Notas sobre a interpretação do STJ quanto a lei Maria da Penha

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Notas sobre a interpretação do STJ quanto a lei Maria da Penha Claudio Henrique de Castro Foi lançada no dia 17/09/15 coletânea de interpretações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à lei Maria da Penha, dentre as quais podemos destacar: 1. Que o sujeito passivo da agressão da lei Maria da Penha é a “mulher” (item 3). Esta interpretação foi um retrocesso, pois alguns tribunais e doutrinadores entendiam que também o “homem” poderia ser sujeito passivo de agressões e que a lei poderia abranger quaisquer entes familiares, filhos, filhas, avós. 2. Já o sujeito ativo da agressão pode ser homem e mulher, dependendo da relação afetiva, se homo ou hetero afetiva, esta interpretação acolhe os casais homossexuais, contudo, retira do “homem” a possibilidade de ser vítima de agressão (item 3), neste sentido há flagrante contradição com o entendimento de que a vítima deverá ser exclusivamente da “mulher”. 3. Entendeu o STJ que a violência doméstica abrange qualquer relação íntima de afeto, dispensada a coabitação (item 4). Esta decisão foi abrangente e muito positiva sob o aspecto das famílias e relacionamentos modernos. 4. Interpretou que para a aplicação da lei é necessária a prova da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher, numa perspectiva de gênero (item 5), entendimento que contraria o outro entendimento do qual a vulnerabilidade, hipossuficiência ou fragilidade da mulher é presumida pela Lei (item 6). Neste ponto houve retrocesso, pois a interpretação contraria a teleologia da lei, isto é, os seus fins, basta verificar as estatísticas das mulheres mortas no Brasil por agressão familiar, pois, a cada uma hora e meia, morre uma mulher vítima de violência masculina no Brasil (IPEA, 2013). 5. Firmou o entendimento de que a agressão de namorado contra a namorada, mesmo cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele caracteriza-se violência doméstica. Neste sentido, avançou o STJ agasalhando as relações em consequência do enlace afetivo (item 7). 6. Finalmente o mais relevante dos enunciados e menos aplicado pelos juízes e tribunais brasileiros é que a prisão preventiva é cabível para garantir a execução de medidas de urgência para proteção das mulheres agredidas (item 12). 7. Apesar dos esforços do STJ na interpretação da Lei Maria da Penha a cultura da violência doméstica contra as mulheres é ainda uma cruel realidade no Brasil e será alterada se houver a mudança cultural que começa pelo cumprimento das leis, que depende da atuação firme do Poder Judiciário. As mulheres continuam sendo vítimas de agressão, e a lei foi um avanço mas não alterou substancialmente o quadro de violência doméstica no Brasil. Basicamente temos que almejar o fim das desigualdades contra as mulheres prezando a igualdade de remunerações no mercado de trabalho, a igualdade de poderes na vida doméstica e das oportunidades na atuação política. Notas: (1) http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp

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Notas sobre a interpretação do STJ quanto a lei Maria da Penha Claudio Henrique de Castro

Foi lançada no dia 17/09/15 coletânea de interpretações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à lei Maria da Penha, dentre as quais podemos destacar: 1. Que o sujeito passivo da agressão da lei Maria da Penha é a “mulher” (item 3). Esta interpretação foi um retrocesso, pois alguns tribunais e doutrinadores entendiam que também o “homem” poderia ser sujeito passivo de agressões e que a lei poderia abranger quaisquer entes familiares, filhos, filhas, avós. 2. Já o sujeito ativo da agressão pode ser homem e mulher, dependendo da relação afetiva, se homo ou hetero afetiva, esta interpretação acolhe os casais homossexuais, contudo, retira do “homem” a possibilidade de ser vítima de agressão (item 3), neste sentido há flagrante contradição com o entendimento de que a vítima deverá ser exclusivamente da “mulher”. 3. Entendeu o STJ que a violência doméstica abrange qualquer relação íntima de afeto, dispensada a coabitação (item 4). Esta decisão foi abrangente e muito positiva sob o aspecto das famílias e relacionamentos modernos. 4. Interpretou que para a aplicação da lei é necessária a prova da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher, numa perspectiva de gênero (item 5), entendimento que contraria o outro entendimento do qual a vulnerabilidade, hipossuficiência ou fragilidade da mulher é presumida pela Lei (item 6). Neste ponto houve retrocesso, pois a interpretação contraria a teleologia da lei, isto é, os seus fins, basta verificar as estatísticas das mulheres mortas no Brasil por agressão familiar, pois, a cada uma hora e meia, morre uma mulher vítima de violência masculina no Brasil (IPEA, 2013). 5. Firmou o entendimento de que a agressão de namorado contra a namorada, mesmo cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele caracteriza-se violência doméstica. Neste sentido, avançou o STJ agasalhando as relações em consequência do enlace afetivo (item 7). 6. Finalmente o mais relevante dos enunciados e menos aplicado pelos juízes e tribunais brasileiros é que a prisão preventiva é cabível para garantir a execução de medidas de urgência para proteção das mulheres agredidas (item 12). 7. Apesar dos esforços do STJ na interpretação da Lei Maria da Penha a cultura da violência doméstica contra as mulheres é ainda uma cruel realidade no Brasil e será alterada se houver a mudança cultural que começa pelo cumprimento das leis, que depende da atuação firme do Poder Judiciário. As mulheres continuam sendo vítimas de agressão, e a lei foi um avanço mas não alterou substancialmente o quadro de violência doméstica no Brasil. Basicamente temos que almejar o fim das desigualdades contra as mulheres prezando a igualdade de remunerações no mercado de trabalho, a igualdade de poderes na vida doméstica e das oportunidades na atuação política. Notas: (1) http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp