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Revista trimestral | n.º 72 Janeiro/Março 2008 | e 3,00 (com IVA incluído) Entrevista Cecília Menano Dossier Escrita Criativa

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  • Revista trimestral | n. 72 Janeiro/Maro 2008 | e 3,00 (com IVA includo)

    EntrevistaCeclia Menano

    Dossier

    Escrita Criativa

  • Sumrio

    06 Notcias... entre ns09 Notcias... alm fronteiras

    10 Dirio de um professorPaula TeixeiraEsta professora de Matemtica prope-se partilhar o desafio de acompanhar os alunos ao longo do 3. ciclo de escolaridade, com uma colega de Histria, trabalhando os saberes de forma interligada.

    14 L foraAcabar com o Insucesso EscolarDez Medidas para a Equidade em EducaoTeresa GasparPara que o as educativos sejam mais justos e inclusivos, este estudo da OCDE defende polticas pblicas ao nvel da concepo do sistema, das prticas escolares e dos recursos.

    16 Entrevista a Ceclia Menano Maria Emlia Brederode Santos Teresa Fonseca Ceclia Menano, uma mulher pouco convencional e muito frente do seu tempo, agiu, ao longo de toda a sua vida, de acordo com o lema: Segue o teu caminho e deixa os outros falar.

    22 Formao de professoresDesenvolvimento profissional dos professoresRui CanrioA aposta na qualidade da formao dos docentes, com desejveis consequncias num melhor desempenho profissional, um dos objectivos da Unio Europeia.

    24 Dossier Escrita Criativa

    Ficha Tcnica

    DirectoraMaria Emlia Brederode SantosEditoraTeresa FonsecaProdutorRui SeguroRedacoElsa de BarrosSecretariado de redacoCarla DelfinoColaboradores permanentesCarlos Batalha, Dora Santos, Teresa GasparColaboram neste nmeroAna Roque, Antnio Valente, Ceclia Menano, Cristina Ponte, Joana Horta, Joo Salto, Jorge Borges, Lusa Costa Gomes, Lus Mouro, Maria Jos Martins, Nelson Ribeiro, Nuno Leito, Paula Teixeira, Rui Canrio.DestacvelAlzira CabralRevisoAna MagalhesFotografiaCarlos Silva, Henrique Bento e Incio Canto e CastroIlustrao e capaRaffaello BergonseProjecto grfico Entusiasmo Media/White RabbitPaginaoAtelier Grfico LapaRua S. Domingos Lapa, n. 81200-835 LisboaImpressoEditorial do Ministrio da EducaoEstrada de Mem Martins, n. 4 S. CarlosApartado 113 2726-901 Mem MartinsDistribuioCTT - CorreiosRua de So Jos, n. 101166-001 LISBOATiragem12 500PeriodicidadeTrimestralDepsito legalN. 41105/90ISSN0871-6714PropriedadeDireco-Geral de Inovaoe de Desenvolvimento CurricularAv. 24 de Julho, n. 1401399-025 LisboaPreoe 3

    As opinies expressas nesta publicao so da responsabilidade

    dos autores e no reflectem necessariamente a orientao

    do Ministrio da Educao.

    Revista NoesisRedacoAv. 5 de Outubro n. 107 8. 1069-018 Lisboa Telefone 217 811 600 ext - 2839Fax 217 811 863 [email protected]

  • 04 05 Sumrio

    50 Reflexo e aco Crianas e Internet, riscos e oportunidades Cristina Ponte Nelson Ribeiro Circunscritos os possvel riscos relacionados com a utilizao da Internet pelos mais novos, esta apresenta-se, sobretudo, como uma oportunidade.

    54 Meios e materiais

    60 Visita de estudo descoberta das origens do cinemaTeresa FonsecaA Cinemateca Jnior um lugar mgico onde, a brincar, se descobre as origens do cinema.

    64 Campanha de sensibilizaoA Internet, os Jovens e a SeguranaJorge BorgesCabe escola educar com a Internet e para a Internet, desenvolvendo a sua utilizao crtica, segura e esclarecida.

    66 Com olhos de verDo Desenho ao DesignCentro Portugus de DesignUm objecto de Design pretexto para a reflexo sobre a importncia do Design na melhoria da qualidade de vida das populaes.

    DestacvelMil TextosAlzira CabralDestinado a alunos do 3. ciclo, apresenta um conjunto de actividades para fomentar o gosto pela escrita.

  • O PARASO NA PONtA DUM LPIS

    Criar sempre uma felicidade. Para algumas pessoas tambm uma necessidade. E, hoje em dia, criar cada vez mais imprescindvel em todas as actividades. Pelo menos por estas trs razes, o desenvolvimento da capacidade de criar a criatividade tornou-se um dos grandes objectivos da educao nos vrios graus de ensino e ao longo de toda a vida.A criatividade uma competncia complexa que envolve a capacidade de ousar fazer diferente de partir para o desconhecido; de lidar bem com a ambiguidade de suportar bem o incerto, o imprevisvel; e de conseguir exprimir a identidade o modo de pensar e sentir de cada um atravs de um meio, de uma forma.A escrita um meio indirecto (requer um instrumento) mas muito acessvel. Aproxima-se tambm do seu contraponto a leitura de obras de fico com espao assegurado nos programas escolares. No h melhor forma de compreender uma obra literria do que ensaiando-a, experimentando as possibilidades e os constrangimentos do gnero. Se para bem escrever, convm ler muito e bom, para bem ler (para bem compreender e apreciar o que se l), convm escrever muito!Por outro lado, espera-se que, ao desenvolver a criatividade numa forma de expresso, se esteja a desenvolv-la em geral. Peter Brook diz: A imaginao um msculo, treina-se. E logo Jos Gil e Isabel Bellmann o parafraseiam: A escrita um msculo, treina-se*. Atravs da escrita criativa espera-se estar a desenvolver a capacidade de engendrar novas ideias, novas questes, novas maneiras de encarar os problemas e de procurar diferentes solues. O movimento da escrita criativa que, desde finais dos anos 90, comea a penetrar nas escolas portuguesas fruto dum feliz encontro entre certas correntes pedaggicas que enfatizam as aprendizagens activas e com significado pessoal como o Movimento da Escola Moderna e certos movimentos literrios como o surrealismo e os seus exerccios de escrita automtica para libertar o inconsciente ou o estruturalismo e a identificao da estrutura subjacente a certos gneros.Do interesse por como nasce a obra literria? passa-se aqui a como estimular a criatividade? em todas as crianas e em todas as reas. No possvel ensinar Literatura sem se ensaiar na Literatura. E mesmo que apenas uma nfima parte dos aprendizes continue a escrever criativamente pela vida fora e dessa nfima parte menos ainda venham a ser verdadeiramente escritores, todos tero aprendido a desenvolver um pouco mais a sua criatividade geral, a compreender melhor as obras literrias e a experimentar o prazer incomparvel de criar paraso artificial distncia de um simples lpis.

    Maria Emlia Brederode Santos

    * GIL, Jos e CRIStVAM-BELLMAN, Isabel, A Construo do Corpo ou Exemplos de Escrita Criativa, Porto Ed., 1999.

    Editorial

  • 06 07 Notcias... entre ns

    MDuLO CuRRICuLAR Cidadania e Segurana NO 5. ANO DE ESCOLARIDADE

    A Direco-Geral de Inovao e Desenvolvi-

    mento Curricular disponibiliza na sua pgi-

    na www.dgidc.min-edu.pt um documento

    sobre o novo mdulo curricular Cidadania e

    Segurana a aplicar, com carcter de obriga-

    toriedade, no 5. ano de escolaridade.

    Inserido preferencialmente na rea de For-

    mao Cvica, este novo mdulo curricular

    deve ser trabalhado em cinco aulas de 90

    minutos, visando assegurar a todas as crian-

    as, num determinado momento do seu per-

    curso escolar, o contacto com as temticas

    bsicas da segurana e da no violncia.

    A aplicao do mdulo tem carcter obriga-

    trio no 5. ano de escolaridade, embora a

    sequncia das reas de trabalho, o calend-

    rio de aplicao e a insero curricular sejam

    definidos pelo agrupamento e pela escola,

    de acordo com os seus projectos educativos

    e com a gesto do tempo afecto s activida-

    des curriculares no disciplinares.

    O mdulo Cidadania e Segurana est organi-zado em torno de trs temas estruturantes:

    Viver com os outros;

    As situaes de conflito e violncia;

    Os comportamentos especficos de

    segurana.

    As actividades propostas no documento cons-

    tituem meras sugestes, devendo os profes-

    sores enriquec-las ou substitui-las no pro-

    cesso pedaggico de adequao ao contexto

    real da sala de aula e ao projecto curricular

    de turma. ::

    Joana Horta

    NO 20. ANIVERSRIO DO CONSELHO NACIONAL DE EDuCAO

    O 20. aniversrio do Conselho Nacional de Educao (CNE ) comemorou-se com iniciativas como os

    Seminrios Escola/Famlia/Comunidade e Autonomia das Instituies Educativas e Novos Compromissos

    pela Educao. A Sesso Comemorativa do 20. Aniversrio reflectiu sobre a misso, estatuto, histria e

    dimenso poltica do CNE.

    Tambm em 2007, Teresa Ambrsio, que foi presidente do CNE entre outras actividades de cidadania

    dedicadas educao, foi recordada com um livro em sua homenagem.

    Ao longo da sua histria, o CNE tem-se consolidado como rgo independente, com funes consultivas,

    quer atravs de pareceres, recomendaes e apreciaes, quer atravs da procura de consensos entre os

    diferentes parceiros, relativamente poltica educativa. ::

    Erclia Faria

    OLHARES CRuzADOS SOBRE EDuCAO NO FORMAL

    Olhares cruzados sobre educao no formal foi o tema do seminrio de encerramento, no dia 2 de Outubro, do projecto Motivar os adultos para a aprendizagem que envolveu instituies de Portugal, Frana, Itlia, Dinamarca e Sua. Teresa Gonalves, coordenadora do projecto, referiu que este procurou, desde 2004, iden-tificar medidas que permitam optimizar a funo de motivao para a aprendizagem, a partir de actividades de educao no formal situadas a montante ou/e em paralelo com as estruturas formais de educao. Para o efeito, foi adoptada uma metodologia de interaco no terreno e de investigao baseada na observao-aco de diversas prticas (ex: um atelier de teatro local, um projecto de insero social de mulheres, um projecto de educao para a sexualidade, um atelier de cozinha, estgios em creches e infantrios para mulheres imigrantes, etc). Apesar de distintas, estas prticas tiveram em comum o facto de expressarem uma inteno educativa e de se direccionarem para pblicos pouco qualificados ou motivados para a frequncia de aces de formao. Assumiram ainda um papel fundamental na insero social e profissional destes pbli-cos e na sua motivao para a aprendizagem ao longo da vida. ::Dora Santos

    ROTEIRO DAS ESCOLAS

    O Ministrio da Educao disponibiliza o Roteiro

    de Escolas (em http://roteiro.min-edu.pt/), uma

    base de dados que rene informao sobre os

    estabelecimentos de educao pr-escolar e

    dos ensinos bsico e secundrio.

    Este roteiro, elaborado pelo Gabinete de Estats-

    tica e Planeamento da Educao (GEPE), permi-

    te a georeferenciao e inclui informao sobre

    os seguintes itens: nome do estabelecimento;

    morada, telefone, telefax, correio electrnico e

    stio na Internet; actividades de enriquecimento curricular; oferta educativa e formativa de

    nvel secundrio; nmero de crianas/alunos; e agrupamentos de escolas. ::

  • O reajustamento do programa de Matem-tica para o ensino bsico, j homologado, constitui uma das medidas do Plano de Aco para a Matemtica, que visa melhorar os resultados dos alunos nesta disciplina.Com o objectivo de contribuir para a melho-ria do ensino e da aprendizagem da Mate-mtica, o reajustamento do programa teve em conta a necessidade de garantir a sua adaptao ao Currculo Nacional do Ensino Bsico, de actualizar os contedos progra-mticos e de melhorar a articulao entre os ciclos de ensino.Para alm dos temas definidos, salientada a necessidade de se indicarem trs capaci-dades transversais a toda a aprendizagem da Matemtica, que devem merecer uma ateno permanente no ensino: a resoluo de problemas, o raciocnio matemtico e a comunicao matemtica.O programa define, ainda, que o ensino da Matemtica se desenvolve em torno de qua-tro eixos fundamentais:

    Nmeros e operaes; Pensamento algbrico; Pensamento geomtrico; Trabalho com dados.

    Em cada ciclo de escolaridade, na introduo de cada tema matemtico e das capacida-des transversais, apresentada a articula-o entre o programa do ciclo em questo e o do ciclo anterior relativa a esse tema ou capacidade. de referir o modo como o programa se organiza, de acordo com os ciclos de esco-laridade e no por anos, dando continuida-de aos anteriores programas dos 2. e 3. ciclos. ::E.B.

    DESAFIO RTP FAzER TV!

    A Radioteleviso Portuguesa organiza

    uma experincia de carcter educativo,

    no mbito das Comemoraes dos 50

    Anos RTP, com a designao Desafio RTP

    Fazer TV!

    Este projecto, que assenta numa meto-

    dologia de pesquisa e trabalho de projecto

    a desenvolver na escola, em grupo e com

    acompanhamento obrigatrio de um pro-

    fessor, conta com o apoio do Ministrio da Educao, tem como objectivo o conhe-

    cimento do meio televisivo como tecnologia e como meio de comunicao e inclui

    a atribuio de prmios aos alunos e professores que concretizem com melhores

    resultados a tarefa proposta pelo projecto produo de um contedo televisivo em

    vdeo, de durao mxima de trs minutos, podendo enquadrar-se nos seguintes

    gneros: entretenimento; documentrios; fico; animao; e informao.

    A data limite de entrega dos trabalhos 8 Abril 2008. A avaliao dos trabalhos e

    divulgao dos vencedores decorre durante o ms de Maio 2008. ::

    Para mais informaes consultar http://fazertv.rtp.pt

    T F

    POR ENTRE AS LINHASVAMOS DESCOBRIR A ARTE

    O Museu das Comunicaes convida as escolas a integrarem o seu projecto educativo Por Entre as LinhasVamos Descobrir a Arte. Trata-se de um programa destinado a escolas/professores, apresentando um conjunto de actividades adequadas aos vrios ciclos de ensino. A pretexto da visita exposio Por Entre as Linhas, inaugurada no mbito das comemoraes dos 10 anos da Fundao Portuguesa das Comunica-es e que conta com trabalhos de 10 artistas contemporneos Vasco Arajo, Pedro Barateiro, Filipa Csar, Lusa Cunha, Fernanda Fragateiro, Andr Guedes, Ana Jotta, Antnio Olaio, Miguel Palma e Fernando Jos Pereira desenvolve-se um programa pedaggico que estabelece a rela-o entre a arte e a tecnologia subjacente ao tema Comunicao. Alm das actividades desenvolvidas pelos alunos no museu, faz parte da programa-o a criao na escola de narrativas plsticas e literrias, a exposio dos trabalhos realizados na escola com a seleco dos melhores para publica-o de um catlogo. ::T F

    REAJuSTAMENTO DO PROGRAMA DE MATEMTICA DO ENSINO BSICO

  • 08 09 Notcias... entre ns

    VIDA E MORTE EM REVISTA

    Celebraes de aniversrios de instituies educativas e homenagens a cientistas da educao desaparecidos so o tema principal de vrias publicaes recentes so-bre educao.O livro Psicologia e Educao da Faculdade de Psicologia e Educao da Universidade de Lisboa, organizado por J. Ferreira Marques e Albano Estrela, celebra os 25 anos da Faculdade atravs da publicao do ciclo de confe-rncias que os comemorou. Um bom pretexto para histo-riar, com Marc Richelle e Gaston Mialaret, por exemplo, o aparecimento e consolidao das Cincias da Educao como disciplina cientfica autnoma.Tambm os Cadernos de Educao de Infncia da Asso-ciao de Profissionais de Educao de Infncia (APEI) celebraram os seus 20 anos com actividades vrias, incluindo um oportuno debate volta das publicaes actuais sobre educao (com a participao da Noesis, claro...). Entretanto, o seu n 82, entre muitos outros temas de interesse, defende, a propsito do final do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades, a importncia de garantir a curto prazo a educao para todas as crian-as dos zero aos seis anos e a eliminao de todas as formas de discriminao negativa.Por seu lado a Reitoria da Universidade do Porto produziu um belssimo documento de homenagem a Stephen Stoer, o scholar exemplar e cidado do mundo (nas palavras de Antnio Teodoro), o gentleman solidrio (David Rodrigues) ou o produtor e tradutor de mundos (Jos Alberto Correia). Trata-se de Stephen Stoer Reinventar a Educao, Reinventar a Utopia Democrtica. Mais do que uma homenagem, uma despedida comovida dos seus muitos amigos das Cincias da Educao em Portugal. :: MEBS

    GAzETA DE FSICA - REVISTA E SITE

    Em Dezembro de 2007 reapareceu a Revista Gazeta de Fsica com uma nova equipa, novas seces e novos colunistas.O primeiro nmero da Gazeta de Fsica surgiu em 1946 e, desde essa data, apesar das vrias fases por que passou, teve sempre como principais objectivos a publicao de artigos, com ndole de divulgao, de interes-se para estudantes, professores e

    investigadores em Fsica, que visam promover o interesse dos jo-vens pelo estudo da Fsica, o intercmbio de ideias e experincias profissionais entre os que ensinam, investigam e aplicam a Fsica.Surgiu tambm o stio http://www.gazetadefisica.publ.pt/ que uma extenso e no uma duplicao electrnica da verso em papel e que permite, atravs dos destaques seleccionados, conduzir os leitores a mais desenvolvimentos e ligaes na Internet, no includos na verso em papel.Esta pgina inclui ainda um espao aberto a professores e alunos para publicarem fotografias, vdeos, testemunhos, documentrios, experincias laboratoriais, etc. ::R S

    QuALIFICAO DE ADuLTOS COM DEFICINCIA Ou INCAPACIDADE, NO MBITO DA INICIATIVA NOVAS OPORTuNIDADES

    Os Centros Novas Oportunidades e as entidades formadoras respon-

    sveis pelas ofertas de educao e formao de adultos devem integrar

    como seus pblicos pessoas com deficincia ou incapacidade, mediante o

    cumprimento de determinados requisitos.

    Contam-se entre estes requisitos a existncia de instalaes e de equi-

    pamentos adaptados s necessidades especficas destas pessoas, a cons-

    tituio de equipas tcnico-pedaggicas multidisciplinares que integrem

    as valncias tcnicas necessrias e, ainda, localizao e acessibilidades

    adequadas.

    Quando tal no for possvel, devem estabelecer-se acordos de parceria

    com entidades competentes, que operem localmente, no sentido de apoia-

    rem, de forma especializada, a equipa constituda.

    O acesso das pessoas com deficincia ou incapacidade ao processo RVCC

    ou s ofertas de educao e formao de adultos deve ser implantado e

    generalizado, gradualmente, ao nvel bsico de educao, sendo posterior-

    mente alargado ao nvel secundrio. ::

    E B

  • Notcias... alm fronteiras

    Os alunos premiados no concurso descoberta das regies pola-res, includo no projecto Latitude 60!, viajaram para a Antrtida, em Dezembro, integrados numa expe-dio canadiana que, durante cerca de duas semanas, navegou a bordo do navio Ushuaia. A estes estu-dantes, provenientes de escolas secundrias de Almada, Grndola e Pinhal Novo, a viagem permitiu

    a participao no estudo e no debate sobre a importncia das regies polares para o equilbrio ambiental do planeta.O Comit Portugus para o Planeta no Ano Polar Internacional, do binio 2007/2009, promove um conjunto de aces que visam divulgar e debater a importncia das regies polares na dinmica e regulao climtica do planeta. De entre estas, destaca-se o projecto Latitude60!, que inclui diversas actividades educativas. Iniciado em Julho 2006, ir decorrer at Maro 2009, com o objec-tivo de evidenciar a ligao de alguns problemas da Terra a questes relacionadas com a temtica ambiental. No mbito deste projecto, foi lanado um concurso junto das escolas secundrias nacionais, designa-do descoberta das regies polares, com apoio da Agencia Nacional Cincia Viva e organizao da Universidade de Algarve, da Universi-dade de Lisboa e da Associao dos Professores e Geografia. ::O dirio de viagem que revela a forma entusistica como a expedio foi vivida por todos, pode ser visitado em: http://aumpassodalatitude60.blogspot.com/Ana Roque

    NuNCA TARDE PARA APRENDER

    A Comisso Europeia lanou, em Setembro de 2007, um repto aos Esta-dos Membros para que trabalhem em conjunto no apoio ao Plano Euro-peu de Aco para a Educao de Adultos. Este plano, que d continuidade ao lanado em 2006, intitulado Nunca tarde para aprender, prope-se ajudar a remover as barreiras que impedem que os adultos se envolvam em actividades educativas formais. A Comisso espera que os Estados Membros se envolvam em aces de anlise dos efeitos das reformas na educao de adultos; na melhoria e aumento da qualidade das ofertas formativas, incluindo a qualidade dos formadores e das infra-estruturas; e na elaborao de projeces demo-grficas que evidenciem a importncia do investimento no capital social e humano dos alunos adultos. Assim, estaro a contribuir para a qualidade, eficcia e desenvolvimento da educao de adultos. ::

    Mais informaes podem ser obtidas em:http://ec.europa.eu/education/policies/adult/ndex_en.htmlAna Roque

    ANO EuROPEu DO DILOGO INTERCuLTuRAL

    O Ano Europeu do Dilogo Intercultural, a decorrer ao longo de

    2008, foi lanado a 8 de Janeiro, em Ljubliana Eslovnia, na

    qualidade de pas que detm a Presidncia da unio Europeia.

    O principal objectivo deste ano preparar os cidados europeus e

    todos os que vivem na unio Europeia para adquirirem competn-

    cias que lhes permitam lidar com um ambiente cultural cada vez

    mais complexo onde coexistem diversas lnguas, religies, etnias

    e culturas. Pretende ainda promover uma cidadania europeia

    activa e aberta ao mundo, respeitadora da diversidade cultural e

    baseada em valores comuns da unio Europeia. ::

    Para mais informaes consultar:

    http://www.interculturaldialogue2008.eu/

    T F

    A uM PASSO DA LATITuDE 60

    ExEMPLOS DE BOAS PRTICAS DE INOVAO E DE CRIATIVIDADE

    As escolas podem enviar trabalhos exemplificativos de boas

    prticas de inovao e de criatividade pedaggicas, com o

    objectivo de serem divulgados na conferncia Promovendo a

    inovao e a criatividade: as respostas das escolas aos desa-

    fios das sociedades do futuro, organizada no mbito da Presi-

    dncia Eslovena do Conselho da Unio Europeia.

    Os exemplos de boas prticas devem ser descritos numa apre-

    sentao sucinta, com uma ou duas pginas, que inclua objec-

    tivos, metodologias, contedos, grupo-alvo e resultados.

    Esta apresentao, que pode incluir materiais e produtos ilus-

    trativos do trabalho realizado, nomeadamente fotos, spots,

    vdeos, msica, etc., deve estar disponvel em formato elec-

    trnico.

    Alm destas apresentaes, as escolas podem enviar pequenos

    spots de crianas, jovens e professores, que no devem exceder os trs ou quatro minutos, onde os intervenientes expressem as

    suas opinies sobre a inovao e a criatividade na escola.

    As escolas podem enviar os seus contributos, at 15 de Feve-

    reiro, para a Equipa Computadores, Redes e Internet na

    Escola (CRIE).

    A seleco dos trabalhos ser feita por um jri constitudo por

    elementos da Direco-Geral de Inovao e de Desenvolvi-

    mento Curricular (DGIDC), da Equipa CRIE e dos centros de

    competncia. ::

    Mais informaes, consultar a pgina da Equipa CRIE, em

    www.crie.min-edu.pt

    EB

  • 10 11 Dirio de um professor

    O acompanhamento dos alunos ao longo do 3. ciclo de escolaridade um dos objectivos de Paula Teixeira, professora de Matemtica, que se prope partilhar esse desafio com uma colega, professora de Histria. O trabalho colaborativo entre duas professoras de reas diferentes permite trabalhar os saberes de forma interligada, evitando espartilh-los por inmeras disciplinas.

    Fotografias de Carlos Silva

    Junho de 2005Decidi que, no prximo ano lectivo, volto a dar aulas a uma turma do 7. ano. Na minha escola, a escolha dos nveis de escolaridade feita de acordo com a graduao profissional, tal como h 20 anos. Sou contra, mas agora d-me jeito. Estou efectiva numa escola da minha escolha e, mesmo quando as coisas me correm mal, posso tentar alterar porque esta a minha escola.Falei com a Paula Ribeiro, professora de Histria, com quem j trabalhei em conjunto em turmas que tentmos acompanhar desde o 7. ano. Essa experincia no correu bem porque, com as sucessivas retenes, chegmos ao 9. ano com meia dzia de alunos.Desta vez, vamos tentar reunir mais condies: falar com a presidente do conselho executivo e explicar-lhe que desejamos levar todos os alunos at ao 9. ano (casos especiais sero ponderados); tentar que pelo menos a maioria dos professores do conselho de turma se mantenha ao longo dos trs anos; e insistir para que a direco de turma e as reas curriculares no disciplinares sejam atribudas Paula, assessorada por mim no meu horrio no lectivo.No deixa de ser estranho que estas condies tenham de ser alvo de grandes negociaes. Seria normal que, em escolas com corpo docente relativamente estvel, os conselhos de turma se mantivessem, a reteno fosse excepcional, e os professores trabalhassem em pequenos grupos de acordo com os interesses dos alunos e as suas expectativas.Est claro o que pretendemos trabalhar com os alunos: que, ao longo de trs anos, tenham um ensino onde os saberes surjam relacionados e no espartilhados pelas disciplinas (imensas); que saibam estar em espaos diferentes, (transportes pblicos, museus, livrarias, espectculos, bibliotecas); que sintam o prazer da leitura e tenham contacto com algumas formas de arte. Obviamente, queremos trabalhar a Matemtica relacionando-a com

    Dirio de Paula Teixeira

  • outras disciplinas. Desejamos colocar no quotidiano dos alunos duas professoras de reas diferentes que voapoiar-se mutuamente sempre que surjam dvidas. Precisamos de trabalhar com os professores do conselho de turma, necessitamos de tempo e de espao.O trabalho de grupo, a realizao de projectos, a utilizao dos computadores so uma opo nossa e por isso negocimos a possibilidade de ter sempre aulas (de Matemtica, Histria, rea de Projecto, Estudo Acompanhado e Formao Cvica) no Laboratrio de Matemtica, onde as mesas j esto dispostas em grupo e existem computadores com ligao Internet e um projector vdeo ligado a um dos computadores.

    Setembro de 2005Aquilo que parecia to claro em Junho parece agora um pouco assustador. Foram dadas todas as condies e h o receio de no as saber aproveitar. Tenho as fotografias dos alunos minha frente e interrogo-me se tambm deles eu vou gostar. No nos conhecemos, no nos gostamos. Essa ligao d-se num curto espao de tempo, mas de incio o que nos vem cabea so aqueles que acabmos de deixar e que eram to fantsticos e relativamente aos quais j no nos lembramos do princpio.

    Janeiro de 2006Tivemos sorte! Tudo se proporcionou para que o incio do ano decorresse de forma animada. No dia 3 de Outubro, pudemos assistir a um lindssimo eclipse anular do Sol. Algumas aulas antes realizmos uma actividade sobre este tema que foi aproveitada para esclarecer o que se espera que os alunos faam num trabalho de pesquisa. No dia 3 l tnhamos um telescpio e dois alunos do 11. ano a prestar apoio observao. Ainda bem que a Maria de Jesus, professora de Fsica e Qumica, pertence a este conselho de turma. Funciona connosco, fazemos a ligao entre o ponto de fuso e de ebulio, os nmeros negativos e os frisos cronolgicos...Os alunos j sabem entrar e estar na sala de aula de acordo com as nossas regras. Sabem que o trabalho de aprendizagem se processa essencialmente por construo deles, ns ajudamos, ensinamos, mas muitas vezes os colegas do grupo ajudam muito mais. A professora responsvel pelas tarefas a indicar aos alunos e pela conduo dessas actividades, no h qualquer ambiguidade no papel dos alunos e no papel da professora.No 1. perodo, pusemos todas as famlias a resolver problemas e a treinar clculo mental. Alguns alunos traziam sugestes de tarefas a realizar ao jantar. As mes e os irmos mais novos participam sempre, os pais muitas vezes, os irmos mais velhos s vezes.Fizemos duas visitas de estudo. Comeam a correr bem. J gosto deles, mas ainda no gosto de todos juntos, ainda os prefiro em pequenos grupos.O Antnio uma preocupao. um sedutor, joga com isso, sabe que me leva certa. pequeno para os seus doze anos, tem um aspecto frgil, bonito e sabe fazer o papel do desamparado. Neste papel aproveita para nada fazer e criar grande agitao

  • 12 13 Notcias

    sua volta, sempre com ar angelical. No vamos conseguir convencer o conselho de turma que ele deve acompanhar a turma.O Rui foi operado s mos. O Rui quer ser artista e gostaria de ser graffiter. Antes de ele interromper a vinda escola, vimos o filme da vida de Jean-Michel Basquiat, ofereci-lhe o livro de desenhos de Basquiat e fizemos um trabalho sobre a arte graffiti.

    Junho 2006 Concorremos ao concurso Canguru Matemtico, promovido pela Sociedade Portuguesa de Matemtica (SPM). Quando saram os resultados

    nacionais, percebemos que tnhamos ficado bem posicionados. Fizemos uma festa!Concorremos aos Desafios do ALEA* que so problemas do dia-a-dia, baseados em notcias publicadas em rgos de comunicao social. Para este concurso os alunos tinham que ir pgina web do ALEA retirar o enunciado do desafio, em seguida resolver o problema e, por fim, enviar a resposta. Para alguns dos alunos e muitas das alunas, foi a primeira experincia com a utilizao do computador para enviar mensagens.Festejmos o 25 de Abril e fizemos um trabalho sobre as mulheres. A Henriqueta e a Patrcia foram uma agradvel surpresa pela forma como comunicaram o seu trabalho. No era s o tom de voz, no era s a clareza, era a alegria com que o fizeram. O Antnio no vai estar connosco para o ano. O conselho de turma no permitiu a sua transio. J so os meus midos, j gosto de todos em conjunto ou separados e vou sentir a falta do Antnio.

    Julho de 2006Parece que o Ministrio da Educao quer pr todos os professores nas escolas durante mais horas. As minhas condies de trabalho vo piorar. Se, durante mais tempo, vamos ter mais professores na escola sem estarem a dar aulas, os poucos espaos de trabalho que existem vo ficar sobrelotados e ento... o melhor esperar para ver. Se nos conseguirmos organizar bem, at pode ser que seja positivo.

    Setembro de 2006 J combinmos os projectos em que vamos trabalhar ao longo do ano: primeiro, a cano francesa (existe mundo e cultura e saber para alm dos pases de expresso inglesa); depois, a Matemtica e o jogo; por ltimo, faremos uma investigao sobre o teorema das 4 cores, utilizando o mapa da Europa e aproveitando para falar da Europa e da Unio Europeia (tambm existe Europa para alm da Unio Europeia). A professora de Francs, Maria Manuel, ir trabalhar connosco.Na Matemtica, vamos ter todas as semanas 45 minutos para resolver problemas.

    Janeiro de 2007 Entraram quatro alunas novas: a Hristina, que blgara e a sua amiga Estela, que pediram para integrar esta turma; a Rita, que est aqui no sabe porqu e que queria continuar com as amigas; e a Ins, que veio transferida de outra escola. Por esta altura, j esto todas integradas, com excepo da Rita, que continua a preferir a sua turma. Como

  • Bloco de notas

    As actividades deste tipo destinam-se s famlias. So os prprios alunos que, semelhana das actividades que lhes so propostas na sala de aula, se envolvem na sua concepo. Existe sempre a preocupao de que estas sejam acessveis a todos, pois importante promover a popularizao da Matemtica valorizando-a socialmente.

    ObjectivoOrganizar sabatinas nas famlias para treino do clculo mental.

    Proposta do PedroEsta actividade foi apresentada por Pedro Fonseca, aluno do 7. - 1.:

    Dois minutos para fazer o maior nmero de clculos possvel.

    18 + 20 = 25 5 = 14 7 = 322 + 67 = 17 + 8 = 17 2 = 500 + 78 = 14 22 = 72 : 4 = 9 9 = 87 + 17 = 20 7 = 120 6 0 = 17 + 32 = 27 : 3 = 12 : 4 = 30 10 = 13 9 = 52 : 2 = 28 + 13 = 28 14 = 22 5 = 324 + 222 = 301 4 =

    hbito, ningum parece saber como que a mida aqui veio parar e porqu. A ningum parece determinante responder a esta questo, mas para a Rita era muito importante perceber.

    Junho de 2007No dia 1 de Junho, Dia da Criana, fomos Feira da Matemtica, que decorreu no Museu da Cincia, na Rua da Escola Politcnica. Foi um grande sucesso. Apercebi-me do interesse de muitos midos pelo origami. Talvez no prximo ano possamos abordar este assunto.Os alunos vo todos escolher a mesma opo para que se possam manter na mesma turma. Gostaria de continuar com eles no prximo ano para que seja possvel, assim, fechar um ciclo iniciado no 7. ano.

    Outubro de 2007Que descanso que trabalhar com os meus midos! J so independentes, j conhecem todos os procedimentos, j precisam pouco de mim, j refilam comigo...As raparigas tm um esprito crtico absolutamente demolidor. Se tenho alguma dvida sobre o que est a acontecer, olho para a Joana, para a Diana, para a Ana... e o olhar delas est l... a apoiar, a avisar, a reprovar... a seguir rimo-nos. Os rapazes perguntam O que foi? O que foi?. Nesta idade, em que a diferena de maturidade entre eles e elas muito acentuada, eles ainda no percebem o implcito. J todos tm endereo electrnico. Nem todos tm computador em casa e menos ainda ligao Internet, mas j faz parte das nossas rotinas a utilizao do Estudo Acompanhado para os alunos que no tm outra forma de acesso irem ver o correio electrnico. Temos dois alunos novos na turma: o Edvnio, que um rapaz grande, simptico, que chegou atrasado no primeiro dia de aulas e ficou admirado por todos sabermos o nome dele; o Diogo, ainda um menino, que disse ao apresentar-se Eu reprovei o ano passado, mas foi sem querer. Temos um professor novo no conselho de turma que d a disciplina de Tecnologias da Informao e da Comunicao (TIC). O Nuno est sempre pronto a ajudar-nos em tudo o que lhe pedimos. Fiquei tocada pela forma como os alunos defendem o bairro onde habitam. Hoje, na aula, os alunos que vivem no bairro da Cova da Moura responderam a um inqurito sobre condies de segurana no bairro. Todos declararam sentir-se em segurana e gostarem de viver no bairro porque as pessoas so simpticas e respeitveis. ::

    * Aco Local de Estatstica Aplicada

    Dois minutos para toda a famlia

  • ACABAR COM O INSuCESSO ESCOLAR Dez Medidas para a Equidade em Educao

    texto de Teresa Gaspar

    Para que os sistemas educativos sejam mais justos e inclusivos, o estudo da OCDE sobre equidade na educao, acabado de publicar, defende que as polticas pblicas devem actuar ao nvel da concepo do sistema, das prticas escolares e dos recursos.

    IGUALDADE DE OPORTUNIDADES E INCLUSOO conceito de equidade em educao operacionalizado em torno de duas dimenses, a saber, a igualdade de opor-tunidades e a incluso. A primeira impli-ca que qualquer que seja a situao pes-soal e social de origem da criana, tal no deva constituir obstculo ao acesso e sucesso educativos; pelo seu lado, a incluso pressupe que todos benefi-ciam de uma educao geral comum. Desse modo, combater o insucesso escolar contribui para ultrapassar os efeitos de privao social, uma vez que o insucesso frequentemente causado por essa privao. Os dados mostram que a desigualdade de oportunidades se manifesta, na maior parte dos pases da OCDE, na probabilidade de um jovem com um mau resultado a Matemtica aos 15 anos de idade ser trs a quatro vezes mais elevada em famlias de fra-cos recursos1; quanto s dificuldades de incluso, a percentagem de alunos que tm um nvel muito baixo de compreen-so da leitura2 parece ser um indicador de abandono escolar sem aquisio das competncias de base necessrias para participar plenamente na sociedade, sendo assim uma dimenso do nvel de equidade dos sistemas educativos.

    14 15 L fora

    A OCDE acaba de publicar um estudo comparativo realizado em dez pases sobre a equidade em educao, onde analisa as polticas adoptadas ao nvel da escolari-dade obrigatria e a variabilidade dos resultados existentes no que se refere a alu-nos, escolas, abandono escolar precoce, diferentes vias de ensino e modo como se reflectem na equidade, bem como as condies de integrao de migrantes e de minorias nos sistemas educativos. O ttulo do estudo por demais interessante, para alm de suscitar de imediato a nossa adeso, na esperana de estarmos perante a revelao da resposta eterna pergunta de como se faz?Os dez pases participantes Blgica (regio flamenga), Eslovnia, Espanha, Federa-o Russa, Finlndia, Frana, Hungria, Noruega, Sucia e Sua comearam por preparar relatrios nacionais de anlise sobre as questes da equidade, tendo cinco deles (Espanha, Finlndia, Hungria, Noruega e Sucia) recebido a visita de peritos externos que realizaram estudos de caso, aps o que foi preparado o relatrio final pela equipa responsvel pela realizao do estudo. Este relatrio no utiliza apenas a base emprica fornecida pelos pases partici-pantes, mas conjuga os resultados obtidos noutros estudos, como o PISA, os estudos sobre educao de infncia ou os da transio da escola para a vida activa,

    para propor a aplicao de um conjunto de medidas cuja validade parece

    demonstrada na concre-tizao de sistemas

    educativos mais equitativos.

  • AS DEz MEDIDAS PARA A EqUIDADE NA EDUCAOPara que os sistemas educativos sejam mais justos e inclusivos, o estudo defende que as polticas pblicas devem actuar nos trs domnios estruturantes da educao, ou seja, ao nvel da concepo do sistema, das prticas escolares e dos recursos. nesses trs domnios que so propostas a aplicao de dez medidas de aco pblica para melho-rar a equidade em educao.As quatro medidas propostas ao nvel da concepo dos sistemas educativos chamam a ateno para o facto de tradi-cionalmente a arquitectura dos sistemas educativos prever a diviso dos alunos por vias diferenciadas de ensino, s quais cor-respondem diferentes estabelecimentos de ensino e a distribuio dos alunos por turmas em funo dos seus resultados esco-lares, o que frequentemente aumenta as desigualdades. O conjunto de medidas ao nvel das prticas visa uma abordagem do processo educativo mais justa, capaz de recuperar as desigual-dades de partida e garantir a todos uma educao inclusiva. Quanto aos recursos e dada a fase de restrio oramental que muitos pases atravessam, ser importante estabelecer uma ligao directa entre os investimentos feitos nas diferentes reas educativas com os resultados de maior equi-dade alcanados, seja ao nvel das regies ou das prprias escolas. Da a importncia de serem fixados objectivos concretos e quanti-ficados para os resultados a alcanar. ::

    1 OCDE (2006), Education at a Glance: OECD Indicators 2006, OECD, Paris.2 OECD (2004), Learning for Tomorrows World: First Results from PISA 2003, OECD, Paris.

    Este relatrio defende que os sistemas educativos devem conjugar igualdade de oportunidades e incluso na sua concepo, nas suas prticas e nos seus recursos. Prope dez medidas grandes recomendaes para a aco pblica que reduziro o insucesso e o abandono escolares, tornaro a sociedade mais justa e evitaro importantes custos sociais relacionados com a existncia de adultos marginalizados pouco qualificados.

    Concepo

    1. Limitar a orientao precoce para vias diferenciadas ou para turmas de nvel e evitar a seleco com base nos resultados de aprendizagem.

    2. Gerir cuidadosamente a liberdade de escolha de escola a fim de controlar os riscos de desigualdade.

    3. No ensino secundrio organizar alternativas de estudo atraentes, eliminar as vias fechadas e prevenir o abandono escolar.

    4. Oferecer segundas oportunidades para a realizao de estudos.

    Prticas

    5. Identificar e apoiar sistematicamente os alunos com dificuldades de aprendizagem e reduzir as taxas elevadas de repetio de ano.

    6. Reforar os laos entre a escola e a famlia para ajudar os pais desfavorecidos a saberem apoiar os seus filhos nos estudos.

    7. Ter em conta a diversidade e desenvolver formas bem sucedidas de integrao de migrantes e de minorias na educao regular.

    Recursos

    8. Oferecer uma slida educao a todos, dando prioridade aos recursos para a educao de infncia e ensino bsico.

    9. Orientar os recursos para os alunos que tm mais necessidade, para que as comunidades mais pobres tenham uma oferta pelo menos equivalente das que tm mais meios e para que seja dado apoio s escolas com dificuldades.

    10. Fixar objectivos concretos e quantificados para melhorar a equidade, particularmente no que se refere ao insucesso e abandono escolares.

    Este relatrio formula recomendaes para a hierarquizao das prioridades no quadro de um oramento limitado, tendo em conta as restries das despesas pblicas.

    1 OECD (2007), No More Failures, Ten Steps to Equity in Education. OECD, Paris. Traduo da autora.

    RECOMENDAES PARA A EQuIDADE EM EDuCAO110

    Actuar ao nvel das prticas escolares permitir recuperar as desigualdades de partida e garantir uma educao inclusiva.

  • 16 17 Entrevista Ceclia Menano

    MenanoNa porta do atelier Escolinha dArte, de Ceclia Menano, est escrita mo e gravada em metal, a frase de Dante Segui il tuo corso e lascia dir le genti, ou seja, Segue o teu caminho e deixa os outros falar. Objectivo que esta mulher pouco convencional e to frente do seu tempo perseguiu ao longo de toda a sua vida.

    Ceclia

    Entrevista de Maria Emlia Brederode Santos e Teresa FonsecaFotografias de Henrique Bento

  • Uma educadora pouco convencional

    A frase segue o teu caminho e deixa os outros falar

    o seu lema?

    Era o lema da minha me e est escrito com a letra dela. Achei bonito e fi-lo meu, sim. Segue o teu caminho, deixa os outros falar. A Educao pela Arte isso mesmo. D-se uma grande liberdade s crianas e a ideia de que se no devem importar com o que os outros dizem. O que conta o que ns fazemos, o nosso gosto, a nossa vontade, o nosso caminho. A educao pela arte leva a pessoa a ser to livre que sente que a criao mesmo dela.

    Gostvamos de reconstituir o seu caminho. Quando e

    porque se interessou pela educao?

    Escolhi a educao muito cedo. Escolhi a educao porque gostava de crianas e gostava de educao. tinha feito a minha formao como educadora na escola Joo de Deus, onde usavam um desenho estereotipado. Eu sentia-me mal a fazer aquilo. Quando vi uma criana logo no princpio da minha vida profissional, tinha talvez 19 ou 20 anos na escola Ave-Maria, a fazer no quadro preto um desenho livre, uma criao prpria, eu disse para mim mesma: No posso impingir a uma criana, que livre e que sabe criar, desenhos para a manietar, para ficar presa a ideias e a teorias que no tm nada a ver com a criao. Depois, claro, reinterpretei esse evento lembrando-me de Picasso e dos primitivos e de toda essa cultura que conheci e que vivi, atravs sobretudo da minha me e de outras pessoas da famlia. tudo o que era arte plstica em casa era falado com uma grande paixo. A minha me polia as mas e armava o cesto da fruta dizendo-nos: Czanne pintava assim. Com pequenos gestos deste tipo, ia ensinando toda a gente. Com quatro anos j a minha Me me levava ao Museu das Janelas Verdes. Em minha casa havia uma grande paixo pela arte, pela plstica, mas tambm pelas outras artes.

    Estvamos a tentar reconstituir o seu caminho, como se

    tornou uma pioneira da educao pela arte...

    Eu no sei bem responder a isso, foi acontecendo. Eu fiz o curso da Joo de Deus, depois fui para o Colgio Ingls onde trabalhei um ano. Sa porque, embora tivesse s 19 anos, tinha uma grande liberdade na minha cabea e no gostei da maneira como castigavam as crianas. Fui Escola Ave-Maria onde a Maria Alexandra Almeida Eusbio, que tinha sido minha colega na Joo de Deus, era a directora e perguntei-lhe se me queria como educadora infantil. Ela aceitou, e fiquei l durante 22 anos, a dirigir o ensino infantil e a orientar as classes primrias no que se refere ao Desenho, Pintura, Gravura e Cermica.

    Tinha conscincia de estar a abrir um caminho novo na

    educao artstica?

    S uns trs ou quatro anos depois, em 1949, que eu me dei conta que estava a fazer uma coisa muito nova e que, quase sem bases tericas, estava a fazer c o mesmo que o Augusto Rodrigues, no Brasil, e que o Herbert Read, em Inglaterra. Isso comoveu-me: como que eu cheguei aqui? Deu-me mais segurana. Foi um perodo excepcional. O Augusto Rodrigues veio a Portugal de propsito para me conhecer, e o Herbert Read, por seu lado, foi ao Rio de Janeiro s para estar com o Augusto Rodrigues!

    Sempre julguei que tinha sido um produto quase em

    bruto...

    Sou uma pessoa atrevida!

    ... Mas agora, consultando o seu curriculum vitae,

    verifiquei que andou por imensos stios, visitou a

    Maison des Petits em Genebra em 1947 e trabalhou

    durante alguns meses com a sua directora...

    Sim, com a Mademoiselle Audemars. Visitei tambm, em Lausanne, a Clnica Psiquitrica de Pierre Bovet, as Homes denfants de vrias cidades suas e a Aldeia Pestalozzi... Mais tarde, em 1958, fui a Paris com o Joo dos Santos e o Henrique Moutinho visitar escolas de cegos.

  • Quer dizer, procurou e conheceu todas as experincias educativas mais

    inovadoras das dcadas de 40 e 50...

    Sim, tambm estagiei em escolas infantis de Nova Iorque e visitei vrias escolas primrias rabes em Marrocos, em 1950.Interessava-me a escola em geral, ver como que os professores lidavam com os alunos. Marrocos foi um stio que me interessou muito porque tudo cantado, tudo aprendido a cantar, a lngua, a escrita, como aqui em Portugal h ou havia a tabuada cantada. Em Marrocos, tudo cantado, tudo balouado, e aprender tem a ver com a dana, tem a ver com o balano, tem a ver com o ritmo.

    O seu caminho foi inovador e pioneiro tanto no campo da educao da

    infncia como no das expresses artsticas. O que trouxe de novo?

    Eu acho que tive muita sorte em haver tanta gente a olhar para mim. As pessoas descobriam-me e iam-me buscar, os psiquiatras, os artistas, etc. No era s nas escolas ditas acadmicas que eu me sentia bem, eu sentia-me bem puxada para a investigao, para tudo o que fosse pesquisa, com o grupo de psicologos, de neurologistas e de pedopsiquiatras como o Joo dos Santos e outros ou de oftalmologistas, como o Henrique Moutinho, e outros mdicos que trabalhavam com pessoas com deficincia ou com doenas achavam que eu era um bocado diferente e, como tal, queriam que eu experimentasse outras coisas, como com os cegos. Ou no Jlio de Matos, ou com crianas doentes no Hospital de Santa Maria... Para mim, o comportamento do adulto com a criana no tem propriamente a ver com a educao, tem a ver principalmente com a ligao afectuosa, um professor tem de ser doce, tem de ser afectuoso, tem de no ralhar, como dizia o Rui Grcio. Portanto, toda uma atitude de querer conseguir mais qualquer coisa do que a educao pela arte, porque o que interessa so as crianas, as crianas pobres, as crianas de rua, as crianas felizes, todas, e no fundo eu quis conhecer a criana portuguesa para poder melhor lidar com ela. Andei por todo o lado desde o Jardim Zoolgico, onde eu contava histrias...Um dia, estava eu no Jardim Zoolgico a fazer pantomina e jogos com o giz no cho, juntando as meninas de organdis com os meninos pobres chamavam-me a senhora do jardim e as pessoas pasmavam como que naquela poca, anos 50, uma mulher como eu, j um pouco conhecida nas escolas e no meio, tinha a coragem de enfrentar esse meio e muito democraticamente pr as crianas todas juntas a trabalhar. Num tempo em que no havia co-educao, eu juntava tudo, pobres e ricos, meninas e meninos... e agora, aqui no atelier, juntam-se pessoas crescidas e crianas. As pessoas tm que se juntar, at eu, com esta idade toda, gosto de estar com crianas, com jovens e com pessoas de todas as idades, porque as pessoas so pessoas!

    Trabalhou em muitos contextos j

    referiu o Santa Maria, o Jlio de

    Matos... No fundo v a educao pela

    arte como uma forma de promover

    o desenvolvimento das crianas

    mas tambm como um processo

    teraputico?

    s vezes, sim. Houve um tempo em que muitos psiquiatras me mandavam crianas com problemas, no s de atrasos mas com problemas neurticos graves. Vou contar um caso que acho muito bonito: havia uma criana autista, de oito anos, que me foi mandada pelo Joo dos Santos. No que ela no falasse nada, podia falar, mas recusava-se, como o autista s vezes faz, e esteve comigo um ano e meio, duas vezes por semana, a ss, fez tudo o que se possa imaginar (pintura, desenho, plasticina, barro) tudo ela trabalhava com gosto, mas no falava e eu esperava, sempre a falar com ela, em francs porque ela era francesa. O atelier tinha cavaletes, como os que est a ver agora, e ela viu que a tinta no aderia ao papel, escorrendo como uma lgrima. Voltou-se para mim e disse: Ccile, a pleure (Ceclia, isto est a chorar). No fundo, ela estava a falar, ela estava a dizer que estava a sofrer tambm, e a partir da ela falou. Est claro que no era autismo profundo mas a histria to potica, to bonita! educao pela arte? pedagogia? terapia? poesia?...

    18 19 Entrevista Ceclia Menano

  • Eu continuo a achar que a educao pela arte imparvel. Mas o fundamental cada um procurar a sua prpria forma de expresso.

    Como que aconteceu entrar na Escola Superior de

    Educao pela Arte?

    Eu tinha sido convidada, no incio dos anos 70, pelo Sidnio Pais para a RtP, para fazer programas para crianas, que eu tinha arquitectado com o Fernando Lopes (histrias contadas que eu tambm contava histrias) e que foi proibido. A seguir ao 25 de Abril, o Sidnio Pais convidou-me de novo, mas, entretanto, j o Jos Sasportes e o Arquimedes da Silva Santos me tinham convidado para a Escola Superior de Educao pela Arte. Nesse aspecto foi uma opo.

    E o que que isso representou na sua vida?

    Foi uma maravilha! Eu achei que tinha tido muita sorte. Como que eu tinha chegado at ali? Os alunos aderiram, embora muitos no soubessem, partida, nada sobre crianas a pintar livremente... Fazia muitos estgios com eles que eram um pouco assim: eu dava aulas s crianas de Lisboa de escolas oficiais, aulas de pintura, toda a plstica, etc. e os alunos assistiam e escreviam tudo. Depois, eram eles que davam a aula e eu que escrevia o que eles diziam e faziam e, dessa forma, houve uma espcie de intercmbio fantstico de ideias, os alunos comearam a abrir, a abrir... Claro, no era s isso, tambm tiveram aulas tericas, at de terapia tinham que saber.

    E o facto de estar na escola trouxe alguma mudana

    sua maneira de trabalhar?

    No. Eu comecei por dizer honestamente e com verdade ao Sasportes e ao Arquimedes: eu sei fazer isto, no tenho experincia de formao de professores, mas sei fazer isto. Depois, comecei a inventar a forma de lhes passar a minha experincia.

    E o que que diria hoje aos professores?

    Eu continuo a achar que a educao pela arte imparvel, embora concorde que h aspectos que podem ser acrescidos como por exemplo mais tcnicas, mais maneiras de olhar para a Histria da Arte, para os pintores, para os artistas em geral, para que as pessoas possam ter mais cultura artstica. Mas o fundamental cada um procurar a sua prpria forma de expresso e isso mantm-se. Mas a Ceclia que consegue isso...

    Acho que falta dizer aqui uma coisa: que eu posso ser tradicional nalgumas coisas, mas no sou convencional. O convencionalismo maa-me, incomoda-me. o que se passa quando a criana faz um desenho sem nenhuma espcie de criao, um risco, outro risco, com muitas cores e diz que o arco-ris. Quando vem para aqui eu digo-lhe: Vais criar, nem que seja uma coisa feia, mas tens de ser tu. Como educadora, no aceito o que parece ser convencional na escola. No difcil conseguir isso, preciso ter boa vontade. Consegue-se sempre convencer, sem obrigar, convencer a pessoa de que ela linda, de que pode fazer melhor.

  • 20 21 Entrevista Ceclia Menano

    Uma seduo...

    Eu acho que sim e que no tenho mudado muito nesse aspecto. tenho agora alunos mais velhos, adultos. Eles pedem para pintar, pedem para vir ver, pedem para ver o atelier, precisam de qualquer coisa: mais e melhor. Eu acho que no bailado tenho visto coisas lindas na televiso, na msica tambm, isto mostra que Portugal mudou, na arte eu acho que mudou para melhor. Claro que ainda h convencionalismo, h professores cheios de manias e de teorias na cabea de fazer coisas bonitinhas para os outros verem.

    Falemos da sua irm: era mais

    uma prtica, a Ceclia abriu mais o

    caminho no?

    Eu fiz mais investigao, ela era mais uma pessoa excepcional em termos de comportamento no meu atelier foi sempre ela a melhor professora que eu tive - como eu digo no texto

    que escrevi para a Noesis sobre ela. Era uma pessoa que tinha uma relao muito boa e uma cultura muito vasta, era mais humilde e dedicava-se muito aos alunos. tudo o que fazia era fantstico, era uma pessoa que tinha uma grande doura e teve muito sucesso com os pais. Os pais gostavam muito da minha irm Isabel. Ela trabalhou comigo esses anos todos, foi sempre uma ptima colaboradora. A certa altura, teve vontade de fazer uma experincia educativa sem mim. Foi muito saudvel para ela e muito bonito porque fez uma coisa que saiu dela como quem faz um quadro. Como foi uma oportunidade de usar a influncia de Neill, foi importante para ela fazer uma coisa diferente. Lia muito, podia no estar na pesquisa, mas o que ela fazia mais era ler, ler, ler, sempre muito interessada pela pedagogia e pelos pedagogos em geral

    Na escola dela s trabalhava na parte plstica ou tambm noutras reas?

    Fez tudo, fazia a globalizao pedaggica como eu digo, s que era com crianas daquela idade entre os trs e os seis anos. Eram poucas crianas, como deve ser no mximo 15. toda a gente que observava a Escola de So Bernardo ficava fascinada com o trabalho dela. Viveu pouco tempo, s 54 anos, e todos os alunos ela teve muitos tm saudades dela.

    O que se diz s vezes da educao pela arte e dessas tendncias mais livres

    que funcionam bem para pessoas que tm essa cultura em casa. A sua me,

    alm de pintora, era cantora de lied, o seu pai era mdico. Mas para pessoas

    que no tm esse ambiente culturalmente to rico a escola tem de ser algo

    mais...

    A escola tem de dar, o professor tem de passar a cultura, a maneira de estar no mundo, tanta coisa que importante! Nem toda a gente pode ter a cultura esttica

    Portugal mudou, na arte eu acho que mudou para melhor.

  • e o conhecimento pedaggico em casa. Se os no tm, tm de os ir buscar a outros lados. Mas quase toda a gente tem um pouco essa atraco pela arte que no s a plstica, mas que a msica, que o bailado, que a expresso corporal, tudo o que havia na Escola Piloto de Educao pela Arte e era extraordinrio.

    Como que evoluiu ao longo destes

    anos todos, desde que fundou a

    Escolinha de Arte, em 1949?

    Acha que eu mudei, isso?

    Sim, por exemplo, agora recebe no

    s crianas, mas tambm adultos

    antigos alunos, pais e avs dos

    actuais...

    Eu vou aceitando situaes novas... Como foi no Conservatrio, para mim aquilo era novo, fazer formao de educadores pela arte, trabalhar com outros professores, etc. Meto-me sempre nestas coisas mas porque mas propem e eu aceito... Agora tambm foi assim, no fui eu que abri a escola aos adultos, no fui eu que chamei as alunas. Algumas antigas alunas telefonaram-me a saber se eu ainda estava viva, se ainda trabalhava e vieram c parar por isso. Eu aceitei e resultou, porque os pequenos e os crescidos fazem como se fosse uma famlia: no se criticam, no se copiam, coabitam, cada um trabalha no seu sector e com a sua escolha. quase uma famlia no trato no trato simptico. Aqui esto numa espcie de exposio constante e nunca ouvi uma coisa agreste. Acho que hoje h fome de afecto e de uma relao pacfica. As pessoas esto sempre a discutir. Aqui no h castigos nem imposies, h paz e liberdade. ::

    PROFESSORA

    ISABEL REy COLAO MENANO LOBO FERNANDES

    Foi a mais dotada Professora de Educao pela Arte que conheci. Ela tinha uma frescura e uma dinmica que fazia, de qualquer grupo de crianas, uns alunos dilectos, uns alunos que a rodeavam, mal ela fazia um gesto para os chamar. Mais nova do que eu seis anos quando entrou para a Escola Ave-Maria, levava a mesma riqueza familiar que nos foi dada, a influncia esttica da nossa Me, a cultura que ambientava a nossa casa, uma nica maneira de ser que, ao contrrio do meu jeito, primava por uma modstia exagerada. Teve, para alm de mim e dos Pais dos alunos da Escola Ave-Maria e dos Ateliers, o sucesso merecido e o aplauso dos que a conheceram no Campo da Educao. Criou a sua prpria Escola Infantil, que ficou conhecida como Escola de So Bernardo, num

    pavilho de jardim cedido pela Helena Corra de Barros, que fez o orgulho dos seus alunos e admiradores. Era uma escola piloto que tinha j em 1965 o sentido da Globalizao das Artes, pois conseguia dar Pintura, Desenho, Modelao, Construes Froebel e Jogo Dramtico, Pantomima, Msica e Potica Verbal, com descries ditadas pelas crianas, em modo globalizante, num ambiente de sonho, de liberdade e de pesquisa pedaggica. Do muito que fizemos juntas durante cerca de 30 anos esta foi a parte de que mais se orgulhou. Penso que foi sua obra mais autntica e independente. Rodeou-se sempre de pessoas ligadas Educao e Cultura como o socilogo Jos Carlos Ferreira de Almeida, a cientista Matilde Bensade, o psicanalista Joo dos Santos, o pintor Jos Jlio (seu antigo Professor), a pedagoga Maria Amlia Borges, e toda a famlia da pedagoga Sofia Abecassis, filha, netos e bisnetos que foram e so, ainda hoje, saudosos admiradores da sua obra de Educadora.A sua Escola de So Bernardo foi original e exemplarmente concebida em total autonomia e com um enorme dinamismo. A admirao que sempre teve pela obra de A.S. Neill que iniciou em 1921 o notvel movimento pedaggico da Escola Summerhill justificou que dessa obra colhesse a sua maior fonte de influncia.Tinha uma relao com as crianas parecida com a que tinha com os filhos, e qualquer psiclogo se apercebia no s das suas qualidades pedaggicas como das suas qualidades humanas, de Mulher e de Me. Rodeava-se de modestos apetrechos de trabalho e cultivava a humildade que se revia na expresso livre das crianas. Lembro-me de uma exposio no Jardim de So Bernardo, onde os papeis de arquitecto, esticados, nem sei como, pareciam enormes crans montados na relva, com desenhos e garatujas de crianas livres, amadas e educadas na liberdade e na beleza de um sonho inexistente em Portugal. Toda a gente se lembra e sente o empenho, a inteligncia, a bondade e a verdadeira pedagogia esttica que s ela sabia transmitir. Mais tarde, no Atelier, onde dominava qualquer idade e aprendizagem, tambm se interessou pelos adolescentes. Na poca, j eram os adolescentes os mais difceis de entender, mas para ela foi um fascnio de descoberta e de proteco.Tinha, como Professora, como ser humano e como Mulher, uma atitude rara de coragem, de fidelidade aos seus, ao seu trabalho, que , na minha opinio, a fora que faz dos Professores os seres destacados para lutar com as crianas e com a Sociedade. Duma sensibilidade musical fora do vulgar, essa faceta tambm realou o seu papel como Professora. Como Educadora atravs da Arte, foi a mais fiel aos princpios de H. Read, aos Direitos Humanos, esttica desta Educao, que visa o dilogo entre as crianas e o conhecimento da Arte.Era bonita, doce e requintada e fez felizes muitos dos seus alunos, todos os amigos e familiares. Foi uma Mulher de excepo e cumpre que ningum esquea o que ela fez, e muito menos eu. Ceclia Menano

  • No quadro da Presidncia Portuguesa do Conselho da Unio Europeia, decor-reu em Lisboa, em 27 e 28 de Setembro de 2007, a conferncia Desenvolvimento profissional dos professores. Para a quali-dade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida. A realizao desta im-portante reunio exprime a importncia conferida, ao nvel da Unio Europeia, temtica da formao de professores. Por um lado, reconhecido aos professo-res um papel chave na concretizao dos objectivos estabelecidos na Estratgia de Lisboa, no que respeita s polticas de educao e de formao. Por outro lado, verifica-se que uma profisso com-plexa, exercida em ambientes de traba-lho cada vez mais difceis, assegurada por um grupo profissional muito nume-roso e cada vez mais envelhecido.

    DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES

    texto de Rui Canrio

    Na conferncia Desenvolvimento profissional dos professores. Para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida, organizada no mbito da Presidncia Portuguesa do Conselho da Unio Europeia, reforou-se a necessidade de apostar na qualidade da formao dos docentes, com desejveis consequncias num melhor desempenho profissional.

    22 23 Formao de Professores

    MOTIVAR PROFISSIONALMENTE OS PROFESSORESO documento base explicita os problemas que se colocam e que decorrem, quer de questes demogrficas, quer da crescente complexidade da profisso docente, qual correspondem novos papis, novas exigncias e um alargamento do mbito da sua misso profissional. Para dar resposta a uma situao que problemtica, reconhece-se a necessidade de melhorar as polticas e as prticas de formao de professores que, no conjunto dos pases europeus, reconhecida como insatisfatria. Essa aposta na qualidade da formao, com desejveis consequncias num melhor desempenho profissional, indissocivel, como se afirma no documento, de um esforo a fazer para construir uma opo atractiva de carreira, o que implica permitir o recrutamento dos melho-res, persuadir trabalhadores a mudar de profisso em favor da carreira docente, impedir sadas da profisso, quer precoces, quer por parte dos professores mais experientes. Em sntese, constitui um objectivo central motivar profissionalmente os profes-sores, fazendo corresponder a uma elevao dos nveis de exigncia, uma aposta na sua formao e na criao de melhores condies de exerccio profissional. So quatro os grandes princpios enunciados como orientadores da aco: fazer do ofcio de professor uma profisso altamente qualificada, baseada em processos de formao ao longo de toda a carreira, marcada pela mobilidade e apoiada em dis-positivos de parceria.

  • COMUNIDADES DE APRENDIzAGEMOs pontos mais importantes, sobre os quais incidiram as intervenes dos representantes dos vrios pases, po-dem ser assim sintetizados: assegurar continuidade e coerncia no decurso dos diferentes momentos e etapas do percurso formativo dos professores; e encarar a investigao como impor-tante eixo metodolgico dos processos formativos dos professores, sustenta-dos por dispositivos de parceria sus-ceptveis de envolver diferentes actores e instituies. Foi realada a centralidade das prticas de superviso, a importncia decisiva de institucionalizar o perodo de induo e a necessidade de promover a integrao da formao de professores nos proces-sos de gesto quotidiana das escolas. Foi tambm sublinhada a pertinncia de incentivar, atravs de processos de mobilidade, modalidades de interna-cionalizao da formao. Em vrias contribuies foi enfatizado o modelo do professor como analista simblico, capaz de responder s dimenses de complexidade e incerteza que marcam os ambientes de trabalho. Nesta perspectiva, em que se valorizam fortemente os processos de aprendi-zagem na aco, emerge como muito relevante a construo de redes profis-sionais colaborativas e de comunidades de aprendizagem. Estas sero instru-mentos para transformar e fazer cor-responder o desenvolvimento profis-sional dos professores a processos de responsabilidade partilhada, baseados na aprendizagem colaborativa e na emergncia, nas escolas, de uma cul-tura de questionamento. ::

    A partir do debate possvel identificar problemas

    e desafios a diversos nveis de aco e de deciso.

    Alguns, pela sua dimenso e amplitude,

    remetem de forma directa para o mbito

    da interveno e deciso polticas.

    Seleccionmos trs:

    Como tornar a profisso docente uma profisso atractiva?

    Ou seja, como resolver os problemas de recrutamento e de renovao do corpo

    docente, seguindo o exemplo da Finlndia (seleccionar os melhores entre os

    melhores), contrariando a regra geral, presente na verificao da contribuio

    da Estnia, em que ser professor no uma opo popular entre os jovens?

    Como superar a contradio entre a retrica generalizada sobre o papel chave

    do professor e a dura realidade de uma profisso marcada pelo individualismo

    defensivo, estratgias de fuga, crise de autoridade, nveis crescentes de sofrimento

    no trabalho?

    Como contrariar a invaso da escola pelos problemas sociais?

    A prosperidade econmica no tem sido impeditiva do aumento das desigualdades

    sociais e consequentes processos de dualizao social, com repercusses directas

    e efectivas no mundo escolar e no exerccio da profisso docente. A expanso

    das situaes de vulnerabilidade social de massa obrigam a que muitas escolas

    e professores sejam confrontados com tarefas de carcter assistencial, o que

    prejudica a misso especfica da escola (a de assegurar aprendizagens) e fonte de

    perturbaes identitrias e de fenmenos de dualizao profissional.

    Como superar o paradoxo entre a autonomia e o controlo?

    Estudos comparados recentes, no espao europeu, vieram evidenciar a emergncia

    de novas formas de regulao que privilegiam o nvel local e a autonomia das

    escolas, o que , paradoxalmente, concomitante com o sentimento, por parte dos

    professores, de uma perda de autonomia colectiva da profisso. Como conciliar

    estas novas formas de regulao com as prticas de modos de liderana

    repartida que reforcem as capacidades de liderana e de promoo de mudana

    por parte de cada professor? Em sntese, como ser vivel, atravs dos professores

    e de uma melhoria do seu desempenho profissional, reforar o potencial de

    inovao e de criatividade das escolas?

    DESAFIOS POLTICOS

  • 24 25 Dossier Escrita criativa

    Com larga experincia de orientao de Oficinas de Escrita

    nas escolas, Lusa Costa Gomes defende que o grande

    objectivo destas sesses consiste em permitir que os alunos

    tenham uma experincia imediata das possibilidades literrias

    dos textos que escrevem. Nuno Leito, professor do 1. ciclo, considera

    que a escrita criativa, no apenas um poderoso instrumento de desenvolvimento

    lingustico, mas tambm de desenvolvimento pessoal. Para Margarida Fonseca Santos,

    responsvel pela concepo e orientao de ateliers, a escrita criativa, mais do que um

    conjunto de exerccios, funciona como uma possibilidade de aceder a um novo mundo,

    descoberto para alm dos caminhos habitualmente percorridos. Na Internet e em livros,

    os professores podem encontrar diversas reflexes e sugestes para desenvolver a escrita

    criativa com os seus alunos. Lus Mouro, professor do 1. ciclo, relata como trabalha

    a escrita criativa com os alunos do 2. ano, neste caso a partir de biopoemas. Helena

    Skapinakis, professora de Lngua Portuguesa do 3. ciclo, tira partido dos computadores

    portteis para propor aos alunos que sejam mais criativos, desenvolvendo o seu patrimnio

    de ideias, de modo a torn-lo cada vez mais inesgotvel.

    Escrita criativa

  • 26 29 No terrenoUm escritor na sala de aulaLusa Costa Gomes

    30 33 questes e razesAs palavras tambm saem das mosNuno Leito

    38 41 Recursos

    Na sala de aulaO rio partiu-seLuis Mouro

    46 49 Reprter na escolaComo desenvolver um inesgotvel patrimnio de ideiasElsa de Barros

    34 37 Feito e ditoEscrita criativa: uma janela aberta para um novo mundoElsa de Barros

    42 45

  • No terreno

    uM ESCRITOR NA SALA DE AULA

    Lusa Costa Gomes integra o Programa Artes na Escola, desenvolvido no mbito da Direco-Geral de Inovao e Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Esta escritora, que promove Oficinas de Escrita destinadas a alunos dos ensinos bsico e secundrio, considera que a funo do escritor na sala de aula no ser professor de Portugus , antes, procurar que os alunos tenham uma experincia imediata das possibilidades literrias dos textos que escrevem.

    texto de Lusa Costa GomesIlustrao de Rafaello Bergonse

    26 27 Dossier Escrita criativa

  • Nunca no mundo se escreveu tanto como hoje. A indstria livreira alimentada por uma mirade de produtos, alguns deles literrios, outros para-literrios e quasi-literrios, escrevem-se jornais, revistas, cartazes, legendas de filmes e sries de televiso, e-mails, sms: tudo escrito para ser lido e interpretado. Os nossos alunos lem pouco ou nada mas, melhor ou pior, escrevem permanentemente apontamentos, testes, mensa-gens em chats, mensagens de telemvel... A escola pretende dar-lhes competncias para que comuniquem de forma a pelo menos no provocarem equvocos fatais. Infelizmente, no lhes proporciona, o mais das vezes, o melhor de tudo: uma relao criadora com a Lngua Mater-na, a experincia da Lngua como matria sensvel e tangvel que se pode aprender a modelar e a controlar para efeitos de expresso prpria e fruio esttica. Escrever imitaes, pastiches, dirios, artigos jornalsticos, cartas, dilogos, jogos de palavras - devia ser uma actividade diria dos alunos em fase de aprendizagem intensiva da Ln-gua. S escrevendo-a que a Lngua se mostra realmente por dentro nas suas mltiplas subtilezas, nas suas expresses idiomticas, em toda a sua complexidade. A relao directa e livre com a produo de texto leva a um saudvel ambiente de desmistificao da cultura e da literatura, nunca confundindo a sua desmistificao com a relativizao do seu valor. Pelo contrrio, mostrando que na dificuldade, na dvida, na perplexidade, na tentativa e erro, na reescrita, no proceder de vrias verses, que a forma certa surge, e no s para o aluno, tambm para o escritor; mas sobretudo esta relao directa com a produo leva ao prazer da escrita, fruio esttica da Lngua. Quantos adultos me confidenciam que gostam de escrever, ou gostaram de escrever aquela composio na escola, dizen-do ainda hoje com um sorriso que a professora de Portugus gostou muito?Apagar do escrito, do texto adoptado, do livro recomen-dado, a dificuldade vital da escrita, mostrar a obra de arte, incluindo a obra literria, como um achado arqueolgico que funda no carcter histrico e museolgico o seu valor indiscutvel, negar o processo de tentativa e erro, a funda-mental experincia do fracasso, o processo de criao aberto que ele , sempre foi.

    Margarida Vieira Mendes, em A Didctica da Literatura, defende essa conexo especfica entre o objecto em cons-truo e o mtodo de ensino da Literatura. Produzir texto estar mais prximo da instabilidade da procura, do ques-tionamento das motivaes e interesses prprios que cons-tituem a verdadeira natureza de todo o empreendimento artstico e vivencial. No estou a dizer com isto que se deve transformar cada aluno num escritor, mas que providenciar- -lhe a experincia de escrever livremente talvez um pri-meiro passo para o transformar em agente cultural em vez de espectador de telenovelas...Quantos bloqueios em relao escrita no sero devidos mumificao dos textos literrios clssicos como algo que se deve estudar? relao puramente exterior e de contem-plao acadmica com esses textos? No se imagine sequer por um instante que menoscabo os textos clssicos e que fao a apologia fcil da relao predominante com a contemporaneidade e a cultura viva. Nada de mais vivo que um grande morto.Mas quem tenha experincia continuada de escrita sabe ler de outra maneira sabe chegar-se a um texto como se ele fosse um brinquedo com que se pode justa-mente brincar a srio, mas tambm desmontar, para perceber como feito, para que serve cada pea do organismo, e o que est l a fazer. Porque isso que aprendeu ao desmontar o brinquedo lhe vai servir obviamente quando quiser construir o seu prprio brinquedo.

    E S C R I TA

    Escrever devia ser uma actividade diria dos alunos em fase de aprendizagem

    intensiva da Lngua.

  • ESCRITA CRIATIVA E ESCRITA LITERRIAAntes do mais, a expresso escrita criativa sempre me pareceu pleonstica. A escrita, em princpio, sempre fruto de uma criao. Poderamos, claro, estar a distinguir escrita criativa de escrita contabilstica, mas Deus sabe que tambm essa , por vezes, bastante criativa. Por isso, para realar a especificidade desta escrita prefiro chamar-lhe escrita lite-rria. E ainda por outro motivo: no por acaso, parece- -me, que a escrita criativa (a Creative Writing) conseguiu de algum modo lugar na escola. que a Creative Writing se constitui quase como um conjun-to de tcnicas que permitem melhorar as competncias nar-rativas (como se a competncia narrativa fosse independente daquilo que se narra) e, pior ainda, melhorar a seco os aspec-tos estticos da arte literria, como se escrever literariamente no passasse de um bom enquadramento das boas prticas. Escrever tecnicamente uma competncia vazia. Para mim, esta pragmtica da produo textual, quando tomada em ter-mos absolutos, em definitivo a morte do artista. Posto isto, evidente que os princpios da Creative Writing so teis a quem pretenda fazer experincias de escrita. So regras importantes, daquelas que se deve conhecer, quanto mais no seja para as subvertermos. Normalmente uso alguns exerccios tpicos da escrita criativa, mas na Oficina de Escri-ta Ldica (Bsico e Unificado) recorro bastante mais a exer-ccios de constrangimento usados pelo OuLiPo (Ouvroir de Littrature Potentielle), de Raymond Queneau, Franois Le Lyonnais e Georges Perec, entre outros. pragmtica da escrita criativa, os oulipianos contrapem a sua literatura voluntria de exerccios de estilo e jogos combinatrios. So acrsticos, brincadeiras com palavras, escrita a partir de gestos, cadavres exquis, inveno de lnguas, etc...

    Escritor quem passa (idealmente, pelo menos) o melhor do seu tempo a ler e a escrever. , por natureza, um leitor acti-vo, crtico, diria quase rapace. Esta uma ideia que parece evidente, mas que o cada vez menos. Oriento h muitos anos Oficinas de Escrita, em escolas e fora delas, e cada vez maior o nmero de potenciais escritores que no gostam de ler e no tm qualquer apetncia por entrar em relao com a tradio literria. O escritor ignorante no , no entanto, a meu ver, uma grande inveno. Por no ter formao, tem tambm a maior das dificuldades em exercer sobre os seus textos o esprito crtico e a severa vigilncia de que eles precisam. Por isso, o melhor conselho que posso deixar aos alunos que leiam s e exclusivamente boas coisas para escrever, para viver, comecem por ler, estudar e imitar os clssicos.

    A OFICINA DE ESCRITAO primeiro objectivo da Oficina de Escrita, tal como a enten-do, procurar despertar nos alunos a sensibilidade para a especificidade do literrio e para a apreciao crtica da sua qualidade e isto no do ponto de vista da recepo, mas do ponto de vista da sua criao. No , por isso, uma actividade didctica em sentido estrito, mas uma aco pedaggica em sentido lato. A Oficina no uma aula de composio, no um lugar em que se fazem redaces belamente adjecti-vadas, no ensina a contar histrias bem contadas. Ou faz isso tudo, claro, mas no esse o seu propsito essencial. O escritor na sala de aula no professor de Portugus procura que os alunos tenham uma experincia imediata das possibilidades literrias dos textos que escrevem. Cria um ambiente colaborativo em que se desbloqueia e se enco-raja a relao com as potencialidades fundamentalmente expressivas e estticas da escrita. Permite uma experincia de autonomia que temida/desejada pelos alunos.

    28 29 Dossier Escrita criativa

    A expresso escrita criativa sempre me pareceu pleonstica. A escrita, em princpio, sempre

    fruto de uma criao.

  • Muitas vezes inicio a sesso, sobretudo no secundrio (Oficinas de Escrita de Conto e Oficinas de Escrita de tea-tro), sugerindo aos alunos que comecem por fazer, em cin-co minutos, uma pequena sinopse de trs linhas do texto que querem escrever. Depois de exporem individualmente as ideias que tm, procuro discutir com cada um as poten-cialidades daquela sinopse. Valorizo fundamentalmente a originalidade (mesmo que despropositada ou exibicionista), a simplicidade, alguma rugosidade que me parea interes-sante, uma maneira de dizer que diferente, uma relao que me parea autntica, toda a espontaneidade emocional. objectivo da Oficina transmitir a noo de que a imagi-nao individual a matria-prima da fico (e da vida do esprito) e que por isso deve ser libertada, encorajada e exer-citada. tambm pela mesma razo desvalorizo os formatos, as ideias telenovelescas, as ideias retricas e convencionais do que deve ser um texto literrio e combato em geral tudo o que cheire a frmula. A Oficina de Escrita deve ser um momento de intimidade do aluno com o que verdadeiramente o interessa. Escrever sobre o que o interessa despoleta, pelo menos em termos ideais, uma forma pessoal de dizer. Alertados os alunos para os perigos e dificuldades, possibilidades e impossibi-lidades dos textos que querem escrever, e telegraficamente transmitidos os conhecimentos tcnicos necessrios e isto partindo sempre da minha experincia, formao e gosto segue-se a escrita dos dois primeiros pargrafos do texto.Quero s abrir um parntesis para chamar a ateno para um facto bvio, mas que nunca demais realar: a relao que estabeleo com os alunos na Oficina pessoal. Quer dizer que no ajo segundo o manual e que provavelmente no digo o que devia dizer; trato os alunos como escritores, porque eles esto a escrever; peo a colaborao dos alunos na apreciao dos textos dos colegas; as opinies que exp-

    O Programa Artes na Escola, que teve incio h quase dez

    anos e contou com a participao de Maria Velho da Costa,

    Ldia Jorge, Joo de Melo e Gasto Cruz, continua a funcionar

    na Direco-Geral de Inovao e Desenvolvimento Curricular

    (DGIDC). Os professores-escritores que neste ano lectivo

    integram o programa so o poeta Paulo Teixeira e eu prpria.

    A pintora Graa Morais, que ver inaugurar em Bragana,

    muito brevemente, um museu com o seu nome, apoia a rea

    das Artes Visuais.

    Desde o ano 2001 que trabalho com escolas de todo o pas,

    fazendo aces de motivao para a leitura em salas de aula,

    centros de recursos, anfiteatros, bibliotecas e Oficinas de

    Escrita Ldica, de Conto e de Teatro para todos os nveis de

    ensino, do bsico ao secundrio. Em muitas escolas,

    os alunos nunca fizeram Oficina

    de Escrita, noutras escolas h Oficinas

    de Escrita a funcionar regularmente.

    A diversidade das situaes exige diversidade nas

    abordagens, na natureza da minha participao, nos mtodos

    e nos exerccios propostos.

    O PROGRAMA ARTES NA ESCOLA

    rimo so compreensivelmente diferentes das de outros escri-tores, porque a arte e a relao com ela so do domnio do inteiramente pessoal e assim que aprecio os textos que me so propostos. tambm por isso de extrema importncia a preparao do trabalho do escritor na sala de aula. Se o alu-no estiver devidamente informado e motivado, a experin-cia que far na sesso ser muito diferente.Os professores no esto presentes na Oficina. Por duas razes: primeiro, na minha opinio, a autoridade no se deve partilhar. Em segundo lugar, a Oficina devia proporcio-nar aos alunos uma experincia de autonomia em relao ao espao da aula, da didctica, da escola. O trabalho em Oficina voluntrio e responsabilizante e no passvel de avaliao sumativa; no quer dizer que no seja muito bem apreciado, e o aluno devidamente encorajado, principal-mente se tiver valor. :: *Lusa Costa Gomes romancista, contista, dramaturga e cronista. Os professores encontram em www.luisacostagomes.com bastante material informativo. O Programa Artes na Escola inclui os programas especficos dos escritores para os diversos nveis de ensino e encontra-se online no site da DGIDC.

  • AS PALAVRAS TAMBM SAEM DAS MOS

    Um programa de escrita criativa, devidamente estruturado, faseado e hierarquizado, que conduza os alunos a propostas e a desafios de escrita de complexidade sempre crescente, constitui no s um poderoso instrumento de desenvolvimento lingustico, como tambm um poderoso instrumento de desenvolvimento pessoal.

    Questes e razes

    texto de Nuno LeitoCooperativa de Ensino A Torre

    Ilustrao de Rafaello Bergonse

    30 31 Dossier Escrita criativa

  • A escrita tem sempre uma dupla dimenso a do contedo e a da forma. Enquanto proposta de trabalho dirigi-da a estudantes, a escrita criativa no pretende seno desenvolver neles uma prtica de escrita personalizada e efi-caz, tanto ao nvel da substncia, como ao nvel da forma.

    Assumida a escrita como um proce-dimento criativo (isto , um procedi-mento que nos permite as mais diversas variaes sobre determinado tema ou contedo), os estudantes produzem os seus prprios textos, experimentando e explorando tanto quanto possvel uma srie de constrangimentos lingusticos associados ao acto de escrever.

    Idealmente, o professor deve acom-panh-los nos exerccios que prope, escrevendo com eles e submetendo-se ao mesmo tipo de constrangimentos com que desafia criativamente os seus alunos. No fim de cada sesso, a par-tilha dos resultados alcanados entre redactores (alunos e professor) sem-pre um factor estimulante na prossecu-o dos trabalhos de escrita da turma.

    Mas para pr em prtica um projecto desta natureza necessrio criar etapas de trabalho que permitam aos alunos experienciar e resolver os diferentes nveis de constrangimento implcitos no acto de escrita de um texto.

    Por um lado, um leque mais ou me-nos amplo de propostas dever servir de base a um conjunto de exerccios prticos de redaco, atravs dos quais, gradualmente, os estudantes adquiri-ro, de forma cada vez mais autnoma, as competncias de escrita necessrias a uma boa produo de textos e a uma boa avaliao crtica dos mesmos.

    Por outro lado, cada um dos exerccios de escrita propostos dever igualmente abrir um leque mais ou menos amplo de possibilidades de realizao, na medida em que o que est em causa no apenas trabalhar sobre o que se pretende dizer (escrever), mas igualmente sobre como dizer (escrever) o que se pretende.

    A prtica da escrita criativa deve portanto estar ancorada numa metodologia que privilegie um tratamento global do texto escrito, mas que permita aos estudantes, em simultneo, a adopo de um percurso faseado e hierarquizado na sua activi-dade continuada de produo de textos. O que est em causa sobretudo a possi-bilidade de cada redactor se ver confrontado, passo a passo, com a necessidade de tomar decises relativamente aos desafios que lhe so lanados.

    > UM PODEROSO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO LINGUSTICO E PESSOAL

    Se considerarmos que a montante de qualquer produ-o escrita est o prprio acto da escrita e a jusante os seus capitais de sentido (eles mesmos produto de uma determinada construo que fruto de um certo nmero de operaes mentais e opes de escrita), todo esse percurso que importa percorrer se quisermos fazer de qual-quer texto escrito um acto de criao.

    Com o tempo, desejavelmente, o conjunto de exerccios de escrita propostos que servem de pretexto s realizaes dos estudantes em sucessivas sesses de escrita criativa favorecer neles o desenvolvimento de uma sensibilizao crescente para os aspectos estticos dos textos e para o domnio da linguagem, enquanto veculo privilegiado de dilogo, percepo e reflexo pessoais na ligao dos sujeitos vida e ao mundo.

    Quando devidamente estruturado, faseado e hierarquizado, um programa de escrita criativa, que conduza os estudantes num espectro de tempo amplo a pro-postas e desafios de escrita de complexidade sempre crescente, constitui no s um poderoso instrumento de desenvolvimento lingustico (sobretudo no que toca ao despertar de ideias nos estudantes e ao estmulo da sua imaginao em todo o processo e esforo de transposio das suas prprias ideias para o papel), como constitui tambm um poderoso instrumento de desenvolvimento pessoal.

    O que est em causa sobretudo a possibilidade de cada redactor se ver confrontado, passo a passo, com a necessidade de tomar decises relativamente

    aos desafios que lhe so lanados.

  • Seno vejamos: a mais elementar pro-posta de escrita convoca os alunos para um acto de comunicao que os obriga, numa primeira instncia, estrutura-o do seu pensamento no sentido de produzirem e organizarem ideias para, numa segunda instncia, as estrutura-rem num discurso pessoal e autnomo atravs do uso da palavra escrita.

    Os significados textuais vo sendo portanto estabelecidos por via de uma acomodao constante entre a capa-cidade pessoal de cada redactor gerar ideias e a sua capacidade de, ao mes-mo tempo, as organizar em discurso escrito. Claro que quanto maior a capa-cidade de improvisao dos alunos redactores (e os exerccios de escrita devem conduzi-los progressivamente no desenvolvimento desta capacidade), maior a sua capacidade de organizao da expresso lingustica e do sentido que a acompanha.

    A partir de determinada etapa de um programa de escrita criativa devida-mente estruturado, os estudantes deve-ro ser capazes de pensar para cada proposta ou desafio de escrita em, pelo menos, duas ou trs solues diferentes. tal significar que foram j conquistadas duas etapas cruciais para poder assumir-se a autoria de um texto qualquer delas exigindo o desenvolvi-mento de capacidades intelectuais com-plexas: em primeiro lugar, abarcar pelo pensamento o conjunto do discurso que se pretende desenvolver por escri-to, sob a forma de sntese; em segundo lugar, ocupar-se da formulao lingus-tica original de cada uma das frases do discurso escrito.

    > O DESENCADEAR DE UMA PEDAGOGIA COM BASE NA PERGUNTA

    Mas um texto, por pequeno que seja, no se escreve inteiro, de uma vez. Ele vai sendo trazido luz atravs de pequenas unidades discursivas as frases do redac-tor que, por sua vez, se organizam a partir de unidades ainda mais pequenas as suas palavras. Palavras e frases seleccionadas pessoalmente por cada um, em funo de um exerccio proposto e onde, por isso mesmo, o modo como se diz (escreve) to importante como o que se diz (escreve).

    Esta dimenso mais subjectiva do discurso, a par dos contedos da escrita, desen-cadeia potencialmente em cada redactor uma resposta afectiva ao desafio lanado e, com ela, a apetncia para povoar de conotaes pessoais o texto que se prope escrever. Mais: a escrita de um texto como resposta a um desafio que confronta quem escreve com determinado constrangimento de linguagem instaura, por si s, uma pedagogia com base na pergunta, cuja mais-valia educativa reside no facto de cada pergunta surgir livre e espontaneamente na mente dos redactores.

    So perguntas que surgem sempre que preciso tomar decises sobre o que escrever e como escrev-lo. Perguntas que surgem sempre que o autor do texto se interroga sobre como avanar nele; sempre que se chega a uma encruzilhada textual e possvel optar por mais do que um caminho; em suma, sempre que preciso face ao texto redigido fazer uma escolha que o faa progredir at soluo intelectiva final que se busca.

    Escrever de forma criativa conduz assim os alunos a um esforo inteligente na construo dos significados textuais, onde a capacidade de (se) interrogar acaba por revelar-se crucial no processo hermenutico de pergunta/resposta inaugurado pela relao que cada um cria com o seu prprio texto por via das palavras e frases que escolhe escrever. todo este processo que permite, no fundo, que os significa-dos textuais sejam simultaneamente construdos como significados pessoais.

    32 33 Dossier Escrita criativa

  • > UMA FORMA DE REDESCREVER O MUNDOEm sesses de escrita criativa, a escrita uma experincia que, no seu prprio

    processo de constituio, continuamente se (re)constri e se (re)organiza, em funo do curso dos acontecimentos narrados e do mundo textual por eles aberto. H assim toda uma actividade reflexiva, pensante, que desencadeada a partir de uma propos-ta de escrita, promovida justamente pela interaco entre os redactores e o desafio com que so confrontados ao longo de todo o processo de escrita.

    Nos momentos de trabalho em escrita criativa, o acto de pensar comea com uma qualquer proposta de escrita contendo determinado constrangimento/desafio ao nvel da organizao do discurso escrito e prolonga-se com a prpria experincia da escrita que, aplicada por associaes e mecanismos de identificao vrios s experincias pessoais dos redactores, tem possibilidade de lhes esclarecer os contornos, ampliar-lhes os limites e dirigir, potencialmente, as suas experincias futuras.

    Nesta perspectiva, o exerccio da escrita com cariz criativo no apenas uma experincia pessoal relevante, mas tambm uma ampliao da prpria experincia pessoal dos aluno