Notas epistemológicas sobre Jean Piaget - Análise...

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Joaquim Aguiar Notas epistemológicas sobre Jean Piaget A obra de Jean PIAGET contém elementos exemplares para uma reflexão epistemológica, nomeadamente os que se referem às fases de evolução da inteligência humana (inte- grados) na sua prática científica psicológica) e os que se centram objectivamente em análises sobre as condições gerais do conhecimento científico. Neste artigo procura definir-se um primeiro inventário das noções que aparecem, como mais significativas no espaço científico contemporâneo. Este texto não pretende ser uma exposição sistemática do pensamento de Jean PIAGET e nem sequer será uma referência completa à parte da sua obra que directamente se relaciona com a epistemologia. A sua intenção é mais limitada, mas também mais livre: uma reflexão, tanto quanto possível coerente e rigorosa, mas ainda pessoal, sobre alguns conceitos que nos apareceram como fundamentais ao longo de uma leitura (dispersa) dos textos epistemológicos e metodológicos de PIAGET. Daqui decorre que, por um lado, não nos deteremos no exame das investigações psicológicas do Autor, as quais serão aqui refe- ridas apenas enquanto reflexos e fluxos experimentais que pro- longam e reforçam as suas concepções epistemológicas; por outro lado, o texto que agora se escreve é uma reflexão sobre essas concepções, e não a sua exposição sistemática ou introdutória: é o resultado absoluto de uma interpretação pessoal que determina uma passagem da nossa própria concepção da questão episte- mológica. Tudo isto pretende justificar, introduzindo-os na própria ló- gica da escrita deste texto (e, portanto, na sua leitura), os silên- cios necessários, os saltos de axiomatização, as restrições impostas à dimensão do texto e, ainda, a forma da sua escrita. I. A EPISTEMOLOGIA DO SUJEITO HUMANO 1, O domínio epistemológico Introduzidas as condições de leitura deste texto, começare- 96 mos esta exposição (reduzida) do pensamento epistemológico

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Joaquim Aguiar

Notas epistemológicassobre Jean Piaget

A obra de Jean PIAGET contém elementos exemplarespara uma reflexão epistemológica, nomeadamente os que sereferem às fases de evolução da inteligência humana (inte-grados) na sua prática científica psicológica) e os que secentram objectivamente em análises sobre as condições geraisdo conhecimento científico.

Neste artigo procura definir-se um primeiro inventáriodas noções que aparecem, como mais significativas no espaçocientífico contemporâneo.

Este texto não pretende ser uma exposição sistemática dopensamento de Jean PIAGET e nem sequer será uma referênciacompleta à parte da sua obra que directamente se relacionacom a epistemologia. A sua intenção é mais limitada, mas tambémmais livre: uma reflexão, tanto quanto possível coerente e rigorosa,mas ainda pessoal, sobre alguns conceitos que nos apareceramcomo fundamentais ao longo de uma leitura (dispersa) dos textosepistemológicos e metodológicos de PIAGET.

Daqui decorre que, por um lado, não nos deteremos no examedas investigações psicológicas do Autor, as quais serão aqui refe-ridas apenas enquanto reflexos e fluxos experimentais que pro-longam e reforçam as suas concepções epistemológicas; por outrolado, o texto que agora se escreve é uma reflexão sobre essasconcepções, e não a sua exposição sistemática ou introdutória: éo resultado absoluto de uma interpretação pessoal que determinauma passagem da nossa própria concepção da questão episte-mológica.

Tudo isto pretende justificar, introduzindo-os na própria ló-gica da escrita deste texto (e, portanto, na sua leitura), os silên-cios necessários, os saltos de axiomatização, as restrições impostasà dimensão do texto e, ainda, a forma da sua escrita.

I. A EPISTEMOLOGIA DO SUJEITO HUMANO

1, O domínio epistemológico

Introduzidas as condições de leitura deste texto, começare-96 mos esta exposição (reduzida) do pensamento epistemológico

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A comparação dos dois exemplos mostra a influência da evo-lução dos preços relativos sobre a remuneração dos factores. Ema), como a «razões de troca» do sector lhe eram desfavoráveis, ossalários aumentariam menos do que a produtividade e a taxa delucros diminuiria, se se quisesse manter estável a repartição rela-tiva do produto. Em b), como as «razões de troca» eram favoráveisao sector, os salários poderiam aumentar mais do que a produtivi-dade e a taxa de lucro elevar-se, mantendo-se ainda estável a re-partição relativa do produto. Mas, sublinhe-se, o esforço de inves-timento e o crescimento da produtividade eram os mesmos nosdois exemplos.

Casos mais complexos do que estes a) e b) podem ser estuda-dos. É quase impossível examiná-los todos no âmbito de um artigo.Mas as ligações analíticas ficam estabelecidas para qualquer casocorrente.

5. Enfim, poderá sempre dizer-se que a análise aqui exposta écomplexa, exige demasiadas variáveis e não é suficientementesimples para ser utilizada numa discussão salarial ou na formula-ção de uma política de repartição do rendimento.

Isso seria dizer também que tais discussões ou formulaçõestêm necessariamente de ser simples, o que não é o que normal-mente acontece ... a não ser quando os interesses reais em jogonão são os de esclarecer o conteúdo económico envolvido, ouquando qualquer argumento vale.

Procedeu-se progressivamente por etapas, de complicaçãocrescente, de forma a permitir que, em cada situação concreta,se recorra ao grau de complexidade analítica que essa situaçãorequerer ... ou que se quiser. No entanto, a verdade é que, para ana-lisar com rigor uma situação realmente complexa, se tem neces-sidade de recorrer a um aparelho analítico que nem sempre podeser simples.

Simples ou complicado, que este estudo possa ser útil paramelhor decidir. São os nossos votos.

Dezembro, 1971.

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de PIAGET com a análise dos conceitos fundamentais da epistemo*logia do sujeito humano.

A primeira condição para o percurso deste ponto consiste noesclarecimento do conceito genérico de epistemologia. Encontra-mos em PIAGET esse conceito elucidado de uma forma dupla:como o estudo da constituição de conhecimentos verdadeiros, in-cluindo-se no termo constituição as condições de acesso a essesconhecimentos e as condições internas propriamente constitutivas;e como o estudo da passagem de um determinado estádio do conhe-cimento para níveis de conhecimento mais desenvolvido (I, pp.6-7). Entretanto, esta forma dupla de definição é convertível numúnico componente, demonstrada a equivalência entre os seus doistermos: se a constituição dos conhecimentos verdadeiros não foruma actividade localizada em cada ponto, isto é, se há continuidadeno processo de obtenção e validação de sucessivos conhecimentos,então é necessário o estudo da passagem de um estado de evoluçãopara outro. A definição genética cobre a definição geral (usual)de epistemologia. A reflexão epistemológica não se limita à aná-lise da validade de um conhecimento científico estruturado numdado intervalo temporal, mas exige ainda a compreensão das su-cessivas passagens desse conhecimento pelos seus diferentes es-tádios de desenvolvimento (I, passim). «O princípio epistemológicoconsiste na procura da determinação do papel do sujeito e doobjecto considerando-os, não em si mesmos, mas enquanto internosao processo de aquisição de conhecimentos. Sob este aspecto, sócom a ligação dos extremos por leis de desenvolvimento é quepoderemos esperar atingir o alcance das noções mais evoluídas.»(II, p. 70.)

Daqui se pode avançar para a constituição do domínio epis-temológico — «domínio das relações entre os conhecimentos e asdiferentes formas possíveis de realidade» (III, p. 162) —, onde selocalizam os problemas epistemológicos — «problemas relativos àsrelações SF, SE e FE e ao sistema E», considerando que sis-tema S: actividades do sujeito; sistema F: propriedades (formas,etc.) do objecto; sistema E: tijfos de existência ou de realidadedo objecto (zonas de realidade) (III, p. 163).

Retornando à definição inicial e à equivalência formal entreos dois termos depois de melhor definido o domínio da problemá-tica epistemológica, poderemos determinar um sentido útil para adistinção (temporária) entre os dois termos. Se o estudo daspassagens entre diferentes estádios científicos permite estabeleceruma crítica científica interna à própria ciência, utilizando o valorepistemológico do erro referido por BACHELARD, ao procurar umamais perfeita adequação a um certo objecto que é também mu-tável por efeito da sucessão cada vez mais complexa de conheci-mentos disponíveis sobre ele, o estudo da constituição destes dife-rentes estádios é fundamental para que o processo seja inteligívele a relação crítica possa ser operacionalmente estabelecida. A per-gunta fundamental da epistemologia, a sua incógnita, também édupla: «Como é que o homem conhece?», ou seja, qual o tipo darelação que se estabelece entre o sujeito e o objecto e, depois,«como é que o homem critica o seu conhecimento disponível de

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forma a superá-lo por outro mais adequado a um certo objecto?».A primeira questão isola o círculo epistemológico fundamentaldo sujeito e do objecto: «o objecto só é conhecido através dasmodificações que sobre ele exercem as acções do sujeito, enquantoo sujeito só tem consciência de si próprio perante as trans-formações que o objecto provoca nas suas acções» (IV, p. 84);e a segunda define a necessidade da epistemologia genética: «doponto de vista de uma epistemologia genética [...] que não conhecenenhum sujeito em si, mas apenas objectos sucessivos reconhecidospelo sujeito ao longo do seu percurso, há, evidentemente, relaçãoentre a objectividade e os objectos, mas trata-se de determinaresta relação através do próprio desenvolvimento» (II, p. 71).

2. O lugar da epistemologia

Aqui acontece o problema de determinação do lugar da epis-temologia: será um lugar englobante, isto é, será a epistemo-logia o plano curvo de uma teoria geral do conhecimento, capazde integrar os conhecimentos específicos das diversas disciplinascientíficas particulares, ou será o seu lugar rigorosamente deter-minado pela própria área científica onde exerce os seus efeitos?Ê um conceito (uma prática) exterior-determinante de todas asáreas científicas, ou um conceito (uma prática) interior-sobre-determinada da área que o contém?

Tradicionalmente, a epistemologia aparece como um ramo de-pendente da filosofia, o que tenderia a levar-nos a optar pelaprimeira hipótese, na medida em que a generalidade da reflexãofilosófica colocaria a epistemologia acima das divisões discipli-nares— seria, pois, a procura da racionalidade geral do processocognitivo que, depois de elaborado, difundiria os seus efeitosgerais pelas áreas particulares do espaço científico. No entanto,é fundamental recordar que os produtores filosóficos eram tam-bém os produtores científicos, o que indica que a oscilação inte-rior/exterior do lugar epistemológico não tende, de facto, paranenhum limite bem determinado no espaço tradicional.

A experiência contemporânea, que manifesta claras circuns-crições disciplinares, produtos de uma crescente complexificaçãodos conhecimentos parcelares, localiza a epistemologia no interiorde cada área, onde exerce plenamente a sua função fundamenta-dora e crítica, mas sem que os seus produtos sejam imediatamentetransportáveis para outras áreas. Mas é também uma conclusãoda experiência científica contemporânea a necessidade de investi-gações interdisciplinares que permitam atingir a visão global dosfenómenos científicos inter-relacionados, o que, de novo, situa aepistemologia no intervalo da oscilação interior/exterior (masagora por uma razão distinta da que se identificou como tradi-cional: aí era o próprio sujeito produtor que garantia a oscilação;aqui é o objecto científico que exige a oscilação. Tradicionalmente,a investigação científica podia ser uma situação individual; hoje,

98 a investigação só pode ser colectiva e, cada vez mais, perante

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um campo científico que é constituído pela conjugação complexade várias áreas disciplinares).

A solução para o limite desta sucessão oscilante da epistemo-logia entre o interior e o exterior das áreas científicas só pareceser possível desde que operemos uma variação de plano. Para quea forma dessa variação se torne clara teremos de estudar astrês noções básicas que são objecto da análise dos conhecimentos(objectos epistemológicos): os objectos científicos, os sujeitoscientíficos e as estruturas de conhecimento válido (I, pp. 10 esegs.).

No que se refere às estruturas de conhecimento adquirido,as formas possíveis —estruturas lógico-matemáticas ou estrutu-ras experimentais— reportam-se, finalmente, à relação entre ossujeitos e os objectos científicos, ou, se quisermos, entre o investi-gador e a sua incógnita, ou, mais geralmente, entre o Homem e oMundo. Os elementos básicos são, pois, o sujeito e o objecto, sendoa estrutura do conhecimento (estrutura temporária, como veremosà frente) o produto necessário dessa interacção (processocientífico).

O sujeito científico foi, tradicionalmente, um dos objectosfundamentais da investigação filosófica, do que são exemplosclaros os Cogito de DESCARTES e HUSSERL ; mas uma reflexão dessetipo já não é possível hoje. A função desempenhada pela filosofiaestá recoberta por um domínio rigoroso da investigação experi-mental: a área dos processos cognitivos e mentais é um objectopróprio da psicologia científica. No caso particular da deduçãoaxiomática nas estruturas lógico-matemáticas, é na lógica que seencontram os fundamentos da acção do sujeito científico; dequalquer modo, é também um domínio hoje exterior à filosofia.

Acresce ainda que o desenvolvimento científico ocorrido emcada área experimental exige, como razão e como consequênciada sua própria evolução, uma contínua análise comparativa eintercorrectora em relação aos resultados obtidos nas diversasdisciplinas científicas, numa procura de atingir uma rede globalde compatibilidade (no caso particular da dedução axiomática dasestruturas lógico-matemáticas, é na evolução da lógica que se irãoencontrar os fundamentos da acção do sujeito científico).

De tudo isto decorre uma conclusão provisória, Analisandoo elemento básico «sujeito científico», parece ser possível afirmarque a reflexão epistemológica é interna ao domínio experimental,o que significa que é interna à área disciplinar concreta em queopera e a todas as outras áreas que sejam com aquela conexas,tendo em conta que no caso das estruturas lógico-matemáticasesse domínio é constituído pela lógica enquanto centro justificador.Como cobertura genérica da actividade do sujeito científico, for-mulando a teoria geral do sujeito cognitivo, encontra-se a psicolo-gia científica (que constitui ainda uma área experimental).

Passemos ao objecto científico. Enquanto a referenciação doobjecto estiver limitada às concepções teórico-operacionais de umúnico sujeito científico, as suas conclusões, as estruturas deconhecimento eventualmente determinadas, serão rigorosamente re-lativizadas a esse sujeito, o que identifica um subjectivismo que 99

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se opõe à necessária objectividade científica. Ora o projecto cientí-fico contém, como uma das suas condições básicas, a procura cteuniversalidade, o que implica a necessidade de superação dos dife-rentes graus de subjectivismo que vão sendo percorridos à medidaque uma dada disciplina científica caminha para a maturidade.

Isto é o mesmo que dizer que o objecto científico não podeser uma construção subjectiva, mas sim um resultado global dainvestigação colectiva — isto é, o objecto científico é uma cons-trução interna a própria ciência, elaborado em função dos conhe-cimentos disponíveis em cada fase da evolução científica (o queimplica que nunca seja uma construção a priori, mas sim o resul-tado de sucessivas e mais complexas aproximações do resultadocientífico ao dado exerimental).

Portanto, parece ser possível afirmar que a epistemologia*de acordo com a definição recolhida no início deste texto, não éum domínio rigorosamente interno a cada ciência (não haveráuma epistemologia da física, uma epistemologia da psicologia, etc.)nem é um domínio externo e autónomo (não haverá uma episte-mologia geral independente dos processos científicos concretos).A epistemologia situar-se-á num plano distinto, cortando os diver-sos «planos» constituídos pelas disciplinas científicas segundo umacurvatura acentuada que garanta a sua condição fundamental:análise crítica da génese dos conhecimentos utilizando o campointer disciplinar.

Não será inútil afirmar que a epistemologia é o reflexo, numoutro plano, da intersecção no tempo das áreas disciplinares quedefine o campo interdisciplinar, campo onde se definem os objectosepistemológicos (I, pp. 3-131).

3. O sujeito cognitivo

Terminada esta proposta de localização do domínio epis-temológico, passaremos agora a referir directamente a problemá-tica da epistemologia do sujeito humano. A intenção que aquise procura cumprir consiste na determinação das condições ne-cessárias da definição de sujeito científico que nos permitam,depois de combinadas com as condições de um objecto científicoparticular (o objecto social ou o objecto humano), elaborar ascondições que PIAGET impõe a um certo espaço disciplinar: as ciên-cias sociais ou humanas.

A pergunta determinante é: «como é que o homem conhece?»;o que é que o constitui como sujeito cognitivo e, desse modo, odefine como produtor de ciência? A resposta é complexa, na me-dida em que a rede de relações a considerar é plurivariante e nãoestá ainda suficientemente bem determinada.

A um nível muito geral, podemos desde logo identificar oefeito da estrutura do sistema nervoso e a lógica da sua formação(lógica biogenética que justifica os diversos estados estruturais),onde se situa a problemática biológica das sucessivas variaçõesadaptativas. Depois, o vector constituído pelos mecanismos com-plexos da psicogénese, que constituem o processo de conhecimento

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como uma longa sucessão genética de modelos «naturais». Aindaterá de ser referido o vector sociogenético, na medida em queé impossível recusar a rede complexa de efeitos que decorre dofacto necessário de os seres humanos constituírem um campooperacional colectivo. Terá também de ser incluído o vector infor-mático (ou vector de comunicação), que contém o processo decodificação e descodificação da informação (observável, experi-mental e teórica) e, por extensão, o processo que permite a pas-sagem do conhecimento para a sua expressão semiótica. Final-mente, será ainda necessário integrar nesta matriz complexa osconjuntos decisionais e estratégicos, decorrentes da lógica pro-babilística (subjectiva ou objectiva), que existem nos diferentes ní-veis da percepção, da organização experimental e da dedução lógicageneralizante.

A pergunta determinante atrás formulada bifurca-se em duassubquestões que, embora coexistentes no campo epistemológico,têm efeitos e manifestações temporais específicas: «qual o pro-cesso de formação dos conhecimentos?» e «qual o processo quecondiciona a sua superação qualitativa, ou seja, qual o processogenético que condiciona a passagem de uma estrutura de conheci-mento válido para a sua crítica e, depois, para a sua superação?»

A actividade perceptiva «consiste essencialmente em assegurara passagem de umas para as outras percepções, ou, dito de outromodo, em estabelecer semelhanças e diferenças entre as relaçõessucessivamente percebidas. Portanto, ela não é apenas uma sim-ples percepção: atinge a constituição de 'esquemas perceptivos'que são já esquemas de transformação, e não apenas uma leiturade relações estáticas» (V, p. 182). Antes de analisarmos os com-ponentes e efeitos da actividade perceptiva, será necessário estudaro conceito de esquema, que é estratégico na construção de PIAGET.

«Um esquema é um modo de reacções susceptíveis de sereproduzirem e, sobretudo, susceptíveis de serem generalizadas»(VI, p. 95); «o esquema de uma acção é [...] o conjunto estrutu-rado das características generalizáveis dessa acção, isto é, o con-junto daquelas características que permitem repetir a mesmaacção ou aplicá-la a novos conteúdos, Ora o esquema de uma acçãonão é perceptível (existe percepção de uma acção particular, e nãodo seu esquema) nem directamente introspectível, e só temosconsciência das suas implicações ao repetir a acção comparandoos seus resultados sucessivos» (III, p. 251); «[...] os esquemasmantém-se inconscientes enquanto uma 'abstracção reflectiva' nãoos transformar em operações» (III, p. 252); «os esquemas de acçãoconstituem a principal fonte dos conceitos» (VII, p. 385). Final-mente, refira-se o seu carácter genético: «os esquemas têm umahistória: há uma reacção mútua entre a experiência anterior e oacto actual de inteligência» (VIII, p. 87).

Confrontando estas definições de esquema com uma definiçãode conhecimento — «conhecer consiste em construir ou reconstruiro objecto de conhecimento de tal forma que se capte o mecanismodessa construção; [...] conhecer é produzir em pensamento detal forma que se reconstrua o 'modo de produção dos fenómenos'»(VII, pp. 441-442) —, compreendemos que o processo de conheci-

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mento se desenrola da actividade perceptiva para a construçãode esquemas, que serão, posteriormente, as fontes e os objectosda teoria.

Mas, para que o processo fique completo e, sobretudo, paraque se possa perceber o vector equilibrador (conservador) de todoe qualquer conhecimento («todo o conhecimento, seja de ordemcientífica ou derive do simples senso comum, supõe um sistema,implícito ou explícito, de princípios de conservação» (IX, p. 6),precisamos de introduzir dois novos conceitos: assimilação eacomodação.

«Assimilar, tanto psicológica como biològicamente, é repro-duzir-se a si próprio por intermédio do mundo exterior, é trans-formar as percepções até as tornar idênticas ao pensamento, istoé, aos esquemas anteriores. Portanto, assimilar é conservar, e,num certo sentido, identificar» (X, p. 142); «o acto de assimilaçãoé o facto inicial que engloba num todo a necessidade funcional,a repetição e essa coordenação entre o sujeito e o objecto queanuncia a implicação e o juízo» (XI, p. 46). Para que o conceitode assimilação fique melhor esclarecido, consideremos a introduçãode novos objectos: «os novos objectos que surgem à consciêncianão têm qualidades próprias e isoláveis. Ou são imediatamenteassimiláveis a um dado esquema já existente [...] ou são vagos,nebulosos, exactamente porque são inassimiláveis e criam umainadaptação de que resultará, mais cedo ou mais tarde, uma novadiferenciação dos esquemas de assimilação» (XI, p. 129).

A acomodação aparece-nos definida com um conteúdo muitodistinto, embora conexo: «em primeiro lugar, [a acomodação]designa uma actividade: embora a modificação do esquema deassimilação seja imposta pelas resistências do objecto, ela não éoriginada apenas pelo objecto, mas também pela reacção do sujeitoao procurar equilibrar essa resistência (que pode ser uma reacçãoimediata ou desenvolver-se ao longo de tentativas e de erros, etc).Mas, em segundo lugar, se a acomodação é ainda uma actividadeque consiste em diferenciar um esquema de assimilação, ela éderivada ou secundária em relação à assimilação» (XII, p. 44).

Resumindo, podemos partir da actividade perceptiva, consti-tutiva de esquemas, para a primeira formulação esquemática queé definida pela assimilação; perante a resistência do objecto àintegração nesse esquema surge a função acomodativa, que oreintegra num esquema de outro grau mais complexo, mas aindatemporário. Aparece de uma forma clara a evolução genética quese define ao longo destes processos.

Mas, entretanto, é possível encontrar uma síntese para osdois processos referidos de assimilação e acomodação, que é defi-nida pela função adaptação; esta define-se pelas «trocas imediatasentre o sujeito e os objectos, que se efectuam a distâncias espácio--temporais cada vez maiores e segundo trajectos cada vez maiscomplexos» (VIII, p. 14). Aqui surge um conceito, fundamentalpara a compreensão da actividade cognitiva, que PIAGET designapor descentramento. Mas, antes de o utilizarmos como vector fun-damental do processo científico» explicitemos melhor o conceito de

102 adaptação.

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«Como qualquer outra adaptação, é uma equilibração progres-siva entre um mecanismo assimilador e uma acomodação suple-mentar.» (XI, p. 13.) O carácter de síntese que se tinha propostopara este conceito é aqui bem claro. Mas mais importante aindaé a citação seguinte: «O acordo do pensamento com as coisase o acordo do pensamento com ele próprio exprimem a duplainvariante funcional da adaptação e da organização. Ora estesdois aspectos do pensamento são indissociáveis: é adaptando-seàs coisas que o pensamento se organiza a si mesmo e é organi-zando-se que estrutura as coisas.» (XI, p. 14.) Ê, pois, pela adapta-ção que se garante a estrutura: aquela não é mais do que a ade-quação ao «real» que esta reproduz ordenadamente. Isto justificaque se aproxime do conceito de adaptação o conceito estruturalfundamental de equilíbrio: o processo de adaptação «é a passagemde um equilíbrio menos estável a um equilíbrio mais estável entreo organismo e o meio» (XIII, p. 81), sendo possível transformaros termos biológicos nos seus equivalentes intelectuais (adaptaçãointelectual): organismo-sujeito, meio-objecto.

Mas a adaptação não só introduz a noção estrutural, comotambém é passagem para a noção funcional: «a ideia de adaptaçãonão é mais do que uma extensão da de funcionamento, englobandoas trocas entre o organismo e o meio: um organismo diz-seadaptado se essas trocas favorecem o seu funcionamento normale inadaptado se o entravam» (IV, p. 70).

Na figura 1 encontra-se graficamente resumido, em termosmuito simplificados, o percurso que até agora efectuámos:

SUJEITO

I ASSIMILAÇÃO

OBJECTO PERCEPDTAIVA ^ ~ E S Q U E M A ^ ^ ADAPTAÇÃO

^ f c ACOMODAÇÃO s ^

CONSERVAÇÃO

IEQUILÍBRIO

ESTRUTURACOGNITIVA

OBJECTO

Fig. 1 10S

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Apesar destes desenvolvimentos, ainda não nos é possíveldeterminar o processo completo de formação dos conhecimentos:ainda não encontrámos a condição fundamental da objectividade.

4. A actividade de descentração

Esta condição é garantida pela actividade de descentração:«é impossível, a qualquer nível, separar o objecto do sujeito. Sóexistem relações entre os dois, mas essas relações podem ser maisou menos centradas ou descentradas, e é nesta inversão de sentidoque consiste a passagem da subjectividade para a objectividade»(II, p. 16). Isto é, o grau de descentração é a própria condição daacção eficaz (conhecimento objectivo) sobre o objecto, na medidaem que o constitui em alteridade, afastando-se dos domínios pri-mitivos da ilusão subjectiva. Dito de outro modo, e com umaclareza notável: «a descentração perceptiva decorre da regulaçãodos movimentos executados pelo próprio sujeito para atingir oobjecto (fixação das centrações, ou seja, descentração)» (XIV,p. 206).

A objectividade é um produto necessário da actividade dosujeito enquanto a sua acção se conforma a, e determina, funçõesoperatórias eficazes que revelam (e desvelam) o objecto. No está-dio inicial da sua actividade, o sujeito encontra-se confundido como próprio objecto, num estado de ilusão subjectiva; é pela descen-tracção em relação a esses estádios iniciais que o sujeito consegue,simultaneamente, regular as suas actividades através de processosde coordenação produtores de eficácia e atingir as característicasespecíficas do objecto, corrigindo as deformações que tiveramorigem na centração inicial (veja-se VII). «A objectividade cons-trói-se graças à coordenação das acções ou operações, em vez deser o resultado imediato do jogo das percepções e associações.»(XV, p. 58.)

Esta concepção operacional e construtivista, que nos pareceser uma das mais decisivas contribuições de PIAGST, é o pontofulcral daquilo que se poderia chamar epistemologia optimista ouoperacional, em contraposição a uma epistemologia (muito fre-quente) que encobre na multiplicidade das variáveis possíveis dosobjectos reais um cepticismo básico que retira qualquer eficácia(operacionalidade) à própria reflexão epistemológica. PIAGET partede uma prática para, geneticamente (por aproximações dialécticassucessivas), construir o modelo operacional dessa prática: os ter-mos inicial e final, embora designados com a mesma palavra, jánão têm o mesmo significado. Ê isto o que se traduz noutrafrase brilhante: «[...] a obrigação formal de transcender conti-nuamente os sistemas já construídos para assegurar a não contra-dição é convergente com a tendência genética para superar conti-nuamente as construções já conseguidas para preencher as suaslacunas.» (III, p. 324.) PIAGET identifica o processo genético comosendo simultaneamente construtivo e reflexivo, «e o factor refle-xivo é, em parte, construtivo, do mesmo modo que o factor cons-trutivo é, em parte, reflexivo: a reflexão enriquece retroactiva-

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mente o elemento ulterior, enquanto a construção o incorporaefectivamente no interior de uma nova composição» (XIII, p. 300).

Tendo em conta os desenvolvimentos anteriores, podemosdeterminar três formas fundamentais no processo de formação doconhecimento e que são objectos de uma combinatória complexa:

i) Predeterminações — Localizam-se aqui as estruturas departida que existem em qualquer processo de desenvolvimentocognitivo; de facto, este nunca surge ab initio, mas sempre comoum resultado. Poderemos definir como base das estruturas gno-seológicas o processo de coordenação das acções humanas comvista a uma eficácia operacional. Mas ainda aqui há uma baseprimitiva: a estrutura das coordenações neurológicas. Entretanto,registe-se que PIAGET determinou a existência de um isomorfismoentre a estrutura das coordenações neurológicas e a estruturacomposta pelos principais factores da lógica proposicional, o quepermite elaborar um modelo genérico compreensivo das fases deevolução cognitiva extremamente importante.

ii) Processos aleatórios — A intervenção do acaso nos pro-cessos cognitivos é indiscutível, quer se manifeste na rapidez daadequação operatória ao objecto da acção, quer na intuição súbitado esquema perceptivo, resultado de uma adequação não previsível.A racionalidade probabilística define-se já a um nível pré-opera-tório, mesmo nas estruturas lógicas; mas faz-se sentir muitomais fortemente ao nível perceptivo, tanto na existência de errossistemáticos que se intercompensam de forma a permitirem umaacção eficaz, como em distorções ocasionais reveladoras de umaintencionalidade (formal ou prática) não visível ou, de qualquermodo, não evidente.

iii) Construções dirigidas — Podem ser determinadas querpor exigência externa ao sujeito cognitivo que se defronta coma incógnita que o objecto constitui (experiência científica, isto é,controlada e produtora), quer por exigência interna ao próprioprocesso cognitivo (construções operatórias de natureza dedutiva)(XVI, pp. 1135-1146).

Todas estas formas se combinam, em graus variáveis, emqualquer processo cognitivo. Entretanto, resta determinar quala forma objectiva da sua combinação. fi aqui que se introduz oimportante conceito de regulação que garante o equilíbrio estru-tural genético. Para PIAGET, as regulações são «compensações par-ciais que têm por efeito a moderação das deformações (ou trans-formações não compensadas) por retroacção ou por antecipação»(XVII, p. 46); a regulação é «um operador de moderação quediminui a transformação não compensada no sentido de uma rever-sibilidade aproximada» (XVIII, p. 80). Por outro lado, estabelece--se uma relação clara entre regulação e descentração: «as regula-ções são compensações parciais, devidas às descentrações, quetendem a moderar as deformações inerentes a cada centração.Portanto, a regulação orienta-se no sentido da reversibilidade econstitui o elemento intermediário entre a assimilação deformante(centração) e a assimilação operatória» (XIV, p. 170).

Na operação de regulação encontramos os três componentesatrás referidos: a operação cognitiva parte sempre de uma estru-

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tura dada que regista o conhecimento disponível ou a organizaçãobiológica (predeterminação), supõe a intervenção possível de doistipos de elementos aleatórios (elementos «perturbadores» internosou externos, em relação aos quais se define a regulação) e, ainda,pode estar na origem de uma construção dirigida do interior daregulação que traduza o processo complexo depois de efectivado(ex post) ou que condicione a finalidade prevista (ex ante).

Resumindo o que fica dito, agora a um nível mais elaborado,podemos considerar que a problemática central da epistemologiado sujeito humano é definida pela tripleta (predeterminação, acaso,construção) onde está definida a operação fundamental deregulação.

Tentando sintetizar o argumento anterior num esquema sim-bólico (mas que não é o único possível), poderemos elaborar oque a figura 2 representa e que completa o anterior:

SUJEITO

OBJECTO ACTIVIDADEPERCEPTIVA

ASSIMILAÇÃO

ESQUEMA

ACOMODAÇÃO

ADAPTAÇÃO

PREDETERMINAÇÃO

ACASO

CONSTRUÇÃO DIRIGIDA

CONSERVAÇÃO

IREGULAÇÃO

IDESCENTRAÇÃO

IEQUILÍBRIOOPERATÓRIO

ESTRUTURACOGNITIVA

OBJECTO

Fig, 2

106

5. Estrutura e génese

Para que a epistemologia do sujeito humano fique conve-nientemente analisada (dentro dos limites introdutórios destetexto) precisamos ainda de esclarecer a noção estrutural e deestudar a génese estrutural; iremos aí encontrar conceitos jádefinidos atrás e que, portanto, não serão considerados em por-menor; no entanto, os seus efeitos no interior da organização

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estrutural tornarão mais nítidas as suas funções na arquitecturada teoria geral de PIAGET.

A definição de estrutura proposta por PIAGET é compostapor três proposições:

1 — Ê um sistema de transformação que contém as suas leispor necessidade sistemática (internas ao próprio sistema) e que,portanto, são distintas das simples propriedades dos elementosque estão integrados no sistema;

2 — Estas transformações estão subordinadas a um processode auto-regulação, o que significa que qualquer novo elemento pro-duzido pelas transformações dos elementos estruturais é elementoda estrutura e, ainda, que a transformação não utiliza elementosque não sejam internos à estrutura; portanto, a estrutura é umconjunto fechado;

3 — O sistema de transformações pode conter subsistemasque sejam com ele compatíveis (partes próprias do conjunto total),o que permite trabalhar com estes subsistemas conservando agarantia da passagem ulterior ao sistema total (XIX, p. 566).

Tendo em conta o processo cognitivo, tal como foi descrito,podemos considerar que as três questões gnoseológicas fundamen-tais são as seguintes: i) desenvolvimento ou evolução que con-duza a produção gradual de formas organizadas, incluindo astransformações qualitativas que ocorrerão ao longo das fases; ii)problema da organização enquanto produção de formas equilibra-das ou sincrónicas; iii) questão das trocas efectuadas entre oorganismo cognitivo e o meio em que se situa.

Passando para a linguagem estrutural, diremos que os trêsproblemas fundamentais a explicar na análise da formação doconhecimento são:

1 — Produção de novas estruturas;2 — Equilíbrio estrutural, no sentido de efeito das regulações;3 — Processos de troca informática.

Da definição fundamental de estrutura extraem-se duas sub-famílias estruturais: as estruturas formais ou fechadas em sen-tido estrito e as estruturas genéticas ou estruturas em constituiçãoe reconstituição.

É à primeira subfamília que se pode aplicar directamentea definição fundamental. De facto, o seu carácter fechado é ime-diato, pois, quer seja o resultado de uma decisão axiomática, dasistematização da causalidade física obtida por via experimental,quer apenas a forma momentaneamente estável de um certo desen-volvimento de uma forma estrutural em evolução, a sua condiçãofinalizada (mesmo que temporária) garante a total eficácia domecanismo equilibrador de regulação, produzindo, portanto, o seufechamento; a estrutura identifica-se rigorosamente com as suastransformações internas e é independente do curso temporal (em-bora num intervalo mais ou menos extenso) :ou da organizaçãoespacial. Por outro lado, não será possível estabelecer, nestescasos, uma distinção entre estrutura e função, pois o funciona-mento de uma estrutura fechada reduz-se ao processamento das

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suas transformações internas possíveis; a própria troca é um pro-cesso interno e fechado1.

Nas estruturas em vias de constituição é logo possível esta-belecer uma distinção entre a função (por exemplo, a funçãocognitiva), que identifica a actividade estruturantes e a estrutura,que é o resultado estruturado obtido pela operação funcional.

A operação de regulação tem também um outro aspectoneste caso; o seu domínio não se limita a uma pré-correcção (que,obviamente, só é possível no caso da estrutura fechada), mas é,essencialmente, uma actividade equilibradora do erro (recorde-seo valor epistemológico do erro definido por BACHELAED; como sevê, o erro é um dos constituintes estruturais, desde que combinadocom o operador de regulação). Finalmente, o processo da trocadeixa de ser interno à estrutura para se desenvolver em contactocom os elementos exteriores. Daqui decorre que a estrutura emconstituição pode também ser entendida como um conjunto aberto(XIX, pp. 559-625).

6. Estrutura, função e significação

Como decorre do ponto anterior, as três grandes noçõesque surgem na análise teórica do processo cognitivo são a estru-tura, enquanto resultado estruturado do próprio processo, a função,enquanto actividade estruturante e, portanto, fonte de valores fun-cionais qualitativos ou energéticos, e a significação, enquantoelemento que permite ou condiciona a integração do estímuloinformático (significante) no conjunto elaborado (estruturado)pela função que atribui ao estímulo um significado — seja eleobjectiva e imediatamente integrável, ou apenas o início de umnovo processo de integração numa nova estrutura.

No entanto, é importante conseguir definir as condições depassagem deste nível teórico ou abstracto para o nível concretoda consciência do sujeito humano, procurando assim definir umaaplicação biunívoca entre dois conjuntos distintos e que consti-tuirá a justificação, em última análise, das condições de validadedo percurso teórico realizado.

No plano da consciência não encontramos estruturas abstrac-tas, mas sim um conjunto de regras ou normas, produto necessáriodos contactos dos sujeitos concretos com os objectos concretos nointerior de um determinado campo social; este sistema de regraspoderá ser analisado em função da sua composição lógica ou doseu fundamento imperativo ou repressivo, em função da sua ade-quação aos objectos a que se dirige ou do seu efeito alienante

1 Por sistema de transformação deverá entender-se a aplicação lógicade um conjunto T das leis de combinação operatória a um certo conjunto Ade elementos a operar. Assam, um sistema de eíquações a duas incógnitas; écomposto pelo conjunto T das regras algébricas de operação e por um con-junto A de onde se retiraram os valores concretos que se encontram nasduas equações; o sistema de equações é, pois, um siistema de transformação.

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enquanto mistificação das relações reais que se estabelecem entreo sujeito e o objecto, etc.

Mas no conjunto constituído pelo sistema de regras existemmecanismos operacionais ou de utilidade funcional que lhe trans-mitem a coesão necessária e que serão designados por valores;PIAGET estabelece uma distinção entre valores de finalidade, queincluem os valores normativos determinados pelas regras (valoresmorais ou valores estéticos) e valores de rendimento, que serelacionam com a análise dos custos e rendimentos ocasionadosna actividade concreta.

Entretanto, quer o sistema de regras, quer o conjunto dosvalores, não poderiam determinar a actividade humana se nãoexistisse o sinal enquanto expressão do significado da regra e dovalor. O sinal, objecto próprio da linguística na medida em queesta estuda o sistema colectivo da linguagem, tem, contudo, umdomínio mais vasto: a função semiótica em sentido lato, onde seincluem todas as formas possíveis de expressão enquanto impulsosinformáticos transmitidos através do selector cerebral (XIX, pp.565-620).

Assim se estabelece uma relação isomórfica entre os níveisteórico-abstractos e os planos prático-concretos, o que permite aBua análise comparativa crítica, de forma a produzir o significadodas suas distâncias eventuais (referenciadas topològicamente) e orespectivo processo de constituição (processamento dinâmico),

II. ANALISE DAS CONDIÇÕES DA PRATICA CIENTÍFICA

1. A dimensão epístémica: epistemologia interna e «derivada»

O primeiro percurso a realizar na procura de clarificaçãodeste objecto de análise consistirá na determinação da dimensãoepistémica que se encontra na constituição de qualquer ciência, ouseja, consistirá no estudo da constituição dos padrões epistemo-lógicos e do seu efeito na prática científica (particularizada numaciência concreta ou globalmente definida no interior de toda aactividade científica). O texto que nos servirá de apoio básico é,quanto a nós, um dos mais importantes que PIAGET escreveu sobreeste domínio específico; apesar de relativamente curto, sintetizamagistralmente as condições da sua formulação epistemológica.O seu título é «Les courants de Tépistémologie scientifique con-temporaine» (passará a ser designado pelo número de série XIX)e está publicado em Logique et Connaissance Scientifique, pp.1225-1271.

Da parte I recolhem-se já a definição de epistemologia (es-tudo da constituição dos conhecimentos verdadeiros e estudo dapassagem de um determinado estado do conhecimento para níveisde conhecimento mais desenvolvido, sendo ainda possível demons-trar a equivalência dos dois componentes da definição), a locali-zação da epistemologia (a epistemologia não é um domínio rigo-

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rosamente interno a cada ciência — não haverá iuma epistemologiada física, uma epistemologia da psicologia, etc. —, nem é um do-mínio externo e autónomo — não haverá uma epistemologia geralindependente dos processos científicos concretos. A epistemologiasituar-se-á num plano distinto, cortando os diversos «planos»constituídos pelas disciplinas científicas segundo uma curvaturaacentuada que garanta a sua condição fundamental: análise críticada génese dos conhecimentos utilizando o campo interdisciplinar)e o conceito de círculo epistemológico fundamental (o objecto sóé conhecido pelas modificações que sobre ele exercem as acções dosujeito, enquanto o sujeito só tem consciência de si próprio peranteas transformações que o objecto provoca nas suas acções).

De tudo isto decorre que a epistemologia pode ser constituídapor três formas fundamentais, agrupadas em dois grandes con-juntos, mas que nunca podem ser considerados em exclusividade:enquanto epistemologia interna e produtora da crítica dos métodose fundamentadora de uma ciência, e enquanto epistemologia «deri-vada» (externa a uma ciência concreta) e determinante das con-dições que tornam possível uma ciência.

Mas, antes de desenvolvermos o sentido a atribuir a estesdois conjuntos fundamentais (interno e «derivado»), será neces-sário recordar uma outra importante conclusão que decorre daparte I: o sujeito epistémico (o SÍUjeito que elabora o conhecimentocientífico) é radicalmente distinto do sujeito da consciência ime-diata, que está centrado em si próprio, envolvido na sua própriaproblemática e, portanto, incapaz de produzir estruturas inteligí-veis objectivas. Embora tudo isto já tenha sido referido no nossotexto anterior, é agora que esta distinção irá exercer todo o seuefeito, como teremos oportunidade de apontar na análise críticadas várias opções epistemológicas, nomeadamente no caso das»hipóteses fenomenológicas e estruturalistas ou, ainda, na análiseda distância entre uma produção metafísica e uma produçãocientífica2.

Clarificadas estas noções de partida, poderemos definir o do-mínio epistemológico como composto por uma epistemologia internae por uma epistemologia «derivada» (XIX, p. 1225). O domínioepistemológico é, pois, a designação que localiza toda a investi-gação crítica do acto científico, o que significa que é a esteconceito que se aplica a condição topológica do ser interno eexterno (simultaneamente) a qualquer ciência. Restará saber qualo significado de cada um dos termos que o compõem.

A epistemologia interna será constituída pelo exame críticodos métodos e fundamentos de uma ciência. Enquanto teoria dosfundamentos, a epistemologia interna procura justificar a inte-gração dos resultados científicos no domínio próprio da ciência

2 Sobre as condições gerais da análise da distância entre a metafísicae a ciência podem-se consultar as actas do debate (estranhamente) intituladoPsychologie et Ma/rxisme, publicado na «Collectio-n 10/18». Apesar do* nívelpouco elevado das intervenções, ainda terá algum interesse a comparaçãode PlAGET com Franciis JEANSON e Paul RICOEUR, por um lado, e com YvesGALLIFRET, por outro.

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considerada, enquanto legitima o método e demonstra a adequaçãodo resultado atingido com o objecto específico que constitui ocentro de análise dessa produção científica (interna a uma ciên-cia). Daqui decorre que a epistemologia interna define tambémum domínio epistemológico interno, que é parte do domínio epis-temológico global; decorre ainda, por simples manipulação dadefinição, que este domínio interno é necessariamente preenchidopelo próprio cientista que trabalha dentro dos «limites» de umaciência concreta: ao desenvolver a sua actividade, o cientista temde se interrogar sobre a realidade dos seus métodos, sobre a ade-quação dos seus resultados ao objecto, em última análise, sobreo próprio fundamento da ciência que pratica. Mas é importanteregistar que, neste estádio da investigação epistemológica, não énecessária uma análise interdisciplinar, comparativa dos váriosníveis da epistemologia interna (métodos, objectos de análise,adequação dos resultados científicos ao objecto de análise, funda-mentação da ciência). A epistemologia interna é rigorosamentedisciplinar.

A epistemologia «derivada» é constituída pelo estudo das con-dições que tornam possível uma ciência, o que obriga a estabelecera §íua relação com as outras ciências que se localizam na vizinhançada primeira e a levantar as questões epistemológicas gerais quese definem na relação do sujeito e do objecto nos mecanismosdo conhecimento. Isto é, na epistemologia «derivada» abandona-mos os «limites» de uma ciência particular para passarmos afocar o objecto dentro da relação que o sujeito com ele estabelece;como um mesmo objecto é simultaneamente considerado por diver-sas ciências — com pequenas diferenças de definição, que dependemdo modo de produção de cada ciência, enquanto este se traduz nadefinição do seu próprio «objecto teórico» — torna-se necessária,neste domínio epistemológico «derivado», a análise do tratamentoespecífico que as várias ciências «vizinhas» fazem deste objecto«pluriforme». Daqui se conclui, imediatamente, que o projecto daepistemologia «derivada» é interdisciplinar (XIX, p. 1225).

Ê agora altura de se levantar uma ambiguidade em relaçãoao termo «derivada». Se PIAGET não tivesse a precaução de meteresta palavra entre aspas, seríamos tentados a considerar que aepistemologia «derivada» derivava de qualquer outra coisa, o quea colocava numa situação de dependência em relação a uma outrarealidade (teórica) mais potente. Mas a produção epistemológicaserá sempre uma produção derivada, no sentido de que derivada produção científica, constituindo o seu domínio crítico, pelo quenão se compreende a utilidade desta designação. Uma outra formaambígua decorre de entendermos essa derivação como consequênciade uma subordinação a epistemologia interna, o que não pode seraceite na medida em que supomos ser clara a localização interna//externa à produção científica da investigação epistemológica,pelo que não pode ser entendida como estritamente dependentede processos internos. Portanto, a interpretação do termo «deri-vada» exige a consideração das aspas, que lá estarão para nosindicar que O seu sentido correcto se não define no espaço interpre-tativo da linguagem vulgar. Sem que tenhamos encontrado confir-

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mação objectiva em qualquer texto de PIAGET, propomos a seguinteinterpretação, exterior a esse espaço de vulgaridade: a terminologiaprovém do campo matemático, onde se afirma que o derivado deum conjunto 4 é o conjunto dos pontos de acumulação de A;por sua vez, o conceito de ponto de acumulação exige o conceitofundamental de vizinhança, no sentido em que se afirma que xé ponto de acumulação de um conjunto A se, qualquer que sejaa vizinhança de x, se encontra nessa vizinhança pelo menosum outro elemento do conjunto A que é diferente de x. Comose sabe, o conceito de ponto de acumulação está na base do con-ceito de limite (por exemplo, diz-se que Z é o limite de uma suces-são an se, por mais pequena que seja a vizinhança de Z, a partirde uma certa ordem de n todos os elementos de an estão contidosnessa vizinhança). Isto é, o conjunto derivado, o conjunto dospontos de acumulação de um conjunto, contém os limites para quetende esse conjunto; poderemos dizer que o derivado de um con-junto é o projecto da dinâmica desse conjunto. A epistemologiaderivada (agora sem aspas porque supomos que a ambiguidadeterá sido levantada através da sua relacionação com os conceitosoriginários de topologia matemática) definirá, pois, o conjuntode «pontos de atracção» para que tende a análise crítica da acti-vidade científica, o que implica que sejam os «pontos» para quetende o conjunto global constituído pela actividade científica,sendo esta considerada como respeitando a interacção dialécticaentre as várias disciplinas científicas (mesmo que longínqua, hásempre uma relação de contacto entre as diferentes formas deprática científica num concreto período histórico). Deste modose estabelece que a epistemologia derivada constitui um corpuscomjum às várias ciências — daí que se diga que o domínio epis-temológico derivado interroga a condição de possibilidade da ciên-cia (no sentido colectivo), pois conjuga as diferentes formas doconhecimento disponível.

Este resultado tem uma enorme importância para a determi-nação das condições do processo epistemológico. Como a naturezade todo o conhecimento se define sempre por uma relação entreo sujeito epistémico e o objecto (como se referiu na parte I), aepistemologia derivada de uma ciência tem por finalidade a deter-minação do efeito específico dessa relação no processo de conheci-mento que caracteriza essa ciência e a ciência como colectivo,exactamente porque não será possível determinar o efeito par-ticular do círculo epistemológico fundamental (inter-relação su-jeito X objecto) em cada ciência específica sem que se estabeleçauma correspondência crítica com as situações correspondentesnoutras ciências.

A impossibilidade que aqui se refere, como veremos mais àfrente, decorre do facto de os «objectos teóricos» de cada ciênciaparticular não esgotarem o objecto real que procuram reproduzirno espaço produtivo dessa ciência, ou, no caso das ciências dedu-tivas, origina-se na dificuldade em esgotar a potência axiomáticados resultados parcelares obtidos por manipulação dedutiva. Comohá sempre uma margem de inadequação entre o real e o «teórico»(no sentido material ou no sentido dedutivo, embora neste não

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se trate propriamente de inadequação, mas sim de parcialidadeno interior de uma estrutura em totalização progressiva), todosos «objectos teóricos» que, de algum modo, se referem a um certoobjecto real (ou axiomático) podem contribuir para a diminuiçãodesta margem de incerteza, desde que o seu tratamento científicogaranta as condições de intermutabilidade entre os vários camposcientíficos interessados (esta intermutabilidade poderá não serdirecta e imediata: o que é importante é que exista um algoritmode transformação que permita realizar as passagens). De qualquermodo, supomos que estará clarificada a exigência da comparaçãointerdisciplinar. Isto será ainda mais visível (embora com o mesmograu de evidência lógica) nos casos de «objectos teóricos» queexijam, por si mesmos, a pluridisciplinaridade.

Estabelecidas, com o rigor possível num texto introdutório,as zonas que compõem o domínio epistemológico, tentaremosagora, continuando a seguir a análise de PIAGET, definir os pontosnodais em torno dos quais se organizam as principais tendênciasda pesquisa epistemológica — quer na zona interna, quer na zonaderivada. Como será natural, estas principais tendências não sãoentendidas como susceptíveis de terem uma formulação unívocae completa; muito diferentemente, a sua descrição terá de serentendida como uma pesqtlisa (ainda epistemológica) de centroshomogéneos entre hipóteses provavelmente conflituais — de novose recuperam os conceitos de vizinhança e de pontos de acumu-lação, agora aplicados ao conjunto das opções orientadoras daprática científica que se verificam no interior do domínio epis-temológico.

i) Epistemologia interna: conjuntos fundamentais

Na determinação das correntes teóricas fundamentais que sedefinem na zona epistemológica interna, PIAGET encontra umaforma de composição invariante que utiliza sempre uma combi-natória de três termos. Ê neste sentido que se deve entender aconstituição de três conjuntos fundamentais de três elementos(tripletas) que a seguir descreveremos. O primeiro desses con-juntos referenciará a actividade de investigação enquanto práticaorientada para um certo objectivo epistemològicamente funda-mentado; o segundo procurará sintetizar as três hipóteses teóricasmais importantes para a fundamentação da ciência; o terceirotentará a conjugação de todos estes elementos em três opçõesteóricas fundamentais, que surgirão referenciadas ao conceitoprivilegiado de estrutura.

Entretanto refira-se uma precaução de leitura necessária parao entendimento do que se segue: o conteúdo destes conjuntos énecessariamente agregativo, no sentido de acumular numa mesmaclassificação simples conjuntos metodológicos e epistemológicosde grande complexidade e cuja eficácia teórica está localizada emperíodos históricos muito diferentes. Isto significa que o que aquise escreve são simples aproximações cómodas e não exaustivas

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a formulações que só podem ser analisadas, na economia destetexto, como tendências, e não na sua integridade.

Acrescente-se um outro ponto relevante. A origem históricada questão epistemológica encontra-se na problemática filosóficada possibilidade do conhecimento, pelo que o recurso a desenvolvi-mentos filosóficos é inevitável. Entretanto, a «cultura» filosóficadas ciências sociais é muito diminuta, especialmente após a cele-brada «morte» da filosofia, o que faz surgir o paradoxo, estrita-mente aparente, de a questão epistemológica se desfazer em múl-tiplas questões de método, internas a cada ciência, exactamenteporque produzidas pelos investigadores que nelas trabalham. Estaserá uma origem da proliferação epistemológica actual, que maisnão são do que discursos repetitivos de esquecidos discursos ori-ginais. E este é um motivo para salientar a importância da ten-tativa de PIAGET quando procura referenciar a coordenadas filosó-ficas a prática científica contemporânea.

A primeira tripleta é apresentada na forma:

<determinação de estruturas irredutíveis,actividade reducionista,construção progressiva de estruturas >

O primeiro elemento desta tripleta representa, na sua formaabreviada e um tanto rígida (recordemos que não estamos a tra-balhar com definições válidas em si mesmas, mas apenas comdesignações tendenciais que procuram registar as condições geraisde correntes epistemológicas, que são sempre muito mais complexasdo que o que estas tendências gerais permitem mostrar), a concep-ção de que há estruturas essenciais que não podem ser reduzidas aelementos mais simples, de que as leis de uma estrutura, enquantoconjunto complexo, não podem ser reduzidas às propriedades dosseus elementos. Deste modo, a estrutura aparece como um factoinicial e essencial, que encontra a sua justificação em essênciasapriorísticas e transcendentes que só podem ser captadas global-mente. Uma tradução histórica deste elemento epistemológico édeterminável no vitalismo, que afirma que os fenómenos da vidapossuem características sui generis, manifestando a existência deuma «força vital» que é irredutível às forças da matéria inerte —•o que implica uma distinção radical entre o fenómeno da vidae os fenómenos físicos e químicos. Uma outra tradução históricaé identificável na «Gestalt», especialmente na concepção da «formaperfeita». Genericamente, todas as posições piatonistas consideram,no seu núcleo, a existência de uma irredutibilidade essencial, o quese manifesta privilegiadamente na construção platonista da mate-mática (CANTOR,, Bertrand RUSSELL).

O segundo termo desta tripleta identifica uma posição episte-mológica em que se afirma a possibilidade de passagem do inferiorao superior, do simples ao complexo. A redução que aqui seprocura legitimar exige a determinação de um isomorfismo rigo-roso entre dois conjuntos de dimensão distinta; este isomorfismogarantirá que, apesar do aumento da dimensão do conjunto cienti-ficamente referenciado, todas as propriedades do conjunto mais

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pequeno estão totalmente reproduzidas no conjunto superior. Istoé, a diferença de dimensão não provoca qualquer alteração nasrelações definidas entre os elementos, o que só é possível desdeque as relações entre os conjuntos (e entre os seus elementos)sejam da forma geral da relação de dependência (inscritas numsistema de dominação), e não da forma da relação de interdepen-dência 3. Um exemplo típico de tradução histórica desta concepçãoestá na afirmação da possibilidade de determinar as propriedadesgerais da organização social a partir do estudo integral dos indi-víduos enquanto entidades isoladas, atomizadas, posteriormentecombinadas de forma a constituírem o colectivo social sem que seponham em causa os resultados obtidos na análise individual.Uma outra forma típica, recolhida no campo psicanalítico, consis-tirá na passagem de relações analíticas, orientadas em torno de«fantasmas» particulares, para uma generalização para «fantas-mas» colectivos que justifiquem uma «psicanálise da sociedade»,ou, o que é semelhante, na afirmação de que é possível funda-mentar a prática psicanalítica com os elementos recolhidos numaauto-análise singular, necessariamente centrada na problemáticapessoal do analisado/analisando.

O terceiro elemento, a construção progressiva de estruturas,não estabelece qualquer privilégio aprioristico nem afirma a pos-sibilidade de explicação de estruturas complexas através de estru-turas mais simples; muito diferentemente, o único privilégio queadmite é definido em termos operacionais, em termos de resultadoobtido: a regra fundamental de validade do processo científicoserá a adequação do resultado teórico ao objecto real. Utilizandoos termos de PIAGET explicativos do conteúdo deste elemento datripleta: «[...] no campo das ciências físicas, o construtivismo en-contra-se na própria interpretação da causalidade, na medida emque esta, embora seja concebida como uma dedução de leis, não sereduz a uma simples identificação entre o efeito e a causa, masserá assimilada a uma construção operatória aplicada ao real.

3 Expliquemo-nos, pana evitar equívocos e porque consideramos funda-mental esta afirmação para a definição do nosso argumento. O método ite-rativo, que permite passar de 1, 2, S para n, só é possível desde que a relaçãoestudada seja linear, onde, portanto, não haja lugar para interdependência(pois esta traduz-se sempre nalguma forma de circularidade), ou onde,peio menos, seja possível trabalhar com relações de dependência garantidaspor uma relação de dominação de um conjunto sobre outro (A domina Bse nenhuma decisão de A puder ser contrariada [equilibrada] por umadecisão de B). A passagem do inferior ao superior por mero somatório, osalto do simples para o complexo, a passagem de sistemas teóricos maisfracos para sistemas teóricos mais fortes, são exemplos equivalentes dopostulado epistemológico da linearidade (contra a interdependência, a circu-laridade dialéctica e um sistema teórico de dominações oscilantes).

Resgiste^se, entretanto, que, ao abandonar a validade universal do pos-tulado da linearidade, ficam em aberto questões teóricas fundamentais, entreas quais distinguimos: 1) Qual o referencial adequado para localizar opercurso das inter-relações? 2) Como evitar as circularidades infinitas?3) Como ordenar a oscilação das dominações1 entre os diferentes conjuntos eminter-Mação? É fácil ctemoostrar quê, na generalidade dos casos, a linea-ridade é teoricamente insuficiente; mas outra coisa é encontrar um substitutoeficaz siem cair num dogmatismo de ordenação.

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Do mesmo modo, nas ciências dedutivas reconhece-se o construti-vismo numa certa maneira de interpretar a dedução, que não sereduz a tautologias analíticas ou a sínteses retiradas de estruturasa priori, mas que salienta o papel das operações constituintes.»(XIX, p. 1229.)

A segunda tripleta tem a forma:< intuições primitivas,composição atomística,método relacional >

Esta segunda tripleta da epistemologia interna já não se cen-tra na interrogação sobre os processos de investigação, mas simna questão do fundamento da ciência enquanto prática orientadapara o preenchimento do vazio que é criado pela incógnita. ParaPIAÇET, a intuição primitiva é uma posição epistemológica quedefende, no campo dos fundamentos científicos, o carácter irredu-tível de certas intuições, pelo que o recurso às intuições primitivasconduz às tendências anti-reducionistas que foram determinadasna primeira tripleta da epistemologia interna da actividade cien-tífica.

O segundo elemento da segunda tripleta identifica a concepçãoque afirma serem as propriedades de um sistema integralmenteexplicáveis pelas propriedades dos seus elementos. A afirmaçãode que todos os fenómenos são reconduzíveis, em última análise,à combinação dos elementos simples está em relação evidentecom a prática científica reducionista; mais exactamente, aquelaé o fundamento desta.

O terceiro elemento, a que PIAGET chama método relacionalou relativista, introduz uma dupla relatividade no processo cientí-fico em função das interações sincrónicas e da diacronia (con-forme desprezam ou consideram a variável tempo). O métodorelacional não considera nenhum conceito como dispondo de umavalidade absoluta, mas trabalha apenas com relações onde o valordos termos depende das próprias formas relacionais e dos refe-renciais onde estão definidas. O método relacional recusa os ele-mentos que são previamente isolados sem ter em conta a relaçãode totalidade em que estão inseridos (método atomístico da aná-lise linear) e não admite as totalidades que derivam de intuiçõesprimitivas (síntese global ou totalitarista do anti-reducionismo).A construção relativista parte de relações que já considera totali-zantes e que conduzem a estruturas globais, mas sem as entendercomo formas apriorísticas nem as desprezar ao longo do processode produção científica: o projecto relativista é uma composiçãode interacções simultaneamente diacrónicas e sincrónicas quedefinem uma genética estrutural. Deste modo, torna-se claro queo método relacional leva à consideração de círculos genéticos«desenhados» em tomo do objecto, que conduzem a espiraisdialécticas.

O relativismo inerente a este método decorre da variação dereferenciais, que ocorre sempre que alteramos a complexidade dasinter-relações entre os elementos na tentativa de construir o es-

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quema (teórico) representativo das condições do objecto real,analisado a partir de múltiplos pontos de referenciação.

Essa construção progressiva de relações cada vez mais com-plexas justifica (e exige) uma genética própria do processo cientí-fico, de que decorre a necessidade de uma referenciação diacrónica(introduzida pela variável tempo e traduzida na periodização dasvárias fases da evolução científica), ao mesmo tempo que se exigea coerência sincrónica em cada momento deste percurso tendencialpara o objecto (apesar de provisórios, os «conteúdos» científicosde cada momento terão de ser estruturalmente coerentes ou, então,não poderão atingir o estatuto de conhecimento, como decorre doque expusemos no artigo anterior).

De tudo isto se conclui, sem dificuldade, q"ue há uma relaçãoepistémica entre a construção progressiva de estruturas e o mé-todo relacional ou relativista.

Assim se atinge a terceira tripleta, que tem a forma:

<estruturalismo sem génese,genética sem estrutura,estruturação genética e genética estrutural>

Esta terceira tripleta é a mais complexa de todas, muitoembora ela fosse já previsível a partir das duas primeiras triple-tas; isto é, definidas as condições comuns (vizinhas) da epistemo-logia interna do processo científico, tal como elas se manifestamem cada ciência (primeira tripleta), e a fundamentação internade cada ciência (segunda tripleta), aparece agora a tradução finaldesses dois planos numa síntese que já estava inscrita na lógicada relação entre as duas primeiras tripletas.

Entretanto, logo ao nível da designação dos elementos destaúltima tripleta coloca-se o problema de saber até que ponto aquestão da sua validade se põe apenas no caso das ciências bioló-gicas e psicossociológicas, cujo objecto exige as noções de história,de evolução e de génese. Não haverá dúvida em aceitar que, nestescasos, a consideração dos elementos da terceira tripleta é funda-mental para a caracterização dessas ciências, mas já a mesmaconclusão se não poderá atingir imediatamente no caso das ciên-cias exactas ou naturais e no caso das ciências matemáticas. Mas,se analisarmos estas últimas ciências do ponto de vista do pro-gresso das suas formulações, enquanto estas procuram definiruma vizinhança cada vez mais apertada em relação ao seu objecto,parecerá clara a importância da sua posição genético-estrutural,nomeadamente no que se refere à estabilidade das suas proposiçõescientíficas e à caracterização de zonas marginais ou fronteiriçasque a prática científica procura preencher.

Acrescente-se ainda que, por uma «coincidência» histórica (aque não é alheia a obra de PIAGET, mas que tem a sua lógicadispersa por um vasto campo da produção científica contemporâ-nea), a dinâmica entre a genética e o estruturalismo assume, nosnossos dias, um papel fundamental para a concretização do actocientífico. Evidentemente, é possível encontrar exemplos muitoconcretos da tensão entre a génese e a estrutura nas diferentes

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fases do pensamento científico; mas, enquanto em muitas dessasfases a solução dessa tensão não era decisiva (pelo menos tempo-rariamente), actualmente esse é um dos núcleos centrais da inter-rogação epistemológica — isto é, trata-se de um ponto nodal daproblemática científica. De facto, o relativismo interno à ciênciacontemporânea (teoricamente fundamentado e praticamente obser-vado) cria uma tensão específica entre a procura da regularidadedas leis estruturais, estáveis e auto-equilibradas (recorde-se o con-ceito de estrutura exposto na parte I) e o seu carácter provisório,temporal, que faz surgir a necessidade de determinar a coerênciagenética entre as diversas fases provisórias e internamente coe-rentes 4.

O estruturalismo sem génese é a forma tradicional do intui-cionismo e da irredutibilidade estrutural, em última análise refe-renciáveis a posições platonistas (especialmente fortes na mate-mática e na lógica). Independentemente dos seus exemplos típicosdo vitalismo biológico, de certas concepções fixistas de COMTE eDURKHEIM na sociologia e da teoria da Forma (Gestalt) na psi-cologia, sobressai um certo sector do método estruturalista con-temporâneo, directa ou indirectamente fundamentado nas investi-gações de LÉVI-STRAUSS, que afirma ser possível a determinaçãode estruturas invariantes que explicarão, em última análise, osfenómenos ocasionais historicamente localizados. Este estrutura-lismo fechado (no sentido de ser imutável perante novas informa-ções de origem científica ou histórica, considerando-as como umacombinatória no interior de uma teoria) poderá produzir resulta-dos importantes em campos de análise limitados, mas dificilmentepoderá assumir a qualidade dogmática de um método universal-mente válido. Aliás, talvez não seja impossível demonstrar que asdificuldades inerentes à utilização de intuições «primitivas» obri-gam este estruturalismo fechado a manter-se, com resultadossignificativos, ao nível da crítica literária e plástica e ao nível dasciências dedutivas.

A hipótese reducionista, fundamentada na concepção de umacomposição atomística dos objectos científicos, conduz à acentua-ção da genética em prejuízo quase absoluto da estrutura, como étípico da atitude empirista, que verifica o movimento sem conse-guir encontrar a relação mais profunda (e mais importante) queesse movimento estabelece entre dois (vários) estados organizados(estruturados) do objecto. A posição empirista, quer a analisemosem termos da sua lógica atomista, quer em termos da possibilidadereducionista em q*ue baseia a sua prática, pressupõe a existênciapermanente de uma estruturação do objecto que é independentede qualquer actividade constituinte do sujeito analista, sem o quenão estaria garantida a passagem de sistemas de menor comple-xidade para outros de maior complexidade, como já se viu naanálise do segundo elemento da primeira tripleta. É essa estrutu-ração independente que justifica o desprezo pela construção estru-

4 A análise desta tensão entre a regularidade da lei e o seu valorprovisório e temporal será retomada mais à frente.

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tural, pois aquela é considerada como estando sempre presenteno objecto e captável por simples observação.

Finalmente, a posição construtivista procura realizar a sínteseentre os conceitos, em tensão recíproca, de génese e de estrutura,através da sua dupla preocupação em determinar uma coerênciasincrónica no fenómeno estudado (coerência estrutural, enquantose entende a estrutura como um sistema de transformações, isto é,como um sistema onde estão inscritas as transformações possíveispara um certo objecto teórico, para um objecto estruturado, nosentido de dispor de uma estrutura) e uma coerência diacrónica(coerência genética, que dá conta da passagem entre vários esta-dos estruturais ou, até, da passagem de uma estrutura para outraestrutura). Assim se estabelece uma estruturação genética —sis-tema de transformações— e uma genética estrutural, ou teoriada passagem.

Tendo em conta as considerações anteriores, é possível reor-denar os elementos das três tripletas fundamentais da epistemo-logia interna numa matriz epistémica interna onde se registam asopções fundamentais (em termos de vizinhança) que a históriadas ciências fornece.

Afectando um índice a cada um dos elementos, teremos:

estruturas irredutíveis (Ia)intuições primitivas (2a)estruturalismo sem génese (3a)redução (lb)composição atomista dos objectos científicos (2b)genética sem estrutura (3b)construção progressiva de estruturas (Ie)método relacional (relativista) (2c)estruturação genética estrutural (3c)

e a matriz epistémica interna terá a forma seguinte:

da)(lb)(Ie)

(2a)(2b)(2c)

(3a)(3b)(3c)

A determinação dos vectores-linhas da matriz epistémicainterna define as opções globais possíveis no campo epistemológicointerno e que designaremos por:

(a) : [Ia, 2a, 3a] : anti-reducionismo(b) : [lb, 2b, 3b] : reducionismo

(c) : [Ie, 2c, 3c] : construtivismo

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o que define uma nova tripleta fundamental da epistemologiainterna

< anti-reducionismo,reducionismo,construtivismo>

que será combinada com os elementos fundamentais da epistemo-logia derivada de forma a estabelecer a rede epistémica geraidisponível no domínio científico contemporâneo.

ii) Epistemologia derivada: quadro epistémico

Recordando que a epistemologia derivada trabalha com oconjunto ternário (sujeito, objecto, interacção sujeito X objecto),podemos realizar a combinação da tripleta fundamental da episte-mologia interna com este conjunto ternário. Entretanto, estacombinação tem duas formas possíveis, conforme mantivermos ostermos da matriz epistémica interna (que é, portanto, um factoressencial da epistemologia derivada) ou realizarmos a transfor-mação destes termos em definições gerais de correntes de pensa-mento. Na medida em que o valor informativo das duas formasgerais é diferente, achamos importante o registo de ambas.

A primeira forma geral do quadro epistémico, que contém amatriz epistémica interna sem qualquer transformação, é a se-guinte :

Objectocientífico

Sujeitoepistémico

Interacçãosujeito XX objecto

ANTI-REDUCIONISMO

1. Definido e inte-grado em estru-turas irredutíveis

2. Operando comintuições primi-tivas

3. Estruturalismosem genética

REDUCIONISMO

4. Passagem desistemas maisfracos parasistemas maisfortes

5. Operando comcomposição ato-mística

6. Genéitica semestrutura

CONSTRUTIVISMO

7. Construção pro-gressiva de es-truturas

8. Operando comum método re-lacional (relati-vista)

9. Estruturalismogenético e gené-tica estrutural

Em função das análises explicativas já feitas nas páginasanteriores, supomos não serem necessários novos aprofundamentosdo sentido destas classes (que, e é importante não o esquecer,deverão ser entendidas em termos tendenciais, em função de vizi-nhanças que PIAGET considerou significativas).

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Passaremos, pois, à segunda forma geral que constitui a redeepistémica propriamente dita:

Objectocientífico

Sujeitoepistémico

• •

Interacçãosujeito XX objecto

ANT1-REDUCI0NISM0

1. Platonismo

2. Apriorismo

3. Fenomenologia

REDUCIONISMO

4. Empirismo

5. Nominalismo

6. Identificação

CONSTRUTIVISMO

(7. «Dialéctica danatureza»)

(8. Eelativismohistórico)

9. Dialéctica

Não será possível fazer aqui uma análise pormenorizada decada um dos nove pontos que fazem parte deste quadro, até porqueisso obrigaria o texto a atingir proporções incomportáveis. Noentanto, são necessárias algumas observações ocasionais.

A primeira tripleta (que agora aparece como vector-coluna)é, segundo PIAGET, bem definida e inteiramente realizada. O seucentro comum é o recurso a realidades transcendentais concebidascomo essências independentes de qualquer sujeito (platonismo),como produto de um sujeito transcendental com as suas intuiçõesa priori (apriorismo), ou como as duas coisas simultaneamente(fenomenologia). Por outro lado, PIAGET considera que há umaseparação radical entre este vector e os dois seguintes, sendo ocritério separador constituído pela não aceitação, por parte destes,de qualquer hipótese transcendental.

No que se refere ao vector-coluna incluído na designação dereducionismo, a lógica dominante assenta na identificação doselementos simples aos elementos complexos, que é permitida atra-vés de um nominalismo referencial traduzido, por exemplo, naelaboração de modelos abstractos (eventualmente algébricos) quepretendem representar (nomear) os fenómenos empiricamente de-terminados (o que ainda é uma forma de identificação redu-cionista).

Em relação a este vector é já possível estabelecer uma críticaque, no campo epistemológico contemporâneo, é definitiva. Actual-mente, a prática exige o recurso a sistemas mais fortes para ex-plicar os sistemas mais fracos, em total oposição com a hipóteseepistemológica reducionista. O jogo da variação de referenciais,o jogo da determinação das potências demonstrativas dos esquemasconstituídos é determinante na prática científica. Simultaneamente,noções que inicialmente são independentes podem vir a mostrar-seinterdependentes (a expressão de um comprimento, na teoria darelatividade, depende da velocidade e, por consequência, do tempo,enquanto o intervalo temporal depende reciprocamente do espaço).Daqui decorre que a prática reducionista no inteiror de uma 121

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ciência a torna impossível (crítica epistemológica da possibilidadedessa prática, o que releva dos domínios da epistemologia derivada,na medida em que esta estuda a ciência possível).

Quanto ao último vector, não será necessário explicar empormenor o seu significado, em função dos desenvolvimentos daspáginas anteriores. Entretanto, há um ponto importante no quese refere aos elementos (7) e (8). Tanto no vector anti-reducio-nista como no vector reducionista, a localização do sujeito e doobjecto está determinada com todo o rigor, existindo sempre umaseparação fundamental entre eles; no vector construtivista, pelocontrário, a ligação sujeito-objecto é muito complexa, embora nãose reduza a uma confusão entre os dois elementos, pois, como jávimos, a qualidade fundamental do sujeito epistémico é a desceu-tração do sujeito em relação ao objecto. De qualquer forma, a com-plexidade dessa relação não permite estabelecer uma divisão clarado construtivismo em termos de sujeito e de objecto, pelo que, comoo próprio PIAGET propõe (XIX, 1243), os elementos (7) e (8) deve-riam ser vazios, pois não têm uma realidade autónoma. Aliás, jáse tinha sentido isso mesmo quando fazíamos a descrição, dentroda epistemologia interna, dos elementos que vieram a constituiro vector constrtitivista, pois dificilmente se conseguia estabeleceruma distinção entre os conteúdos dos três elementos deste vector,o que nos obrigava (seguindo PIAGET )̂ a repetir combinatóriastautológicas das suas características.

A distinção fundamental entre este vector e os dois anteriorespode-se estabelecer em termos da atitude do sujeito epistémicoperante o objecto que analisa. No vector anti-reducionista e novector reducionista (que constituem a epistemologia clássica) oconhecimento é especulativo, resultante da contemplação do objectopelo sujeito do conhecimento. O vector construtivista é radical-mente distinto: «consiste... em considerar o conhecimento comoligado a uma acção que modifica o objecto, que só o atinge atravésdas transformações introduzidas por esta acção. Neste caso, osujeito já não está em face do objecto — e noutro plano—, olhan-do-o tal como ele é ou através de uma visão estrutiurante: o sujeitomergulha no objecto através do seu organismo» necessário à acção,e reage sobre o objecto, enriquecendo-o com os resultados da suaacção; isto é, o sujeito e o objecto estão agora situados exacta-mente no mesmo plano, ou, antes, nos mesmos planos sucessivosque vão surgindo com as modificações da escala espacial e comos desenvolvimentos genéticos e históricos. Em resumo, já nãohá fronteira entre o sujeito e o objecto: o sujeito prolonga-senos seus instrumentos ou nos aparelhos inseridos no objecto, domesmo modo que a sua lógica e as suas matemáticas traduzemas estruturas progressivas da coordenação das suas acções, coorde-nação cujas fontes remontam até às coordenações neurológicase orgânicas» (XIX, p. 1244).

Desta longa descrição dos conteúdos dos domínios epistemo-lógicos decorrem duas conclusões fundamentais:

Uma hipótese epistemológica só poderá ser aceite se nãoentrar em contradição com os dados histórico-críticos ou

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com os dados genéticos que registam a relação de adequaçãodo objecto científico com o objecto real;

As epistemologias que operam no campo cientifico contem-porâneo definem-se em torno do círculo epistemológico fun-damental, tal como é definido em IV, p. 84, e atrás citado,ou seja, na relação sujeito X objecto. Tendo em conta acrítica feita ao reducionismo, isto significa que são actual-mente operacionais, na prática científica, apenas a fenome-nologia e o construtivismo genético.

2. A epistemologia oonstrutivista

Neste ponto do nosso percurso, que procura recolher os prin-cipais «momentos» do pensamento epistemológico de PIAGET, já estádefinido o referencial que localiza as opções fundamentais que seencontram no campo epistemológico e que sintetizamos no quadroepistemológico atrás derivado. Na medida em que tudo nos con-duziu para a opção construtivista, passaremos a tentar derivaras condições epistemológicas que determinam o seu método, o seufundamento, e justificam a sua possibilidade enquanto práticacientífica.

O primeiro ponto genérico da epistemologia construtivista(agora entendida quer no seu domínio interno quer no seu domínioderivado, sem que estabeleçamos qualquer distinção rígida entreeles) estará no teste permanente dos resultados científicos obtidos,ou seja, na determinação da «eficácia das construções submetidas,sem privilégio, às condições comuns do controle e da coerência»(XIX, p. 1259). Este ponto tem uma especial importância para aclarificação da opção construtivista, até porque a equivalência quese pode estabelecer entre o construtivismo e a dialéctica encobre,muitas vezes, a confusão entre o estatuto não privilegiado dasconstruções temporárias e o estatuto supra-experimental que éconcedido a investigações que utilizam uma concepção formalistado método dialéctico. A qualidade formal desta concepção — inde-pendentemente dos interessantes resultados que uma manipulaçãodedutiva de variáveis formais possa produzir— poderá originaruma situação de «esquizofrenia teórica», no sentido de que oresultado formal, o produto teórico de uma combinação teóricade elementos no interior de uma estrutura teórica, aparece comoa «realidade essencial» do objecto analisado. Entretanto, essa«realidade essencial» é determinada em termos do tratamento coe-rente de um certo objecto «teórico» (objecto construído no interiorda ciência e compatível com o conhecimento que essa ciência pro-duz quando defronta o objecto real que se procura reproduzir noobjecto «teórico»), coerência que, por necessidade epistemológica,ainda é interna ao conhecimento disponível. A «esquizofrenia» seráo efeito da distância entre o objecto «teórico» e o objecto «prático»,distância que, na concepção formalista, é desprezada pela conside-ração privilegiada dos elementos «teóricos», que garantem umacoerência rigorosa, mas que implicam um fechamento da estruturacognitiva. Não haverá dúvida de que aqui, como em muitas outras

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descrições anteriores, estamos a referir casos extremos, pois serádifícil encontrar exemplos absolutos deste idealismo total. Masisso não impede que se detectem casos que se aproximam destaposição, em que o método acaba por surgir com um estatutosupracientífico e alguns dos seus resultados penetrados de umavaloração metafísica. Será evidente que a dialéctica formal queaqui se contempla não retoma, ao nível da generalidade epistemo-lógica, a exigência de uma confrontação permanente com o real,muito embora possa afirmar a sua intenção de o fazer. Esseabandono do nível operacional é o resultado de uma circularidadeexegética que limita a «invenção» à interpretação de discursosteóricos já inscritos (a que se atribui uma valoração universal--metafísica) no espaço científico, em lugar de produzir o preenchi-mento das fronteiras abertas desse mesmo espaço científico. Emtermos do sistema quaternário proposto por PIAGET para a pro-dução científica, analisado à frente, a posição formalista garanteo privilégio da interiorização e da retroacção em prejuízo daobjectivação e da progressão.

Esclarecido este ponto prévio, retornemos ao construtivismocrítico, analisando as condições que exige essa crítica permanentedos resultados científicos, fundamentada na eficácia ou operacio-nalidade do produto da ciência.

Começaremos com uma referência à variância do objecto cien-tífico e do sujeito epistérnico.

Em relação às modificações do objecto ao longo do processocientífico, encontramos dois factores fundamentais que as justifi-cam e indicam. Em primeiro lugar, o objecto distribui-se porvárias escalas de observação no interior de um mesmo referencialenglobante, ou seja, o objecto não existe integralmente num únicoplano. Mais rigorosamente, como afirma Charles Eugène GUYE(citado por PIAGET: XIX, p. 1261), «a escala cria o fenómeno».Isto implica que o objecto real exista, em diferentes formulações,como objecto científico de várias zonas operacionais de uma mesmaciência e que se reflicta ainda na prática de diversas ciências queestejam numa relação de vizinhança. Em segundo lugar, e namedida em que «a leitura do facto ou a construção de modelosinterpretativos não são possíveis sem a intervenção das acçõese operações do sujeito, elas variam não só em função da escalade observação, mas também em função da fase de elaboraçãodestes esquemas assimiladores [...] Define-se aqui um primeiromotivo de desenvolvimento na direcção da objectivação, na medidaem que os conflitos e os desequilíbrios surgem continuamente dasdiferenças de escala, das inadequações entre os factos e os esque-mas assimiladores e das oposições entre os esquemas» (XIXp. 1261), o objecto varia em função da fa&e de elaboração dosesquemas assimiladores.

Daqui decorre uma primeira conclusão fundamental no quese refere ao objecto da ciência construtivista: este objecto é umobjecto construído. Temos utilizado, para identificar o objecto dainvestigação científica, duas designações: objecto científico eobjecto «teórico». A justificação da primeira encontra-se ao níveltautológico, enquanto a segunda se socorria das aspas para

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traduzir a falta de rigor que decorria de uma utilização espontâ-nea. Se é sempre possível manter a tautologia da primeira designa-ção, já podemos agora levantar a ambiguidade da segunda, defi-nindo-a rigorosamente. O objecto teórico, mais de que ser o objectoque é contemplado na actividade científica, é um objecto construídono interior de um campo teórico coerente e rigorosamente refe-renciado à sua específica escala de observação; por outro lado,o facto de ser produzido num campo teórico coerente faz dependera sua definição do conhecimento disponível para essa escala deobservação específica, ou seja, da fase de elaboração dos esquemasassimiladores. Finalmente, é um objecto em mutação, conse-quência da actividade pluriconflitual que o construtivismo integrana prática científica (conflitos e desequilíbrios decorrentes davariação de escala, da inadequação da relação fenómenos-esque-mas de assimilação e das oposições entre esquemas) e que écondição (através da definição dos esquemas de assimilação) daoperacionalidade.

Mas também o sujeito epistémico apresenta um intervalo devariação significativo. Em primeiro lugar, a sua actividade decoordenação, que constitui a sua inteligibilidade científica, dependedo campo instrumental de que dispõe para constituir a sua relaçãocom o objecto. Em segundo lugar, também o sujeito não existenum só plano, pelo que as suas próprias variações de escala deter-minam a forma da sua produção científica.

Esta variância do sujeito epistémico exerce também um efeitofundamental na construção do objecto teórico; de facto, essa cons-trução, sendo função dos próprios instrumentos perceptivos dispo-níveis (o objecto tem de ser cientificamente «visível» para queseja analisável; por outras palavras, é sempre possível a existênciade uma zona de obscuridade que esconda o objecto real, amputandoo objecto teórico, pelo menos temporariamente), é ainda depen-dente da posição em que se coloca o sujeito epistémico na suatentativa de focar o objecto.

Como se terá percebido por esta descrição elementar, a consi-deração de um objecto teórico implica a recusa dos vectores anti--reducionistas (intuições a priori ou transcendentais) e reducio-nistas (o sujeito como tábua rasa característico do empirismo),que não admitem o lugar epistemológico determinante que o cons-trutivismo reserva para o objecto teórico enquanto objecto cons-truído 5.

Daqui decorre, como afirma PIACETV, que, «mesmo que os objec-tos ou as suas leis, enquanto existem independentemente de nós,se possam conservar imutáveis ao longo do tempo (o que só épossível para as leis, e talvez apenas nalguns sectores) o objectoconhecido e o sujeito definem, em função das acções cada vezmais complexas exercidas sobre o real e das coordenações geraisque elas pressupõem, um duplo movimento correlativo de objecti-vação e de interiorização» (XIX, 1262).

5 Sobre a anafe? do conceito de objecto teórico veja-se o texto1, deA. SEDAS NUNES, «Questões preliminares sobre as ciências sociais», in AnáliseSocial, n.os 30-31, pp. 201-208, especialmente pp. 215-221.

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A cada um dos factores deste duplo movimento de objecti-vação e de interiorização, que determina uma simetria de algummodo lateral no campo científico onde se estrutura a inter-relaçãosujeito X objecto, correspondem dois movimentos, definindo umasimetria longitudinal: uma progressão construtiva e uma reflexãoretroactiva.

Assim se define o sistema quaternário do construtivismo cien-tífico, que será da forma

{<objectivação, interiorização>, < progressão, retroacção>}

sistema onde é evidente o efeito conflitual das sucessivas adequa-ções e o seu carácter necessariamente provisório e materialista.

Será difícil não encontrar uma relação estreita entre estesistema quaternário proposto por PIAGET e um outro sistema, tam-bém quaternário, que SARTRE elabora na Critique de Ia RaisonDialectique, a partir de um texto de Henri LEFÈBVRE («Perspectivesde sociologie rurale», Gahiers de Sociologie, 1953). Originalmenteconcebido na forma

{<análise, regressão>, <história, génese>}

não é difícil traduzi-lo de forma a aproximar-se mais ainda dosistema de PIAGET (aliás, transformação implicitamente realizadapor SARTRE), obtendo-se a forma geral

{<análise, síntese>, < progressão, regressão>}

onde se recupera a dimensão da complexidade lateral e da com-plexidade longitudinal. A análise foca o objecto, nas suas qualida-dades perceptíveis pelo sujeito epistémico (observação objecti-vante), enquanto a síntese contém já o processo de integraçãonos esquemas perceptivos do sujeito epistémico (interiorização).Quanto ao par < progressão, regressão>, a relação de vizinhançacom < progressão, retroacção> é evidente. Apesar do ponto departida fenomenológico de SARTRE (que já é, no entanto, muitodistinto da fenomenologia transcendente de HUSSERL), a conver-gência dos dois sistemas constitui uma contribuição suplementarpara a fundamentação de uma epistemologia construtivista e paraa recusa dos processos intuitivos e transcendentais da produçãocientífica.

Recorrendo, de novo, às palavras de PIAGET, poderemos esta-belecer o resultado fundamental (e fundamentador) para que con-verge a epistemologia construtivista: «Não é por virtude de umaharmonia preestabelecida, mas sim em função de uma fontecomum, que surge, desde o início, o acordo entre a coordenaçãodas acções e as leis fundamentais do objecto e, como toda a evo-lução mental consiste na coordenação de acções que atingem oresultado pretendido, este acordo vai-se consolidando até queo pensamento extraia dessas coordenações as estruturas abstractasatravés de uma interiorização crescente, enquanto as acções

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coordenadas penetram no seio do real através da objectivaçãoprogressiva.» (XIX, 1266.)

Cada ciência será, portanto, constituída por um corpus sincrò-nicamente coerente (estruturas equilibradas e auto-reguladas de-dutivamente) e por uma fronteira aberta para os seus desenvolvi-mentos diacrónicos (onde se incluem todas as tensões que tendema destruir a estabilidade do núcleo estruturado central em virtudeda materialidade do objecto).

A pergunta final que PIAGET forxmila no texto que temos vindoa percorrer reporta-se à possibilidade de existir uma orientaçãoobjectiva no preenchimento das zonas fronteiriças de cada ciênciaou se, pelo contrário, apenas se pode verificar um movimentocontingente. A um primeiro níyel, a resposta é evidente: na me-dida em que a actividade científica se dirige para a aproximaçãocrescente do objecto real com que se defronta, este objecto exerceum efeito determinante na orientação do preenchimento da fron-teira aberta. No entanto, levanta-se aqui um problema mais com-plexo: a orientação surge do interior de cada ciência, isto é, estáinscrita na sua própria condição de possibilidade enquanto práticacientífica e enquanto conjunto instrumental (aparelho conceptual),ou é uma orientação forçada pelas inadequações ao objecto, OÍU,ainda, é uma orientação originada no espaço de convergência dasdiversas fronteiras abertas das várias ciências? No fundo, estesegundo problema consiste em afirmar que, se é evidente o efeitoorientador do objecto para o preenchimento das fronteiras abertasde cada ciência, resta determinar como é que esse efeito se concre-tiza: se é um efeito da lógica interna e constituinte de uma ciência,se é um resultado necessário das margens de erro, ou se é o pro-duto complexo da interacção da investigação de várias ciênciasque, de algum modo, se reportam a formas vizinhas de um certoobjecto cuja reunião garantirá a sua cobertura máxima.

A primeira hipótese exige não só que uma ciência produzao seu objecto teórico (no sentido atrás referido), como tambémque possa fundamentar, a partir de si própria, o processo cientí-fico, o que garantiria a possibilidade de manipulação do seu pro-jecto através da definição dos seus vectores. Parece ser possívelrecusar esta hipótese por duas razões: em primeiro lugar, porquea característica interna desta orientação joga apenas com o domí-nio epistemológico interno, quando é verdade que a questão daorientação exige a determinação da possibilidade do projecto queprocura realizar, o que obriga a consideração do domínio episte-mológico derivado, que já introduz factores externos a uma dadaciência particular; em segundo lugar, a característica interna dessaorientação define uma circularidaãe estável, que, sendo compatívelcom uma simples extensão dos resultados obtidos, não pode darconta da dinâmica estrutural que transforma uma estrutura noutraestrutura distinta, e não apenas dedutivamente derivada daanterior.

Se é verdade que a margem de erro tem uma importânciadecisiva no progresso científico (exactamente porque é uma fonteconstante de objectos possíveis), não deixará de ser claro que só

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pode garantir uma orientação latente, potencial, o que dificilmentepoderá ser considerado como um verdadeiro vector.

Resta-nos a terceira hipótese, que, no fundo, não será maisdo que o aproveitamento das margens de erro (onde se incluemos vazios de informação) e da coerência interna de urna dadaciência, que são combinadas, através de transformações constru-tivistas (modelares), com os resultados das outras ciências cujosobjectos e processos científicos manifestem relações de vizinhançacom essa ciência específica cuja orientação se procura. Trata-se,portanto, de uma orientação originada no espaço de convergênciadas fronteiras abertas das várias ciências (onde, evidentemente,se reflecte a marca do seu núcleo central de coerência), espaçoconstruído de acordo com a matriz das relações científicas (mani-festada no círculo das ciências), que reflecte, em última análise,o círculo do sujeito e do objecto (círculo epistemológico funda-mental). Se os elementos da reunião das áreas científicas sãoimportantes, é na síua intersecção que se inscreve o vector.

Registando um parágrafo de PIAGET: «Conclui-se que em cadadisciplina o carácter totalizador da orientação6 é solidário doduplo movimento progressivo e regressivo. Ora, como os dois nio-vimentos de objeetivação e de interiorização são também soli-dários, na medida em que as acções experimentais só se tornammais finas em função do progresso das coordenações interiorizadasou lógico-matemáticas, a orientação traduz-se, em definitivo, porum movimento geral em espiral que relaciona as disciplinas entresi, segundo o círculo das ciências que reflecte o círculo do sujeitoe do objecto.» (XIX, 1261.)

3. O domínio das ciências sociais

Analisadas, num plano de generalidade, as condições episte-mológicas da prática científica e referidas algumas das particula-ridades do sujeito epistémico, poderemos agora passar para umexame das condições específicas que se colocam no domínio dasciências sociais. Com este objectivo, começaremos por tentar umadescrição do sistema classificativo das ciências sociais que é pro-posta por PIAGETV, para, depois, identificarmos os principais pro-blemas epistemológicos que aqui surgem, numa especificação dosproblemas gerais atrás referidos. Os textos fundamentais em quenos apoiaremos são: «Les deux problèmes principaux de Fépisté-mologie des sciences de Thomme», in Logique et ConnaissanceScientifique, ed. Gallimard, «Encyclopédie de Ia Plêiade», 1967,pp. 1114-1146 [XVI], e «La situation des sciences de Thommedans Ie système des sciences», in Tenáances principales de Ia re-cherche dans les sciences sociales et humaines, Première Partie:sciences sociales, Mouton/Unesco, Paris, Haia, 1970, pp. 1-65[XX].

128j.fy<j 6 JJ0 originai, vection.

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No plano da classificação das ciências sociais, PIAGET propõeuma separação em quatro grandes grupos, de acordo com os se-guintes factores de inclusão:

i) Ciências nomotéticas: disciplinas que procuram atingir adeterminação de «leis», sendo estas entendidas como relações quan-titativas relativamente constantes e expressáveis na forma defunções matemáticas e como factos gerais, relações ordinais, aná-lises estruturais, etc, traduzindo-se através da linguagem correnteou por meio de uma linguagem mais ou menos formalizada.

O conteúdo desta primeira classe será o seguinte: psicologiacientífica, sociologia, etnologia, linguística, ciência económica edemografia (XX, p. 2).

Confrontando esta definição com uma sua equivalente de umtexto anterior (XVI, p. 1116), notam-se algumas diferenças curio-sas e que vale a pena referir. As ciências nomotéticas aparecemaí definidas como «disciplinas que têm por objecto as actividadesdo homem e que têm como objectivo a pesquisa de 'leis' en-quanto relações fundamentais susceptíveis da classificação deverdadeiro ou falso em termos da sua adequação ao real. Os seusmétodos consistem em observações sistemáticas ou em experiên-cias, ambas expressáveis em termos estatísticos, ou ainda emprocessos dedutivos, mas que são regulados ou reguláveis poralgoritmos rigorosos (matemáticos ou lógicos), ou, finalmente, emcombinação da dedução e da experiência». Surge aqui, com muitomaior evidência, a necessidade da adequação ao real como testedefinitivo do processo científico, o que, como já dissemos, decorreda linha fundamental do pensamento de PIAGET. Mas também oconteúdo desta classe aparece, na primeira versão, muito diferentedo que surge na segunda; em 1967, PIAGET incluía aqui (mas como«estando ou tendendo a estar») «a sociologia, a antropologia cul-tural, a psicologia, a estética experimental, a linguística, a econo-mia política e a econometria, a demografia, a cibernética, a lógicasimbólica e a epistemologia científica (incluindo a história dasciências quando esta exige a análise histórico-crítica como procurade explicação das sucessões históricas)».

ii) Ciências históricas: disciplinas cujo objecto consiste nareconstituição e compreensão da evolução de todas as manifesta-ções da vida social ao longo do tempo.

iii) Ciências jurídicas: disciplinas cujo objecto é constituídopelas normas jurídicas, nas suas origens e nos seus efeitos.

iv) Ciências filosóficas: disciplinas que se desenvolvem emtomo da pesquisa do absoluto ou de uma análise de totalidadeda experiência humana, onde se inclui a problemática dos valores.

Caracterizada, a nível genérico, a distribuição por classes dasvárias ciências sociais, passaremos a focalizar a nossa atençãonas ciências nomotéticas.

Para PlAGET, a fase científica da investigação (nas ciênciasnomotéticas como em quaisquer outras) só começa quando o su-

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jeito que a elabora (entenda-se: este «sujeito» pode ser um colec-tivo; o que importa é que seja um «observador» dotado de capaci-dades epistémicas no sentido atrás explicitado) produz métodosespecíficos, adaptados ao seu problema, que sejam, simultanea-mente, métodos de aproximação do objecto e de verificação daeficácia da acção que sobre ele é exercida; para que isso sejapossível é indispensável que o sujeito-investigador saiba dissociaro verificável do que é apenas um produto do pensamento reflexivo(meditação do investigador sobre si próprio enquanto mediadorúnico) ou do pensamento intuitivo. O cumprimento deste projectoé tanto mais difícil quanto é um facto que ele se afasta radical-mente do «projecto natural» do sujeito humano. De facto, a ten-dência natural do sujeito-da-consciência conduz a processos intui-tivos ou estritamente dedutivos, numa combinatória livre dos me-canismos de uma inteligência circularmente fechada sobre simesma e que só a título secundário recebe os impulsos objectivosdo exterior. Ora a operacionalidade do experimentalismo —con-dição básica da eficácia da acção do sujeito sobre o objecto —exige uma subordinação da inteligência à informação do exterior,o que envolve o complexo mecanismo da adaptação do slijeito aoseu objecto e que é muito mais exigente do que o apriorismointuicionista (em que o objecto é desprezado em função de umavisão iluminada) ou do que a combinatória dedutiva (cuja circula-ridade interna ao sujeito destrói a «novidade» do objecto).

Para além disto, a estrutura do processo dedutivo apoia-seem operações muito elementares (reunir, dissociar, ordenar, coor-denar simetrias, estabelecer de correspondências, etc.) que nãosão compatíveis com as exigências da observação experimental,em que a complexidade do facto real tem de ser reproduzida,através da codificação dos sinais, num modelo rigoroso (repro-dutor, integrador ou analógico). Simultaneamente, esta leitura doreal não poderá ser feita se não existirem os quadros abstractosque permitem a estruturação dos impulsos informáticos em mo-delos, o que significa que a operacionalidade experimental exigetambém, e a um nível prévio, a construção, numa simbiose dediu-tivo-experimental, de um quadro lógico-matemático sem o quala ciência não é possível. Daqui decorre uma relação dupla deenorme importância: se a «potência» do método dedutivo não ésuficiente para se constituir como fundamentação única da activi-dade científica (pois a sua elementaridade produz uma de duascoisas: ou o seu uso exclusivo deturpa o objecto através de umasimplificação que ultrapassa o limite possível, ou não se atingeum algoritmo operacional, pois o conjunto de passagens dedutivasserá tão extenso que acaba por não ser manipulável), também éverdade que a actividade científica exige a constituição de quadroslógico-matemáticos que actuam como tradutores simbólicos daoperacionalidade experimentada, mesmo quando se constitui atra-vés de um processo aleatório que se pode considerar semelhanteà intuição). É desta simbiose (e apenas dela) que decorre a for-mulação científica.

No campo das ciências sociais nomotéticas, a complexidadedo seu objecto (que exige referenciais de espaço e tempo de

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difícil realização teórica) e a permanente interacção sujeito-objectoque se define no próprio acto científico tornaram ainda maisdifícil do que nas ciências físicas e naturais a determinação dequadros lógico-matexnáticos adaptados às particularidades do seuobjecto, o que justificará a forte dependência em que as ciênciassociais nomotéticas ainda se encontram dos processos pouco po-tentes da análise dedutiva estrita (circularidade interna ao sujeitoreflexivo. Aqui se encontrará, ainda, a razão determinante da dis-tância necessária, nestas ciências, entre o objecto real e o objectoteórico, pois este último é construído em função dos instrumentosde captação e de interpretação disponíveis na ciência que o elaborae estuda e que não são suficientemente potentes para reproduzi-rem o real no interior do seu espaço teórico, apesar da preocupaçãopermanente de eficácia operacional). Assim se compreende que oobjecto teórico tenha o estatuto de limite máximo atingível pelosinstrumentos científicos disponíveis.

Acrescente-se, ainda, que, nas ciências sociais nomotéticas,a interacção necessária sujeito-objecto se reproduz numa complexaduplicidade que, não raras vezes, é origem de uma clara cumpli-cidade. O objecto destas ciências é um sujeito consciente, queelabora um discurso que é, também, um discurso simbólico, ondese reflectem tendências «arqueológicas» latentes que ultrapassama tópica psíquica consciente e que, como é evidente, se inscrevemno próprio acto científico do sujeito epistémico, pondo em riscoa sua possibilidade de descentração e, consequentemente, a con-dição central de objectividade. Isto permite a viciação cúmpliceda prática científica de forma a satisfazer interesses (conscientesou automáticos) que são exteriores à prática científica.

Em resumo, «os factores de decisão inconsciente e de assimi-lação objectivante ou deformante do real permitem afirmar quea observação dos factos pelo sociólogo conduz sempre à sua modi-ficação, quer por um enriquecimento sem alteração, ou seja,utilizando quadros que esquematizam apenas as ligações objec-tivas e as tornam conceptualmente assimiláveis, quer pela intro-dução de um desvio que os conduz aos esquemas, deixando esca-par o essencial ou deformando-o mais ou menos sistematicamente»(XX, pp. 23-24) \

Portanto, parecerá claro que o protótipo de interacção dia-léctica (o sujeito de um modo de conhecimento é modificado peloobjecto que estuda e modifica-o, por sua vez) está presente emtoda a investigação científica e, de uma forma privilegiada, nocampo das ciências sociais nomotéticas.

Admitido o factor constante da interacção dialéctica, podem-seretomar conclusões anteriores e afirmar que também (e privile-giadamente) nas ciências sociais nomotéticas a genética estruturalé uma necessidade epistemológica: por um lado, é indispensávelesclarecer essas interacções em função do seu próprio desenvolvi-

7 Cfr. com «X'exp'15ciatio:ri en Sociologie»* in Introduction à Vépistémo-logie génétique, t. III, «La pensée Mologique, lia pensée psychologiípe et Iapensée siocioiogiqtie», Paris, PUF, 1951 XIII, reeditado em «Études aociologi--quês», Libraárie Droz, Genève, 1967. Sobre o concaito de esçpuetmia ver a parte I.

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mento, isto é, precisamos de as colocar numa perspectiva históricaque reproduza as condições da sua constituição e das formasparticulares que assume; por outro lado, é preciso estudar asinteracções enquanto desequilíbrios e reequilíbrios, isto é, emtermos da auto-regulação e dos circuitos de interacção causalinternos à estrutura enquanto sistema de transformações. Umaestrutura (quadro referencial) só é compreensível se soubermoscomo ela se constitui, como se conserva transformando-se e comoé substituída por outra. Sendo este o caminho evidente de umahistória das ciências, é, também, o caminho necessário para avigilância epistemológica enquanto condição de ciência.

Para concluirmos este pequeno percurso pela análise quePIAGET faz das ciências sociais, e em especial das ciências sociaisnomotéticas, resta indicar muito sinteticamente quais os principaiscanais metodológicos abertos que ele encontra na prática contem-porânea das referidas ciências sociais nomotéticas:

i) Desenvolvimento da análise matemática das variações edependências funcionais. Desenvolvimento da teoria das probabili-dades e das suas aplicações concretas.

ii) Investigação, nos dados observáveis, do papel das estru-turas entendidas como sistemas de transformações, cujo equilíbriomóvel se presta às análises da matemática qualitativa. «É o mé-todo estruturalista de Lévi-Strauss, que tende a ultrapassar acausalidade entendida como dependência funcional entre os dadosobserváveis, para atingir explicações simultaneamente causais eimplicatórias, justificando estas através dos sistemas de conjuntosubjacentes.»

iii) Coordenação da análise estrutural com a análise histó-rica, numa combinação da estrutura com a génese.

iv) Estudar, numa escala referenciadora inferior, as reper-cussões e as correspondências (que aí se reflectem) dos grandesfenómenos da escala superior.

v) Na medida em que «condição necessária (embora nãosuficiente) de toda a vida social é a formação de novas geraçõespelas precedentes, todos os estudos comparativos sobre o desen-volvimento do ser humano em diferentes meios sociais forneceuma informação decisiva sobre as contribuições colectivas paraa natureza do homem» (XX, pp. 36-37).

III _ CONCLUSÃO

Quando, no início deste artigo, afirmávamos o seu carácterpessoal, tentávamos explicitar duas condições básicas da sua es-crita: primeiro, que estes textos, embora apoiados nas obras dePIAGET, não se limitavam a uma simples descrição do seu conteúdoexplícito, mas procuravam ainda atingir o seu conteúdo pos-

132 sível; segundo, e por extensão da condição anterior, procurávamos

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indicar que a descrição da posição epistemológica de PIAGET nãoseria exaustiva nem sistemática, mas apenas uma selecção útil,tendo em conta a nossa situação específica no interior do espaçoepistemológico contemporâneo.

Mas, como se percebe pelo seu enunciado, este projecto é ne-cessariamente ambíguo, na medida em que é difícil determinara fronteira que separa a escrita autónoma do autor da leitura«sintomal» dos textos originais. Reservamos esta «conclusão» paratentar superar essa ambiguidade, retomando a produção críticaque relacione a intenção inicial com os resultados obtidos.

No prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura,KANT define as coordenadas do que chama a sua «revolução coper-niciana»: «[...] au lieu d'admettre, comme on Ta fait jusqu'ici, quetoutes nos connaissances doivent se régler sur les objets, il vachercher si Ton ne serait pas píus heureux dans les problèmesde Ia métaphysique en supposant que les objets se règlent surnotre connaissance, ce qui permet d'expliquer beaucoup mieuxIa possibilite d*une connaissance apriori de ces objets avant mêmequ'ils nous soient donnés.» Entretanto será claro que, estabelecidaesta distinção radical entre o sujeito do conhecimento e o objectoque se quer conhecer, fica em suspenso a própria possibilidade doconhecimento, pois haverá sempre a considerar a hipótese de o«objecto construído pelo conhecimento» não ser coincidente como objecto real qlue se quer conhecer.

Uma forma de superação desta dificuldade estaria na afir-mação da validade do processo intuitivo (com as precauções derigor que foram sendo estabelecidas na longa tradição da filosofiaocidental, desde PLATÃO a DESCARTES e a KANT) que permitiriaa captação sistemática do objecto. Mas compreender-se-á que,se isso fosse suficiente, a revolução coperniciana de KANT nãofaria sentido, pois não haveria razão para que os «objectos seregulem pelo nosso conhecimento». Isto não é suficiente, contudo,para recusar toda e qualquer forma de intuição; o que daqui sepode extrair será, apenas, que o recurso à intuição não define umabase eficaz para o processo do conhecimento.

Uma outra forma de superação consistiria na recusa da pró-pria distância entre o sujeito e o objecto, ou, melhor, na afirmaçãode que não há qualquer «membrana translúcida» que impeça aosujeito do conhecimento a captação integral do objecto real. Ocorolário desta posição empirista afirmará que a validade do conhe-cimento ficará demonstrada na operacionalidade dos resultadoscientíficos, isto é, na capacidade de manipulação do objecto realatravés dos instrumentos (métodos, técnicas e resultados obtidos)científicos.

No entanto, o que é que se poderá entender por manipulaçãodo objecto? A um nível mjuito simples, parecerá que este positi-vismo empirista não levanta objecções e que a manipulação doobjecto é, efectivamente, apropriação das propriedades do objecto:se eu quiser pegar no livro que tenho à minha frente, podereiequacionar, sem dificuldade, as fases necessárias ao cumprimentodesse projecto, o que pressupõe o domínio integral (apropriação)do objecto (traduzido nas suas propriedades). Mas não é possível '188

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extrapolar a conclusão deste caso simples para níveis mais com-plexos. Poderíamos dizer que é possível a evidência empírica decertos objectos simples, mas que essa evidência empírica é impos-sível (ou, pelo menos, é factor de enormes distorções) no caso deobjectos complexos, constituídos por inúmeras «partículas» empermanente inter-relação e que só poderão ser eventualmenteconhecidos (na sua existência real) desde que seja preservadaessa complexidade de inter-relações.

Seria ainda possível dar um outro conteúdo ao argumentoempirista: reconhecida a complexidade do objecto real e verifi-cada a impossibilidade do conhecimento humano de o captarglobalmente, seria ainda possível defender um percurso de apro-ximações sucessivas a esse objecto complexo, de tal modo que osomatório dessas aproximações definisse as condições do contactofinal com o objecto material. Será esta a posição epistemológicado que atrás se chamou reducionismo.

Em relação a este ponto, há dois argumentos que conside-ramos decisivos. Em primeiro lugar, a complexidade do objectonão é apreensível por um processo iterativo de sucessivas aproxi-mações, exactamente porque essa complexidade não é linear. Poroíutros termos, o resultado obtido num certo momento pode inva-lidar todos os resultados anteriores, demonstrada que seja a suaincompatibilidade com o novo resultado. Ainda dentro deste ar-gumento, refira-se um dos resultados fundamentais da ciênciacontemporânea: a variação de referencial (a alteração de escala)altera o fenómeno, o que equivale a dizer que a modificação doreferencial produz uma modificação do objecto, ou seja, que oobjecto não é, quando analisado cientificamente, uma materialidadedada e imutável. Em segundo lugar, e em conjugação com o queacima se diz, subsistirá a pergunta: aproximação a quê? Aoobjecto material ou ao objecto que foi construído no interior daciência que o estuda? Ê que a hipótese empirista exige que estadistinção seja vazia; mas, se o não for —e, pelo que se viu, tudoindica que não é —, a falta de clarificação da pergunta nada maisserá do que a ocultação do problema.

A posição da fenomenologia —directamente interessada naelucidação da separação do sujeito e do objecto — apresenta algu-mas características de enorme importância (a que não será alheioo facto de ser uma posição praticamente contemporânea, onde serecolhem já as principais coordenadas da produção científica donosso tempo, numa inter-relação significativa). Não será possívelfazer aqui uma descrição rigorosa da fenomenologia, pois a suacomplexidade ultrapassa a intenção deste texto, mas ainda seráútil uma breve referência a alguns dos seus pontos de partida: aevidência, a essência, a esfera fenomenológica, a redução eidéticae a fenomenologia constitutiva.

O aparecimento do objecto apresenta o valor de uma evidênciaque o observador não pode recusar; mas essa evidência material,exterior, não tem uma forma única; muito diferentemente, oobjecto evidente aparece ao sujeito observador sob múltiplas for-mas de que é preciso dar conta (pois, se abstraíssemos dessa mul-tiplicidade de aspectos, estaríamos a recusar a própria evidência

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em que esses aspectos se manifestam), O esforço de coordenaçãodessa multiplicidade de aspectos só pode ser realizado no planoracional, ou seja, só pode conceber-se como actividade da consciên-cia que conhece o objecto porque produz o seu equivalente essenrciai, que é, rigorosamente, o invariante da multiplicidade derepresentações (aspectos) que o observador registou. Portanto, apassagem necessária da evidência para a essência implica um re-sultado fundamental (que recupera a noção da revolução coper-niciana de KANT) : o objecto do conhecimento é sempre um objectoconstruído pelo sujeito epistémico.

Será nítido, entretanto, que terá de haver um processo decontrole desta passagem da evidência para a essência, um pro-cesso retroactivo que valide o resultado obtido (o objecto cons-truído racionalmente); esse controle é realizado pela demonstra-ção da necessidade da essência, isto é, pela capacidade operatóriadeste objecto construído, ao nível dos conceitos e das leis, quepermite atingir, de novo, o objecto da evidência. Resumindo, oobjecto real é manipulado através da mediação fundamental doobjecto construído.

Mas então o conhecimento aparece como um enigma: se osobjectos reais e o mundo exterior existem em si mesmos e inde-pendentes do sujeito e se, por outro lado, o sujeito não é maisdo que um «espaço de consciência» fechado sobre si próprio, comoé que pode sair de si e atingir uma coisa que lhe é exterior e quenão é ele próprio? A estas distâncias relativas não corresponderáa arbitrariedade do conhecimento, no sentido em que este nuncaserá rigorosamente verificável? Por outras palavras, como expli-car a possibilidade do conhecimento transcendente, aquele queatinge um objecto (real) que é exterior ao sujeito do conheci-mento ?

Já referimos que a essência era o substituto teórico da evi-dência; isto implica que todo o processo do conhecimento tenhade obedecer às condições de uma redução eidética (redução àessência, que transforma a singularidade e o empirismo da obser-vação num conjunto formal coerente e exemplar), redução essaque permite atingir a esfera fenomenológica, campo onde se loca-lizam, não os acontecimentos do mundo real, mas sim o fenómenoessencial que deles foi obtido. Isto é, como disse SARTRE, na esferafenomenológica já não subsiste a dualidade entre o «ser» e o «apa-recer»: o «ser» do fenómeno é o seu «aparecer», e é sobre esteque se elabora o conhecimento possível. Daqui se conclui que arealidade objectiva não é, em princípio, mais do que uma realidadepresumida.

Concluindo esta breve descrição da fenomenologia, registe-seque o sujeito epistémico é o centro de onde emana o sentido dosobjectos, que não é resultado de uma relação estática a um objectotranscendente, mas sim uma actividade de constituição, o que jus-tifica a noção de que a fenomenologia é tim idealismo transcen-dental. E recorde-se que os resultados obtidos por este idealismotranscendental se encontram sistematicamente submetidos à críticada experiência: o que é para o sujeito epistémico o objecto só

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a experiência pode dizer, e a essência nada significa sem que sedemonstre (praticamente) a necessidade da essência.

Se compararmos esta breve descrição da fenomenologia como estruturalismo construtivista de PIAGET, verificaremos que ospontos de contacto são demasiado significativos para que se possaabandonar (como PIAGET parece fazer) a hipótese de confluênciaentre estas duas vias epistemológicas. A afirmação de que a feno-menologia é um estruturalismo sem genética parece-nos manifes-tamente insuficiente para clarificar a siua potência teórica, muitoembora se deva acrescentar que alguns desenvolvimentos maisrecentes da fenomenologia (nomeadamente com HEIDEGGER) pos-sam ser interpretados como uma recusa à genética estrutural.

Um outro ponto em que nos afastamos de PIAGET situa-se nazona do teste de operacionalidade do conhecimento científico.Quando PIAGET parece limitar a actividade de reequilibração dasestruturas ao aparecimento do erro em esquemas vigentes, utilizauma noção de operacionalidade estritamente funcional: produz úanão produz o efeito desejado. Na hipótese de o produzir, estaríamosem presença de um esquema cientificizado. Ora esta referênciaexclusiva ao factor «erro» não considera um outro factor pertur-bador da produção científica, que se pode traduzir na noção dedissimulação.

Diremos que há dissimulação sempre que o sujeito que produzo objecto se desvia, consciente ou inconscientemente, da evidênciado objecto real; por outras palavras, sempre que o sujeito epis-témico privilegia intencionalmente certas visões do objecto edespreza outras (no acto complexo de produção-captação da essên-cia) , estamos perante uma fuga ao objecto ou perante uma violen-tação do objecto que se procura substituir viciadamente por umobjecto construído dissimulador.

Não entraremos aqui nos pormenores psicológicos e socioló-gicos por que passa este processo dissimulador. Mas vale a penaapontar que esta dissimulação tem um importante efeito episte-mológico: sendo toda a produção científica necessariamente me-dida pela produção do seu próprio objecto (a ciência é um sistemade produção), a actividade dissimuladora da ciência pode estru-turar uma coerência interna suficientemente apertada que impeçao próprio contacto com o objecto que, em última análise, seprocura atingir através da sua manipulação eficaz. A coerênciacientífica pode ser um véu que nos encobre a distância da trans-cendência do objecto real, uma fronteira que nos seja impossívelultrapassar, especialmente se o erro (a não coincidência com oobjecto real, a não adequação) puder ser também dissimulado,encoberto pela coerência aparente da produção científica. Umexemplo entre milhares: a inexistência de classes sociais é cienti-ficamente demonstrável e no interior de uma coerência que justi-fica operacionalmente que se pode actuar (manipular) numa orga-nização social sem que se tenha em consideração o jogo do conflitode classes. É um caso típico em que o erro não aparece porque,desde o início, toda a construção é dissimuladora e acaba porocultar o próprio erro operacional. Noutras palavras, é isto o que

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acontece em toda a produção ideológica, e nem sempre é fácilestabelecer a distinção clara entre ciência e ideologia.

Tudo parece indicar que PIAGET se coloca, por princípio, noplano de um hipotético produtor científico, dotado de um absolutorigor de análise, e que, portanto, não tem de se colocar o problemada vigilância epistemológica não dissimuladora. Ora isto é umcompromisso de extrema gravidade com a noção dissimuladorade cientista e ciuja eficácia consiste, exactamente, em dissimulara dissimulação da produção científica; o cientista não é umaentidade ideal, independente da dinâmica pessoal e política. Logo,potencialmente é dissimulador e, portanto, o teste da operacionali-dade do seu produto é insuficiente, porque também isso pode serdissimulado (e, muitas vezes, é exactamente essa a sua «opera-cionalidade»).

Finalmente, e porque tem de se acabar num local qualquer,mesmo que seja arbitrário, um ponto algo controverso que ficoiuem páginas anteriores: a afirmação de que «os resultados cientí-ficos são provisórios». Antes de mais, esta afirmação tem de sercompletada com duas outras: «toda a ciência é uma fronteiraaberta» e «os resultados científicos dependem do referencial emque são produzidos».

Objectar-se-á que há exemplos de resultados científicos que,mesmo depois de superados, continuam a ser operacionais nostermos exactos em que foram inicialmente formulados. Mas, setivermos em conta as três afirmações anteriores, supomos nãohaver dúvida em aceitar que essa validade é estritamente regional(definida apenas numa parte do espaço científico), que há umateoria mais global que a inclui como caso particular (o que tornainútil a primeira formulação, na medida em que se pode trabalharcom instrumentos mais complexos) e, ainda, que essa compatibili-dade entre duas formulações não é mais do que um caso excepcio-nal e não generalizável (com excepção das ciências dedutivas,onde a coerência entre as sucessivas fases do seu desenvolvimentoé uma condição interna do método)8.

8 O conteúdo de um texto é um compromisso entre um registo de umpensamento «que se diz» e de uma leitura «quie se imagina»; subentende-seque a acção do investigador não poderá abandonar um outro jogo conflitualentre a procura do didactismo e a exigência de mostrar a infra-estruturaarquitectónica (os alicerces) do pensamento que se escreve (da investigaçãoque se pratica).

A confluência deste jogo de tensões nem sempre é influente, pois oleitor desiste com muita facilidade e a influência pretendida no texto vê-seanulada pelo hermetisma do pensamento que se quer dizer, mas que acabapor não ser lido. Nos limites específicos deste texto, o equilíbrio óptimodas diferentes forças não terá sido atingido, quer porque é um percurso quese define como pessoal (o que reforça a exigência de mostrar a infra-estruturaarquitectónica do pensamento que se elabora), quer porque o campo onde aconstrução se ergue é obrigatoriamente acidentado, complexo — digamo-lo,sem desculpas, é difícil.

Entretanto, a legibilidade ainda seria menor sem a colaboração detodos OSÍ membros do Gabinete de Investigações Sociais e, ein especial, doapoio crítico de A. SEDAS NUNES, JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA e J. MADUBEIRAPINTO. Como é óbvio (e habitual) , a responsabilidade dos erros, das lacunase do hermetismo só poderá ser imputável às deficiências de «observação»,«descentramento» e «didactismo» do autor.

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Estas referência® bibliográficas não são, de forma alguma, exaustivas,nem sequer seleccionadas por qualquer critério de relevância; são, apenas, osuporte de uma exposição quie teve de ser documemtada. Entretanto, assinala-ram-sie com * as obras quie supomos mais significativas, a que s<e acrescentam,a seguir, mais algumas.

1 — Logique, langage et théorie de Vinformation («Études d'épistémolioigiegénétique», III), P. U. F., Paris, 19!57. Escrito em colaboração com L. APOSTEL,B. MADELBROT e A. MORF.

2 — Théorie du comportement et óperations («Études d'épistémoilogie gé-nétique», XII), P. U. F., Paris, 1960.

3 — Uépistémologie génétique, P. U. F., ool. «Que sais-je?», 1970.4 — Le structuralisme, P. U. F., col. «Que sais-je?», 196$.

Refira-se ainda a útil obra de M. A. M. BATTRO, que, com os seus cola-boradores, redigiu um Dictíonnaire dyépistémologie gênétique, publicado pelaD. Rieidel Publishing Company, Dordrecht-Hoilland, 1966, que reúne as prin-cipais noções expostas por PIAGET ao longo da sua obra (embora só até 1963).

For fim, registe-sie um pequieno mas muito útil artigo de Joaquim BAIR-RÃo, «A psicologia como ciência sfegundio Jean Piaget», publicado na RevistaPortuguesa de Psicologia, n.os 2-3, Dezembro de 1967/Maio de 1968, onde seencontram algumas justificações de ideias aqui esboçadas. Acrescente-se que oAutor tem em preparação um prolongamenito do texto citado.

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