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    N 121 - Ano 10/11

    ISSN 0103-8109

    A V A L I A O D E P R O J E T O S D E L E I

    PEC 300 E SEUS DERIVATIVOS

    sse nmero de NOTAS examinaum problema recorrente na

    legislao brasileira, qual seja o defixar piso salarial para diversascategorias de trabalhadores. O

    objeto de anlise nesse caso oProjeto de Emenda Constitucionaln 300, originrio da Cmara dosDeputados em 04-09-2008, e oProjeto de Emenda Constitucionaln 446, originrio do Senado Fe-deral em 08-12-2009. Os dois pro-jetos tratam de alterar a redaodo 9o do artigo 144 da Consti- tuio Federal. O artigo 144 fazparte do Captulo III, Da SeguranaPblica, e o referido pargrafo trata

    da remunerao dos servidoresdos seguintes rgos: polcia fe-deral, polcia rodoviria federal, po-lcia ferroviria federal, polciascivis, polcias militares e corpos debombeiros. As condies gerais deremunerao so fixadas pelo 4odo artigo 39, que se refere ob-servncia do disposto no artigo 37,X e XI. Para os servidores integran- tes das polcias civis, polcias mili- tares e corpos de bombeirosmilitares as remuneraes so ne-

    cessariamente fixadas por lei espe-cfica, observada a iniciativa priva- tiva em cada caso, respeitados os tetos definidos a partir da remu-nerao mensal do Governador.

    A idia central do PEC 300 eraequiparar as remuneraes dosservidores policiais civis e milita-res, assim como dos bombeirosmilitares, dos estados da federaos remuneraes dos correspon-dentes servidores do Distrito Fe-deral, porque pela Emenda Cons-

    titucional n 19 de 1998 a organi-zao e a manuteno das polciase do corpo de bombeiros do Dis- trito Federal passaram a ser res-

    ponsabilidade da Unio. Assim, amotivao para o principal pleito doPEC 300 originou-se de duas Me-didas Provisrias (308 de 2006 e401 de 2007), transformadas emleis (n 11.361 de 19-10-2006 en 11.663 de 24-04-2008), asquais fixaram os subsdios dos car-gos de carreiras considerados peloPEC 300 muito acima das corres-pondentes remuneraes na maio-ria dos estados.

    Sensibilizados com o lobby dos

    servidores interessados e por en-tenderem que o PEC 300 incons-

    titucional, uma vez que o Legis-lativo, com sua aprovao, estariacriando despesa de responsabilida-de do Executivo, os Senadores

    aprovaram, em 2008, o PEC 41,que cria piso salarial nacional paraas polcias civil e militar e para ocorpo de bombeiros militares, massem estabelecer valores para taispisos, os quais seriam fixados emlei proposta pelo Poder Executivo.Em 8 de dezembro de 2009 o PEC41 do Senado foi enviado Cma-ra, onde recebeu o nmero 446.

    Assim, a partir do incio de 2010os dois projetos passaram a serexaminados pela Cmara de forma

    conjunta.

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    Alm de contornar o problemada constitucionalidade, o PEC 446procurou evitar a impossibilidadeoramentria do pagamento dosmnimos pelos Estados. A soluofoi semelhante adotada em 2008,quando da aprovao da Lei n11.738, que estabeleceu o piso sa-larial profissional nacional do ma-gistrio pblico da educao bsica.Repasses do Fundeb para os esta-dos e municpios que no tivessemcondies oramentrias para hon-rar os mnimos de remuneraoestabelecidos para os professoresforam garantidos pela lei at 2010,quando todos os estados e munic-

    pios deveriam estar ajustados or-amentariamente s exigncias dalei. Entretanto, segundo levanta-mento do Conselho Nacionalde Secretrios de Educao(CONSED) divulgado no final desetembro do corrente ano, os es-tados de Alagoas, Amap, EspritoSanto, Gois, Rio Grande do Sul eRoraima no respeitam o piso sala-rial legal. Alm disso, h depoi-mentos de professores das cincoregies do Pas que relatam o

    descumprimento da lei em seusestados ou municpios.Desse modo, o PEC 446 deter-

    mina que caber Unio, na formada lei, pagamento complementarde modo a que a remunerao m-nima seja observada em todo o ter-ritrio nacional. Portanto, a lei queregulamentar o piso remuneratrioprevisto dever disciplinar a com-posio e o funcionamento do fundocontbil institudo para esse fim, in-clusive no tocante ao prazo de suadurao, a ser formado com base em percentual das receitas tributriasfederais. Alm disso, o projeto es-tabelece que a implementao efe- tiva do piso salarial objeto dessePEC ser gradual, segundo priori-dade definida pelo Poder Executi-vo Federal, mas ter incio em nomximo um ano aps a aprovaoda corrente emenda.

    Da apreciao conjunta dos doisprojetos emergiu na Cmara aEmenda Aglutinativa SubstitutivaGlobal No 1, que incorpora ao PEC300 as correes impostas peloPEC 446, exceto pela adio de umpargrafo nico ao artigo 97 (in-cludo no Ato das DisposiesConstitucionais Transitrias), o qualexplicita a iniciativa do ExecutivoFederal na implementao do piso

    salarial:At que a lei federal instituao piso nacional previsto no 9o doArt. 144 desta Constituio e o n-dice de reviso anual, o valor para omenor cargo ou graduao ser deR$ 3.500,00 (trs mil e quinhentosreais) e de R$ 7.000,00 (sete milreais) para o menor posto.

    Em 6 de julho do corrente ano,quando seria votada a Emenda Aglutinativa N 1, esta foi subs- tituda pela Emenda AglutinativaNo 2, que foi aprovada em primeiro turno. Ela estabelece que o pisosalarial para os servidores policiaise bombeiros ser determinado emlei federal que disciplinar a com-posio e o funcionamento de fun-do contbil para tal fim, assim

    como seu prazo de durao. OPoder Executivo tem o prazo de180 dias aps a aprovao da emen-da para encaminhar o projeto delei nela referido. evidente que oprocesso ainda no acabou e, porisso mesmo, importante umareflexo sobre a imposio legal depisos salariais, um caso particularde controle de preos.

    Tinha-se a impresso de queaps o Plano Cruzado no haviamais espao para o controle depreos no Brasil. Infelizmente,ainda padecemos desse mal. Con-trole de preo uma agresso aosdireitos de propriedade, mas como

    os brasileiros pouco valorizam osdireitos de propriedade os gover-nos adotam esse procedimentocom o apoio da populao e, emmuitos casos, a seu pedido. Osexpedientes mais comuns de con-trole de preos so a fixao de umpreo-teto ou de um preo-piso.O congelamento do preo em umdeterminado nvel parece estardefinitivamente descartado da caixade ferramentas do administradorpblico no Brasil.

    A comercializao de um bemsob a restrio legal de um preo- teto implica que nenhuma transa-o poder legalmente ocorrer aum preo superior quele definidocomo teto. Assim, para ser efetivo,isto , implicar restrio s opera-es de mercado, o preo-teto hque ser fixado abaixo do preo quese estabeleceria no mercado. Por- tanto, o preo-teto favorece ocomprador por tornar o preo decomercializao do bem ou doservio artificialmente baixo. Entre-tanto, o baixo nvel do preo-tetoestimular os compradores, pro-duzindo inevitavelmente um exces-so de demanda. Esse excesso dedemanda, provocado pela imposi-o de um preo-teto, ser perma-nente, uma vez que o preo nopode ser elevado para conter ompeto dos compradores.

    SENSIBILIZADOSCOM

    OLOBBYDOSSERVIDORES

    INTERESSADOSE

    PORENTENDEREM

    QUEO PEC 300

    INCONSTITUCIONAL, UMA

    VEZQUEO LEGISLATIVO,

    COMSUAAPROVAO,

    ESTARIACRIANDODES-

    PESADERESPONSABILI-

    DADEDO EXECUTIVO, OS

    SENADORESAPROVARAM,

    EM 2008, O PEC 41.

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    Compradores frustrados porno conseguirem o produto ou oservio pelo qual esto dispostosa pagar mais do que lhes cobradoabrem o caminho para o desenvol- vimento de mercados negros. Oseconomistas definem mercadonegro como sendo um mercadocujas operaes ocorrem fora dosistema legal. Assim, possvelcomercializar bens e servios ile-gais ou legais em um mercado ne-gro. A natureza ilegal do mercado evidente quando o produto ou oservio ilegal, como no caso deprodutos roubados, pirateados,drogas ilegais, etc., e muitos com-

    pradores se recusam a participardesse tipo de mercado. Entretanto,quando o mercado negro transa-ciona bens ou servios legais a pre-os e condies ilegais, as restri-es morais a participar dessemercado so menos evidentes maioria da populao. E exata-mente essa percepo de que noh nada de errado em pagar umpouco mais por um bem ou servi-o para que ele lhe seja dispo-nibilizado que promove o ajusta-

    mento nos mercados sujeitos imposio legal de um preo-teto.Os agentes econmicos, a um

    custo moral percebido ou no, con-tornam, a um custo econmico, asdistores impostas ao mercadopelo preo-teto, permitindo que aquantidade oferecida se compa- tibilize com a quantidade deman-dada. Entretanto, a distoro intro-duzida pelo preo-teto, emboracontornada no curto prazo, no foieliminada. As consequncias dopreo-teto so os desestmulos ainvestimentos associados aos bensou servios sujeitos a tal controle.O chamado dficit habitacional dehoje em parte devido a anos deimposio de preo-teto aos alu- guis residenciais.

    A imposio de um preo-pisoimpede a comercializao do bemou servio a um preo inferior aoestabelecido como piso. Para ser

    efetivo, o preo-piso precisa serfixado acima do preo que preva-leceria no mercado antes de suaimposio. Desse modo, necessa-riamente um preo-piso efetivo

    provocar um excesso de oferta.Tal excesso de oferta s ser aco-modado por meio de um mercadonegro, isto , transaes, ainda quede bens e servios legais, ocorre-ro sob preos ou condies ile-gais. Os exemplos mais expressi- vos de preos-piso so os preosmnimos de produtos agrcolas e osalrio-mnimo.

    O preo-piso na agricultura temsido defendido como um instru-

    mento de garantia de renda ao agri-cultor, uma vez que este tem a ga-rantia do governo de que, quais-quer que sejam as condies domercado na poca da comercia-lizao, ele comprar toda produ-o que lhe for oferecida ao preomnimo. O problema est na fixa-o do preo mnimo pela buro-cracia do setor pblico, sujeita ainjunes de natureza poltica. Sefixado em nvel baixo o preo m-nimo pode ser incuo, e se fixado

    em nvel elevado pode implicar acompra pelo governo de toda aproduo. Por isso mesmo procu-ra-se justificar o preo-piso de pro-dutos agrcolas como um redutorde risco para o agricultor, que de-cide o quanto plantar muito antesde saber a que preo pode vender.O preo-piso trunca a distribuiodo preo esperado em sua parteinferior, reduzindo a varincia des-se preo esperado e aumentandosua mdia. Mercados futuros, en- tretanto, so mais eficientes noprovimento de informao sobrepreos a prevalecer no futuro.

    O salrio-mnimo , sem dvida,o preo-piso de maior impactosobre uma economia. Geralmente justificado como instrumento deproteo aos trabalhadores menosqualificados. Entretanto, sua impo-sio acaba por prejudicar as pes-soas que deveriam ser protegidas

    pelo salrio-mnimo. H muitosmercados de trabalho, assim comoocorre com qualquer bem ou ser-

    vio considerado de maneira agre-gada. H, segundo a rea de influ-

    ncia, mercados de trabalho: local,regional, nacional, internacional. Osmercados de trabalho podem ain-da ser classificados segundo a pro-fisso, conforme a especializao ediversos outros atributos exigidospelas mais diversas ocupaes. Sode particular interesse o mercadode trabalho segundo sua rea deinfluncia e o de trabalhadores noqualificados.

    Embora criado em 1936 com

    o objetivo de garantir uma rendaao trabalhador capaz de cobrirseus gastos com todas as necessi-dades bsicas de sua famlia, os va-lores para os salrios mnimos sforam fixados em 1o de maio de1940. Essa demora era uma indi-cao clara de que o objetivo dosalrio-mnimo no era factvel paraa realidade da poca. O Pas foi di-

    vidido em 22 regies que, por sua vez, foram divididas em 50 sub-regies. A cada sub-regio foi atri-

    budo um salrio-mnimo em umtotal de 14 valores diferentes, sen-do que o maior valor era 2,67 ve-zes o menor valor. Em 1984 foi ins-

    titudo um nico salrio-mnimopara todo o territrio nacional. Aunificao do salrio-mnimo am-pliou as distores que esse pre-o-piso introduzia no mercado de

    trabalho, principalmente nos locaisnos quais a disparidade entre o sa-lrio-mnimo e o que seria o sal-rio de mercado eram mais acen-

    tuadas.A Constituio Federal aprova-

    da em 1988, em seu Captulo II,Dos Direitos Sociais, se refere aosalrio-mnimo e ao piso salarial nositens IV e V do artigo 7:

    Art. 7 So direitos dos trabalha-dores urbanos e rurais, alm deoutros que visem melhoria de suacondio social:

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    IV - salrio-mnimo, fixado em lei,nacionalmente unificado, capaz deatender s suas necessidades vitaisbsicas e s de sua famlia com

    moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene,transporte e previdncia social,com reajustes peridicos que lhepreservem o poder aquisitivo, sen-do vedada sua vinculao paraqualquer fim;V - piso salarial proporcional ex-tenso e complexidade do tra-balho;

    Desta forma o salrio-mnimocontinua nacional e nico. Entretan- to, a Lei Complementar N 103,de 14 de julho de 2000, estabele-ce a possibilidade de os Estados eo Distrito Federal institurem, me-diante lei de iniciativa do Poder Exe-cutivo, o piso salarial de que trata oinciso V do art. 7 da ConstituioFederal para os empregados que notenham piso salarial definido em lei federal, conveno ou acordo cole-tivo de trabalho. Quatro Estados jaderiram fixao de piso salarial:

    Rio de Janeiro, So Paulo, Rio Gran-de do Sul e Paran, e a expectativa que em breve todos os estadossigam esse procedimento, tornan-do o salrio-mnimo nacional umareferncia fiscal, judiciria e previ-denciria. Como os estados podemfixar pisos salariais, exceto quandoeste for definido em lei federal oupor meio de conveno ou acordocoletivo, as leis que emanam dosexecutivos estaduais esgotam a lis-ta das ocupaes do IBGE agrupa-das em trs faixas em SP, em qua- tro faixas no PR e RS e em novefaixas no RJ. Assim, todo e qualquertrabalhador que procura empregoest desamparado por um salrio-piso.

    O salrio-piso, por si s, umadistoro imposta ao mercado detrabalho que acaba por prejudicaros trabalhadores menos qualifica-dos da categoria contemplada como piso. Sua imposio diferenciada,

    nos mais variados segmentos domercado de trabalho, gera umadistoro nos salrios relativos,entre os diversos segmentos do

    mercado, a qual afeta especialmen-te os trabalhadores que entram nomercado e que possuem poucaexperincia.

    Se comparada aos salrios-pisoestaduais, a distoro adicionaltrazida pelo PEC 300 e seus deri-vativos semelhante de um sal-

    rio-mnimo nacional. As condiesnos mercados de trabalho esta-duais ou locais diferem substanci-almente, de modo que a imposio

    de um salrio-piso igual para todosesses mercados dever produzirdistores que implicaro maiorescustos para a sociedade. Em pri-meiro lugar, um valor nominal igualpara todos os estados representavalores reais (isto , poder de com-pra) diferentes, uma vez que ocusto de vida no igual em todosos estados, nem mesmo nos dife-rentes municpios de um mesmoestado. Em segundo lugar, um ni-

    co salrio-piso para todo o pas nosignifica unificao desses seg-mentos especficos do mercado de

    trabalho, uma vez que a entrada

    nesse mercado no livre, por-quanto depende de concurso p-blico com critrios especficos paracada localidade. E, talvez mais im-portante, sob o ponto de vistaoperacional os custos desses pisossalariais podem inviabilizar a manu-

    teno do contingente policial e debombeiros adequado realidade doEstado. Isso poder implicar au-mento de carga tributria.

    Assim, se os trabalhadores nes-ses segmentos de mercado dese-jam ampliar suas oportunidades de

    trabalho melhor seria que plei- teassem um sistema nico de in- gresso nessas corporaes polici-ais e de bombeiros. Da mesma for-ma que um marceneiro um mar-ceneiro em qualquer estado doBrasil, um policial passaria a ser umpolicial em qualquer estado, e issolhe conferiria a mesma mobilidadeque tem o marceneiro. Dessemodo, se os salrios de delegado

    fossem maiores em So Paulo doque no Rio de Janeiro, delegadosdo Rio, dependendo do diferencialde salrios, se disporiam a se trans-ferir para So Paulo. Se um tenenteda polcia militar do Rio de Janeiropreferir uma vida mais pacata em

    Arapiraca ele poder pleitear sua transferncia, caso haja vaga, masseguramente ter uma menor re-munerao pecuniria.

    Portanto, NOTAS recomenda ano aprovao do PEC 300 e seusderivativos, ainda que sob a formada Emenda Aglutinativa No 2. Aimposio de um salrio-piso emqualquer mercado de trabalho dis-crimina contra os menos qualifica-dos por impedir-lhes acesso aoemprego. No h qualquer argu-mento que justifique a imposiode um salrio-piso nacional. A ni-ca isonomia compatvel com umasociedade de homens livres aisonomia perante a Lei.

    NOTASRECOMENDA

    ANOAPROVAODO

    PEC 300 ESEUS

    DERIVATIVOS,AINDAQUE

    SOBAFORMADA

    EMENDAAGLUTINATIVA

    NO 2. AIMPOSIODE

    UMSALRIO-PISOEM

    QUALQUERMERCADODE

    TRABALHODISCRIMINA

    CONTRAOSMENOS

    QUALIFICADOSPOR

    IMPEDIR-LHESACESSO

    AOEMPREGO.