NOTA TÉCNICA Inovações Institucionais para Viabilizar Ciência ...
Transcript of NOTA TÉCNICA Inovações Institucionais para Viabilizar Ciência ...
1
NOTA TÉCNICA
Inovações Institucionais para Viabilizar Ciência, Tecnologia
e Inovação como Vetores de Transformação do Caminho
Amazônico de Desenvolvimento
Bertha K. Becker
Laget/UFRJ
Rio de Janeiro - RJ Junho 2011
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 - O DESAFIO CONCEITUAL
2 - AMAZÔNIA LEGAL, A ESCALA COMO PROCESSO
3. INDICAÇÕES PARA UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
3
Introdução
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) têm sido reconhecidas como condição
crucial para definir um novo padrão de desenvolvimento para a região Amazônica.
Tal reconhecimento, contudo, não tem implicado numa efetiva articulação das
políticas públicas para a região com o vetor CT&I, numa desarticulação que tem
implicações particularmente perversas para o planejamento territorial da Amazônia,
região cujo potencial ainda está por ser plenamente conhecido e que sofre rápido e
extenso desmatamento em razão de práticas ligadas à expansão da fronteira
agropecuária. Esta nota técnica quer discutir esta questão e apontar algumas
proposições. Nossa questão-chave é a necessidade de se superar uma situação
onde políticas públicas sigam sendo elaboradas à margem da CT&I no contexto de
uma transição crítica, a saber, a necessária passagem da fronteira agropecuária
para a fronteira do capital natural. Este nos parece ser o passo decisivo para o
desenvolvimento regional, viabilizando um novo modelo de desenvolvimento que
beneficie a todos os atores sem destruição maciça da natureza (Becker, 2004). Para
isso, a articulação da CT&I com o planejamento territorial é a urgência da hora. Mas
sua efetivação requer muito mais do que a mera especulação teórica sobre cenários
futuros. Ela exige inovações institucionais, seja para alterar os arranjos institucionais
existentes, seja para criar novos.
A tarefa em questão não é de modo algum simples. As configurações
estruturais historicamente herdadas certamente dificultam essa articulação, e não
apenas em razão da quase sempre lembrada desigual distribuição regional de CT&I
no país, com forte concentração no Sudeste-Sul (Cavalcante, 2011). Estudo recente
bem resume o obsoletismo das políticas de desenvolvimento, baseadas que são em
modelos únicos, descontextualizados e geralmente formulados segundo uma “lógica
administrativa” e métodos quantitativos; e aponta, corretamente, a necessidade de
incorporar visões multiescalares, identidades socioambientais e culturais, bem como
particularidades dos processos produtivos e inovativos locais e instituições
representativas de políticas de desenvolvimento (Lastres, H. M. M. et all, 2010).
A resultante na Amazônia do obsoletismo das políticas de desenvolvimento
formuladas segundo a hegemônica “lógica administrativa” é a fragmentação e
setorialização de planos e projetos. Prevalece neste contexto uma cultura
4
institucional que aliena CT&I das injunções das empresas e mercados. Alimenta-se
um círculo vicioso de dependências e conflitos de interesses que vincula e engessa
o quadro institucional da região na pauta imposta pela falsa polarização entre
conservação e desenvolvimento. Instaura-se uma inoperância decisória, com
instituições “de papel” sendo criadas apenas como elementos de uma retórica vazia,
sem função efetiva. Este é particularmente (mas não exclusivamente) o caso de
instituições e políticas concebidas predominantemente em nível federal sem
articulações com outras escalas. A superação dos diagnósticos equivocados e
equivocantes gerados pela unidimensionalidade escalar da “lógica administrativa”
prevalecente é um desafio imediato que exige resposta. Para isso é preciso arriscar
a formulação de uma nova ótica que se aproxime das realidades territoriais, do
espaço vivido na realidade regional e, principalmente, que ouse formular arranjos
institucionais inovadores redesenhando as composições entre as escalas nos níveis
local/regional/nacional/internacional/global. Esta é hoje condição básica para um
planejamento adequado do desenvolvimento regional (Becker, 2010 a).
É o desafio de contribuir para promover tão complexa articulação o objetivo
desta Nota Técnica. Ela explicita implicações de uma proposta de viabilização da
estratégia de planejamento territorial da Amazônia brasileira, conforme apresentada
no estudo “Um projeto para a Amazônia no século XXI”, elaborado pelo CGEE, em
2009, e objeto do artigo, denominado “Ciência, Tecnologia e Inovação – Condição
do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia”, apresentado na 4ª Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável,
realizada em Brasília, em abril de 2010 (Becker, 2009a, 2010b). O estudo em
questão propõe como vetor de desenvolvimento da Amazônia brasileira uma
revolução técnico-científica, capaz de atribuir valor a floresta em pé para que ela
possa competir com a agroindústria, a pecuária e a madeira. Essa revolução deve
ser “orientada tanto ao aproveitamento e difusão do uso dos produtos da
biodiversidade, como para difusão de conhecimentos e padrões produtivos voltados
a transformação das estruturas produtivas regionais preexistentes” (CGEE, 2009).
No cerne desta proposta está o reconhecimento de que este novo caminho
amazônico de desenvolvimento tem na “inovação institucional” sua condição de
possibilidade para se viabilizar a inserção das modernas ciência, tecnologia e
5
inovação como vetores de desenvolvimento no planejamento territorial, e no
caminho amazônico de desenvolvimento em particular.
A análise de desenvolve em três seções. A primeira (O Desafio Conceitual)
apresenta o marco referencial teórico. A segunda (Amazônia Legal, a Escala como
Processo) historiciza a escala da Amazônia Legal revelando que as escalas não são
fixas, mudam no tempo. Na terceira e mais extensa seção, a partir das políticas
públicas mais atuantes na região, analisam-se articulações possíveis com o vetor
CT&I e o planejamento territorial, bem como novos arranjos institucionais
inovadores. Considerações finais sintetizam os resultados da análise identificando
os principais veículos de articulação territorial das políticas públicas e a contribuição
de CT&I e das instituições necessária a sua efetiva viabilização.
6
1. O Desafio Conceitual
A questão teórica central que perpassa o trabalho é como o desenho e o
redesenho de novas institucionalidades podem ser estratégicos para os processos
de desenvolvimento e de planejamento territorial e, mais especificamente, como a
internalização de CT/I ao planejamento territorial amazônico pode ser considerada
em suas relações e mútuas interferências com diversos padrões de
institucionalidade.
No foco das análises está a inovação institucional, com destaque para as
relações entre processos de inovação social e inovação institucional. Inovações
sociais são processos flexíveis, instáveis e difusos, que afirmam novos padrões
relacionais em diversos contextos e situações. Instituições são, em contraposição,
formas de estabilizar, fixar e, dentro dos limites da contingência da vida, perenizar
padrões relacionais determinados. Sendo a indeterminação constitutiva da condição
humana, pretender institucionalizar todos os padrões relacionais é um empenho
incompatível com a liberdade, como também o é, pretender, para além de qualquer
limite, perenizar uma dada forma institucional.
Não é apenas na economia que se fazem sentir os efeitos de uma acelerada
reestruturação em escala planetária. Esses efeitos repercutem em todas dimensões
da vida social. Inclusive nas linguagens de conceitos há tempos estabilizados, que
começam a necessitar reinventar modos de dizer. Colocando de modo mais simples,
direto e pertinente a esta nota técnica: qual o significado do território a que CT&I se
está referindo? É o mesmo território de institucionalidades passadas, ou para
adequadamente designá-lo e internalizá-lo no novo planejamento territorial
amazônico tem-se que ousar um redesenho institucional que permita conceber e
efetivar novos arranjos entre as escalas territoriais.
A ação conjunta da ciência da informação, das tecnologias de comunicação e
da integração global da economia, resultou em formidável expansão da
conectividade dos sistemas de uso dos recursos naturais e produzidos, e em
crescente interdependência dos sistemas sociais e ecológicos. Neste novo contexto
as regiões, territórios ou ecossistemas só podem ser compreendidos a partir de sua
inserção em diferentes níveis de organização social, do muito pequeno ao global.
7
E se é verdade que neste novo contexto a estratégia da empresa em rede é
fator chave da dinâmica transformadora, não é menos verdade que se fortalecem as
redes sociais em suas implicações re-configuradoras do jogo político
institucionalizado. A nova complexidade relacional desestrutura conceitos habituais,
há muito estabelecidos e cristalizados. No caso em tela: o território e o planejamento
territorial.
Até recentemente a noção de território estava estreitamente relacionada ao
território nacional e, portanto à institucionalidade dos estados nacionais. Esta
concepção vem sendo profundamente abalada nas décadas finais do século XX: o
Estado deixa de ser concebido como a representação do político, o território
nacional como a escala de poder e a macrorregião como escala ótima para o
planejamento centralizado. O reconhecimento da multidimensionalidade dos poderes
implica explodir esta construção teórica e impõe a consideração de múltiplas
territorialidades que expressam uma nova estrutura de relações espaço-tempo,
possibilitada pelas novas conectividades e as conexões locais-globais . Desvela-se,
junto com o sucateamento de conceitos arraigados há décadas, uma espécie de
nova “revolução copernicana” na pesquisa geográfica: uma “corrida” dos
pesquisadores rumo ao território, uma afirmação do espaço vivido contra o espaço
pré-concebido, uma redescoberta da potencialidade política do território como
protagonista da história (Becker, 2009a).
Também para o planejamento é pleno de implicações esse novo
protagonismo do território. O ponto nevrálgico – e também o divisor de águas com
relação às políticas e planejamentos territoriais antecedentes – é a articulação de
escalas como viabilizadora de se conceber e efetivar em maior proximidade e
vínculo com relação ao tecido social. Nos novos horizontes que se abrem, “... o
território é um guia para orientar a ação...; a política territorial não consiste mais em
distinguir recursos e riquezas já criadas mas, ao contrário, em despertar os
potenciais para a criação de riqueza e coordenações novas” (CGEE, 2007). Na
linguagem da economia, o foco do planejamento territorial se desloca do mero
consumo do já existente e disponível para passar a se centrar sobre a oferta de
novas potencialidades do território.
8
Não é fato novo em meio à comunidade científica brasileira a proposição de
que o caminho amazônico do desenvolvimento seja apoiado numa revolução
científico-tecnológica (ABC, 2008). Chega ser quase senso comum a afirmativa de
que a Amazônia tem um imenso potencial de recursos inexplorados e que CT&I
devam desempenhar papel primordial no conhecimento do patrimônio natural
amazônico e na concepção e implementação de um novo modo de sua utilização.
Um modo capaz de beneficiar a sociedade regional e nacional, garantindo tanto a
manutenção da floresta em pé como a transformação das estruturas produtivas
regionais. Nesse novo quadro CT&I devem subsidiar o planejamento do uso do
território e as negociações em fóruns globais referentes ao clima, à biodiversidade e
à água.
Mas de que CT&I se trata? De uma CT&I que não se identifica a si mesma
como “eticamente neutra” e “estritamente instrumental”. De uma CT&I que se afirma
e constrói num processo de diálogo de saberes, propiciando interações entre as
diferentes escalas nos níveis local/regional/nacional/internacional/global. De uma
CT&I aberta aos horizontes das novas múltiplas territorialidades, conectividades e
conexões locais-globais. De uma CT&I que se constrói e constitui em proximidade e
vínculo com as inovações sociais em curso no contexto amazônico.
Esta CT&I para se afirmar e construir não deve no entanto se iludir com
virtudes meramente ideológicas, não deve ser cega a seus limites e deficiências, em
particular a ainda frágil institucionalidade acadêmica da região e o imenso déficit em
P&D ali prevalecente. O resgate desse déficit é tarefa estratégica para um novo
planejamento territorial que se apoie sobre uma ampla aliança entre universidades,
instituições de pesquisa e empresas, visando fortalecer vínculos comunicativos de
mútuo aprendizado entre o lócus acadêmico regionalizado de reflexão,
conhecimento, crítica e formação de competências e o lócus da inovação, difusão e
empreendedorismo.
Não deve ser esquecido que o vetor de transformações CT&I necessário ao
caminho amazônico de desenvolvimento inclui sim a P&D, mas não se resume a
este único quesito. Ele é muito mais amplo e complexo. Transformar a Amazônia em
uma fronteira do capital natural exige a formação de uma matriz de conhecimento
com nexos consistentes entre os conhecimentos tácitos das populações tradicionais
9
e os conhecimentos codificados das ciências “normais” (Sá, 2006). Isso implica um
notável esforço de mútua tradução e mútuo aprendizado como base de uma nova
política cultural e educacional. É sobre esse fundamento que se edificarão iniciativas
inovadoras visando a integração do universo da produção de mercadorias e o da
produção de conhecimento com práxis e atitudes profundamente distintivas (Costa,
F. A. 2009).
Por fim, deve ser sempre lembrado que um planejamento territorial que
internalize um vetor CT&I emancipado da “lógica administrativa” do modelo único
dependerá, para sua efetividade, de estratégias complementares. Ele não deve
perder de vista que o vetor CT&I, neste novo contexto, não se basta a si mesmo
nem dita suas próprias regras impositivamente às novas territorialidades. Ele se
constitui em dispositivo a serviço de redesenhos das realidades dos territórios e se
deixa redesenhar junto com eles. Esta questão crítica remete ao grande desafio de
se encontrar condição de possibilidade para inovações institucionais no contexto
amazônico.
Com relação ao lugar das instituições nos caminhos de desenvolvimento a
obra de Douglass North continua sendo um marco de referência, apesar das críticas
ao autor por sua filiação ao ideário da teoria econômica neo-clássica e a “excessiva
autonomia” por ele atribuída às instituições – formas de coordenar indivíduos e
grupos – como cerne do desenvolvimento, quase emancipando-as do poder político
da sociedade. Desvirtuaria o sentido da presente Nota Técnica aprofundar a
discussão acadêmica sobre a obra de Douglass North, mas mesmo reconhecendo a
pertinência de algumas críticas, deseja-se destacar algumas de suas proposições,
tais como:
i. suas teorizações sobre os poderosos fatores de
inércia que freiam a mudança institucional – a
acomodação após ser alcançada uma solução e,
sobretudo, a trajetória dependente de condições
históricas originais (dependency path);
ii. sua identificação das instituições como regras do
jogo e organizações delas geradas – não só as
10
escritas e formalizadas em estatutos, diretrizes e
leis mas também os valores, códigos de conduta
e representações – concebidas como redutores
das incertezas e riscos
iii. seu reconhecimento de que os atores sociais
podem ser jogadores aptos a efetivar mudanças
institucionais mediante escolhas técnicas
apoiadas em conceitos científicos e dependendo
de vasta rede social envolvendo aprendizagem e
adaptação.
As conseqüências destas proposições são desdobradas por novas
abordagens sobre os arranjos institucionais, suas interações e, mais
particularmente, a questão das escalas no espaço geográfico e territorial,
focalizando, sobretudo, a dimensão ambiental (Young, D. 1994, 2002, 2006, et all
2008; Ostrom, E. 1990, 2005). Nessas abordagens teóricas as instituições são
concebidas como do capital social (Bourdieu, P. 1986; Putnam, R. D. 1993, 1995),
consubstanciado em regras e normas subjacentes ao comportamento e à ordem
sociais, que propiciam aptidão para conceber e efetivar formas particulares de
organização da sociedade.
Na abordagem acima destaca-se um argumento: a inexistência de uma
escala espacial e temporal fixa, que fosse aquela adequada para se governar
ecossistemas e seus serviços de forma sustentável e equitativa. Em síntese: impõe-
se o reconhecimento necessário da natureza multi-escalar desses problemas e do
papel das instituições como formas significativas de capital social e facilitadoras da
governança ambiental, essencial à proteção ambiental e ao bem estar das
populações. Nela também se discute a importância estratégica das interseções
horizontal e vertical nos arranjos institucionais facilitadores dos caminhos de
desenvolvimento. Neste segundo ponto merece ser enfatizada a importância do
reconhecimento de que os resultados de interesses partilhados em uma escala
dependem da articulação de interesses entre escalas (Brondizio et all, 2010) e a
perspectiva de que os casos individuais a serem considerados não devem ser
11
tratados como sistemas fechados, consideração que compartilhada nesta Nota
Técnica.
Em linhas gerais a abordagem aqui assumida pode ser situada como
simpática às proposições teóricas do “institucionalismo” de Douglas North (e também
de Karl Polanyi, ampliando assim o espectro ideológico-político), entendendo as
instituições como configurações constitutivas das regras de jogos socialmente
concebidos e historicamente efetivados. Instituições inscrevem-se nos horizontes
das possibilidades culturais. Não são fatos da vida “natural”. O mesmo se aplica ao
caso dos arranjos institucionais, das escalas e das redes.
Os jogos institucionais exercidos em diferentes contextos são possibilistas,
sua vigência depende de escolhas, decisões, processos históricos. Instituições
expressam o empenho por perenizar possibilidades e alternativas. Mas elas mesmas
não são, per se, perenes. As institucionalidades são contingente; a condição
humana se apóia nas instituições para continuar existindo amanhã e depois de
amanhã, mas ela não tem necessariamente que continuar sempre se apoiando
sobre as mesmas instituições.
Não é fato novo na história da humanidade que inovações tecnológicas
radicais transformem profundamente os espaços de experiência e horizontes de
expectativas, propiciando novas concepções de tempo e espaço.
Esta Nota Técnica aponta conseqüências radicais dos novos horizontes da
conectividade: uma nova complexidade relacional pelo redesenho das
territorialidades que faz emergir a multiplicidade de escalas como questão primordial
para o pensamento geográfico (mas não apenas) contemporâneo. Quer-se ainda
neste contexto deter a atenção sobre duas questões: i) a identificação das escalas
relevantes de análise na abordagem das instituições; ii) a escolha do locus de
comando das ações propostas para as inovações institucionais.
Diversos apologistas da globalização afirmaram que na contemporaneidade e
no porvir prevaleceria um colapso ou declínio do Estado Nacional e o deslocamento
do poder para uma escala supranacional. Vozes dissidentes, dentre as quais esta
Nota Técnica, contra-argumentam que nas condições geo-econômicas
contemporâneas os Estados Nacionais vêm sendo qualitativamente sim
transformados, mas não colapsados. Tornam-se de efetividade incerta (ou numa
12
afirmativa mais polêmica, meramente retóricas) algumas institucionalidades estatais,
dentre elas as premissas do planejamento territorial. Redesenham-se os horizontes
da concepção e efetividade das políticas e lutas sociais e as diversas arenas de
poder do Estado, num diversificado conjunto de escalas entre o local e o global.
Descentralizam-se tarefas regulatórias para escalas subnacionais, e não apenas
para a supranacional.
O reescalonamento das funções regulatórias do Estado viabiliza a
emergência de um novo protagonismo de sítios locais e regionais no processo de
desenvolvimento, acompanhada por redesenhos e novos arranjos num quadro
institucional que se revela fluido pela desestabilização da primazia da escala
nacional nas novas hierarquias escalares. Se no século XX as estratégias políticas
tinham como foco estabelecer uma hierarquia centralizada do poder, hoje estão
superadas com a configuração mais policêntrica, multiescalar do Estado (Brenner,
2004; Becker, 2009b). Não prevalece mais um único padrão métrico para os novos
arranjos institucionais regulatórios, cada processo social ou forma institucional pode
estar associado a um padrão diferente de organização escalar (Brenner, N. 2004;
Harvey, D. 1982; Jessop, B. 2002; Smith, N. 2004; Swingedown, E. 1997). No novo
contexto as grandes formas institucionais do capitalismo moderno – firmas e Estado
– continuamente desenham e redesenham estruturas aninhadas hierarquicamente
que emolduram a vida social em escalas fixas provisórias, correspondentes a
hierarquias geográficas temporariamente estabilizadas de modo a prevalecerem
sobre outras (Harvey, D. 1982). Os caminhos de desenvolvimento são
impulsionados por um continuado processo de reescalonamento, onde prevalecem
interações, muitas vezes conflitivas, entre inovações institucionais, arranjos
institucionais herdados e novos arranjos institucionais emergentes.
As redes sociais tampouco são um fato novo na história da humanidade. Na
verdade são um tema muito antigo dos estudos antropológicos, que distinguem
padrões relacionais formais e informais e apontam que as redes sociais (tanto
horizontais como verticais) prevalecem na informalidade, enquanto os padrões
relacionais formais nos remetem mais diretamente ao campo da institucionalidade
(Lomnitz Adler, 2009). Na contemporaneidade as redes sociais ganham uma ampla
atenção, com a notável ampliação dos espaços de experiência e horizontes de
13
expectativa propiciada pelas novas tecnologias comunicativas. As novas redes
sociais emergem nesse contexto como uma decorrência da revolução conectiva
contemporânea. A ampliação, potencialização e intensificação da conectividade a
patamares inéditos na história da humanidade propicia a implementação de novos
modos de organização apoiados num complexo desenho de conjuntos
interconectados numa rede de relações horizontais e verticais. Em tanto que modos
de organização, redes sociais não são per se instituições, mas podem ser elementos
de base para inovações sociais que venham a ser replicados e estabilizados em
novos contextos, propiciando assim condição de possibilidade para a introdução de
inovações institucionais.
Para os fins desta Nota Técnica destaca-se o seguinte ponto: se no passado
as redes eram elementos presentes no território, hoje são elementos formadores e
configuradores do território. E em diferentes escalas.
Um exemplo simples disso são as redes políticas das associações de
municípios, que, territorializadas no contexto amazônico, não só atuam como
instâncias e procedimentos de coordenação mas conectam e solidarizam poderes
locais entre si, forjando novas territorialidades, que rompem as escalas tradicionais
do planejamento territorial, gerando uma nova (Lima, 2004). Se o papel das redes é
central na formação de novos arranjos multiescalares, sua importância estratégica
maior advém do fato de serem elas mesmas, as redes, que realizam a conexão
entre as escalas.
No caso específico da produção de conhecimentos científicos e tecnológicos
no mundo contemporâneo as redes colaborativas de pesquisa e desenvolvimento e
os diversos arranjos institucionais coletivos redesenham as práticas e
institucionalidades acadêmicas. As novas redes estão na base de diversas
inovações institucionais que agregam pesquisadores e empresas em torno de um
elenco escolhido de temas e/ou problemas. Assim, para citar apenas dois exemplos,
a França tem priorizado a composição de Unidades Mistas de Pesquisa localizadas
em vários pontos do território francês, inclusive na Guiana Francesa, e na Austrália,
os Centros de Pesquisa Cooperativa agregam universidades, laboratórios e
instituições de pesquisa, bem como industrias privadas e agências governamentais
em arranjos colaborativos que apóiam atividades de P&D e de educação. Tendo em
14
vista as particularidades da Amazônia, já há algum tempo se propos a criação de
arranjos institucionais coletivos associados a cadeias tecno-produtivas - ou de
inovação - para uso não predatório da biodiversidade (Becker, 2005). Nesta Nota
Técnica reitera-se - e amplia-se - tal proposição para arranjos institucionais
envolvendo múltiplas atividades, realçando a importância de novos arranjos
multiescalares na implementação das políticas públicas e do planejamento territorial
em particular.
15
2. Amazônia Legal, a Escala como Processo
A criação da Amazônia Legal está associada ao processo de consolidação do
Estado Nacional e sua constante preocupação em ocupar definitivamente a
Amazônia. A aliança entre interesses do governo e das elites regionais serve de
suporte à sua institucionalização em 1953, sem grande repercussão, O quadro
somente vai se modificar no período de Regime Militar posterior a 1964. Esta
modificação pode se apoiar como elementos de suporte logístico sobre a construção
de estradas impulsionada pelo Governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961) e
sobre a implantação, a partir de 1966, de novas instituições como a SUDAM e o
BASA assumindo o papel de depositário dos recursos provenientes dos incentivos
fiscais e agente financeiro da política do Governo Federal para o desenvolvimento
da Amazônia Legal. Estes foram os principais da consolidação da Amazônia Legal
como escala de planejamento. Vale ainda lembrar, neste contexto, que a política de
desenvolvimento do Regime Militar seguia as proposições do General Golbery do
Couto e Silva, no sentido de que qualquer macroestratégia territorial articulada em
torno das áreas de cobertura florestal amazônicas deveria passar, necessariamente,
pelo controle do Centro-Oeste para que seu avanço pudesse se fazer racionalmente.
A fixidez escalar do planejamento territorial da Amazônia Legal, fundada na
aliança governo federal – elites regionais foi apenas temporária. Sua desconstrução
começa a ser efetivada por ações desde a base local nas florestas e áreas
ribeirinhas, impulsionadas por organizações e movimentos sociais de resistência
que, com apoio da Igreja Católica e dos sindicatos rurais, se fazem portadoras de
inovações sociais no uso e gestão do território. Tais movimentos, que introduzem
inovações sociais de base comunitária infra-municipal, possuem referência
paradigmática na figura-ícone de Chico Mendes e na luta dos seringueiros acreanos
pela implantação das Reservas Extrativistas, são portadores da afirmação de novos
arranjos multiescalares, com forte impacto na configuração territorial.
As inovações sociais deflagradas a partir das comunidades eclesiais de base
e imbricadas na resistência ao Regime Militar vão servir de suporte a novos arranjos
institucionais no território amazônico. Em movimento paralelo e muitas vezes
16
conflitivo o espaço da Amazônia Legal vai sediar um novo vetor estratégico de
transformações multiescalares: a formação, estimulada pelo Estado, do agronegócio
no Mato Grosso, germe de uma nova escala sub-regional.
A partir da virada dos anos 1980 (e a crise financeira do Estado Nacional)
cresce notavelmente a força das instituições globais do ambientalismo. O novo
contexto afeta sobremaneira as escalas de atuação do governo federal brasileiro na
Amazônia. Consolida-se a escala local comunitária apoiada pela oferta pelo
Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7, 1984) de
recursos a fundo perdido, disponibilizados para apoiar “projetos demonstrativos” na
região. A forte presença da Igreja Católica no apoio às ações das comunidades
eclesiais de base do período mais crítico da resistência ao Regime Militar vai sendo
substituída por uma complexa rede de relações globais-locais, onde uma variedade
de organizações não-governamentais atua tanto na ajuda técnica e financeira, como
na mobilização das comunidades. Os “projetos demonstrativos” se multiplicam na
região.
Diante dos desafios de um contexto que combina fortes transformações
internas e pressões externas, o Estado brasileiro se reescalona, criando novas
instituições (e respectivas redes). É criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
bem como suas extensões nos estados, as OEMA (Organizações Estaduais do Meio
Ambiente) e a política ambiental impulsiona a demarcação de Áreas Protegidas
(Unidades de Conservação e Terras Indígenas). Os novos recortes territoriais e
arranjos institucionais que redesenham a presença federal na região amazônica,
logo serão também replicados em escala estadual e municipal na região.
Configura-se, assim, um movimento escalar nacional/mesorregional através
da ação federal na política de conservação ambiental. Tal movimento coexiste
(muitas vezes de modo conflitivo) com outras ações federais visando o
desenvolvimento econômico, como é o caso do estímulo à expansão do agronegócio
e da pecuária no estado do Mato Grosso que contou, desde o seu início, na década
de 1970, com forte apoio de CT&I aportado pela Embrapa.
O ambientalismo se fortalece com a realização da Rio-92 e a criação de
instituições globais de grande poder de influência. São casos exemplares neste
contexto: a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o
17
Desenvolvimento, a Carta da Terra, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a
Convenção sobre Mudança do Clima e a Agenda 21, sendo que esta última veio a
se impor quase como um projeto nacional, apoiada que é em ampla e forte rede
escalonada até o nível municipal. Merece menção o fato de que neste processo o
vetor CT&I se faz presente, sobretudo, por influência das forças globais: um efêmero
sub-projeto do PP-G7, cancelado após os primeiros financiamentos destinados ao
fortalecimento da infraestrutura do INPA e do Museu Goeldi.
O quadro vai sofrer novas transformações e novos movimentos escalares
com o revigoramento do Estado brasileiro em bases democráticas a partir do final do
século XX. Por um lado, investimentos em infraestrutura não só recolocam em pauta
grandes projetos no espaço amazônico como envolvem relações com os demais
países amazônicos sul-americanos, através da IIRSA e do PAC, com suporte
financeiro do BNDES e técnico da Eletrobrás. Forja-se nesse processo uma nova
escala continental/nacional, onde o vetor CT&I assume significância, ainda que em
descolamento do planejamento territorial e concentrado em nível federal. O
Programa Ciência, Sociedade, Natureza – da Secretaria de Políticas e Programas
de Pesquisa e Desenvolvimento (SEPED) do MCT cria projetos de pesquisa
avançada para a Amazônia, baseados em redes colaborativas de pesquisadores, e
focado em responder às novas demandas das questões ambientais globais-LBA,
Rede Geoma, Ppbio. Também merece menção especial a criação do Centro de
Biotecnologia da Amazônia (CBA) em Manaus, uma iniciativa ambiciosa que até
agora permanece muito aquém das expectativas a ela associadas, muito
possivelmente em razão de indefinições seu arranjo institucional.
No inicio do milênio, ensaia-se um planejamento macroregional através do
PAS e do Macrozoneamento Ecológico-Econômico, sugerindo a formação de uma
verdadeira escala sub-nacional correspondente à Amazônia Legal e articulada à
Amazônia Sul-Americana.
Por outro lado, no extremo oposto, esforços recentes vêm sendo feitos no
sentido de promover uma relativa desconcentração da CT&I. Dois arranjos
institucionais merecem menção neste contexto. O primeiro é a criação das
Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, apoiadas nos Fundos Setoriais (na
região amazônica apenas os estados de Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins
18
não implantaram ainda suas Fundações). O segundo é a criação dos Institutos
Nacionais de Ciência e Tecnologia do MCT/CNPq. Atualmente há nove desses
Institutos na região, cada um com foco específico de pesquisa e envolvendo
pesquisadores de várias instituições atuando em redes colaborativas.
Estes esforços por desconcentrar o vetor CT&I, que não deixam de constituir
um reforço da escala nacional/mesoregional, são complementados por importante
processo de criação de universidades, sobretudo, a implantação de novos campi
universitários interiorizados de universidades federais e estaduais. Esta, ainda muito
tênue, desconcentração de CT&I contrasta com a acelerada expansão da fronteira
agropecuária que contribui decisivamente para a diferenciação interna da região.
Após a Cúpula da Terra ou Rio-92, sobressairam a importância da natureza
diversificada do território brasileiro, sobretudo da Amazônia e o papel estratégico do
vetor CT&I para o processo de desenvolvimento sustentável. Foi neste contexto que
o MCT através da SEPED (cujos projetos focalizam questões ambientais
emergentes, tais como o Experimento de Grande Escala Biosfera-Atmosfera (LBA),
a Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental (GEOMA), o Programa de
Pesquisas em Biodiversidade (PPBIO) e o Programa Costa Norte) iniciou o grande
Programa Ciência, Sociedade e Natureza voltado para a Amazônia. O
revigoramento do Estado brasileiro também deu nascimento ao Centro de
Biotecnologia da Amazônia (CBA), planejado e construído numa ação conjunta do
MMA e do MDIC. A institucionalidade do CBA permanece até hoje indefinida e suas
realizações não correspondem às grandes expectativas associadas à sua criação.
Algumas alternativas cogitadas para enfrentar o problema são: a) incorporá-lo à
Embrapa como grande unidade local; b) criar uma entidade supranacional para lidar
com a biodiversidade, que inclua o CBA; c) criar um comitê gestor com uma
instituição executora.
Quanto aos projetos da SEPED, apesar dos esforços de alguns
pesquisadores do GEOMA em subsidiar políticas públicas, permanecem em grande
parte à margem delas e não tem uma dimensão territorial. Apresentam superposição
das agendas de pesquisa e de pesquisadores, ao mesmo tempo em que carecem
de articulação entre si e há lacunas que devem ser preenchidas como, por exemplo,
a pesquisa sobre recursos hídricos e a forte carência de pesquisas e pessoal nas
19
dimensões socioeconômicas e territoriais. A dispersão de dados levantados na
pesquisa é lamentável. Em nível da gestão do conhecimento, diminuir superposições
e estabelecer complementaridades e sinergias são ações necessárias ao
fortalecimento desses projetos (Figura 4). A solução proposta para introduzir a
dimensão territorial nos projetos foi a convergência de pesquisas em espaços
selecionados de comum acordo (Becker, 2005). A organização de um banco de
dados comum, para assegurar a integração dos inúmeros dados e informações
levantadas é fundamental. Atender ás demandas de CT/I e Institucional dos projetos
é um investimento necessário e bem poderia incluir o acervo de dados do SIPAM e
os dados dos ZEEs produzidos nos estados, material precioso até agora disperso
(Becker, 2005).
Deve ser observado que a desconcentração per se não elimina a importância
dos núcleos concentradores das pesquisas, pois o que as redes estabelecem são as
conexões. Nesse sentido é crucial considerar a dimensão territorial no próprio
desenvolvimento da CT&I. A estratégia territorial implica no reconhecimento que a
Amazônia Legal não é homogênea e que a regionalização pode contribuir para
acelerar e maximizar as ações do poder público. Regiões, sub-regiões e zonas
constituem sociedades com identidades e demandas específicas cujo atendimento
permite ao Estado estar presente sem pulverizar recursos e estabelecendo parcerias
diversas. Elas permitem integrar as políticas públicas em uma base territorial,
descartando o convencional tratamento setorizado assim aumentando a sinergia e
acelerando o tempo de execução das decisões políticas. E o fato da Amazônia –
como todo o Brasil – ser uma região urbanizada, exige uma política de consolidação
de um sistema de cidades, que devem ser os centros de articulação da região com o
território nacional e continental e de comando das relações regionais (Becker,1990)
Impõe-se, assim, o reconhecimento da importância dos grandes centros de
pesquisa na região, estabelecidos nas principais capitais, Belém e Manaus.
Em Belém, a UFPA pode atender múltiplas demandas e oportunidades tanto
em áreas florestais como desmatadas, atuando na articulação com empresas de
siderurgia, energia, madeira e agropecuária. Em Manaus, tem grande destaque o
PIM, uma interface efetiva com alguns dos procedimentos industriais mais
sofisticados e produtivos do planeta, com baixo impacto ambiental, cuja articulação
20
com a biotecnologia pode vir a desenvolver a nanotecnologia. Um dos maiores
desafios estratégicos para o vetor CT&I na região é a relativamente baixa efetividade
do CBA. Ademais, é urgente a criação de uma nova Universidade Técnica de
Interesse Social, ou efetivação de um novo arranjo institucional entre as
universidades ali instituídas e o Sistema S visando atender tais finalidades, sob pena
de em curto prazo ser necessário importar mão de obra qualificada para as
empresas localizadas na região.
21
3. Indicações para uma Estratégia de Desenvolvimento
A partir das considerações antecedentes esta Nota Técnica propõe-se uma
estratégia de desenvolvimento baseada nos seguintes princípios:
a) o reconhecimento do zoneamento da natureza – Na
Amazônia Legal a floresta ombrófila densa, a floresta ombrófila aberta,
a floresta de transição e o cerrado distribuem-se de Norte para Sul.
Segundo estudos do MMA e da Embrapa, em 2010 o cerrado já fora
destruído em 40% e a floresta aberta em 50%. Embora não se
disponha de dados sobre a floresta de transição, é provável que tenha
sido toda substituída. O ponto mais notável neste zoneamento é a
constatação que a floresta densa ainda permanece bastante intacta.
b) o reconhecimento de modos diferenciados de apropriação
nessas “zonas” com três grandes diferenciações internas:
i) o extenso coração florestal, correspondente à floresta
densa e seus grandes vales, pouco desflorestado, disposto
como uma diagonal do sul do estado do Amazonas até a costa
do Amapá, correspondendo aos limites orientais da floresta
amazônica sul-americana. Pouco povoado, nele predominam
áreas protegidas, comunidades isoladas e cidades estagnadas
sob o comando de Manaus;
ii) a margem da floresta, composta por áreas da mata
aberta e de transição já bastante devastadas, onde se expande
a fronteira agropecuária com a extração madeireira e a pecuária
em frentes que avançam em direção ao coração floresta. É
dotada de cidades mais expressivas – algumas capitais
estaduais – estradas e populações mais adensadas, além de
áreas protegidas;
iii) o cerrado, onde coexistem, nos mais de 800.000 ha já
desmatados, a pecuária e o extrativismo, e o agronegócio, com
destaque para a produção de soja.
22
c) o reconhecimento do papel-chave das cidades para a
internalização do vetor CT&I no planejamento territorial da Amazônia
Legal - As cidades amazônicas não devem apenas alavancar
prestações de diversos serviços para as populações locais, elas
deveriam ser núcleos de agregação de valor e industrialização de
produtos regionais além de sedes de atividades de pesquisa e
desenvolvimento. A articulação dessas cidades em redes serve de
motor do desenvolvimento regional.
O caminho amazônico de desenvolvimento requer soluções diferenciadas
para as diversas áreas identificadas e a priorização de dois grandes focos de
atenção para um planejamento territorial que internalize o vetor CT&I. O primeiro
desses focos diz respeito ao uso da terra, à identificação e fortalecimento de cadeias
produtivas de base local e à regularização da estrutura fundiária. O segundo deles
diz respeito à logística em seu sentido mais amplo, de implantação e aprimoramento
de redes de circulação, comunicação e distribuição, e em particular as redes de
cidades.
O ponto de partida da análise foi a consideração de políticas e planos que
visam a conservação ambiental e as que visam o desenvolvimento elaborados nas
escalas global e nacional. Ambos conjuntos possuem rebatimento territorial embora
sejam formulados sem se preocuparem em internalizar quer seja o planejamento
territorial quer seja o vetor CT&I. Para cada uma das três grandes áreas (coração
florestal, margem da floresta e cerrado) são consideradas as múltiplas escalas em
que políticas e planos atuam, sua presença institucional ou não na região, sua
articulação territorial e impacto regional, as demandas de CT&I e sugestões de
novos arranjos institucionais.
23
3.1. Coração Florestal
3.1.1. Escala Global / Nacional
Não há como desconsiderar a influência das instituições globais – as de
conservação ambiental e o mercado – nas políticas e planos nacionais para toda a
Amazônia Legal.
A Convenção da Biodiversidade dominou o cenário político global até a
passagem do milênio, e, atuando via PNUMA e PNUD, teve e ainda tem forte
influência no planejamento ambiental federal, apoiado nas instituições do MMA e
secretarias estaduais. Na última década a crise energética, associada ao
aquecimento global, transformaram o clima em preocupação global maior, através
de relatórios do IPCC e da mídia. As florestas amazônicas passam a ter importância
estratégica ainda maior, considerando-se a temática do “seqüestro de carbono”,
priorizada pela Conferência de Quioto (1997). A Política do Clima estabelecida pelo
Brasil no final de 2009, comprometendo-se em reduzir as emissões de carbono
baseia-se em grande parte na redução do desmatamento na Amazônia. Também o
compromisso do Brasil com as metas dos Objetivos do Milênio fortalece as pressões
das Convenções Sobre Biodiversidade e Clima.
Quanto às intervenções do mercado, elas têm forte impacto no Coração
Florestal, principalmente através da implantação de processos de exploração de
alguns poucos produtos extrativos, como petróleo e minérios (sobretudo ferrosos) e
madeira exportados através sem serem submetidos a processos de agregação de
valor nas cidades amazônicas. Secretarias estaduais e bancos públicos e privados,
são os pontos de apoio para tais intervenções.
O aparato institucional e discursivo em prol de uma economia sustentável,
verde e limpa, é acompanhado do processo de mercantilização da natureza, que
valoriza os serviços ambientais focado no mercado de carbono.
Empresas mineradoras globais (Petrobrás, Vale, Alcoa, Alcan) têm seus
próprios centros de pesquisa, voltados para o interesse da lavra e exportação dos
minerais que são processados no exterior da região. Formam-se cadeias produtivas
curtas, incompletas. O benefício para a região é bastante restrito. Pressionar as
24
empresas para agregar valor à produção local é um primeiro quesito para pensar o
desenvolvimento do Coração Florestal. Para isso é essencial equipar e fortalecer as
cidades.
Mas o desafio verdadeiramente decisivo para o vetor CT&I é assegurar a
permanência do Coração Florestal através da valorização da floresta em pé. Isso faz
dos serviços ambientais um quesito estratégico na concepção de um modelo de
desenvolvimento para essa extensa área até hoje pouco habitada, baseada num
extrativismo elementar e onde prevalecem cidades estagnadas (à exceção de
Manaus). Para tanto, será necessário ousar propor novos arranjos institucionais.
Uma possibilidade é a criação de um Instituto do Coração Florestal Amazônico na
forma de um arranjo institucional envolvendo MCT, IPEA, centros de pesquisa e
universidades nacionais e regionais, BNDES, centros de pesquisa de empresas
atuantes na região, e organizações sociais (de produtores, trabalhadores e
comunidades nativas). Este think tank estratégico deve ter como missão prioritária
propor um modelo territorializado de desenvolvimento para o Coração Florestal e
servir de fórum para sua crítica e validação.
3.1.2.Escala Continental/Nacional
No movimento escalar continental/nacional predomina o planejamento da
logística, uma preocupação historicamente associada a movimentos de
fortalecimento dos Estados Nacionais. Hoje, em face da dinâmica alcançada pelo
Brasil e dos interesses institucionalizados dos países sul-americanos na IIRSA
(Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana) estende-se a infraestrutura em
escala continental, e o Brasil, que tem papel-chave nesse processo, se
transnacionaliza. Trata-se de uma integração física, baseada em estradas e
hidrelétricas convencionais. Em 2010, de um total de 514 projetos, os de transportes
correspondiam a 87% (60% dos financiamentos), energia a 11% dos projetos (40%
dos financiamentos) e comunicações a 2% apenas dos projetos (0,3% dos
financiamentos) (Figuras 1, 2 e 3, barragens e Norte Competitivo) (Confederação
Nacional das Indústrias).
25
Figura 1. Eixos de Integração da IIRSA na Amazônia
Figura 2. Barragens Planejadas para a Bacia Amazônica.
26
Figura 3.Eixos de Integração Internacional
O alargamento da política brasileira de infraestrutura relaciona-se, em escala
nacional, ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), igualmente baseado
em hidrelétricas e estradas (Figura 4). Eletronorte, Ministério dos Transportes e
bancos públicos e privados são elementos de apoio legal ao PAC.
Arica
Source: Análise Macrologística
HidroRodo
PortFerro
Ferrovia Hidrovia
Rodovia
Porto L.Curso
Terminal Hidroviário
Dutovia
Eclusa
Morrinhos
Corumbá
Rosário
Pa
r ag
ua
i
Nueva
Palmira
113
114
115
116
Cuiab
á
San Ignacio
117
118
119
120
Cáceres
Guajará-Mirim
Porto Velho
121
122123
124
Assis Brasil
Matarani
128127
126
125
La Paz
Cruzeiro do Sul
BR-364
Pucallpa
Callao
Lima132
129130
131 Rio Branco
Manaus
Tabatinga
Iquitos
Solimões
Uca
yali
133
134
Paita
136
Pto. MoronaGuayaquil
137138Yurimaguas
135
Manta Napo
143 141140
Pto. Providencia
137
136
Puerto Cabello
Santa
Elena de
Uairén
Caracaraí
Boa Vista
Caracas
146Georgetown
Lethem
147
149
148
Macapá
150
Calçoene
Oiapoque151
Cayenne
Eixos de Integração internacional
139
142
27
Figura 4. PAC – Amazônia Legal
Os impactos negativos dessa política são por demais conhecidos – migração
desordenada e desflorestamento. Se, até agora, as estradas cortavam apenas a
mata aberta, os novos empreendimentos passam a cortar a mata densa, em direção
ao Coração Florestal. Há pelo menos dois pólos logísticos em formação em
decorrência dessas ações (em Rondônia e no Acre). Principalmente em Rondônia
este processo e marcadamente desordenado. Um ponto significativo chama atenção
na análise dos projetos logísticos da IIRSA e da Confederação Nacional da Indústria:
o abandono da rodovia Transamazônica no estado do Amazonas. Há uma
significativa reversão de prioridades, que se expressa no desinteresse por priorizar
este possível vetor de desenvolvimento regional (e as populações ali estabelecidas).
A nova articulação dos Estados prioriza a “saída para o Pacífico” e o comercio
internacional com a China. O PAC assumiu o compromisso de completar a estrada,
mas grandes dificuldades parecem dificultar a efetivação desse compromisso.
Os investimentos em infraestrutura na Amazônia colocam uma grande
demanda à internalização do vetor CT&I no planejamento territorial. São questões
correntes de cunho essencialmente técnico, até o presente respondidas por
empresas públicas – como a Eletrobrás e a Eletronorte – e empreiteiras privadas.
Tarefa urgente para o vetor CT&I é dedicar atenção para a concepção de inovações
na implantação de hidrelétricas e estradas na Amazônia. Listamos em seguida, sem
ordenação de prioridade, algumas contribuições possíveis do vetor CT&I para a
28
escala continental/nacional (contribuições essas que poderiam ser incluídas na
agenda do Instituto do Coração Florestal Amazônico):
a) Planejamento regional logístico onde cidades, estradas e
plantas de energia concebidas fossem consideradas partes
constitutivas de um programa integrado de
desenvolvimento regional.
b) Formas inovadoras de produção de energia hidrelétrica e
energias renováveis como a bioenergia e energia solar.
c) Transporte multimodal com prioridade ao fluvial hidroviário
e aéreo com adequação às diferenças regionais.
d) Implantação de tecnologia da informação como cerne da
conectividade regional: compra de um satélite para
comunicação na Amazônia Sul-americana.
e) Participação da sociedade civil no processo desde as fases
iniciais do planejamento.
f) Regularização fundiária anterior aos projetos de
intervenção.
g) Re-inventar, a partir de inovações sociais e novos arranjos
institucionais de associações de municípios, o modelo de
desenvolvimento da Transamazônica amazonense.
Vale ainda registrar nesta escala a demanda por inovações jurídicas para regular o
uso da água na Bacia Amazônica.
Importante campo de atuação para o vetor CT&I é, pois, a logística. Em
particular uma questão se destaca: no coração florestal, a circulação há que ser
baseada em uma navegação fluvial inovadora, complementada pela circulação
aérea. Embarcações ágeis, rápidas e leves (e novos hidroaviões) podem ser
verdadeiras inovações radicais, associadas a pesquisas e soluções técnicas que
façam os rios plenamente navegáveis, sem comprometimento da biodiversidade. Em
nível institucional, é hora de se ousar a inovadora criação de uma “EMBRAFLU”, em
parceria com a Marinha Brasileira, dedicada ao redesenho da circulação fluvial.
29
3.1.3.Escala Nacional / Macrorregional
No contexto da integração física da Amazônia Sul-Americana, em grande
parte liderada pelo Brasil, a Amazônia Legal, correspondendo praticamente metade
do território nacional, configura-se como uma escala sub-nacional. Não por acaso
políticas e planos são elaborados para fortalecer essa escala.
Sistema urbano e planos macrorregionais compõem esse movimento escalar.
Esta articulação interescalar requer, para sua efetividade, um protagonismo
do sistema urbano nacional rede de cidades da Amazônia, e seja capaz de se
articular com as redes de países vizinhos. Mas precisamente aqui se depara com
problemas para os quais os arranjos institucionais vigentes revelam-se inadequados.
Mais especificamente, a rigor não há uma rede integrada de cidades na Amazônia
Legal e muito menos na Amazônia Sul-Americana. No Brasil, o que se pode
identificar são redes desconectadas macrorregionalmente, organizadas pelas
grandes capitais, principalmente Belém, Manaus e Cuiabá, havendo ainda algumas
cidades que atuam como centros regionais (sobretudo Santarém, Marabá,
Rondonópolis e Sinop).
Há uma notável diferença entre as cidades do agronegócio no Mato Grosso
(com boas infraestruturas urbanas) e as cidades localizadas na floresta onde, com
exceção das metrópoles (e algumas poucas cidades médias) prevalecem
infraestruturas precárias e predominam cidades “inchadas”, meros entrepostos
comerciais.
São Paulo comanda a articulação com Cuiabá – e as cidades do agronegócio
– e também com Santarém e com Manaus. Esta última tem sua área de influência
que, ao sudoeste vai até o Acre e Rondônia, e ao norte, com menor intensidade, vai
até Roraima e Guiana iniciando uma penetração rumo à América Central. Brasília e
Goiânia, por sua vez, estenderam seu comando na Amazônia oriental até Marabá,
reduzindo sobremaneira a influência de Belém. Outrora o grande portal da
Amazônia, Belém hoje tem uma rede de influência regional muito reduzida, processo
que encontra ressonância no jogo político e nas propostas de divisão do estado do
Pará com a criação dos estados do Tapajós – com a capital em Santarém – e de
Carajás. É fato que houve redução da macrocefalia histórica das metrópoles,
30
sobretudo de Belém, mas a articulação urbana nacional/macrorregional ainda é um
ponto débil para as políticas de desenvolvimento regional.
Há, portanto, necessidade de contribuição de CT&I e de novas instituições
para avançar nesse processo.
a) Cidades. As cidades amazônicas colocam duas ordens prioritárias de
questões para o vetor CT&I e o planejamento territorial. Uma delas é como suprir o
déficit de serviços básicos para a população urbana e do seu entorno, a outra é
equipá-las para virem a se constituir em nós de cadeias produtivas regionalizadas
que desenvolvam atividades complementares e sinérgicas numa rede cooperativa
de cidades conectivamente integradas, dinamizadora da economia regional. É
também importante considerar neste contexto as grandes diferenciações internas
vigentes na região. Nas áreas florestais, as Unidades de Conservação tipicamente
carecem de um núcleo urbano para atender suas necessidades básicas, e pequenos
núcleos no seu entorno precisam ser fortalecidos.
O principal desafio que se coloca para o vetor CT&I no Coração Florestal é
subsidiar a organização das cidades em redes, estimulando suas
complementaridade e dinamismo sob o comando de Manaus, promovendo sua
inserção em redes globais e contendo a expansão da fronteira agropecuária
(Becker, 2009c). Na implantação de cadeias produtivas regionalizadas a produção
nas comunidades é o primeiro passo na agregação de valor ao produto (exemplar
nesse contexto é documento da Suframa apontando a possibilidade de instalação de
micro-usinas processadoras de óleos diversos). A efetivação da rede de cidades
deve ser o segundo passo no processo.
Quanto á institucionalidade, a hierarquização de serviços de saúde e
educação –prioridade a ser reconhecida na região- e o fortalecimento de cadeias
produtivas regionalizadas podem ser vetores de articulação e adensamento da rede
urbana. Para isso serão certamente necessários novos arranjos institucionais onde
redes colaborativas entre instituições como IBGE, IPEA e centros de pesquisa
universitários podem ter importante papel.
Merece menção nesse contexto o projeto Navega Pará, coordenado pelo
governo do estado, que já iniciou um processo de conexão por infovias no interior do
31
estado e uma rede de alta velocidade na região metropolitana de Belém. Em áreas
rurais mais isoladas podem ser feitas conexões por satélite ou rádio, e nas áreas um
pouco mais densas, conexão por fibra ótica aproveitando os eixos de estradas,
gasodutos e linhas de energia.
b) Planos Macrorregionais. A regionalização tem sido uma preocupação
governamental constante frente às desigualdades regionais de desenvolvimento. Um
grupo de Planos e políticas macrorregionais é orientado para o desenvolvimento.
Alguns mais antigos como a Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, outros
mais recentes visando o desenvolvimento sustentável, como o Plano Amazônia
Sustentável – PAS e o Plano BR-163 Sustentável, todos eles contando com certa
base técnica e com uma, ainda que vagamente internalizada, dimensão territorial. A
atual Política Nacional de Desenvolvimento Regional dispôs-se a identificar não
apenas macrorregiões mas mesorregiões, algumas sendo foco de ações especiais:
o Alto Solimões, o Vale do Rio Acre e o Bico do Papagaio . Mas o fato é que muito
pouco avanço efetivo ocorreu nessa questão. Elaborado desde fins de 2003, o PAS
empenhou-se por formular uma agenda de desenvolvimento sustentável para a
Amazônia. Prematuro politicamente, foi engavetado, remendado e, finalmente
promulgado em 2008. Mas uma fez nos vemos diante de uma peça de baixa
efetividade, a não ser pelo estímulo à regularização fundiária de posses até 15 ha.
Finalmente, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico foi elaborado em 2009 e
institucionalizado em 2010. É uma ferramenta potencialmente útil, tanto para a
Política de Ordenamento do Território (PNOT) – que ainda não saiu do papel – como
para a PNDR. Podemos reconhecer que o MZEE da Amazônia Legal é a proposta
que mais se aproxima da efetiva dinâmica regional. As estratégias que sugere para
o conjunto da região são pertinentes, assim como o são para sua diferenciação
interna.
Com relação à dimensão institucional a elaboração do MZEE com
participação das secretarias estaduais (que por sua vez elaboraram os
Zoneamentos Ecológico-Econômicos dos estados) pode ser um importante avanço
em direção a novos arranjos institucionais. Mas é forçoso reconhecer que a questão
crucial dos planos macrorregionais não é criar uma institucionalidade, que de resto
já existe, mas, sim fazê-la efetivamente vigente e não apenas peça de retórica feita
32
para inglês ver... Em síntese: o principal desafio colocado ao vetor CT&I é, neste
contexto, servir de ferramenta a serviço da efetividade dos arranjos institucionais.
Isso implica explorar novas possibilidades relacionais e comunicativas das novas
tecnologias, colocando-as a serviço de validação, participação e controle sociais das
diretrizes do MZEE e do PAS. Esta pode ser uma das linhas prioritárias de atuação
do Instituto do Coração Florestal Amazônico anteriormente proposto.
3.1.4. Escala Nacional /Mesorregional
3.1.4.1. Planejamento do Desenvolvimento
a) Zonas Francas. No planejamento federal do desenvolvimento regional
amazônico a criação das zonas francas foi um passo pioneiro e decisivo. A idéia era
implantar o modelo em todos os estados da Amazônia Ocidental, mas a única que
efetivamente vingou foi a de Zona Franca de Manaus (ZFM), efetivada em 1967. O
sucesso da ZFM se deve ao Pólo Industrial de Manaus (PIM), que agrega mais de
450 indústrias gerando mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos. É em
razão disso que o estado do Amazonas responde por 32 % da economia da região
Norte e Manaus ocupa o 6º lugar no PIB das metrópoles brasileiras. Os problemas
de uma economia subsidiada por incentivos fiscais e da macrocefalia de Manaus,
associada ao subdesenvolvimento do restante do estado do Amazonas coloca uma
série de questões para a CT&I. Em contrapartida, a Zona Franca de Tabatinga não
chega a passar de um escritório carente de função, e a de Macapá apenas começou
a funcionar, com base no comércio.
b) Plano BR-163 Sustentável. Outra importante iniciativa federal para o
desenvolvimento regional foi o Plano Rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163)
Sustentável, elaborado visando o asfaltamento da estrada. Pautado segundo os
princípios do PAS, o Plano foi elaborado com participação ampla de Ministérios e
grupos sociais e importante colaboração científica. Sua proposição era o
estabelecimento de regras disciplinadoras do uso da terra às margens da rodovia,
mediante a instalação de um Distrito Florestal Industrial e a formulação de um ZEE.
O posterior desinteresse do agronegócio por essa estrada implicou a protelação das
obras de pavimentação, lentamente iniciadas e inconclusas. A resultante perversa
33
foi forte apropriação ilícita de terras e desmatamento. O Distrito Industrial Florestal
de Novo Progresso não conseguiu deslanchar, embora o ZEE tenha sido concluído.
c) O Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Criado recentemente pela Lei de
Gestão das Florestas Públicas (2006) proposta para contenção do desflorestamento
é, na verdade, instrumento de estratégia de valorização e modernização do setor
madeireiro. Amplia a oferta de madeira através de concessões de florestas públicas
para fins de manejo sustentável, tanto em nível empresarial como comunitário,
supondo que tal oferta poderá frear o desflorestamento. Essa ação associa-se ao
estímulo à certificação de produtos florestais. O SFB lança os Distritos Florestais
Sustentáveis como um complexo de ações coordenadas de inovação tecnológica,
capacitação e comercialização de produtos florestais certificados.
d) Fundações de Amparo à Pesquisa. A criação das fundações estaduais
de amparo à pesquisa nos estados da Amazônia Legal é um fato recente (e ainda
incipiente) que pode trazer importantes implicações para o vetor CT&I, não só pela
contribuição para a descentralização das atividades de P&D, mas principalmente por
sua contribuição potencial para o adensamento da academia endógena.
Como devem se articular planejamento territorial e CT&I?
Com relação à forma institucional Zona Franca, o maior desafio que se coloca
à CT&I e o planejamento de Manaus como uma cidade mundial, baseada na
prestação de serviços ambientais, com a criação de uma bolsa de valores ali
implantada associada à “nova economia ecológica dos créditos de carbono”.
Manaus deve afirmar sua posição estratégica frente à Amazônia Sul-Americana, e
apoiar-se no PIM e em sua hoje ainda embrionária capacidade de pesquisa e
desenvolvimento. Manaus Cidade Mundial deve ser peça-chave na articulação de
uma “floresta urbanizada”, sediando o comando de uma rede de cidades
bioprodutoras que contornem o coração florestal. Para tanto, certamente será
necessário ampliar sobremaneira sua base técnica e científica bem como seu setor
financeiro. Quanto às demais ZFs, sua dinamização teria nível menor de prioridade.
Importante menção merece o caso de Tabatinga, e a necessidade de se
empreender ações visando reduzir a grande dependência de Letícia, a ela
geminada.
34
O Plano BR 163 Sustentável contou com significativo apoio científico e social.
De modo análogo ao anteriormente apontado relativamente ao MZEE, o desafio
crítico para o vetor CT&I é o da efetividade do Plano, e esta é uma questão
eminentemente política, não apenas técnico-gerencial. O vetor CT&I pode, neste
contexto, servir de ferramenta a serviço da efetividade dos arranjos institucionais
que venham dar efetividade ao Plano. Isso implica explorar novas possibilidades
relacionais e comunicativas das novas tecnologias, colocando-as a serviço de
validação, participação e controle sociais das diretrizes do Plano e, em particular, da
implantação do Distrito Florestal e do ZEE a ele associado. Como já foi dito
anteriormente, esta pode ser uma das linhas prioritárias de atuação do Instituto do
Coração Florestal Amazônico anteriormente proposto.
Quanto ao primeiro Distrito Industrial criado na Cuiabá-Santarém, em Novo
Progresso, frustrou as grandes expectativas associadas à proposta. Na prática
transformou-se em área de livre extração (legal e ilegal) de madeira. A proposição
do SFB peca sobretudo por não diferenciar as florestas da região e terminar por
estabelecer concessões também em áreas de floresta densa, onde as árvores levam
por vezes 100 ou mais anos para crescer e repor o desflorestamento. O processo de
certificação da madeira é complexo e caro, tornando duvidoso seu resultado em
empreendimentos de base comunitária.
No caso das Fundações Estaduais de Amparo a Pesquisa o principal desafio
institucional é sua consolidação no espaço amazônico, com dotação orçamentária
segura e autonomia garantida. Estes novos agentes institucionais podem vir a
desempenhar importante papel na viabilização do vetor CT&I como elemento
estratégico do caminho amazônico de desenvolvimento.
3.1.4.2. Planejamento da Conservação Ambiental
a) Áreas Protegidas. As mais expressivas ações do MMA no território são as
Áreas Protegidas, constituídas dos vários tipos de Unidades de Conservação (UCs) -
estabelecidos pelo SNUC - e de Terras Indígenas. É importante não esquecer que
as comunidades que habitam o Coração Florestal são muito diversificadas,
envolvendo índios, seringueiros, ribeirinhos, quilombolas, entre outros, em sua
grande maioria vivendo do extrativismo. A criação das UCs sobrepôs um recorte de
35
comunidades, de modo que muitas delas passaram a viver dentro de UCs, enquanto
muitas outras seguem vivendo fora delas. Esforços tem sido feitos para organizar o
extrativismo numa base econômico-efetiva, tentando conciliar suas características
de diversidade, dispersão e pequena escala. Não é tarefa simples desenhar os
arranjos institucionais aptos a dar estabilidade a tão grande variedade de formas. De
um lado houve avanços na formulação das formalizações jurídicas e na solução das
questões fundiárias relativas à criação de Áreas Protegidas, mas o mesmo não se
pode ainda dizer com relação ao direito de uso dos recursos cujo acesso torna-se de
tal forma burocratizado que, na prática, terminar por ser inviabilizado. É nesse
contexto que se colocam as demandas de pesquisa e de soluções institucionais para
o extrativismo nas Áreas Protegidas e no Coração Florestal em geral.
b) Zoneamento Ecológico-Econômico nos estados (ZEEs). Estabelecido
pelo governo federal ainda no fim da década de 1980 como resposta à pressão
ambientalista e considerado o mais importante instrumento da gestão ambiental, foi
inicialmente incompreendido pelas secretarias e governos estaduais. Somente após
a elaboração de metodologia adequada (Becker, B. e Egler, C., 1997), os ZEEs
estaduais vieram a deslanchar, ainda que com avanços muito diferenciados. O cerne
da questão é que, em sua concepção originária o ZEE se propõe a ser um
instrumento para produção de informação sobre o território e para fazer convergir –
no território – políticas públicas desarticuladas. Na Amazônia quase todos os
estados elaboraram seus ZEEs no papel, mas sem grande efetividade quanto aos
propósitos originários de sua concepção.
c) Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAM).
Estabelecido em 2004, com apoio na base tecnológica do INPE, tem exercido
plenamente seu papel de detectar a destruição da floresta e de informar ao governo
e à sociedade processos em curso nas áreas florestais. Plano similar está sendo
lançado para o Cerrado.
Estima-se que na região cerca de 22,5 mil Km² (22% da região) já tenham
sido desmatados em UCs e Terras Indígenas. Esta é uma questão é um desafio
maior para o vetor CT&I no planejamento territorial na Amazônia.
Uma vez vitoriosa a grande reivindicação da demarcação das terras
indígenas, logo colocou-se com dramática urgência a questão: que atividade nelas
36
implementar e como fazê-lo sem ferir a cultura indígena, respeitando o princípio da
sustentabilidade e propiciando agregação de valor? O vetor CT&I pode dar
contribuições para as respostas, partindo do reconhecimento de que até agora não
se equacionaram satisfatoriamente atividades capazes de garantir condições de vida
digna aos grupos indígenas não-isolados sem destruir sua cultura. A liberação da
mineração em áreas de fronteira (onde se localizam grande parte das terras
indígenas) é apenas uma das questões críticas neste contexto.
Quanto às UCs (18,7% da região), têm sobretudo a função de proteger o meio
ambiente e a vêm desempenhando de modo razoavelmente satisfatório em nível
local. Os maiores problemas associados às Áreas Protegidas, via de regra habitadas
por populações tradicionais, são de ordem fundiária e cultural, uma vez que o
recorte dessas unidades se sobrepôs a comunidades que ancestralmente habitavam
a terra e sobre ela tinham direitos. A mera preocupação ambiental não gera trabalho
e riqueza capaz de assegurar a essas comunidades uma boa qualidade de vida.
Impõe-se, portanto, atribuir às UCs uma função social. O Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade, criado em 2007, realiza o cadastramento e fortalece uma agenda de
planos de uso e manejo das reservas extrativistas. Sua ação certamente pode ser
muito reforçada com base em pesquisas sobre o que e como produzir, e como
organizar a produção e comercialização.
É amplo o campo de contribuições necessárias e urgentes, tanto no que se
refere à CT&I como às instituições.
Deve ser enfatizado que o foco da atenção desta Nota Técnica não são
apenas as Unidades de Conservação mas o uso da biodiversidade em todo o
Coração Florestal. O aprofundamento do conhecimento do bioma é uma questão
básica para isso, demandando, por um lado, o conhecimento das espécies e seu
aprimoramento genético e, por outro, a gestão desse conhecimento mediante
instituições adequadas. A tarefa não é de modo algum simples. Uma entidade criada
com este declarado propósito foi o CBA mas até o presente, como já mencionado,
suas realizações permaneceram muito abaixo das expectativas. Dar expressão às
potencialidades do CBA é um importante desafio estratégico para o vetor CT&I. Para
isso seria desejável atribuir-lhe uma nova identidade institucional e um propósito
efetivo: promover a sinergia entre instituições, projetos e recursos humanos para
37
fortalecer o vetor CT/I no campo da biotecnologia no contexto amazônico. Redes de
pesquisa em biodiversidade já estão se organizando e devem ser apoiadas e
estimuladas. A integração institucional, mais difícil, foi facilitada pela criação de 9
(nove) INCT em 2009. Deve ser também mencionado que a recém-empossada
(2011) nova chefia do SEPED (MCT) se compromete a organizar as pesquisas sobre
biodiversidade.
É urgente aprofundar a pesquisa sobre serviços ambientais frente à difusão
do mercado de carbono, do UN-REDD Programme– que propõe financiamentos
para não desmatar –, dos avanços em biotecnologia e bioenergia, potencialidades
preciosas a serem desenvolvidas no coração florestal. Devem ser priorizadas
atividades acadêmicas em rede (incluindo o CBA) nestas temáticas (de ensino,
pesquisa e extensão), bem como a implantação de redes colaborativas de
empreendedorismo e a formação de especializações e treinamentos em EIA-RIMA,
processo crucial para a região mas, via de regra, mal feito. Seria também desejável
um esforço por mobilizar os projetos da SEPED – LBA, GEOMA, PPBIO – a inserir
os serviços ambientais e as energias renováveis em suas agendas, bem como fazer
coincidir as pesquisas em áreas selecionadas do coração florestal para obter um
conhecimento sinérgico territorializado.
Agregação de valor à biodiversidade é uma urgência da hora para o vetor
CT&I no planejamento territorial do coração florestal. Essa é a condição de
possibilidade para sustar o desflorestamento atribuindo valor econômico à floresta
em pé. À CT/I cabe colaborar com a construção de uma economia da “floresta
urbanizada”, isto é, apta a se apoiar no diálogo de saberes entre as ciências da
modernidade contemporânea e os saberes tradicionais para utilizar simultaneamente
os múltiplos potenciais do ecossistema florestal. Neste amplo campo se incluem não
só os produtos extrativos não madeireiros, como também a pesca, o uso das
bioenergias, da água e dos serviços ambientais. A implantação de cadeias
produtivas regionalizadas é componente essencial dessa nova economia da floresta.
Para isso é quesito estratégico a articulação com o Plano Nacional de Cadeias
Produtivas. A nova economia da floresta urbanizada, proposta nesta Nota Técnica,
deve aprofundar as novas fronteiras da conectividade inter-escalar abertas pelas
novas tecnologias da web para redesenhar sistemas de produção e gestão e
38
explorar em novos arranjos institucionais a capilaridade da presença do sistema S
em todos, ou quase todos os municípios da região.
Outra importante parceria estratégica é com a Embrapa, principalmente tendo
em vista a constante presença da agricultura em meio à atividade extrativista. Uma
ampla parceria entre CBA/Embrapa pode ser o núcleo de um novo arranjo
institucional fecundo, que também viesse a incluir o estímulo à atuação de empresas
(inclusive mediante incentivos fiscais e financiamentos diferenciados para
investimentos) sobretudo na produção de fármacos e cosméticos. Estes novos
arranjos institucionais poderiam incluir redes colaborativas de pesquisa e
desenvolvimento (com destaque para instituições como a FIOCRUZ e o Instituto
Butantã, já sediados respectivamente em Manaus e próximo a Santarém).
Considerando que grande parte das terras no coração florestal são devolutas,
recomenda-se fortemente o cuidado na regularização fundiária nessa extensa área
para se evitar parcelar a terra com base na concessão de títulos de propriedade a
pessoas ou empresas. Sugere-se que as concessões sejam feitas a comunidades,
com prazos renováveis segundo critério de metas de produção alcançadas, e a
serem controladas pelo setor bancário. O vetor CT&I pode contribuir para a
concepção de tal sistema, bem como o monitoramento de sua implantação. Ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário caberia flexibilizar os modos de regular o uso
da terra no território. É urgente rever a burocracia e alterar a complexa autorização
de uso dos recursos, sendo que o vetor CT&I pode ter importante contribuição na
capacitação dos comunitários para concepção, elaboração, implantação e
monitoramento de plano de manejo.
Mas a complexa questão institucional, além da logística e da rede urbana já
referidas, ainda envolve um vasto elenco de quesitos, tais como:
• A revisão da ANVISA, que bloqueia excessivamente a produção bioindustrial;
• A aceleração dos trâmites nas OEMA, no IBAMA e ICMBIO;
• A articulação dos Campi Universitários e do Sistema S com as comunidades
para, com base no diálogo de saberes, implantar novos percursos de
capacitação, formação profissional, treinamento e empreendedorismo;
• A promoção da fusão de cadeias de conhecimento e de produção envolvendo
representação dos vários agentes que delas participam;
39
• A aplicação efetiva da Lei da Inovação, que assegura às empresas acesso ao
financiamento público, e que urge ser regulamentada.
A integração desse amplo elenco de projetos de intervenção pode ter na
criação de um novo arranjo institucional na forma de um “Parque Tecnológico
Florestal” sediado em Santarém, um agente catalizador de transformações
envolvendo em rede colaborativa a Secretaria de Inclusão Social do MCT, A
FIOCRUZ, o Instituto Butantã, o IBAMA/ICMBIO, a Embrapa, as Universidades e o
CBA.
Na elaboração dos ZEEs é o forte desequilíbrio de seu foco de atenção,
predominantemente dirigido para o meio ambiente físico. Há que articular os ZEEs
com a dinâmica socioeconômica, nele introduzindo variáveis sociais e econômicas
como, por exemplo, as cidades e suas áreas de influência, via de regra, neles
ausentes. Outra questão a ser considerada é sua imprescindivel articulação com as
demais políticas públicas, para que exerça seu papel de informação e de orientação
para ações integradas no território. A crítica e revisão dessas distorções nas práticas
correntes dos ZEEs podem configurar um novo campo de atuação para o vetor
CT&I, de modo a contribuir com a efetividade da ferramenta.
Quanto ao INPE, o que se demanda hoje é o aprofundamento do
conhecimento das espécies para melhor detectar, via satélite, a verdadeira situação
do desmatamento, na medida em que hoje se verifica a tendência a “brocar” a
floresta por dentro, deixando pelo menos 50% do dossel para que a destruição não
seja captada na imagem do satélite. A instalação de uma unidade do INPE em
Belém foi um passo importante de aproximação com o território. Por sua vez, a
criação de um Centro de Gestão e Redução do Desmatamento, está em cogitação
pelo MCT, e pode ser catalisador de novos arranjos institucionais..
3.1.5. Escala Local
Distinguem-se nessa escala dois movimentos: o nacional/local, decorrentes
de ações do Estado central, e o comunitário, por ação de movimentos sociais.
40
3.1.5.1. Escala Nacional/Local
a) Reforma Agrária: assentamentos e migrações. Apesar das intenções e
dos discursos de transformar a reforma agrária em um compromisso de construção
de uma nação moderna articulada ao projeto estratégico de desenvolvimento do
país, e apesar de avanços com o crédito fundiário, continua dominando no
planejamento a proliferação de assentamentos dispersos. Os projetos de
assentamentos do INCRA necessitam urgentemente inserir uma dimensão territorial
e o apoio da CT/I em seu planejamento. Dentre os maiores problemas da Amazônia
se destacam, por um lado, o fato de continuar a ser a região receptora de migrantes
pobres. Entre 2003 e 2008, de um total de 519.111 famílias assentadas, 68% o
foram na Amazônia Legal (354.733 famílias). O outro problema grave é a total
desconsideração da dimensão territorial nos assentamentos: são localizados em
meio à floresta, longe de estradas, e sem acesso a mercados e, ademais, sem
assistência técnica. A forte evasão dos assentamentos e a submissão de famílias à
condição de “laranja” de fazendeiros expressam a indigna condição dos assentados.
b) Territórios da Cidadania. Grosso modo, o planejamento territorial em
nível local pode se apoiar sobre dois processos distintos, os governamentais (com
base nos municípios) e os comunitários, processo do tipo “bottom up”, geralmente
apoiado em inovações sociais ainda não institucionalizadas. Outro tipo de
planejamento local, completamente diverso em objetivos, escala e atores são os
Territórios da Cidadania (2008), programa do Governo Federal que já nasce com um
desenho institucional, original, cujo objetivo é realizar um “choque” de políticas
públicas nos bolsões rurais de pobreza e induzir a afirmação de valores
culturalmente identitários e a articulação societária em regiões cujas extensões
geográficas são tipicamente maiores que um município e menores que um estado.
3.1.5.2. Movimentos Comunitários e Inovação Social
As origens desses movimentos do tipo “bottom up” vinculam-se à resistência
e mobilização de populações tradicionais em luta contra a expropriação de suas
terras, contando desde o início com o apoio técnico e político da Igreja Católica e,
numa etapa imediatamente posterior, dos sindicatos rurais. Diversas dessas
41
iniciativas de base comunitária foram bem sucedidas e chegaram mais tarde a ser
institucionalizados em nível local e municipal. Alguns casos exemplares nesse
contexto são o zoneamento dos lagos pesqueiros em Silves e Mamirauá, a Resex
Chico Mendes, a FLONA do Tapajós. Com a ascensão do ambientalismo em nível
global e em seguida nacional, a Igreja Católica se retraiu da linha de frente do apoio
às comunidades, crescendo o protagonismo das ONGs, outras igrejas e mesmo
governos estrangeiros.
O avanço do desflorestamento coloca uma forte demanda para o vetor CT&I e
um imenso campo de experimentações para novas institucionalidades capazes de
contribuir para sustar a perda de fantástico patrimônio que se escoa em troncos
abatidos sem a menor agregação de valor. A simultaneidade das práticas primitivas
do extrativismo madeireiro em países vizinhos como o Peru e a Colômbia, sugere
uma ação conjunta, um arranjo institucional supranacional que estabelecesse para
os três países regras do jogo e as monitorasse, possivelmente a partir de um centro
localizado nas fronteiras, de preferência em Tabatinga. Ou, no mínimo, a criação de
uma empresa coordenadora nacional, a Madeiramazon. A introdução de avanços
tecnológicos no manejo e certificação é uma necessidade urgente do
desenvolvimento regional, assim como o aproveitamento industrial da madeira,
inclusive de segunda geração com produção de etanol a partir da celulose, com
concessões apenas em áreas de floresta aberta e de Cerrado.
No planejamento da Reforma Agrária, não se trata de apenas completar e
melhorar os assentamentos mas de substituir o modelo. A contribuição da CT/I neste
contexto é fundamental para:
a. A localização das famílias considerando o acesso à estradas e ao
mercado. Em comunidades florestais mais isoladas, pesquisa para
a implementação de uma economia florestal, caracterizada por
múltiplas atividades com aproveitamento de diversos recursos
naturais, inclusive a pesca, em terras concedidas, e não com títulos
de propriedade.
b. A escala da produção deveria se limitar a vilas ou fazendas
agroindustriais reunindo cerca de 50 assentados, com escola, posto
médico, internet e industrialização da produção.
42
c. A organização de cadeias produtivas capazes de comercializar a
produção até os mercados tantos nos assentamentos como nas
comunidades florestais.
A questão institucional chave é a regularização fundiária, para o que o vetor
CT&I pode ter importante contribuição. Deve ser destacado que já foi iniciado em
2009 o cadastramento das posses até 15 módulos fiscais em terras da união. Outros
quesitos estratégicos onde a contribuição do vetor CT&I pode ser bastante
significativa são a “retirada do papel” da criação das vilas agroindustriais , a
articulação do INCRA com o Plano Nacional de Cadeias da Sócio-Biodiversidade
(2009) e a definição de formas de produção e gestão adequadas à diferenciação
intra-regional.
Os Territórios da Cidadania são os de mais forte dimensão territorial. Mas é
duvidoso seu sucesso tanto pela imposição de cima para baixo, como pela
complexidade conflitiva do grande mix de interesses e instrumentos sobre o qual se
apóia (vinculados aos 19 Ministérios que lhes dão origem). Embora ainda seja cedo
para uma avaliação mais conclusiva de resultados do Programa em questão, o vetor
CT&I poderia ter papel significativo neste contexto, principalmente dedicando-se a
introduzir elementos dialógicos na gestão do “choque” de políticas públicas e no
desenho do modelo de gestão, comando e execução do mix de interesses e
instrumentos.
Os processos de afirmação dos movimentos comunitários amazônicos
evidenciam que nem toda inovação social necessariamente é baseada no vetor
CT&I como seu elemento indutor ou catalizador. Muitos casos configuram-se como
processos incrementais e gradativos, apoiados em práticas cotidianas baseadas na
sabedoria popular. Isto não significa no entanto que o vetor CT&I não possa vir a
desempenhar significativo papel na difusão e aceleração das inovações sociais
contribuindo também para uma maior efetividade de sua eventual institucionalização
com novos arranjos institucionais tanto no nível do financiamento (via BNDES ou
BASA, por exemplo) como ainda em parcerias com o Sistema S (e o SEBRAE em
particular) na promoção de um empreendedorismo de interesse social.
43
3.2. A Margem da Floresta: Floresta Aberta e de Transição
Trata-se, como visto, da área de expansão da fronteira agropecuária
precedida e/ou acompanhada pelo extrativismo madeireiro que vem avançando
rumo ao Coração Florestal. A área de produção madeireira está localizada
sobretudo nessa margem da floresta, que contorna o Coração Florestal. Em nítido
contraste com o Coração Florestal conta com rodovias, cidades melhor equipadas e
forte presença de empresas, mas à sua semelhança, a produção é dispersa e a
indústria altamente concentrada, e praticamente sem valor agregado. Cerca 50%
das florestas já foram derrubadas nessa área, onde são extensas as áreas
alteradas.
Há problemas sérios de ordem institucional associados ao extrativismo
madeireiro: a certificação de florestas com ou sem cadeia de custódia é cara, e há
poucas instituições certificadoras. Na prática isso restringe a efetividade do processo
às grandes empresas. A situação é tanto mais conflitiva quanto se afirma a
tendência de empreendimentos comunitários se dedicarem ao manejo controlado.
Tampouco são isentas de críticas e conflitos as concessões privadas para a
exploração de florestas nacionais e estaduais, com grande parte das florestas
certificadas e cadeias de custódia sendo a florestas nativas, onde se faz vigente
uma trajetória de exploração sem agregação de valor e via de regra sem plantio de
árvores. No âmbito institucional urge uma ação conjugada do Serviço Florestal com
o MDIC, ou mesmo a Federação Nacional das Indústrias para viabilizar a utilização
não predatória do imenso patrimônio madeireiro. Seria importante fazer vigentes
instrumentos reguladores que assegurassem não apenas a exploração da madeira
com reflorestamento e tampouco apenas exportação, mas, que assegurasse
prioritariamente o beneficiamento local/regional das madeiras em níveis industriais
diversos, inclusive a hidrólise da madeira. E visasse responder a oportunidades de
produção de materiais tanto para equipamento das cidades como das embarcações
do Coração Florestal.
Neste contexto a legislação, componente crucial do quadro institucional
merece especial menção. A acelerada expansão da exploração madeireira gerou
44
excesso de normas voláteis que dificultam o acesso à informação, e sobretudo seus
monitoramento e coordenação. É desejável que essas regras do jogo possam ter
maior durabilidade e transparência, principalmente se o apoio a entrepostos da
madeira possam com apoio do vetor CT&I vir a ser redesenhados em novos arranjos
institucionais. No novo contexto estes dispositivos podem não apenas servir para
estabilizar o mercado e garantir preços mínimos para o Manejo Florestal
Comunitário. Sua introdução pode estar também a serviço da melhoria de qualidade
do produto na medida em que ofereçam formações técnicas em campos ligados à
atividade madeireira e serviços correlatos como armazenagem, classificação, etc,
Estes novos entrepostos poderiam vir a ser verdadeiros “portos secos” na
construção da cadeia de produção, quando não houver circulação fluvial.
O resgate do Serviço Florestal para implementar o manejo foi um primeiro
passo em direção a um uso sustentável da madeira. Mas não é suficiente. Tamanho
potencial com tamanha destruição está a exigir uma empresa ou centro federal
coordenador das regras de sua exploração com agregação de valor. Como já dito
anteriormente, esta Nota Técnica propõe a criação de uma nova empresa a
Madeiramazon, Na configuração da nova empresa o vetor CT&I teria um vasto
campo de contribuições a dar. Inclusive também porque, como área de
reflorestamento e manejo florestal, a Margem da Floresta demanda melhor
conhecimento. Questões críticas neste contexto são o aprimoramento genético das
espécies articuladas à engenharia florestal, a concepção de novos sistemas de
manejo, inclusive com produtos alimentícios intercalados às árvores. Por fim, vale
ainda insistir em inovações nos processos de certificação, com a condição de
condizerem com as condições naturais e sociais da região.
A par da madeira, ressalta o potencial da região para a produção de
alimentos, sobretudo pela presença expressiva de pequenos produtores e população
relativamente mais densa. Nesta sub-região há possibilidades de inovar com um
novo modelo de reforma agrária: as Vilas Agroindustriais agregando uns 30-50
assentados, situadas nas proximidades de estradas e mercados e trabalhando com
produção comum, embora em lotes individuais, cuja escala permita implantar uma
usina de processamento da produção, bem como contar com a presença de uma
escola e outros serviços. Tais vilas devem visar a produção de alimentos para
45
consumo local e de outras áreas amazônicas. Um grande desafio a ser enfrentado
nessa área é a presença de numerosos projetos logísticos na bacia do rio Tapajós,
que incluem hidrelétricas e eclusas visando tanto a produção de energia como a
navegação fluvial. Ainda mal conhecidos, mas que exigem estudos cuidadosos
sobre seus impactos.
3.3. O Cerrado
Como já assinalado, 40% do cerrado original foi substituído por pastagens ou
pelas lavouras típicas do agro negócio (soja, milho e algodão). Como tendência mais
recente observa-se a substituição de pastagens (e mesmo de lavouras) pela cana de
açúcar para produção de etanol. Passa-se também a produzir biocombustível a
partir da soja.
O planejamento territorial do Cerrado coloca para o vetor CT&I desafios
similares aos colocados no caso da Margem da Floresta. Em síntese: pesquisa
avançada e novos arranjos institucionais para o reflorestamento e o manejo florestal,
bem como a organização de vilas agroindustriais para absorver produtores
familiares. Mas há algumas diferenças importantes e especificidades no caso do
Cerrado. As principais delas são:
a) O relativamente menor número de Áreas Protegidas, demandando a
criação de novas;
b) A presença poderosa do agronegócio, cujos empreendimentos
urgem sofrer efetiva transformação em um efetivo complexo agroindustrial
com industrialização da produção;
c) A imperativa modernização da pecuária, com investimentos em
maior produtividade e fortes pressões sobre o BNDES para apoio a tais
projetos;
O Cerrado é uma rica e poderosa área. Poderosa em termos de geração de
riqueza, domínio de meios de produção e influência politica. O recentíssimo debate
sobre o Código Florestal e as divisões dentro da própria base aliada do governo
Dilma Rousseff com respeito a essa questão servem para, mais uma vez, evidenciar
esse poder e a necessidade da CT&I opinarem sobre a questão.
46
4. Considerações Finais
Predominam na Amazônia Legal políticas elaboradas em escalas global e
nacional impostas de cima para baixo, na ilusória expectativa de que elas
perpassem o tecido social e se efetuem, i.e. de que “trickle down”. No extremo
oposto, movimentos comunitários, mobilizados com apoio de instituições a eles
externas, geram inovações sociais “bottom up”. A primeira questão que se coloca é
por que algumas das políticas globais e nacionais revelam-se apenas “realidades de
papel” e não conseguem “trickle down”? Vale registrar, neste contexto, que políticas
globais ambientais têm conseguido maior penetração social do que algumas
nacionais (como a PNDR e o PAS). A explicação pode ser o fato de lograrem uma
atuação mais efetiva em todas as escalas, inclusive a comunitária.
Razões para a “vida de papel” de diversas instituições e políticas nacionais
para a região amazônica podem ser:
� A ausência de dimensão territorial e de articulação com outras escalas
espaciais através de redes, modo de organização que permite a
aproximação com o território.
� A desarticulação (por vezes conflitiva) das políticas públicas,
concebidas setorialmente (caso da falsa polarização dominante nas
décadas de 1980 e 1990 entre proteção ambiental X desenvolvimento,
que tendem hoje a convergir).
� A disjunção entre instituições acadêmicas e empresas, levando a duas
considerações: i. a necessidade de promover essa articulação mediante
a criação de instituições adequadas e ii. a necessidade de
desconcentração da P&D e de fortalecimento da transferência de
conhecimentos baseada em diálogos de saberes e redes colaborativas e
novos arranjos institucionais.
Essa “vida de papel” é indicativa de um problema e aponta para um grande
desafio a ser confrontado pelas teorias do desenvolvimento: a travessia, tantas
vezes malograda em “naufrágio”, do modelo à efetividade prática.
47
No caso da presente Nota Técnica, enfatiza-se a “escala como processo” e se
propõe uma perspectiva “inter-escalar”. Nesta perspectiva conseguir traduzir
“potencial” em “efetividade” requer um duplo empenho.
Num primeiro momento, é necessário fazer uma adequada identificação de
vetores e veículos de ação, principalmente daqueles situados nas interfaces da
diferentes escalas. Este é um elemento crítico de uma elaboração teórica que
queira ser um autêntico serviço para a formulação de efetivas e fecundas
intervenções no contexto em estudo. Tais intervenções se apóiam na proposição
de cursos de ação que incidam sobre as “linhas de força” configuradas por
tais vetores. Aqui se prioriza a proposição de inovações institucionais.
O quadro apresentado a seguir sintetiza os principais os principais vetores de
transformação e suas interfaces inter-escalares, O planejamento territorial inter-
escalar deve privilegiar a formulação de linhas de ação incidentes sobre os vetores
aqui elencados:
Interface inter-escalar Vetor de transformação
Global / Nacional Big Science e Mercado
Continental / Nacional Logística
Nacional / Sub-nacional Sistema de cidades
Nacional / Meso-regional Zoneamento ecológico econômico
Nacional / Local Reforma Agrária
Meso-regional / Local Interiorização das políticas educacional,
científica e tecnológica
Sendo a “big science” um dos principais vetores de transformação na
interface das escalas global e nacional não é de modo algum surpreendente a
ênfase que perpassa toda esta nota técnica com relação à internalização de ciência,
tecnologia e inovação ao planejamento territorial. A “big science” é, juntamente com
o mercado, agente decisivo na definição da pauta da agenda nacional para a
Amazônia. Sem a mestria de sua linguagem, seus procedimentos e seus métodos
seria tarefa vã o empenho por atuar como sujeito de processos de transformação
48
nessa interface escalar. O mesmo se pode dizer com relação à instituição dos
mercados globalizados (não apenas em sua dimensão financeira).
Nesta interface escalar pode ter papel de destaque a atuação do MCT como
locus institucional do comando da dinamização do vetor CT&I. Mas isto também
implica a necessidade do MCT superar algumas deficiências críticas em seu modus
operandi. Tem ponderável influência a ausência de uma diretriz de longo prazo para
a atuação do MCT no contexto amazônico que venha servir de balizamento para os
temas priorizados em seus Editais. Na superação dessa carência o documento
sobre a Amazônia elaborado em 2008 pela Academia Brasileira de Ciências pode
ser referência muito útil. Ademais, a implantação de um amplo Programa para o
Desenvolvimento Sustentável e Situado da Amazônia pode ser ferramenta decisiva
para i. a promoção de complementaridades inter-institucionais (e inter-ministeriais
em particular), ii. o desejável fortalecimento do suporte institucional à área de
tecnologias de interesse social para o desenvolvimento amazônico, e iii. last but not
least a superação dos impactos negativos das descontinuidades nas liberações de
recursos.
A logística emerge como quesito estratégico chave na interface das escalas
continental e nacional. As diversas propostas de projetos em curso de integração
nesse nível esbarram nesse estrangulamento nevrálgico. Formular cursos de ação
aptos a redesenharem o escopo e efetividade da logística para ser a tarefa mais
urgente nessa interface escalar. A Nota Técnica apresentada aponta para re-
desenhos institucionais e priorizações de cursos de ação e investimentos coerentes
com esta perspectiva.
O ainda embrionário sistema de cidades amazônico é um quesito estratégico
chave. O fortalecimento e dinamização dessa sinergia perpassam, na interface das
escalas nacional e sub-nacional, o desejável enraizamento de uma atitude cotidiana
de avaliação crítica e a capacitação para a formulação propositiva e
institucionalmente inovadora dos cursos alternativos de ação tal como indicados
nesta Nota Técnica. Tais fortalecimento e dinamização podem (e devem) ser
efetivados com ampla exploração dos horizontes abertos pelas novas tecnologias
comunicativas para a organização da cultura e da nova economia.
49
Na interface entre as escalas nacional e meso-regional aponta-se como vetor
territorial estratégico de transformações o zoneamento econômico-ecológico. Este é
um caso típico onde devem ser também destacados a advertência e o alerta
apresentados nos parágrafos iniciais destas Considerações Finais, uma vez que
não é difícil observar como a ampla disseminação da ferramenta ZEE em meio aos
governos estaduais em suas interfaces com a escala nacional arrisca transformar-se
num uso meramente retórico e numa institucionalidade “de papel”. Os re-desenhos
institucionais propostos nessa Nota Técnica devem, portanto, ser considerados junto
com um empenho por fazer do ZEE uma ferramenta a serviço da vida vivida das
populações e comunidades amazônicas, considerando, em particular, sua
articulação com outras escalas espaciais através de redes e sua colocação a serviço
da articulação das políticas públicas, da inovação institucional e da desconcentração
da P&D.
Na interface entre as escalas nacional e local é destacado um vetor territorial
de transformações de muito forte impacto em todos os níveis, social, econômico e
ambiental: a reforma agrária. A Amazônia continua sendo uma região tipicamente
receptora de migrantes pobres e as políticas federais de reforma agrária tem papel
ponderável nessa configuração (entre 2003 e 2008, das 519.111 famílias
assentadas no Brasil, 68% o foram na Amazônia Legal, perfazendo um total de
354.733 famílias, os números falam por si). Uma política de desenvolvimento
promotora do desenvolvimento sustentável e situado na Amazônia precisa
urgentemente inserir uma dimensão territorial e o apoio da CT/I em seu
planejamento dos assentamentos de reforma agrária no território da Amazônia,
ainda localizados em meio à floresta, longe de estradas, sem acesso a mercados e
sem assistência técnica. A face mais perniciosa desse processo se revela na forte
evasão dos assentamentos e na submissão de famílias à condição de “laranjas” de
fazendeiros.
Na interface entre as escalas meso-regional e local destaca-se a
interiorização das políticas educacional, científica e tecnológica que atua como
veículo da dinâmica territorial. São ainda recentes e relativamente tênues estes
esforços no sentido de promover uma relativa desconcentração da CT&I no espaço
brasileiro e amazônico em particular. As Fundações Estaduais de Amparo à
50
Pesquisa (apoiadas nos Fundos Setoriais) e as redes colaborativas de pesquisa dos
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do MCT/CNPq sediados na região
podem contribuir com esse processo. Mas o elemento que se quer destacar é o
potencial estratégico de um ainda mais recente elenco de atores: os recém-
implantados novos campi universitários interiorizados de universidades federais e
estaduais. Estes novos atores podem dar decisiva contribuição para uma re-
configuração endógena do espaço amazônico, apoiada na internalização de CT&I ao
planejamento territorial com o fortalecimento das cadeias produtivas para utilização
da biodiversidade, acoplando conhecimento e produção desde o âmago da floresta
aos centros de biotecnologia avançada e à bioindústria, contribuindo para a
organização dos componentes das cadeias (comunidades extrativistas, mateiros,
extensionistas, educadores, incubadoras) em novos arranjos institucionais através
de projetos de extensão universitária e novos arranjos institucionais (tais como
parcerias com o Sistema S, com destaque para o SEBRAE).
A presente Nota Técnica teve por foco privilegiado de atenção as inovações
institucionais e seu papel no processo de desenvolvimento. Busca elencar um
relativamente amplo conjunto de proposições de inovações institucionais que
pudessem ter impacto facilitador sobre os caminhos amazônicos de
desenvolvimento. Nestas Considerações Finais são destacadas três das
proposições apresentadas de modo mais detalhado no texto. São elas:
1. Instituto do Coração Florestal Amazônico na forma de um arranjo
institucional envolvendo MCT, IPEA, centros de pesquisa e universidades nacionais
e regionais, BNDES, centros de pesquisa de empresas atuantes na região, e
organizações sociais (de produtores, trabalhadores e comunidades nativas). Este
think tank estratégico deve ter como missão prioritária, revendo a PNDR, o PAS e o
MACROZEE, propor um modelo territorializado de desenvolvimento para o Coração
Florestal, envolvendo inovações na produção, na logística e na questão urbana, e
também servir de fórum para sua crítica e validação.
2. Parque Tecnológico Florestal com a função de aprofundar o
conhecimento sobre a biodiversidade e conceber novos produtos abrigando centros
de pesquisa de empresas, e dar suporte a novos empreendimentos a partir de
incubadoras. Na Amazônia cabe ainda a esses Parques conceber inovações
51
incrementais para aproveitamento da biodiversidade em Áreas Protegidas e
comunidades extrativistas em geral, promovendo um modelo de economia florestal
em cadeias produtivas, apontando novas formas de organização e escalas para a
Reforma Agrária e novas metodologias para os Territórios da Cidadania. Este novo
arranjo institucional envolve em rede colaborativa a Secretaria de Inclusão Social do
MCT, A FIOCRUZ, o Instituto Butantã, o IBAMA/ICMBIO, a Embrapa, os campi
universitários interiorizados e o CBA. Um Parque Tecnológico do Cerrado é também
primordial.
3. Madeiramazon. Empresa estatal criada com a finalidade de coordenar
as atividades do extrativismo madeireiro na Amazônia Legal e sustar o
desflorestamento desordenado mediante solução adequada de áreas passíveis de
concessão de exploração e manejo, áreas para reflorestamento e promoção de
iniciativas para a industrialização avançada da madeira.
52
Referências
• BECKER, B. K. 1990. Amazônia. Editora Ática: São Paulo
• ___________. 2005. A organização dos programas para a Amazônia da
Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do
Ministério de Ciência e Tecnologia, On Line.
• ___________. 2009a. Articulando o complexo urbano e o complexo verde na
Amazônia. In: BECKER, B. K; COSTA, F. A; COSTA, W. M. (Org.). Um projeto
para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. 1 ed. Brasília, DF:
CGEE, v. 1, p. 39-86.
• __________. 2009b. Ciência, Tecnologia e Inovação Condição do
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. In: 4ª CNCTI, Sessão Plenária 1:
Desenvolvimento Sustentável. Brasil: MCT.
• ____________. 2010. Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia
Legal. Brasília: MMA, On Line.
• CAVALCANTE, L. R. 2011. Desigualdades Regionais em Ciência, Tecnologia
e Inovação (CT&I) no Brasil: Uma análise de sua evolução recente. Texto
para Discussão, 1574. Rio de Janeiro: IPEA
• COSTA, F. A. 2009. Trajetórias Tecnológicas como Objeto de Política de
Conhecimento para a Amazônia: uma metodologia de delineamento. Rio de
Janeiro: RBI, p. 35-86.
• LASTRES, H. M. M. et all. 2010. “O Apoio ao Desenvolvimento Regional e aos
Arranjos Produtivos Locais”. In: O BNDES em um Brasil em Transição. Rio de
Janeiro: BNDES, p. 437-451.
• LOMNITZ ADLER, L. 2009. Redes Sociais, Cultura e Poder. Rio de Janeiro: E-
Papers.
• SÁ, T. D. A. 2006. “Subsídios a uma agenda de pesquisa agropecuária e
florestal para a Amazônia”, paper apresentado no Fórum Regional para
Fortalecimento da Pesquisa Agropecuária na Região Amazônica, Belém,
8/11/2006. Brasília: Embrapa.
53
Amazônia Legal – Inovação Institucional para Articular CT/I e Planejamento Territorial
I – Coração
Florestal
Políticas/Planos/Instituições com Rebatimento Territorial
Globais Federais
Rede (presença institucional
na região)
Articulação territorial
e impacto
Demanda de CTI Inovação e/ou Arranjo
Institucional
Escala Conserv. Desenv. Conserv. Desenv.
Global/Nacional - Convenções:
Diversidade
Biológica;
IPCC;
Agenda 21;
- Big Science
(ICSU)
- Mercado
- Vale, Alcoa, etc
- Política
Climática
- Política
Ambiental
- Objetivos do
Milênio
- Petrobrás
- Vários Ministérios
-BNDES
- Instituições do MMA
- Secretarias estaduais
- Secretarias estaduais
- Bancos internacionais e
nacionais
- SNUC
- Proteção
- Mercado do carbono
- Exploração de
petróleo, minérios,
madeira e pecuária
- Desflorestamento
- Crescimento Urbano
- Bioenergia
- Definição de novo
modelo de
desenvolvimento:
Valorizar floresta
em pé; serviços
ambientais;
Agregação de valor
à produção
- Maior
conhecimento;
manejo florestal;
industrialização
- Criar sistema
urbano
- Instituto do Coração
Florestal (ICF)
- Regulamentar Lei da
Inovação
- Regular uso água na
Bacia Amazônica
54
Continental/Nacional - IIRSA
(Continental)
- PAC
- BNDES
- Eletrobrás
- Eletronorte
- Ministério dos Transportes
- Bancos públicos e
privados
- Sistema Logístico
- Desflorestamento,
migração
- Pólos logísticos de
fronteira potenciais
- Abandono
Transamazônica
Amazonense
- Compra de satélite
- Inovação logística
articulada à
produção/emprego/
contenção do
desmatamento/conec
tividade interna
- Ordenar uso da
terra e das cidades
- Planej. desenv.
Transamazônica
Amazonense
- Instituto Coração
Florestal (ICF)
- Madeiramazon (org.
exploração sustentável
madeira e etanol)
- BNDES: Desenv.
integrado no entorno de
grandes projetos
- Associação de
municípios
I – Coração
Florestal
Políticas/Planos/Instituições com Rebatimento Territorial
Globais Federais
Rede (presença institucional
na região)
Articulação territorial
e impacto
Demanda de CTI Inovação e/ou Arranjo
Institucional
Escala Conserv. Desenv. Conserv. Desenv.
Sub-nacional ou
Macrorregional
- Sistema Urbano
- PNDR
- PAS
- Macrozee
- PAC
_____
_____
- Secretarias estaduais de
meio ambiente
- Sistema urbano
- Desflorestamento;
- “Inchação”
- 3 mesorregiões
- Influência na
regulariz. fundiária
- Reconhecimento
da diversidade da
Amazônia Legal –
grandes unidades
- Construir redes
- Inovação logística
- Revisão conceito
de região
- Detalhamento
estratégias
- Complementares
- Estratégias
- Hierarquização
serviços saúde e
educação; conexão
cadeias produtivas.
IBGE, IPEA, Univers.
- ICF – criar rede
- ICF – criar rede
- ICF – ativar rede
55
Nacional/
Mesorregional
- PNUMA
- PNUD
- ONGS
- Mercado
- IBAMA
- ICMBIO
- ZEE estaduais
- PPCDAM
- PAC
- Zonas Franca
- Fragmentada
- Estados da Amazônia
ocidental, Macapá e Santana
no Amapá
- SNUC
- Áreas protegidas
- Extrativismo em geral
- Todos os estados
- INPE em Belém
- ZEE
- Desflorestamento
- Manaus –
dinâmica. As
demais, sem ação
- UCs e Terras
Indígenas: proteção
limitada aos recortes
existentes, sem
geração de trabalho
e renda; conflito
fundiário e cultural
- Fraco
- Base tecnológica
avançada
- Construir rede
- Atualizar Manaus
como cidade
mundial a partir de
serviços ambientais.
Iniciar as demais.
- Fortalecer redes de
pesquisa
biodiversidade
- Fortalecer função
social
- Modelos economia
da floresta
-Organizar produção
em cadeias
produtivas;
- Formas de
urbanização (dentro
das UCs, fora, rede)
- Localização de
bases tecnológicas
no interior
- Articulação com
dinâmica
socioeconômica
- Necessidade de
ampliar
classificação e
detalhamento
espécies para
- Similar ao anterior
- Em Manaus, dar novo
rumo à pesquisa; equipar
com serviços
financeiros; criar bolsa
de valores
- Desburocratizar acesso
aos recursos e pesquisas
extrativismo
- Aproximação Univ./
comunidades para
transferir tecnologias
- Regularização fundiária
das UCs
- Parc. público/privada
/comunitárias (AC)
- Parque Tecnológico da
Floresta: MCT, Séc.
Inclusão Social, redes
pesquisa, CBA, Fiocruz,
Butantã, Ibama/ICMbio,
Embrapa, Universidades
- Articulação com
demais políticas públicas
56
- Serviço Florestal (gestão de
florestas públicas)
- BR 163 Sustentável
- Fundações Amparo à Pesquisa
- IBAMAs estaduais
- ZEEs estaduais
- Secretarias estaduais
- Concessões
indevidas em áreas
de floresta densa
- Desflorestamento
- Dinamização da
CT/I
detectar
desmatamento,
melhor
monitoramento e
fiscalização
- Necessidade
reconhecer
diferenciação
interna da região –
exploração só na
floresta aberta e
cerrado
- Implementar o
ZEE e consolidar
distrito florestal
- Fortalecer
autonomia
- Centro continental ou
Madeiramazon
- ICF
- MCT
I – Coração
Florestal
Políticas/Planos/Instituições com Rebatimento Territorial
Globais Federais
Rede (presença institucional
na região)
Articulação
territorial e impacto
Demanda de CTI Inovação e/ou Arranjo
Institucional
Escala Local Conserv. Desenv
.
Conserv. Desenv.
Nacional/
Municipal
-
Convenções
- Reforma Agrária
- Territórios da Cidadania
- Assentamentos
- Municípios
- Sem acesso a
estradas e ao
mercado, sem
assistência técnica
- Ainda sem efeito
- Novas formas de
organização com
escala e localização
que viabilizem sua
sobrevivência;
produção
agroflorestal
- Parque Tecnológico da
Floresta
- Parque Tecnológico da
Floresta
57
Comunitária - Inovações Sociais
- Bottom up
- Tentativas - Localizado,
positivo
- Estímulo a
inovações
incrementais
- Similar a Áreas
Protegidas
- Importância dos campi
universitários
II – Margem da Floresta
Escala
Políticas Globais Políticas Federais Rede (presença
institucional na
região)
Articulação territorial
e impacto
Demanda de CT/I Arranjo
Institucional Conserv. Desenv. Conserv. Desenv.
Global/
Nacional
- Convenções
- Mercado
- Política
Climática
- Objetivos do
Milênio
- Ministérios
- BNDES
- PNUMA, PNUD,
ONGs, Instituições,
MMA
- Secretarias
Estaduais
- Proteção
- Exploração de
madeira
- Expansão pecuária
- Desflorestamento
- Bioenergia
- Articulação com
demanda
socioeconômica
- Conhecimento; manejo
florestal;industrialização
- Métodos intensificação
produção
- Reflorestamento
- Localização, escala
- Criar empresa
Madeiramazon para
organizar a
exploração
sustentável da
madeira até
produção etanol ou
centro internacional
- ICF
- ICF
- ICF
Continental/
Nacional
- IIRSA - PAC
- BNDES
- Eletrobrás
- Eletronorte
- Ministérios dos
Transportes
- Bancos públicos e
privados
- Sistema logístico
Complexo Tapajós
- Desflorestamento,
migração inclusive
fronteiras Peru e
Bolívia
- Pólos logísticos
Rondônia e Acre
- Inovação logística
- Pesquisa contra
impactos
- Criar novas atividades
econômicas sustentáveis
- Ordenamento do uso
da terra e das cidades
- Madeiramazon
- BNDES –
Desenvolvimento
integrado no
entorno grandes
projetos
58
- fortalecer redes
pesquisa
- Estímulo à
inovação
Nacional/
Mesorregional
- Planejamento
Ambiental
- ZEE estaduais
- Fundações de
Amparo à
Pesquisa
- Serviço
Florestal
- Petrobrás
- Minas/Energia
- Empresas
- Rede cidades
- ONGs
- Institutos MMA
-Todos os estados
- Secretarias
estaduais
- IBAMAs estaduais
- Secretarias
estaduais
- Bancos
- Fragmentada
- Áreas Protegidas
- Fraco
- Dinamização da CT/I
- Concessões pouco
numerosas e recentes
- Expansão de
bioenergia, dendê em
áreas alteradas;
desterritorialização
pequenos produtores
- Risco
desflorestamento
- “Inchação”
-Proteção limitada aos
recortes existentes, sem
geração de trabalho e
renda; conflito fundiário
e cultural
- Articulação com
dinâmica
socioeconômica
- Fortalecer autonomia
- Manejo florestal
- Modelos híbridos para
aproveitamento múltiplo
recursos floresta
- Novos modos de
certificação, não tão
onerosos
- Assegurar posse terra a
pequenos produtores
- Construir rede
- Parque
Tecnológico da
Floresta
- Articulação com
as demais políticas
- MCT
- Centro
Internacional
Madeiramazon
- Criar empresas
certificadoras
nacionais
- Criar empresas
certificadoras
nacionais
- MCT/Casa
Civil/BNDES,
induzir à
agregação de valor
na região
59
- Hierarquização
serviços saúde e
educação; conexão
cadeias produtivas.
IBGE, IPEA,
univers.
Nacional/
Local
- Reforma
Agrária
- Territórios da
Cidadania
- Assentamentos
- Municípios
- Sem acesso a
estradas e ao mercado,
sem assistência técnica
- Ainda sem efeito
- Novas formas
organização com escala
e localização para
viabilizar sobrevivência
- Parque
Tecnológico do
Cerrado
Local / Comunitário - Inovações
sociais
- Tentativas - Localizado - Estímulo a inovações
incrementais
- Similar a Áreas
Protegidas
- Importância dos
campi
universitários
III- Cerrado Políticas, Planos, Instituições
Globais Federais
Rede (presença
institucional na
região)
Articulação
territorial e impacto
Demanda CT/I Arranjou e/ou Inovação Institucional
Escala Conserv. Desenv. Conserv. Desenv.
Global/Nacional - Convenções
- Mercado
- Empresas do
Agronegócio
- Embrapa
- Ministério da
Agricultura
- PNUMA, PNUD,
ONGs,
Instituições, MMA
- Escritórios
regionais
- Agronegócio –
desmatamento
- Pecuária -
desmatamento
- Industrialização
- Métodos
intensivos de
produção
- Parque Tecnológico do Cerrado:
MCT/ICMBIO/Comcerrado, Embrapa,
Univers., BNDES
60
- Criação de UCs
Continental/
Nacional
- Importação de
energia no MT
- Energias
renováveis
- Áreas alteradas
- Energias renováveis e reflorestamento
em áreas alteradas
Nacional/
Mesorregional
- IBAMA
- Minas/Energia
- Embrapa
- Petrobrás
- Rede Cidades
- Ibamas estaduais
- Secretarias
estaduais
- Em organização
- Reflorestamento
áreas alteradas
- ZEE
- Bioenergia em
áreas alteradas
- Desiguais
- Seleção de
espécies e de
locais
- Articulação
com demais
políticas
- Seleção de
processos, de
produtos e de
locais
- Consolidar rede
- Parque Tecnológico do Cerrado
- Hierarquização serviços saúde e
educação; conexão cadeias produtivas.
IBGE, IPEA, Universidades
Local/
Municipal
- Reforma
Agrária
- Territórios da
Cidadania
- Assentamentos - Dispersão; miséria
- Modelo para
gerar emprego e
renda; produção
de alimentos
- “Comcerrado”
Comunitário - Bottom up - Tentativas - Localizado - Estímulo a
inovações
incrementais
- “Comcerrado”
61
Planejamento de CT/I sem Dimensão Territorial
Planejamento de CT/I sem
Dimensão Territorial
Instituições Impacto Territorial na Região
(Conhecimentos Setoriais)
Demanda de CT/I Inovações e/ou Arranjos Institucionais
Escala regional
Programa Ciência, Sociedade e
Natureza
• MCT/Seped:
- LBA
- GEOMA
- PPBIO
- Costa Norte
• MMA/MDIC/MCT
- CBA
- Conhecimento de processos
climáticos/hidrológicos
- Conhecimento de processos
naturais/sociais, tentativa
articulação com políticas públicas
- Conhecimento biodiversidade
- Conhecimento zona costeira
- Estagnado
- Plataforma pesquisa água
- Aprofundar articulação políticas
públicas
- Pesquisas saúde
- Ativar pesquisas
- Articulação empresas/
comunidades
- Sinergia, complementaridade dos projetos; um
comitê coordenador dos três primeiros projetos
- Dimensão territorial: convergência de pesquisas
em territórios comuns
- LBA /GEOMA/INCTs/Mamirauá
- GEOMA/INCTs/IPEA/BNDES
- PPBIO, Ipepatro, Fiocruz, Butantã, I. Evandro
Chagas
- Integrar no Parque Tecnológico da Floresta