Notas de um percurso pela barbárie

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1 POSTAIS PARA CHARLES LYNCH (NOTAS DE UM PERCURSO PELA BARBÁRIE) Coletivo Garapa

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Este ensaio complementa o projeto “Postais para Charles Lynch”, realizado pelo Coletivo Garapa como resultado da Bolsa ZUM/IMS de Fotografia, recebida em 2014.

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POSTAIS PARA CHARLES LYNCH(NOTAS DE UM PERCURSO PELA BARBÁRIE)

Coletivo Garapa

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“A mais triste nação/ na época mais podre/

compõe-se de possíveis/ grupos de linchadores.”

Caetano Veloso (O Cu do Mundo)

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DEPOIMENTO

Eu chamo isso de violência. Pá pum. Mas, assim, não aquela que mostram

na TV, tiro, metralhadora. Quer dizer, faz parte, só que vem antes. Bem

antes. (…) Antes da polícia, do repórter, da porrada toda. A TV ajuda, mas

essa vem de dentro. (…) Ah, de dentro, do coração, do fígado, vai saber, na

cabeça é que não tá. Quer dizer, na verdade acho que tá bem embaixo da

pele. Fica ali, quietinha, finge que tá dormindo. O senhor já sentiu isso,

não vai dizer que não. (…) É uma força, só, um sentimento. Tá dentro do

ser humano. Todo mundo mesmo. E também não tem a ver com ódio, não.

Quer dizer, ódio é outro sentimento, né? Amor também. Alegria, fome,

medo. Sentimento. Não é que seja de todo ruim. Só é outra coisa. (…) Não,

não tem a ver com bicho, não. Quer dizer, tem e não tem. É que bicho não

pensa. Bicho deu vontade vai lá e ataca. Deu medo vai lá e foge. E na gente

ela tá ali, quieta, do lado da consciência. Nuns mais, noutros menos. A

gente até sabe, mas faz que não. Aquele dia eu fui lá e arrebentei, nem

pensei. Que nem bicho. Disseram que era caso de estupro. (…) Sei lá se

era mesmo, mas estupro é foda, né? (…) O senhor não tá com medo? Eu

não sou violento. Tem gente que é. Uns mais, outros menos. Mas ela é

matreira. Uma hora formiga, o sangue borbulha e pá. (…) Você vê, depois

que passa o cara não quer mais nem lembrar. Não é fingir que não acon-

teceu, não. Mas parece que apaga. (…) Foi. Foi ela que fez eu entrar nessa

história. (…) Essa história aí, que o senhor quer saber. Foi ela. A violência.

(…) Parece que apaga. (…) Mentira, apaga nada. Tô lembrando de tudo.1

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UM PUNHADO DE PERGUNTAS

A repetição insistente da palavra “barbárie”, como no jogo

barbariebarbariebarbariebarbar..., pode acabar por esva-

ziar o seu sentido? Expandindo o alcance da pergunta:

em que medida a superexposição às imagens da violência

nos afeta em relação aos eventos registrados? Esse afetar

acontece no sentido da ação ou da imobilidade, da me-

mória ou do apagamento? Até que ponto o espectador é

ou não cúmplice e também perpetrador da violência que

consome em noticiários e redes sociais? Qual é o instin-

to pornográfico que nos impele a esse consumo? Se a tor-

rente de imagens da violência é inelutável, como então

lidar com ela de forma crítica, combatendo a anestesia?

Como questioná-la? Por fim, como conjugar, no trabalho

artístico que se debruça sobre o tema, uma dimensão

documental (o trágico) a uma camada estética (o belo)?

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UMA ETIMOLOGIA DA BARBÁRIE

De forma corriqueira, costuma-se ler o termo “barbárie”

como um quase-sinônimo do caos: o lado avesso da civili-

zação. Não surpreende, então, que a palavra seja encontra-

da já na República de Platão, obra filosófica que institui as

bases da civilização ocidental. Na República, Platão faz Só-

crates dizer que os gregos (ou helenos, o conjunto dos po-

vos que descendem de um mesmo ancestral mítico, Hélen)

fazem parte da mesma família, ao passo que os bárbaros

(os povos não-helênicos) pertencem a famílias “diferentes

e estranhas”. Assim, quando gregos lutam contra bárba-

ros, Platão diz que guerreiam, por serem inimigos natu-

rais; quando os povos gregos lutam entre si, que a Grécia

está doente: “denominaremos discórdia essa inimizade.”2

O bárbaro nasce, portanto, de um estigma: é o outro, que

não se expressa como nós, não compreende os valores ci-

vilizados; é também aquele que vive às custas do desejo

e do seu caos interior3, um ser arredio que despreza os

valores da sociedade: o selvagem, aos olhos da civilização.

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Desde a Grécia e Roma antigas, a humanidade civilizada

teve a necessidade, para se reconhecer como tal, de ne-

gar o seu lado bárbaro (como sugere a ideia de uma Grécia

doente que sofre com a discórdia entre irmãos) e elevar o

homem além da própria barbárie. Mas o que escapa nas

entrelinhas dos escritos gregos é que a barbárie represen-

ta não o avesso da civilização, como o discurso tenta supor,

e sim o outro lado do espelho. O bárbaro, estigmatizado

no papel de escravo ou de estrangeiro, não passa de uma

projeção deformada da violência inata da civilização sobre

o mundo primitivo do qual ela se afasta.4

O suplício de DamiensAutor desconhecido

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FOUCAULT NA ERA DO YOUTUBE

Em 1975, Michel Foucault publicou, na França, a primeira edição de “Vi-

giar e Punir”, uma análise dos mecanismos que orientaram as transfor-

mações sofridas pelos sistemas penais (em especial o francês) na era mo-

derna. São mudanças estruturais que atravessam a História e chegam até

a sociedade contemporânea – entre elas, a substituição gradual da puni-

ção como espetáculo público (a tortura e o suplício) pelo disciplinamento

do corpo nas prisões. O corpo supliciado é escamoteado, diz Foucault:

penetramos na época da sobriedade punitiva.5

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O livro começa com a citação de um fragmento que narra o suplício e a

execução pública, na França pré-Revolução, de Robert-François Damiens,

sentenciado pelo Parlamento de Paris depois de golpear com uma faca o

rei Luís XV:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir

perdão publicamente diante da porta principal da Igreja

de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa

carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera

acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça

de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado

nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão

direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio,

queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será

atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente,

piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente,

e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro

cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo,

reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.6

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Em 2007, 250 anos depois da execução de Damiens, um homem é acusa-

do de roubar um celular na periferia de Belém, estado do Pará. A descri-

ção abaixo foi feita por Danielle Rodrigues, socióloga do Rio de Janeiro, a

partir de um vídeo encontrado no YouTube:

A população se aglomera em torno dele, um negro aparen-

tando ter por volta de 30 anos, retira suas roupas e o deixa

apenas com os trajes íntimos. Tudo se processa em uma larga

rua asfaltada, onde aproximadamente 30 moradores tentam

capturá-lo. O homem corre de um lado para o outro, mas, em

todas as direções, encontra pessoas dispostas a imobilizá-lo.

Os perseguidores, ao não conseguirem prendê-lo devido a

sua rapidez, começam a usar diversos objetos para agredi-lo

à distância. Atiram pedras e pedaços de madeira na tentativa

de acertá-lo. Alguns lançamentos atingem o alvo e o ferem.

Graças às feridas, o sangue começa a ficar visível. O homem

continua correndo de um lado para o outro, tentando escapar,

porém cada vez mais pessoas se aglomeram em torno dele

tentando encurralá-lo. Já cansado de correr, ele se encolhe em

frente ao portão de uma casa cobrindo o rosto, de maneira in-

defesa. Nesse momento, um homem se aproxima e lhe dá uma

paulada forte na cabeça. A multidão grita em comemoração.7

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Há diferenças fundamentais entre os dois relatos, é claro – por exemplo,

o fato de Damiens ter sido executado pela Coroa francesa por esfaquear

o rei, enquanto o homem de Belém foi sentenciado e linchado pelos pró-

prios moradores (seus pares) por conta de um delito menor. Mas, apesar

da distância no tempo e no espaço e das diferentes metodologias utiliza-

das, uma característica que aproxima os dois eventos é a função que a

punição pública adquire enquanto espetáculo.

As mudanças analisadas por Foucault eram vistas, nos anos pré-Revolu-

ção, como traços evolutivos da civilização ocidental – a barbárie interior

passaria a ser ocultada em proveito de uma racionalização dos códigos

penais. Um exemplo desse pensamento é o verbete dedicado ao suplício

na famosa Enciclopédia editada por Diderot e d’Alembert:

SUPLÍCIO, s. m. (Governo) punição corporal, mais

ou menos dolorosa, mais ou menos atroz. Um dicionário

dos diversos suplícios, praticados entre todos os povos

do mundo, faria tremer a natureza; é um fenômeno

inexplicável a extensão da imaginação dos homens

para a barbárie e a crueldade.8

No mundo iluminista, a tortura passa a ser um mal, um sintoma da barbárie.

O vídeo do Pará atingiu, depois de oito anos na rede, quase um milhão e

meio de visualizações e mais de dois mil comentários. É um caso raro de

sobrevida na internet, já que muitos dos vídeos que apresentam violência

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explícita acabam sendo apagados em pouco tempo. Nas diretrizes da co-

munidade, o YouTube afirma não aceitar postagens de conteúdo violento,

cuja intenção principal seja a de chocar, impressionar ou desrespeitar9,

e permite que o público denuncie conteúdos que considere impróprios.

Mas ainda que, individualmente, a maioria dos vídeos não resista por mui-

to tempo, o fluxo de imagens da violência é contínuo, permanentemente

atualizado – basta uma pesquisa no site por termos próximos (linchamen-

to, linchado, espancado) para que a tela seja inundada por imagens da

barbárie. Na maioria delas, repete-se um roteiro bastante uniforme: uma

sequência de acusações, xingamentos, chutes, pauladas e golpes em que

se utilizam ferramentas tão diversas quanto prosaicas, como capacetes e

bicicletas, que ilustram de forma eloquente o ritual do excesso descrito

por Foucault: “a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, sub-

dividindo-a em ‘mil mortes’ e obtendo, antes de cessar a existência, the

most exquisite agonies [as agonias mais requintadas].”10

Ainda que o espetáculo do suplício tenha perdido espaço dentro do leque

de punições do nosso tempo, não é preciso pesquisar tanto para concluir

que, durante todo o século 20 e nestas primeiras décadas do 21, a práti-

ca da tortura física se manteve presente não apenas como instrumento

de “bárbaros” (jihadistas, extremistas hutus, quadrilhas do tráfico), como

tem sido também amplamente utilizada pelas forças oficiais da civiliza-

ção (vide Abu Ghraib, Guantánamo, ditaduras militares latino-america-

nas). Também não surpreende que o suplício do corpo se espalhe como

prática corriqueira em cidades de países pobres e em desenvolvimento,

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especialmente nas regiões onde não há a presença efetiva

de um Estado benfeitor. Os linchamentos e justiçamentos

públicos, e também a tortura perpetrada pelo Estado, repre-

sentam formas arcaicas de controle social, realizado a par-

tir da imposição violenta de valores vistos como civilizados,

em oposição à barbárie dos delitos dos quais se acusam os

torturados – seja o roubo de um celular ou uma conspiração

política. Simone Weil, em um ensaio sobre a Ilíada escrito

em 1940, disse que a força é aquilo que transforma quem

quer que lhe seja submetido em uma coisa11, e é sob essa

lógica que as diversas modalidades de tortura operam.

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LINCHAMENTOS NO BRASIL

Uma dificuldade básica encontrada por qualquer pessoa que tente pes-

quisar os linchamentos no Brasil é a ausência de dados oficiais – o lincha-

mento não é um crime tipificado, ou seja, não existe enquanto categoria

no Código Penal, como é o caso do homicídio e do latrocínio, por exemplo.

Essa ausência costuma ser explicada por alguns motivos: por ser uma

ação coletiva, é difícil apontar, por exemplo, quem foi o autor do golpe fa-

tal, quando ele acontece (o que caracterizaria homicídio); por ser espontâ-

neo, é geralmente impossível determinar o nível de envolvimento de cada

participante (o que diferenciaria agressores de cúmplices). Sem estatísti-

cas oficiais, a categorização fica a cargo da imprensa ou, nesse caso, dos

responsáveis pelos vídeos publicados no YouTube (autores e uploaders).

Um esforço consistente de compilação de dados da violência no Brasil, lin-

chamentos inclusive, foi realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da

Universidade de São Paulo (NEV-USP), que tabulou registros publicados

pela imprensa em um período de 30 anos, de 1980 a 2010.

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Ariadne Natal, pesquisadora do NEV-USP, utilizou o banco de dados sobre

linchamentos em sua dissertação de mestrado, restringindo-se à Região

Metropolitana de São Paulo. Apesar de existirem relatos de linchamentos

desde o século 16 (mesmo que o termo não existisse), Ariadne percebe

uma clara ligação entre a intensa e precária urbanização decorrente do

crescimento econômico na segunda metade do século 20, a violência poli-

cial advinda da ditadura militar, a desconfiança das populações marginali-

zadas em relação ao Estado e a ampla divulgação, em especial pela mídia

popular, de uma moral binária que opõe “homens de bem” a “bandidos” e

serve para justificar socialmente o suplício público.

[Os linchamentos] estão ligados a uma deslegitimação pública

dos direitos civis que é acionada depois da passagem para o re-

gime democrático e toma forma se enraizando em uma cultura

na qual o corpo do indivíduo pode sofrer interferências exter-

nas, e na qual a dor, o sofrimento e o abuso são vistos como

instrumentos de desenvolvimento moral e ordem. 12

Hoje, essa mentalidade encontra eco em uma série de veículos de impren-

sa popular, que se dedicam à cobertura de casos policiais e propagam a

ideia já recorrente de que “bandido bom é bandido morto” (também bas-

tante presente nos comentários adicionados aos vídeos no YouTube). Essa

moral dualista, que rechaça os direitos humanos em prol do que se cha-

ma popularmente de “humanos direitos”, coloca o acusado na posição de

bárbaro, um ser tomado pelo mal, pela perversidade; é como se, em uma

escala moral de humanidade, o bandido estivesse no nível mais inferior

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– desumanizado, portanto. Uma vez localizado, o mal precisa ser extinto

– seja pelos meios oficiais, seja com as próprias mãos – ou se espalhará

pela sociedade feito um tumor. Diz Lúcio Kowarick:

O medo e a desconfiança são elementos que estruturam o

cotidiano e o modo de vida das pessoas, que levam em conta

a sua situação de vulnerabilidade e acionam mecanismos de

autodefesa e retraimento que implicam na evitação do outro.

(...) O olhar sobre os outros como seres ameaçadores abre

espaço para uma mentalidade exterminatória. Não se trata,

portanto do outro excluído e confinado, trata-se daquele que

é visto como risco e por isso demonizado, a encarnação do

mal pode e precisa ser eliminada.13

Ariadne conclui que os linchamentos não podem ser interpretados como

ações irracionais, já que os dados pesquisados mostram que as vítimas

dos linchamentos têm, em geral, o mesmo perfil apontado pelas estatísti-

cas de violência policial e homicídios: “os linchamentos dialogam com seu

tempo, eles fazem parte de uma realidade e acionam um repertório que

aponta quem são os extermináveis. Este repertório não é exclusivo dos

linchadores, ele é compartilhado por boa parte das pessoas que apoiam

estas ações.”14

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Jovem preso a poste no bairro do Flamengo

Yvonne Bezerra de Mello / acervo pessoal

2014

PelourinhoJean-Baptiste Debret1827

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2014 E A “ONDA”

Em 31 de janeiro de 2014, um adolescente foi agredido a pauladas e preso

pelo pescoço, com um cadeado de bicicleta, a um poste no bairro do Fla-

mengo, no Rio de Janeiro, acusado de furto. Na época, uma reportagem

da Folha de S. Paulo comentou:

Moradora da região, a filóloga Yvonne Bezerra de Mello, 67,

do Projeto Uerê, encontrou o garoto desorientado e chamou os

bombeiros. (…)”Me pareceu que alguém quis fazer Justiça com

as próprias mãos já que aqui tem acontecido muito assalto,

principalmente com gangues de garotos e ciclistas. Mas admira

ver uma cena deplorável dessa em 2014. Uma barbárie... se é

marginal, prende”, disse a filóloga à Folha. (...) “Na hora, eu vi

um quadro de Debret, aqueles negros no pau de arara, amarra-

dos no tronco para serem castigados a pauladas”, lembrou.15

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O caso ganhou notoriedade, rendendo discussões acirradas nas redes so-

ciais e na imprensa. Ficou famoso o discurso da colunista Rachel Shehe-

razade, veiculado pelo SBT no dia 4 de fevereiro e usado como exemplo

tanto por seus apoiadores como por seus opositores:

O marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que,

ao invés de prestar queixa contra seus agressores, preferiu

fugir antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do

sujeito está mais suja do que pau de galinheiro. No país que

ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes,

que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre

de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até com-

preensível. O Estado é omisso, a polícia é desmoralizada, a

Justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem que, ainda por

cima, foi desarmado? Se defender, é claro. O contra-ataque

aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de

uma sociedade sem Estado contra um estado de violência

sem limite. E, aos defensores dos Direitos Humanos, que se

apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma

campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido.16

Três meses depois, no dia 3 de maio, a dona de casa Fabiane Maria

de Jesus, de 33 anos, foi espancada e assassinada no bairro de Morri-

nhos IV, no Guarujá, onde vivia. Os agressores são moradores do mes-

mo bairro, que disseram ter confundido Fabiane com o retrato falado

de uma suposta bruxa, uma mulher que estaria sequestrando crianças

para utilizá-las em rituais satânicos. A imagem e a denúncia foram di-

vulgadas dias antes pelo portal Guarujá Alerta, uma página indepen-

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dente de notícias sobre segurança, mas a polícia infor-

mou pouco tempo depois que o retrato falado não tinha

qualquer relação com Fabiane – tratava-se de um crime

ocorrido no Rio de Janeiro anos antes, nada relacionado

a rituais de magia negra – e que não havia nenhum re-

gistro de desaparecimento de crianças em Morrinhos IV.

Quando o linchamento de Fabiane Maria de Jesus, “mor-

ta por engano”, entrou para o noticiário nacional, grande

parte dos veículos de imprensa passou a noticiar a “onda

de linchamentos” que assolava o país – falou-se inclusi-

ve em um “efeito Sheherazade”. Foram divulgados dados

que enumeravam os casos ocorridos entre o jovem do Fla-

Retrato-faladoPolícia Civil do Rio de Janeiro

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mengo e o assassinato de Fabiane – uma delas apontava que 38 pessoas

haviam sido vítimas de linchamentos no país no período, 20 delas com

desfecho fatal. Uma reportagem do jornal Estado de Minas, publicada três

dias depois da morte de Fabiane, sugeria uma ponte entre os dois casos,

marcando como início da onda o linchamento do Flamengo: “especialistas

sugerem que a repercussão do vídeo de um adolescente do Rio de Janeiro,

agredido a pauladas e amarrado nu a um poste no fim de janeiro, tenha

desencadeado uma onda de crimes.”17

O fenômeno descrito pela reportagem é conhecido como copycat: um indi-

víduo que já tinha propensão a cometer aquele ato termina por reproduzir

um modus operandi observado.18 Como não há dados oficiais sobre lincha-

mentos, não é possível confirmar a suposição de que o caso do Flamengo

desencadeou a tal onda, como afirmam as análises. O que se pode dizer

com certeza é que a ampla divulgação de um crime pela mídia acarreta

um aumento considerável na divulgação de outros casos. Ainda assim, é

bastante plausível que tenha ocorrido um aumento no número de lincha-

mentos naquele período: na medida em que aumentam o interesse geral e

a reação positiva de parte da sociedade e da mídia a práticas como essas,

não parece tão ilusório pensar que o linchamento acabe se legitimando

enquanto método de controle social, ainda que extraordinariamente.

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UMA ETIMOLOGIA DO LINCHAMENTO

Já é quase consenso que a palavra “linchamento” deriva de Lynch Law

(Lei de Lynch), um termo utilizado no período da Revolução Americana,

em finais do século 18, para identificar a prática da punição sem chance

de julgamento. O nome pode se referir tanto a William Lynch quanto a

Charles Lynch, ambos fazendeiros do estado da Virginia nos anos 1780. O

primeiro dos dois a utilizar o termo, reconhecidamente, foi Charles, que

instalou uma corte no seu condado para julgar, de forma extralegal, colo-

nos que defendessem a monarquia britânica. Charles menciona a Lynch

Law em uma carta datada de 11 de maio de 178219.

O termo lynching só se tornou popular a partir da Guerra de Secessão,

quando passou a ser associado diretamente à execução pública, em geral

por enforcamento, com participação popular. Os linchamentos tinham

como vítimas, em sua grande maioria, os negros do sul dos Estados Uni-

dos; foram muito comuns após o fim da escravatura, mas os registros

existentes chegam até os conflitos raciais do final dos anos 196020. En-

tre 1882 e 1968, foram registrados 4.742 casos nos Estados Unidos; no

mesmo período, foram apresentados aproximadamente 200 projetos de

lei antilinchamento, mas nenhuma passou pelo Congresso. Em 2005, o

Senado norte-americano aprovou um pedido de desculpas oficial pela sua

recusa histórica em condenar a prática.

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No Brasil, os jornais começaram a usar o termo já no final

do século 19, primeiro em referência aos casos ocorridos

nos Estados Unidos, e depois aplicando-o também aos casos

semelhantes ocorridos por aqui. O primeiro linchamento

de que se tem notícia no Brasil data de 1585, em Salvador,

quando a população enfurecida executou o índio Antônio

Tamandaré, um fugitivo de uma redução jesuítica que,

segundo consta, estaria tomado por ideias messiânicas21.

Linchamento de Laura e Lawrence Nelson em Okemah, OK,

25 de maio de 2011George Henry Farnum

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É claro que há diferenças cruciais entre o contexto norte-americano e o

brasileiro, o que torna a comparação bastante frágil: enquanto nos Estados

Unidos dos séculos 18 e 19 os linchamentos eram predominantemente

rurais e de corte racial, no Brasil, como já dissemos, o fenômeno

contemporâneo está diretamente ligado à intensa urbanização por que o

país passou nas últimas décadas (ainda que existam registros também em

áreas rurais), e em geral tem motivação moral. Apesar disso, é possível

buscar uma razão mais profunda para aproximar os dois contextos: para

o pesquisador José de Souza Martins, o caráter racial dos linchamentos

nos Estados Unidos pós-escravidão representava uma crise mais pro-

funda, que se manifestava como deterioração de uma hierarquia social

preexistente22, que na época colocava os brancos legalmente acima dos

negros. Há uma dupla moral envolvida nos linchamentos, diz Martins,

uma popular e outra legal. O linchamento representaria, em sua raiz, um

julgamento dos códigos legais pela moral popular: “com seu ato, os lin-

chadores indicam que há violações insuportáveis de normas e valores”23.

O linchamento não seria, portanto, uma manifestação da desordem, e sim

de um questionamento da desordem, um questionamento da legitimidade

do poder e das instituições. A crise brasileira que justifica os linchamen-

tos é também uma crise de representação, e a violência uma forma de

reação à sensação de desagregação de uma sociedade gestada pelo medo.

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Linchamento de Will Moore, 20 de maio de 1919

Na fotografia, lê-se: “Negro que atirou em J. H. Rogers em Ten Mile, Mississippi”

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DOCUMENTOS DA BARBÁRIE

Os linchamentos foram tão presentes na cultura dos Estados Unidos que

se tornaram objetos de curiosidade e colecionismo. Um hábito bastante

comum na virada do século 19 para o 20 era o registro fotográfico das exe-

cuções e a troca de cartões postais. Uma reportagem da revista Time24 de

abril de 2000 diz que, em 1908, o comércio de cartões postais retratando

linchamentos havia se tornado tão grande e repugnante que o serviço de

correios dos Estados Unidos decidiu banir o seu envio. Muitas das foto-

grafias e postais produzidos na época foram reunidos pelo colecionador

James Allen no projeto Without Sanctuary25, transformado em livro e ex-

posição. As imagens repetem à exaustão cenas de enforcamento, apedre-

jamento e queima de corpos humanos em ambientes públicos, em geral

acompanhados por uma multidão atenta e festiva. Ao espalhar a mensa-

gem dos linchamentos pelo território americano, os postais amplificavam

o caráter “educativo” e moralizante desses eventos, realizados em sua

maioria com o propósito de colocar o negro “no seu devido lugar”, para

usar uma expressão corriqueira.

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Centenas de Kodaks clicavam no local do linchamento duran-

te toda a manhã. Pessoas vinham de muito longe em auto-

móveis e carruagens para ver o cadáver pendurado na ponta

de uma corda... Fotógrafos de cartões postais instalaram na

ponte uma máquina de impressão portátil, e colhiam uma sa-

fra na venda de cartões com a fotografia do negro linchado...

Em várias escolas rurais a rotina do dia foi adiada para que

meninos e meninas pudessem ver o homem linchado.26

Linchamento de Thomas Shipp e Abram Smith, em 1930

A foto inspirou a composição do poema “Strange Fruit”, posterior-

mente musicado por Billie Holiday

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Paul Reed e Will Cato, que assassinaram e queimaram os cinco membros da

família Hodge, 28 de julho de 1904, próximo a Statesboro, Georgia.

Vinte minutos depois que Cato e Reed foram queimados, 16 de agosto de 1904.

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Apesar de não existir no Brasil uma iconografia das execuções públicas

tão representativa quanto a dos Estados Unidos, quando analisamos em

conjunto as representações feitas no século 19, os relatos de torturas exe-

cutadas na ditadura militar e as imagens de linchamentos publicadas hoje

na internet, é possível visualizar uma espécie de genealogia do imaginário

da barbárie, um traço que conecta histórica e visualmente grande parte

desses eventos. O pau-de-arara, por exemplo, está presente no imaginário

desde as aquarelas feitas por Debret no século 19 até os relatos de presos

políticos da década de 1970, como este, recolhido por Maurício Lissovsky:

O pau-de-arara consiste numa barra de ferro suspensa que é

atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho,

sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o corpo

do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 cm do solo. 27

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Movimento, semanário de esquerda que circulou entre 1975 e 1981, publicou uma fotografia que retrata o pau-de-arara encenado por seus repórteres.

Fragmento do filme “Arara”, de Jesco von Puttkamer (1970), que mostra a encenação de um pau-de-arara real-izada pela Guarda Indígena em um cortejo diante das autoridades.

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A imagem do jovem acorrentado a um poste pelo pescoço, em janeiro de

2014, fez a moradora que o encontrou lembrar-se de Debret e das repre-

sentações do pelourinho. No YouTube, são abundantes as cenas de corpos

amarrados e espancados por linchadores. Uma fotografia de Luiz Morier,

vencedora do Prêmio Esso de Fotojornalismo em 1983, é lembrada por

Lissovsky em outro texto:

Naquele dia, o número de prisões foi tão grande que falta-

ram algemas. Um policial conseguiu uma corda, e os presos

foram conduzidos amarrados uns aos outros. Morier deu à

foto o título de Todos negros, e não houve quem não relacio-

nasse a ação dos policiais aos capitães do mato, agentes que

no tempo da colônia eram encarregados de recapturar os es-

cravos fugidos. Tal semelhança foi, claro, o motivo do prêmio.

Uma imagem adormecida, latente, que se materializa, em

igual medida, no gesto dos policiais, nas lentes do fotógrafo e

na memória dos leitores do jornal. À primeira vista, a indig-

nação do público parece motivada pela brutalidade policial,

mas é a naturalidade da ação que verdadeiramente choca.

Isto é, o modo como “naturalmente” coloca-se em ato no pre-

sente as imagens que a história nos acostumou a ver como

passadas. Que os presos sejam tratados com desrespeito é

menos motivo de revolta, creio eu, que a ação dos policiais ao

reencarnar em corpos vivos a imagem morta.28

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Todos negrosLuiz Morier1983

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Fabiane Maria de Jesus foi acusada de sequestrar crian-

ças para rituais de magia negra. Seu crime, ao que pare-

ce, foi oferecer uma fruta a um menino desconhecido (não

lembra a bruxa que envenena Branca de Neve?). Sua pena:

a morte pelo suplício do corpo. A história nos transporta

imediatamente aos autos-de-fé realizados pela Inquisição

católica e à perseguição a bruxas e protestantes na Idade

Média. A queima dos corpos (vivos ou mortos) acontece

também em alguns linchamentos recentes, como no caso

de Matupá, no Mato Grosso (o registro de linchamento em

vídeo mais antigo de que se tem notícia). No dia 23 de no-

vembro de 1990, uma multidão linchou e queimou vivos os

corpos de três assaltantes que haviam tomado moradores

da cidade como reféns29. Mais recentemente, em 31 de ja-

neiro de 2015, um homem de 52 anos foi linchado e morto

no bairro de Bom Jesus, em Porto Alegre, após ser acusado

de tentar estuprar a enteada. Moradores da região o ataca-

ram com pedras e tijolos; quando já estava desacordado,

atearam fogo ao corpo30.

Linchamento em Matupá - MT

1990

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Linchamento em Matupá - MT

1990

Queima de John Rogers, tradutor da Bíblia e mártir protestante

John Foxe1563

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UMA PROPOSIÇÃO

Daremos um salto no percurso histórico para propor uma associação sim-

bólica que passa a ser a chave deste trabalho: na nossa percepção, há um

paralelo entre os vídeos de linchamentos publicados hoje no YouTube e os

postais que circularam nos Estados Unidos de um século atrás. Obviamen-

te, há diferenças de contexto, mas a comparação, mesmo que arbitrária,

parece fazer sentido por três características comuns às duas narrativas:

- compreendem uma forma popular e contemporânea de transmis-

são de informação (correio X internet);

- utilizam uma linguagem visual realista apoiada no testemunho

documental (fotografia X vídeo de celular);

- estão permeados por um caráter moralizante, como se, por meio

da transmissão, buscassem legitimar as ações representadas.

Page 45: Notas de um percurso pela barbárie

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Susan Sontag, em um artigo publicado no New York Times em 2004, já

anunciava um possível paralelo comparando os postais de linchamentos

às imagens produzidas e disseminadas pelos soldados em Abu Ghraib:

As imagens de linchamentos funcionavam, na natureza da

fotografia, como troféus – tiradas por um fotógrafo com o obje-

tivo de serem colecionadas, guardadas em álbuns, exibidas. As

fotografias feitas pelos soldados americanos em Abu Ghraib,

entretanto, refletem uma mudança no uso destas imagens – de

objetos de coleção, passam a mensagens que visam à disse-

minação e à circulação. A câmera digital é um objeto comum

entre soldados. Enquanto antes a fotografia de guerra era o

terreno próprio dos fotojornalistas, agora soldados são todos

fotógrafos – registram a sua guerra, a sua diversão, aquilo que

acham pitoresco, as suas atrocidades – e trocam imagens entre

eles próprios, compartilham-nas com o mundo por e-mail.31

As próximas notas procuram dar conta dessa dimensão.

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O ESPETÁCULO DA VIOLÊNCIA

Um linchamento, hoje, se caracteriza pela reunião espontânea de um gru-

po de pessoas a fim de punir fisicamente um suposto criminoso, acusado

pela própria população. Além disso, costuma acontecer em espaços públi-

cos, geralmente na rua, atraindo a curiosidade dos vizinhos; possui, assim,

uma dimensão de espetáculo, no sentido da representação de uma cena.

Danielle Rodrigues analisou 42 vídeos de linchamentos coletados no You-

Tube. A partir da observação desses registros, Danielle interpreta os lin-

chamentos como “teatro”, uma representação dotada de visualidade e dra-

maturgia próprias. No centro do enredo está a acusação, que é em geral

sumária, sem chance de argumentação: na maioria das vezes, basta um

grito de “Pega ladrão!” para que a indignação se alastre pela comunidade

e o linchamento comece. Na pesquisa, Danielle desenha uma estrutura

composta por 18 cenas e 6 personagens presentes na maioria dos vídeos.

As cenas progridem da aglomeração de pessoas em torno do acusado até

a dispersão final. A tipologia dos personagens inclui o linchado, o lincha-

dor, o instigador, o espectador, o policial e, por fim, o câmera, cada qual

representando papéis definidos no roteiro do espetáculo.

Page 47: Notas de um percurso pela barbárie

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O linchamento geralmente tem um formato circular. O núcleo

da cena é o linchado e cada um dos personagens se posiciona

como em camadas concêntricas. Em volta dele, o primeiro

círculo é composto pelos linchadores, os mais próximos, justa-

mente por acessarem fisicamente o acusado. No segundo círcu-

lo estão os instigadores, imediatamente localizados atrás dos

linchadores, permitindo processar um movimento de intercâm-

bio, já que em algumas situações eles se revezam (linchadores

se tornam instigadores e vice-versa). O câmera geralmente

circula entre a primeira e segunda camadas. Os espectadores

estão na parcela mais externa da multidão, em uma última

“camada”, a mais afastada do agredido.32

Além disso, a observação dos vídeos torna mais clara a ideia já discutida

de que a legitimação da violência se dá pela estigmatização do acusado –

vagabundo, bandido, vacilão, piranha, filho da puta são expressões recor-

rentes. A um indivíduo considerado não-humano pode-se negar qualquer

direito, e novamente a barbárie surge como doença: os linchadores sen-

tem-se na obrigação moral de curar a comunidade daquele mal.

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VER OU NÃO VER AS IMAGENS?

A palavra “espetáculo” vem do latim, e deriva de spectáre: olhar, obser-

var atentamente, contemplar. Podemos distinguir duas camadas de espe-

táculo nos linchamentos gravados e disseminados na rede. A primeira é

física, presencial: acontece na rua e tem a finalidade específica de punir

um criminoso; contemplam-na moradores e transeuntes, perpetradores,

cúmplices e testemunhas. A segunda, o espetáculo da imagem registrada

e disseminada, é virtual: distante, com fins educativos e moralizantes, pú-

blico vasto e indeterminado.

Os vídeos gravados por celulares e câmeras amadoras são, muitas vezes,

publicados pelos próprios autores; noutras, são replicados em perfis de

apoiadores ou críticos, ou por canais online, as fanpages (“Faca na Caveira

Oficial” e “Apoio Policial”, por exemplo), que os empacotam em imitações

toscas de programas jornalísticos. Na maioria absoluta dos casos, os ví-

deos são publicados com comentários em apoio aos linchadores.

Em julho de 2015, uma pesquisa pelos termos “linchamento” e “lincha-

do” no YouTube rendia aproximadamente 31.300 resultados, o que nos faz

ressoar perguntas deixadas por uma série de pensadores desde que Ro-

ger Fenton inaugurou a fotografia de guerra na Crimeia, em 1854. Como

reagir diante do fluxo incessante (e crescente) de imagens da violência?

Por outro lado, qual o instinto mórbido que cria tamanho interesse pela

representação da atrocidade?

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Anthony W. Lee, historiador e editor do livro Lynching Photographs, abor-

da a segunda pergunta na introdução que faz ao livro. Lee conta a his-

tória de uma modesta exposição de fotografias e cartões postais sobre

linchamentos realizada em uma galeria de arte de Nova York (a mesma

Without Sanctuary citada anteriormente). Em pouco tempo, diz, a mostra

passou a receber filas que dobravam a esquina; Stevie Wonder e Oprah

Winfrey fizeram visitas privadas, jornais e TVs a noticiaram, e meses de-

pois a exposição reabriu em um espaço maior, recebendo filas ainda mais

longas. Lee conclui que, em um sentido desconfortável, as multidões que

se reuniram na galeria replicavam as multidões que assistiram aos even-

tos originais, trazidos à cena por causa do espetáculo do corpo linchado.33

Sobre a mesma exposição, Susan Sontag comentou em 2003:

Argumentou-se também que nos submetermos a uma prova-

ção nos ajudaria a compreender tais atrocidades não como um

ato de “bárbaros”, mas como o reflexo de um sistema de cren-

ça, o racismo, que, ao classificar um povo como menos huma-

no do que outro, legitima a tortura e o assassinato. Mas talvez

eles fossem bárbaros. Talvez seja essa a aparência da maioria

dos bárbaros. (Eles são semelhantes a qualquer pessoa.)34

Page 52: Notas de um percurso pela barbárie

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Será que essa mesma lógica pode ser aplicada às imagens de violência

disseminadas hoje na internet? Seremos nós, espectadores, também cúm-

plices dos eventos registrados? Frank Möller, pesquisador da Universida-

de de Tampere, na Finlândia, coloca em questão a posição do espectador

diante de imagens de atrocidades. Os objetos que Möller analisa são as

imagens dos atentados de 11 de setembro de 2001, as fotografias de Abu

Ghraib e os vídeos de execuções produzidos por terroristas, como aque-

les divulgados recentemente pelo ISIS. São todos crimes cometidos em

um contexto de distribuição massiva, o que nos faz associar a análise aos

vídeos de linchamentos publicados no YouTube. Möller expõe um dilema:

O ato de ver constitui um espaço público, e como parte deste

o indivíduo é capaz de exercer algum poder político. A partir

deste ponto de vista, parece ser obrigatório aos indivíduos

olhar para tais imagens, incluindo as que retratam o sofri-

mento de pessoas, já que, do contrário, eles se posicionariam

fora da esfera política, privados da possibilidade de agir. O

outro lado da moeda é que, para isso, independentemente

dos sentimentos das vítimas, o sofrimento humano tem de

ser capturado visualmente, porque, caso contrário, seria efe-

tivamente despolitizado. A construção do espaço político pelo

espectador implica tanto a compulsão de olhar quanto a de

mostrar, e ambas são suscetíveis de se chocar regularmente

com os sentimentos e interesses das vítimas.35

Page 53: Notas de um percurso pela barbárie

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As imagens de linchamentos publicadas no YouTube não carregam a mes-

ma premeditação presente nas execuções do ISIS, por exemplo: enquan-

to os fundamentalistas islâmicos se apropriam da linguagem audiovisual

com o fim determinado de chocar o espectador, os vídeos de linchamentos

são produzidos no calor do momento, por cidadãos comuns sem deman-

das políticas elaboradas. Na ânsia por reconhecimento e popularidade,

típica das redes sociais, os vídeos atrozes são publicados (e eis o seu lado

mais trágico) com a mesma naturalidade com que se compartilha a ima-

gem de um gato tecladista. É como se autores e defensores do linchamen-

to convidassem os espectadores à cumplicidade.

O prisioneiro Ali Shallal al-Qaisi torturado em Abu Ghraib2003

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No fim, tanto Möller quanto Sontag concluem que não há saída na evita-

ção do contato com a atrocidade. Deixemos que as imagens atrozes nos

persigam36, diz Sontag. Se somos cúmplices ou não, tais imagens devem

ser vistas. Mas o olhar crítico sobre a enxurrada de imagens da barbárie

exige do observador, em primeiro lugar, a oposição ao olhar complacente,

e isso implica borrar as fronteiras entre “eu” e “outro”, reconhecer o bár-

baro que há em cada um: não mais o outro não civilizado, desumanizado,

mas o espelho da barbárie que constitui uma sociedade doente, para re-

tomar Platão.

Sontag:

Mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos

algo sobre como retirar as pessoas do inferno, como amai-

nar as chamas do inferno. Contudo, parece constituir um

bem em si mesmo reconhecer, ampliar a consciência de

quanto sofrimento causado pela crueldade humana existe

no mundo que partilhamos com os outros.37

Page 55: Notas de um percurso pela barbárie

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Prisioneiros egípcios ajoelham-se diante de militantes armados do Estado Islâmico em uma praia na Líbia.2015

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ESTÉTICA, ANESTESIA, PÓS-FOTOGRAFIA

As palavras estética e anestesia compartilham a mesma raiz: aisthésis, per-

cepção, sensibilidade. Já é bastante divulgada a ideia de que a superexposi-

ção às imagens da violência teria um efeito anestésico sobre o observador,

que ficaria cada vez menos “impressionável” e menos reativo à violência.

À ideia de anestesia podemos associar também a da amnésia, já que, no

mundo das imagens atrozes, a insensibilidade relativa aos registros com-

partilhados na rede está ligada à impossibilidade de elaborar construções

racionais em reação à barbárie. Quem não lembra, não reage. Além disso,

já é senso comum dizer que vivemos sob uma “enxurrada”, ou uma “ava-

lanche” de informações, e o uso de palavras que sugerem a ideia de fluxo

intenso obviamente não é gratuito. Jacques Le Goff diz: o documento é

um monumento, o produto de uma montagem, voluntária ou não, da so-

ciedade que o produziu e das sucessivas épocas às quais sobreviveu.38 Os

documentos da cultura (e da barbárie), no entanto, deixaram de pertencer

aos grandes e concretos arquivos do passado para compor uma gigantesca

massa de dados, um universo em constante fluxo e reconfiguração39. E

essa “torrente” afeta a forma como a memória é criada, processada, fixada.

Page 58: Notas de um percurso pela barbárie

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O tema da memória na contemporaneidade digital é recorrente (e bas-

tante associado ao tema da violência), reflexo do boom da memória do

século 20 que agora se vê desmaterializada. Na era da memória como

informação, a memoria rerum experimental dá lugar a uma sobrecarga

de memoria verborum textual, agora escrita em código, diz Yayza Hernán-

dez40. Aristóteles chamou de “estado de fluxo” aquele no qual a memória

é incapaz de se imprimir, e Márcio Seligmann-Silva cita-o para sustentar

que, paradoxalmente, sofremos concomitantemente de hipermnésia e de

amnésia. A memória demais leva também a um ‘apagamento’ da informa-

ção por impossibilidade de metabolização da mesma.41 Por fim, o teórico

da imagem Hubertus von Amelunxen faz a pergunta que consideramos

essencial para a reflexão proposta aqui:

Como a cultura ocidental, cuja tradição pictórica é baseada

essencialmente em uma visão de mundo análoga / analógica, vai

ser capaz de se referir, no futuro, a uma presença sumariamente

numérica, estabelecida em imagens e escrita, sons e formas?42

Quais os gestos criativos capazes de transformar em estético o anestési-

co? Como fixar a memória e assim reagir à barbárie? Se a arte luta contra

o caos para torná-lo sensível, como disseram Deleuze e Guattari43, como

então tornar sensível aquilo que parece nos encaminhar à insensibilidade?

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O fotógrafo catalão Joan Fontcuberta propõe que, em um mundo saturado

de imagens, sejam elas capturadas por câmeras fotográficas ou por apa-

relhos celulares e câmeras de vigilância, não vivemos mais no tempo da

fotografia, mas na pós-fotografia, na qual todos produzem imagens espon-

taneamente como uma forma natural de se relacionar com os outros44. A

pós-fotografia seria, assim, uma nova linguagem universal que habita es-

pecialmente o ambiente virtual, da conectividade, onde todos são fotógra-

fos (talvez realizando a sociedade do espetáculo de Debord, que anteviu

um mundo em que as relações sociais entre pessoas seriam mediada por

imagens, mas esse é assunto para outro ensaio).

Ainda assim, no mundo pós-fotográfico, é natural que consumamos as

imagens digitais como se fossem analógicas, interpretando-as como um

quadro, um fluxo suave e contínuo que oculta os blocos de dados que com-

põem suas entranhas (estamos longe ainda de tornarmo-nos operadores

da Matrix, que leem o mundo a partir da chuva digital de letras verdes).

Entretanto, uma falha na transmissão desses blocos pode causar a inter-

rupção daquela continuidade, fazendo com que a simulação analógica não

permaneça mais secreta. Aquilo que, de outra forma, seria recebido pas-

sivamente – um vídeo, fotografia ou gravação musical – agora tosse uma

inesperada bolha de distorção digital. Seja ela intencional ou acidental, a

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60

falha (ou glitch) tem a capacidade de desnudar as estruturas (eletrônicas,

econômicas, políticas) que organizam e se impõem ao mundo. E é natural

que, na medida em que somos apresentados a uma infinita e amorfa cole-

ção de pacotes de dados, a poética, a estética e a ética voltem-se também

para a discussão e a problematização dessas estruturas. Na falha reside

uma potência poética (e política) de atuação.

Geoffrey Batchen afirma que toda a fotografia hoje gira em torno da re-

produção e do consumo, do fluxo, das trocas, da manutenção e da pertur-

bação de dados. Em seguida, conclui:

Se um trabalho de arte deseja ser relevante para a vida social

contemporânea, é dentro e através dessa corrente de dados

que ele deve, doravante, ser empreendido. Pois é aqui, no cer-

ne dessa [virtual] existência, que as ações políticas e culturais

de todas as formas devem agora se localizar. 45

Na mesma linha de raciocínio, Yayza Hernández contrapõe o arquivo mate-

rial do passado com esse, virtualizado, e insere ainda o tema da violência:

É possível que os artistas interessados em lidar com os

arquivos contemporâneos tenham de deixar para trás a

imagem do arquivo como sólido repositório de nossos

vestígios materiais e começar a encarar essa abstração,

que – como a história monumental – também se constrói

sobre o esquecimento da violência.46

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O GESTO

Em 1962, Andy Warhol deu início a uma série de silkscreens em que se

apropriava de fotografias de suicídios, tragédias aéreas e outras imagens

da violência publicadas originalmente nas páginas dos jornais. Uma das

séries mais conhecidas desse projeto, Electric Chair, traz a imagem de

uma cadeira elétrica repetida múltiplas vezes. A série foi apresentada ao

público pela primeira vez em 1963, o mesmo ano em que a penitenciária

de Sing Sing, em Nova York, realizou as últimas duas execuções utilizan-

do esse método. Warhol comentou em uma entrevista que, “quando você

vê uma imagem horrível uma e outra vez, ela não tem qualquer efeito”,

ecoando a sensação que temos hoje diante do fluxo de imagens atrozes

ao qual estamos expostos. A serialização que Warhol imprime à violência

cotidiana dos anos 1960 nos desperta para o que há por detrás daquelas

imagens (Siegfried Kracauer afirmou certa vez que as fotografias nos pro-

tegem da realidade). Electric Chair, com sua cadeira impressa em múlti-

plas cores em cada uma das folhas da série, torna-se, assim, uma tentativa

de exorcizar a imagem por meio da repetição.

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Electric ChairAndy Warhol1962

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O que Warhol faz ao estetizar a cadeira elétrica é promover um corte sim-

bólico no fluxo dessas imagens. Recontextualizada, modificada e ressig-

nificada, a imagem supostamente objetiva sai da página do jornal para

assumir novas dimensões e interpretações, que se opõem ao caráter tes-

temunhal da fotografia jornalística. Podemos associar o gesto do artista

(o corte) ao gesto arquetípico do fotógrafo: um rasgo no tempo e no espa-

ço. Ernst Simmel, neurologista e psicanalista alemão contemporâneo de

Sigmund Freud, descreveu o trauma de guerra como uma luz do flash do

terror que estampa uma impressão fotograficamente exata. E a bidimen-

sionalidade das fotos como trauma pode adquirir volume e vida, conforme

a sua recepção e reinserção em um novo contexto, diz Seligmann-Silva

comentando Walter Benjamin: “falando do cinema (que com a montagem

incorpora também o choque como princípio estético), ele [Benjamin] in-

dicou uma capacidade terapêutica via esta performance que abala. Estes

dispositivos nos treinam para a vida pontuada por choques e rupturas.”47

Em 1888, diz Joan Fontcuberta, “George Eastman cunhou o slogan popu-

lar que levou a Kodak para o topo da indústria fotográfica (“Você aperta o

botão, nós fazemos o resto!”); hoje nos damos conta de que o importante

não é quem aperta o botão e sim quem faz todo o resto: quem põe o con-

ceito e gere a vida da imagem.”48 Ou seja, mais do que a imagem em si, o

que se preserva no corte artístico e o que se impõe sobre a efemeridade da

vida contemporânea é o gesto. Imagem-gesto-reação. Jean-François Mat-

téi, no final do livro “A Barbárie Interior”, conclui:

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o instante efêmero, voltado para si mesmo como o instante

de Fausto, também sabe virar-se para formar um fragmento

de eternidade. (...) E, no coração do imediato, tudo se volta

instantaneamente em direção ao sentido. A barbárie não está

nem atrás de nós nem à nossa frente: está inteirinha onde

nos encontramos. A cada instante, esse era o ensinamento

do mito da caverna, o prisioneiro pode libertar-se de suas

amarras e erguer-se, de uma só vez, em direção à luz.49

E se apropria de Albert Camus, que, em 1939, no texto que inaugura a

revista de cultura mediterrânea Rivages, escreveu que, “se é verdade que

a verdadeira cultura não se separa de uma certa barbárie, nada do que é

bárbaro pode nos ser estranho. Tudo se resume a nos entendermos a res-

peito da palavra bárbaro.”50

Tudo se resume a olhar de frente – como disse Drummond, penetrar surda-

mente no reino das palavras (e das imagens, por que não?). De-cifrar os códi-

gos. E é nessa chave que se inscreve “Postais para Charles Lynch”.

Setembro de 2015.

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Notas1 Depoimento fictício.2 Platão, República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Círculo do Livro, 1997.3 Jean-François Mattéi, A Barbárie Interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. Tradução de Isabel Maria Loureiro. 1a. Edição. São Paulo: Editora UNESP, 2002.4 Idem.5 Michel Foucault, Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.6 Idem.7 Danielle Rodrigues, O círculo da punição: O linchamento como cena de acusação e denúncia criminal. In DILEMAS – Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 6, no. 4, OUT/NOV/DEZ 2013. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ.8 Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, etc., eds. Denis Diderot and Jean le Rond d’Alembert. University of Chicago: ARTFL Encyclopédie Project (Spring 2013 Edition), Robert Morrissey (ed.). Disponível em http://encyclopedie.uchicago.edu9 YouTube – Diretrizes da comunidade. Disponível em http://www.youtube.com/yt/policyandsafe-ty/pt-BR/communityguidelines.html10 Michel Foucault, op. cit.11 Simone Weil, A Ilíada ou o poema da força (1940), in A condição operária e outros estudos sobre a opressão, org. Ecléa Bosi, tradução de Therezinha G. G. Langlada, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.12 Ariadne Natal, 30 anos de linchamentos na Região Metropolitana de São Paulo 1980 – 2009. 13 Lúcio Kowarick, Viver em Risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. In Novos Estudos, no. 63. São Paulo: CEBRAP, 2002.14 Ariadne Natal, op. cit.15 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1407239-adolescente-e-agredi-do-a-pauladas-e-acorrentado-nu-a-poste-na-zona-sul-do-rio.shtml16 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=gi_O9ko-OWE17 Disponível em http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2014/05/06/interna_nacio-nal,525783/mulher-linchada-e-a-20-vitima-fatal-de-justicamentos-em-2014.shtml18 Hoanna Aragão, A onda de linchamentos no Brasil, o fenômeno copycat e o esvaziamento das normas. Disponível em http://jus.com.br/artigos/28268/a-onda-de-linchamentos-no-brasil-o-feno-meno-copycat-e-o-esvaziamento-das-normas19 Christopher Waldrep (ed.), Lynching in America: a History in Documents. Nova York: NYU Press, 2006.20 Disponível em http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/shipp/lynchingyear.html21 José de Souza Martins, Linchamentos: a justiça popular no Brasil. São Paulo: Contexto, 2015.22 Idem.23 Idem.24 Disponível em http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,42301,00.html25 Veja o site do projeto em http://withoutsanctuary.org/main.html26 Leon F. Litwack, sobre o linchamento de Thomas Brooks, no condado de Fayette, Tennessee, 1915. In Without Sanctuary: Lynching Photography in America.Twin Palms, 2000.

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27 Maurício Lissovsky, Desmonumentalizar a ditadura, parte 2. Disponível em http://iconica.com.br/site/desmonumentalizar-a-ditadura-parte-2/28 Maurício Lissovsky, Para onde foi a senzala? Disponível em http://revistazum.com.br/revista--zum-7/para-onde-foi-a-senzala/29 Disponível em http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/pior-linchamento-da-historia-do-bra-sil-tambem-foi-filmado30 Disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/01/homem-e-linchado--apos-ser-flagrado-tentando-estuprar-enteada-no-rs.html31 Susan Sontag, Regarding the torture of others. Disponível em http://www.nytimes.com/2004/05/23/magazine/regarding-the-torture-of-others.html32 Danielle Rodrigues, op. cit.33 Dora Apel e Shawn Michelle Smith, Lynching Photographs. Berkeley: University of California Press, 2007. 34 Susan Sontag, Diante da dor dos outros. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.35 Frank Möller, Viewers as accomplices: associates in crime and guilt. Artigo apresentado no simpósio Arts, Violence and Imagination, The Finnish Institute, Londres, em outubro de 2009.36 Susan Sontag, op. cit.37 Susan Sontag, op. cit.38 Jacques Le Goff, História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.39 Yayza Hernández, Arquivando para o esquecimento. In Caderno SESC_Videobrasil 10: usos da memória. Edições SESC São Paulo, 2014. 40 Idem.41 Márcio Seligmann-Silva, Estética e política, memória e esquecimento: novos desafios na era do Mal de Arquivo. Remate de Males no. 29, jul-dez 2009. 42 Hubertus von Amelunxen, Photography After Photography, The terror of the body in digital space. Disponível em http://hyperart.com/lib/ph_after_ph.html (tradução dos autores).43 Gilles Deleuze e Felix Guattari, O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.44 Joan Fontcuberta, A Câmara de Pandora: fotografia depois da fotografia. Editorial Gustavo Gili, 2014.45 Geoffrey Batchen, Each Wild Idea: Writing photography history. Cambridge: The MIT Press, 2000. (tradução dos autores).46 Yayza Hernández, op. cit. 47 Márcio Seligmann-Silva, Fotografia como arte do trauma e imagem-ação: jogo de espectros na fotografia de desaparecidos das ditaduras na América Latina. In Temas em Psicologia, Vol. 17. São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia, 2009.48 Joan Fontcuberta, Por um manifesto pós-fotográfico. In Revista Studium no. 36. Campinas: Instituto de Artes da Unicamp, 2014. Disponível em http://www.studium.iar.unicamp.br/36/7/index.html49 Jean-François Mattéi, op. cit.50 Albert Camus apud Jean-François Mattéi, op. cit.

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Este ensaio complementa o projeto “Postais para Charles

Lynch”, realizado pelo Coletivo Garapa como resultado da Bolsa

ZUM/IMS de Fotografia, recebida em 2014.

Postais para Charles Lynch

Concepção e realização: Coletivo Garapa

Design: Milena Galli

Impressão: Meli-Melo Press

Trabalho em aço: Galpão Base

Silkscreen: Efeito Visual

Montagem: Sidnei Perego

Agradecimentos: Instituto Moreira Salles, Thyago Nogueira,

Cídio Martins Neto, Ariadne Natal (NEV-USP), Sétima Arte.

Saiba mais: https://vimeo.com/140832075

http://garapa.org

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