e estar ciente. Precaução relaciona-secom a associação respeitosa e funcional dohomem com a natureza; trata das açõesantecipatórias para proteger a saúde das pessoase dos ecossistemas. Precaução é um dos princípiosnorteadores das atividades humanas, masincorpora parte de outras ações como justiça,eqüidade, respeito, senso comum e prevenção(Raffensperger e Tickner, 1999). Este preceito estáem acordos internacionais (Ex: Convenção sobrea Diversidade Biológica), como um princípio ético,e implica que a responsabilidade pelas futurasgerações e pelo meio ambiente deve sercombinada com as necessidades antropocêntricasdo presente.
R O T U L A G E M EE Q U I V A L Ê N C I A
S U B S T A N C I A L
A rotulagem dos alimentos está previstano Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078,de 11/09/90 – art. 6°, III e art. 8°). Trata-se deuma norma para garantir ao cidadão a informaçãosobre um produto, permitindo-lhe o direito deescolha. Além disso, ela possibilita arastreabilidade, pois, em casos de efeitos na saúdehumana, os produtos rotulados seriam facilmenteidentificados e recolhidos.
No Brasil, a fiscalização sobre a rotulagemestá a cargo da Vigilância Sanitária. Contudo, adecisão e mesmo o conteúdo e outras caracte-rísticas do rótulo estão no âmbito do Ministérioda Justiça. O IDEC está representando osconsumidores nesta rodada de negociações e fezsugestões para aparecer no rótulo não só aexpressão “produto transgênico”, mas tambéma característica e o nome do organismo doadordo gene. É esperado ainda que o país normatizeem breve a rotulagem dos produtos transgênicosou que contenham ingredientes derivados deOGM.
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Internacionalmente, existe um Grupo deTrabalho de Rotulagem que foi encarregado depreparar uma versão preliminar a ser discutida nareunião do Codex Alimentarius. Levando-se emconsideração o ocorrido na Conferência de Partesda CDB, pode ser que, as normas internacionaisde rotulagem dos alimentos transgênicos ou com
ingredientes de OGM, sejam aprovadas em uma
das próximas reuniões do Codex.
As plantas transgênicas, aprovadas para o
cultivo comercial nos EUA, tiveram sua liberação
baseada no princípio da equivalência substancial.
Assim, a soja RR foi considerada “equivalente” à
sua antecedente natural, a soja convencional,
porque não difere desta nos aspectos cor, textura,
teor de óleo, composição e teor de aminoácidosessenciais e em nenhuma outra qualidadebioquímica. Desta forma, não foram submetidasà rotulagem pela agência americana Food andDrug Administration (FDA) encarregada de sualiberação.
Este conceito de equivalência substancialtem sido alvo de críticas, porque, entre outrasrazões a falta de critérios mais rigorosos pode serútil à indústria, mas é inaceitável do ponto devista do consumidor e da saúde pública (Millstoneet al., 1999). Equivalência significa dispor de igualvalor ou outro atributo, normalmente expresso emunidades ou parâmetros: um grama do produto Yequivale a X energia. Ela se refere sempre àquantidade ou algo mensurável a que correspondeum sentido tecnicamente comparável (Momma,1999). Há, portanto, dificuldades práticas noconceito de equivalência entre plantasengenheiradas e naturais ou obtidas por técnicasconvencionais de melhoramento genético, pois arigor, genomicamente, elas não são equivalentesnem iguais. Só seriam iguais se uma fosseoriginária da outra por multiplicação vegetativaou micropropagação. A construção genéticainserida na planta contém elementos bastantedistintos daqueles naturais encontrados nela,proporcionando novos produtos gênicos e podendodesencadear efeitos pleiotrópicos substanciais,
e não podem, por isso, ser consideradosdesprezíveis.
Esta estratégia (equivalência substancial)foi introduzida na década passada para evitar queas indústrias tivessem custos maiores com testesde longa duração, como ocorreu na áreafarmacológica. Quando se utiliza a equivalênciasubstancial, nenhum teste é requerido para excluira presença de toxinas prejudiciais, carcinogênicase mutagênicas. Este princípio é equivocado edeveria ser abandonado em favor de testesbiológicos, toxicológicos e imunológicos maisaprofundados e eficazes (Guerra & Nodari, 2001).O procedimento em si não tem base científica.
Desta forma, o FDA exige apenas testesde curta duração com animais e testes bioquímicospara avaliar, entre outros, aspectos aalergenicidade. Esta insuficiência de dados, quenão consegue subsidiar cientificamente a análiseda segurança alimentar, está sendo questionadapor várias organizações civis americanas.
S E G U R A N Ç AA L I M E N T A R, B I O É T I C A E
P E R C E P Ç Ã O P Ú B L I C A
Um ano após a decisão de rotular produtosalimentícios originados de plantas transgênicas, aEuropa tomou importantes decisões. Áustria eLuxemburgo desafiaram as ameaças de puniçãoda União Européia e mantiveram a decisão debanir os produtos transgênicos em seus territórios.A Noruega proibiu o cultivo de qualquer plantatransgênica com genes marcadores quecodifiquem para resistência a antibióticos. Depoisfoi a vez da França, ao declarar uma moratória, apartir de julho de 98, na aprovação de novospedidos de liberação para cultivo e consumo; estadecisão foi baseada no aconselhamento científicoe no princípio da precaução. A Grécia proibiu aimportação e a comercialização de variedadestransgênicas de canola e estuda a moratória. Emjunho de 1999, Ministros do Meio Ambiente dospaíses europeus decidiram, em reunião, que cadaestado membro tem o direito de solicitar estudos
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adicionais para a liberação de plantastransgênicas. Isto na prática constitui umamoratória branca, pois, dependendo do estudo,vários anos serão necessários para a obtenção dedados.
Nestes países, esta mudança de atitudesé resultante da constatação de que a liberaçãode plantas transgênicas para cultivo e consumofoi precipitada, diante da insuficiência de dadoscientíficos sobre seus efeitos na saúde humana eanimal e também sobre seu impacto no meioambiente. De um lado houve o envolvimento deum pequeno número de cientistas na tomada dasdecisões, as quais foram feitas por comitês, semuma representação adequada da sociedade. Deoutro lado, as decisões foram prematuras, poispoucos estudos haviam sido feitos, muitos delestotalmente inadequados. Com o envolvimentocada vez maior de cientistas e da sociedade emgeral, tanto na parte experimental quanto nasdiscussões sobre o assunto, está surgindo umanova realidade, distinta daquela ainda apregoadapelas empresas multinacionais.
Na maior parte dos casos de liberação deplantas transgênicas predominou o interessecomercial destas grandes empresas. Isto pode sercomprovado pelas investidas freqüentes dogoverno americano junto aos países europeus eJapão. Mais recentemente, devido às restriçõesno comércio de alguns produtos transgênicos,algumas empresas americanas estão decididas asegregar e rotular os produtos. O consumidor setornou um componente extremamente importanteno processo de liberação comercial destesprodutos.
O Dr. David Byrne, Comissário Europeupara a Saúde e Proteção do Consumidor, emconferência proferida no dia 21/1/2000, noSimpósio Biotecnologia – Ciência e Impactos,apresentou um relato dos principais aspectosrelacionados com a segurança alimentar, osimpactos e a percepção pública dos OGM naEuropa, resumido a seguir:
1) Para o público europeu, segurança é oingrediente mais importante para o seu alimento
e, além dos riscos e benefícios, questões éticas eambientais também são relevantes. A redução decustos, aspecto sempre citado como vantagemcompetitiva dos OGM, pode ser uma formaperigosa de comprometer a segurança dosalimentos. A superação da controvérsia somenteserá possível assegurando-se plena transparênciana discussão sobre riscos e benefícios dosderivados dos OGM, respeitando-se o direito doconsumidor de ter informações claras para podertomar decisões sobre os produtos que ele desejaadquirir.
2) Com relação à rotulagem, 86% doseuropeus mostram-se favoráveis, por permitir níveisadequados de informação, por possibilitar arastreabilidade dos produtos e por conferirresponsabilidade civil, baseando-se napressuposição de que produtos considerados nãoseguros não podem estar no mercado. Abordagemsimilar passou a ser empregada no Japão, Coréia,Austrália e Nova Zelândia. Para os consumidoresdestes países o controle sobre a qualidade esegurança dos alimentos é obrigação do Estado.De forma geral, a percepção pública é de que háuma associação entre aceitação pelo consumidor
e controle rigoroso e transparente dos OGM.
3) Segundo Byrne (2000), os OGM são
derivados de uma área nova da aplicação das
biotecnologias e, portanto, as autorizações para
a liberação comercial destes produtos devem ser
limitadas no tempo, monitoradas e revisadas à
luz dos novos conhecimentos. Quando surge nova
informação científica, nova avaliação deve ser
feita, baseada na análise científica dos riscos
(‘science-based approach’). Nos casos em que a
evidência científica é insuficiente ou inconclusivae quando os riscos decorrentes forem inaceitáveis,deve-se invocar e empregar o princípio daprecaução. Para os consumidores europeus, aindústria move-se rapidamente sem levar emconsideração as preocupações da sociedade,havendo uma clara distinção entre o ceticismodos consumidores e a postura dita triunfalista dosprodutores e da indústria.
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4) Em resumo, para o consumidor e paraas autoridades dos órgãos regulatórios efiscalizadores da União Européia, os OGM devemser seguros, a informação deve ser adequada, omonitoramento do ambiente e da saúde deve sercuidadoso, as autorizações de liberação comercialdevem ser limitadas no tempo, as preocupaçõesdos consumidores devem ser levadas em conta,estes devem ter livre escolha sobre os produtosque desejam consumir (free-choice) e as indústriase parte dos cientistas devem mudar de atitudeem relação à sua posição de considerar asapreensões dos consumidores são irracionais e semfundamento.
Aerni et al. (1999) publicaram os resultadosde um estudo de caso sobre a percepção ouaceitação pública em relação aos OGM nasFilipinas. A aceitação pública significa a atitudedos indivíduos sobre aspectos originados deinovações tecnológicas e depende da percepçãoindividual dos benefícios e riscos de umatecnologia, dos valores sociais, da confiança nasinstituições que representam estas tecnologias, dasfontes de informação. Foram aplicadosquestionários e realizadas entrevistas comfuncionários de vários órgãos dos governosrelacionados ao tema, líderes Organizações
não-governamentais (ONGs), agricultores,
religiosos, cientistas de universidades, institutos de
pesquisa, agências internacionais, representantes
da mídia e políticos.
Segundo revelaram as tendências gerais
resultantes desta pesquisa, para as diferentescategorias a tecnologia em si não é motivo depreocupação e a transgenia é uma novaferramenta a ser aplicada em programas demelhoramento. As principais preocupaçõesmanifestadas foram a ineficiência do mercado ea implementação inadequada de normas debiossegurança, questões que podem impedir adistribuição dos benefícios e aumentar os riscos.Foram ainda levantadas dúvidas sobre asustentabilidade ecológica. Para o caso dasFilipinas e sob o prisma dos produtores de arroz, atransgenia de plantas não foi considerada
prioritária. Os principais problemas relatados naprodução de arroz foram as condiçõesdesfavoráveis de mercado, a falta de irrigação, afalta de infra-estrutura de transporte e armaze-namento e o serviço de extensão deficiente.
Com relação aos diferentes grupos depercepção e ao peso político correspondente nodebate sobre o assunto, os resultados mostraramque, para as ONG, a transgenia não apresentapotencial para a agricultura e os riscos superamos benefícios. As ONG têm considerável influênciasobre a opinião pública, são ágeis na obtenção edifusão da informação, mas não são consideradasimportantes para a decisão política. O segundogrupo, constituído por políticos e funcionáriosgraduados do governo foi consideradoinfluenciador de decisões políticas, das diretrizesregulamentadoras do financiamento da pesquisae, em menor escala, da opinião pública. Estegrupo manifestou elevadas expectativas sobre opotencial da transgenia na agricultura e atitudeambivalente entre benefícios e riscos; de acordocom ele, a técnica permite solucionar problemasque não podem ser resolvidos pelo melhoramentoconvencional, mas há dúvidas sobre suasustentabilidade. Conforme revelou o terceirogrupo, constituído por cientistas de universidades,institutos de pesquisa e empresas privadas, oscientistas encontram-se distribuídos entre os doisgrupos anteriores. Este terceiro grupo demonstrauma atitude positiva sobre a transgenia,assinalando, contudo, um potencial mais modestopara a agricultura e entendendo que ela nãoresolverá problemas estruturais e sim agronômicospontuais; ele é considerado como o mais impor-tante para o fluxo de informações, exerceinfluência alta nas decisões políticas e baixa naopinião pública e não tem acesso direto ao públicoe sim indireto, mediado por ONG e pela mídia.
C O N C L U S Ã O
Finalizando, é pertinente lembrar orelatório da British Medical Association (British...,1999) sobre os impactos e riscos dos OGM. Nele
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consta: “nada na vida é livre de riscos”. Ao sejulgar algo seguro, estão sendo consideradosapenas os limites aceitáveis de risco. A melhorestratégia para lidar com possibilidades de danosambientais, quando se é confrontado comprofundas incertezas, é agir cautelosamente edesencadear programas sistemáticos de pesquisapara aumentar a compreensão sobre o assunto.Esta abordagem é conhecida como princípio daprecaução, o qual deve ser aplicado para prevere preparar a liberação de OGM e seus produtosna cadeia alimentar, até que seus impactos nasaúde e no meio ambiente sejam devidamenteavaliados no domínio público.
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Recebido para publicação em 23 de junho de 2000 e aceito
em 18 de janeiro de 2001.