notas sobre direito da velhice no br.pdf

download notas sobre direito da velhice no br.pdf

of 14

Transcript of notas sobre direito da velhice no br.pdf

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    1/14

    NOTAS SOBRE A HISTRIA DOS DIREITOS DAVELHICE NO BRASIL

    Eneida Gonalves de Macedo HaddadDoutora em Sociologia pela USP; Coordenadora Adjunta ePesquisadora do Ncleo de Pesquisa do Instituto Brasileiro deCincias Criminais/IBCCrim; Professora de Sociologia Jurdica naFAAP e UNINOVE.

    Resumo

    Durante as ltimas dcadas, a velhice tornou-se visvel no Brasil,com o significativo aumento da populao com mais de sessentaanos. Os primeiros projetos de polticas pblicas para a velhicedatam dos anos 70, independentemente da experincia acumulada

    pela filantropia privada. Todavia, se no discurso, o Estado brasileiroanuncia a inteno de encontrar caminhos que garantam umamelhor qualidade de vida na velhice, concretamente, nem sequer aPoltica Nacional do Idoso conseguiu se firmar no mbito dosdireitos sociais. Ante a situao econmico-poltica gerada pelaorientao neoliberal, o Estado brasileiro incorporou o discursopoltico dos credores internacionais. O padro de previdncia que,

    paulatinamente, vem sendo implantado contrape-se a umaseguridade social afinada com os interesses da maior parte dapopulao brasileira.

    Unitermos: velhice; polticas pblicas; assistncia social;

    previdncia social; neoliberalismo.

    Abstract

    During the last decades the oldness becames in Brazil visiblespecially with the enlarged scale of the population aged above sixty.The first plans of public politics for the oldness are from the decadeseventy independently by the experience increased by the private

    PRISMA JURDICO107

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    2/14

    philanthropy. However if by speech the Brazialian State annouceintention to meet ways to warrant a better way of life for theoldness, concretly the National Politic for Oldness could not

    establish social rights. In face the situation directed by theneoliberal politic the Brazilian State incorporated the politicalspeech from international creditors.

    Uniterms: oldness; public politics; social assistance; social

    previdence; neoliberalism.

    No Brasil, desde o Quinhentismo, o Estado patrimonialportugus incorporou a seu projeto de colonizao prticasassistencialistas, no apenas com o objetivo de penetrar noterritrio, mas, sobretudo, com a inteno de dominar a populaonativa; da a criao de uma legio de repaganizadores,1 dos quaisas Santas Casas de Misericrdia, transplantadas com xito de

    Portugal para a Colnia, constituem o exemplo mais notvel.2

    Espalhadas ao longo de toda a costa brasileira, no s resistiram aomovimento que impulsionou a criao da sociedade nacional, comotambm s sucessivas transformaes da economia, da sociedade edo Estado, no Brasil, no curso de todo o sculo XIX. Inspiradas nomodelo das Santas Casas de Misericrdia, foram criadas outrasobras de assistncia social, sobretudo com o advento de correntesmigratrias na segunda metade do sculo XIX.

    108

    1 Em So Paulo, desde o perodo colonial, j haviam sido fundados o Convento do Carmo(1591), o Mosteiro de So Bento (1598), o Convento de So Francisco (1640), o Recolhimentode Santa Teresa (1685), o Convento da Luz (1774). Os franciscanos fundaram uma Casa Santa,na Rua do Riachuelo, na qual forneciam diariamente refeies aos pobres, segundo relataSantAna. O objetivo destas obras no era somente prestar socorro material e espiritual aosnecessitados; porm, sobretudo, constituir uma verdadeira legio de repaganizadores dasociedade. Repaganizar a sociedade significava reclamar amparo iniciativa privada. [...] inserida neste projeto de repaganizar a sociedade que se situa a Santa Casa de Misericrdiade So Paulo com seus servios ambulatoriais e hospitalares, bem assim servios paraleloscomo a Roda dos Enjeitados, a assistncia a leprosos, o asilo de invlidos, a assistncia apresos e alienados (CASTRO; ADORNO, 1985, p.53).

    2 No sendo desempenhada diretamente pela Igreja Catlica, a assistncia pobreza erapraticada pelas irmandades e congregaes de leigos. A mais significativa foi a Irmandade dasMisericrdias, fundada no sculo XVI. De origem portuguesa, a instituio, formada porhomens de bem da colnia, foi a fundadora, em 1599, da Santa Casa de Misericrdia de SoPaulo (MESGRAVIS, 1976; SPOSATI, 1988).

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    3/14

    V-se, portanto, que as prticas assistenciais no so recentesna sociedade brasileira, reportando-se ao perodo colonial. Maisrecente, sem dvida, a incorporao dessas prticas na trajetria

    das polticas sociais brasileiras. Embora durante a vigncia daPrimeira Repblica a interveno do Estado na questo social aindafosse tmida, j se anunciavam algumas iniciativas, notadamente noplano das relaes de trabalho, resultado inevitvel de pressesdecorrentes de um movimento sindical que se mostrava vigoroso nasprimeiras dcadas do sculo XX.

    Nos anos iniciais da Repblica, pela primeira vez, o debate sobre

    a questo assistencial assumida pelo Estado envolvia a opiniopblica. Sposati (1988, p.108) resgata o posicionamento de AtaulphoNpoles de Paiva sobre a questo, em jornal da poca: Paiva,articulista do Jornal do Commrcio do Rio de Janeiro, usa esse espaopara difundir a idia da criao de um rgo nacional de controle dasaes de assistncia que, associando as iniciativas pblicas eprivadas, romperia o espontaneismo da assistncia esmolada eintroduziria uma organizao racional e um saber no processo deajuda. Assim, o Estado deveria assumir o papel de vigilante dafilantropia, a fim de que esta no alimentasse a vadiagem.

    O projeto de Paiva no vingou. Em verdade, seu iderioimplicava o

    reconhecimento pblico da misria, que a concepooligrquica do Estado, na Velha Repblica, no suportava. Os

    mendigos eram vadios e racionalizar as esmolasconfrontava-se com tal concepo, pois exigia uma ao deamparo vadiagem [...] A iniciativa propugnada por Paiva,de ordenao do aparato assistencial, no ocorre tambm nasdcadas seguintes. De certa forma pode-se dizer que noocorreu at hoje. O paralelismo entre as trs instncias afederal, a estadual e a municipal , somado filantropiaprivada, ainda uma constante (op.cit., p.109).

    Nos primeiros anos da dcada de 1930, com a crise docapitalismo, o Estado brasileiro preparou-se para assumir seu papelintervencionista e planificador. Para a histria da assistncia social

    PRISMA JURDICO109

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    4/14

    brasileira, o perodo compreendido entre 1930 e 1937, marcadosobretudo pelo enfrentamento da questo social e por intensas lutasem torno da conquista de direitos sociais e polticos, violentamente

    reprimidas, representou momento importante de flexo nas relaesentre a ao do Estado e as prticas assistenciais. Por um lado,amplia-se o escopo das prticas institucionais de mbito privado;por outro, prticas assistenciais passam a adquirir espao eminstituies pblicas. Veja-se, a ttulo de exemplo, que somente em1935 o governo do Estado de So Paulo criou o Departamento deAssistncia Social, subordinado Secretaria de Justia e Negcios

    Interiores. No contexto do Estado Novo, foram criadas algumasinstituies de assistncia, dentre as quais se destacam: LegioBrasileira de Assistncia (LBA); Servio Nacional de AprendizagemIndustrial (SENAI); Servio Nacional de Aprendizagem Comercial(SENAC); Juzo de Menores e Servio de Assistncia ao Menor daPrefeitura de So Paulo; Servio de Proteo aos Imigrantes eHospital das Clnicas da Universidade de So Paulo.

    O perodo de redemocratizao experimentado pela sociedadebrasileira, entre 1946 e 1964, viu delinear-se definitivamente operfil das polticas pblicas de assistncia social, manifesto, quer nodispositivo constitucional, quer na rede de servios disponveis. Amobilizao popular reclamou que o Estado promovesse programassociais e, nessa medida, buscasse atuar como mediador de conflitos.Por sua vez, o golpe de 1964 significou, entre tantas outras coisas, ainexorvel presena do Estado na questo social. As prticas

    assistenciais voltaram-se no apenas para o equacionamento dacorrelao de foras em confronto na sociedade civil, tendo porobjetivo a consolidao da hegemonia das classes que se apossaramdo poder do Estado, mas tambm e principalmente, vale destacar para o processo de acumulao capitalista em curso, transformando-se, inclusive, em investimentos de capital. Alm do mais, o golpemilitar fez destacar, no plano das polticas pblicas de assistncia

    social, dois outros aspectos. Primeiro, aquilo que era apenas latentetornou-se manifesto: de fato, a poltica social ganhou feiodefinitiva por meio do binmio represso-assistncia; segundo, aao estatal espraiou-se pelas reas de sade, educao, habitao,

    110

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    5/14

    alm de ter reconfigurado as tradicionais polticas de segurana,justia e promoo humanas. No contexto da ditadura militar, foiassinada pelo Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social a

    primeira medida normatizadora da assistncia aos idosos, restritaaos beneficirios do sistema previdencirio (Portaria 82, de 04 dejulho de 1974).3

    Embora o Estado tenha, a partir de 1930, desenvolvido umpapel cada vez mais intervencionista, no ocorreram investimentosnas obras pblicas para idosos, mantidas sob sua responsabilidadedireta o atendimento velhice feito pelo Estado por meio de

    auxlios e convnios com instituies particulares. Na realidade, aPortaria 82/74 evidencia a manuteno dessa postura. A nicainovao refere-se prestao direta, voltada para a preveno dosmales da velhice e para a sensibilizao da comunidade. A velhicedespossuda, historicamente dependente da ao caritativa dosindivduos, das santas casas de misericrdia, das congregaesreligiosas ou de entidades de benemerncia, foi contemplada, algunsmeses depois, com a renda mensal vitalcia (Lei 6.179/74).4 Nesse

    mesmo ano, o Estado, separando a previdncia do trabalho, criou oMinistrio da Previdncia e Assistncia Social (Lei 6062/74).

    A assistncia social aos idosos do Instituto Nacional dePrevidncia Social INPS marca o reconhecimento, pelo Estado, daineficcia das principais polticas sociais que atingem os idosos a

    PRISMA JURDICO111

    3 A cargo do Servio Social, a assistncia aos idosos far-se-ia diretamente pelo INPS, eindiretamente, por meio de acordos com instituies, sempre que possvel abrangendo osaspectos biopsicossociais. A primeira modalidade refere-se internao custodial de

    aposentados a partir dos 65 anos, quando do sexo masculino, e dos 60 anos, quando do sexofeminino e pensionistas a partir dos 60 anos , devendo abranger: alojamento ealimentao; programao de atividades sociais; atendimento mdico e de enfermagem;concesso de medicamentos de rotina (Portaria 82/74). A internao deveria basear-se nosseguintes critrios: desgaste fsico e mental, impossibilitando a auto-suficincia para asatividades de vida diria; carncia de recursos prprios ou do grupo familiar, para proveralojamento; inexistncia de grupo familiar; abandono por parte do grupo familiar (Portaria82/74).

    4 Este amparo previdencirio foi destinado a maiores de 70 anos e a invlidos definitivamenteincapacitados para o trabalho, que no exeram atividade remunerada, no sejam mantidospor pessoas de quem dependam obrigatoriamente e no tenham outro meio para o prpriosustento. O pagamento deste benefcio, igual metade do salrio-mnimo vigente no pas,

    no poderia ultrapassar 60% do valor do salrio-mnimo do local do pagamento. Faria jus aobenefcio o requerente que, conforme o caso, tivesse contribudo durante pelo menos dozemeses para o INPS; ingressado no regime do INPS aps completar 60 anos de idade; exercidoatividades remuneradas ento includas no regime do INPS ou do FUNRURAL , mesmo semfiliao Previdncia Social (Lei 6 179/74).

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    6/14

    previdncia social e a assistncia mdico-hospitalar, o quecorresponde a uma estratgia utilizada pelo Estado diante dainsuficincia destas ltimas, em resposta s presses externas

    (entre as quais as da ONU) e internas para a implementao de umapoltica voltada velhice. Em 9 de novembro de 1979, a Portaria82/74 foi revogada pela de n 25, quando, ento, os idosos no-previdencirios passaram tambm a contar com a assistnciasocial.5 Tendo carter preventivo, teraputico e promocional, aPortaria 25/79 objetivava propiciar a integrao social do idoso,sobretudo no que se refere melhoria das condies de vida, ao

    fortalecimento dos laos familiares e formao de uma atitudepositiva velhice. Trs anos depois, em 5 de maio de 1982, quandoas defasagens nos proventos dos aposentados e pensionistastomavam propores insustentveis e a situao de pobreza impediaque se fechassem os olhos para a velhice no subsidiada pelo Estado,a Portaria MPAS 2.864 veio somar-se anterior, ampliando osobjetivos da assistncia aos idosos, os quais, na verdade, nuncaforam atingidos.6

    Nesse contexto, a proposta assistencialista do Estadoapresenta-se articulada com os discursos a-histricos produzidospelo saber mdico e gerontolgico e pelos tcnicos do SESC, em quea problemtica da velhice aparece isolada da realidade que aproduz. O discurso geritrico-gerontolgico difundido pelos meiosde comunicao e em universidades, palestras, publicaes,sociedades beneficentes etc. ganhou evidncia com a criao, em

    1960, da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria-SBGG. Oconjunto de representaes sobre a velhice formulado pela geriatria-

    112

    5 LBA coube a funo de desenvolver uma ao integrada entre os rgos do PoderPblico, nos seus diversos nveis e nos de atuao privada, a fim de evitar aes dispersas eesforos isolados (Portaria25/79).

    6 Vale transcrever os objetivos ento anunciados: prevenir a marginalizao e promover aintegrao do idoso famlia e comunidade, mediante a adoo de programas preventivos,teraputicos e promocionais organizados preferencialmente em regime de externato e desemi-internato; estender a assistncia ao maior nmero de idosos, propiciando-lheatendimento global, mediante o desenvolvimento de aes integradas das entidades do

    SINPAS; prevenir a segregao do idoso, atravs de incentivos a programas inovadores queaumentem a eficcia do atendimento das necessidades bsicas do idosos, com sua ativaparticipao; garantir padres de qualidade nos servios especializados para atendimento aoidoso junto famlia e a sua comunidade (Portaria 2 864/82).

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    7/14

    gerontologia configurou um modelo, visando ensinar as pessoas aconhecer a velhice e agir em conformidade com suas prescries, isto, buscando

    a reorganizao dos comportamentos educativos em torno dedois plos bem distintos, sendo as estratgias propostasdiferentes para cada um. O primeiro tem por eixo a difusodos preceitos mdicos, isto , um conjunto de conhecimentose de tcnicas que deve levar os velhos a tomar conscincia doque clinicamente a velhice; com isso pretendem apreservao do corpo. O segundo, poderia agrupar sob a

    etiqueta de economia social todas as formas de direo davida dos velhos com o objetivo de diminuir o custo social desua manuteno (HADDAD, 1986, p.57).

    O SESC veiculou, na dcada de 70, ampla literatura, cujapropagao, garantida por publicaes prprias, justificava suasaes. No Estado de So Paulo, eram oferecidas aos idososatividades desenvolvidas em trs projetos bsicos: 1. Grupos deConvivncia de Idosos; 2. Escolas Abertas para a Terceira Idade, e 3.Trabalho com Pr-Aposentados. Considere-se ainda que, na mesmadcada e com maior intensidade no curso dos anos 80, a sociedadebrasileira conheceu substantivas transformaes nas suas formasde organizao: novos movimentos sociais pem o social em ebulioe explodem as diferenas que se expressam nas lutas que mulheres,negros estudantes, minorias sexuais, ecologistas e idosos

    desencadeiam pela melhoria da qualidade de vida.A dcada de 80 assistiu ao aumento do nmero de associaes e

    federaes de aposentados e pensionistas. Em 1985, com a criaoda Confederao Brasileira de Aposentados e Pensionistas COBAP, o Movimento de Aposentados e Pensionistas ganhou grandevisibilidade, tendo-se constitudo no segundo maior lobby, duranteos trabalhos da Assemblia Nacional Constituinte, em 1987-1988,

    perdendo somente para os ruralistas. Reagindo s formasautoritrias e de represso poltica, indo alm das reivindicaes pormelhoria de proventos, isto , encaminhando propostas quequestionavam o modelo econmico, o Movimento foi portador de

    PRISMA JURDICO113

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    8/14

    elementos que despertaram, nos aposentados e pensionistas, aconscincia dos seus direitos e o esprito de cidadania.

    Enfim, como expresso de foras sociais diferentes, dois

    debates, cujos discursos trazem a marca da heterogeneidade, sefazem presentes, no que se refere soluo dos problemas davelhice. O proferido pelo Movimento de Aposentados, centrado nosproventos, na assistncia mdico-hospitalar, na forma de gesto dosrecursos previdencirios, clama por maior segurana no fim da vida,pois o modo de vida na velhice no faz parte de suas reivindicaes.O discurso do SESC, da SBGG e do Estado, centrado na integrao

    do idoso na sociedade, silencia em relao ao direito dignidade navelhice, aponta para uma mudana na forma de administrao davelhice,7 se bem que a populao alvo do Estado no seja a mesma aser atingida pelas instituies privadas.

    A Constituio Federal, assinada em 5 de outubro de 1988,introduziu, com a denominao de seguridade social, um conceitoalargado de proteo social, compreendendo um conjunto integradode iniciativas dos poderes pblicos e da sociedade, destinadas aassegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistnciasocial (art.194). Quanto Previdncia Social, duas mudanassignificativas encontram-se dispostas no artigo 194: irredutibilidadedo valor dos benefcios e carter democrtico e descentralizado dagesto administrativa, com a participao da comunidade, emespecial dos trabalhadores, empresrios e aposentados. Os objetivosda seguridade social sintetizam uma nova organizao das polticas

    de previdncia, sade e assistncia social que, concretizadas,representariam um avano na qualidade de vida dos idosos.Entretanto, logo aps a promulgao da Constituio, j se temiapelo seu no-cumprimento. Nesse momento, a distncia entre odiscurso do governo e a prtica neoliberal evidenciavam a ausnciade perspectiva de uma poltica social mais justa. As presses doMovimento de Aposentados e Pensionistas no Legislativo e

    Executivo, as tentativas de atrair as centrais sindicais, num

    114

    7 Se a velhice o futuro da maioria da populao, a imagem que associava a velhice dascamadas populares com asilo, mendicncia e indigncia perdeu eficcia, mesmo porque, coma universalizao da cobertura previdenciria, a velhice passou a ser subsidiada pelo Estado(HADDAD, 1993).

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    9/14

    momento em que o desemprego o monstro que amedronta a todos,e as manifestaes para sensibilizar uma opinio pblica voltadapara seus prprios problemas no conseguiram trazer, para um

    primeiro plano, os debates sobre o direito vida e,conseqentemente, sobre o direito dignidade na velhice. Com aprecarizao do mercado de trabalho e milhes de desempregados nopas, o recolhimento para a Previdncia vem diminuindo.

    Em 24 de janeiro de 1994, foi assinada a Lei n 8.842(04.1.1994), dispondo sobre a Poltica Nacional do Idoso que,regulamentada pelo Decreto n 1.948 (3.7.1996), regida pelos

    seguintes princpios:I a famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de assegurar aoidoso todos os direitos da cidadania, garantindo suaparticipao na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito vida;

    II o processo de envelhecimento diz respeito sociedade em geral,devendo ser objeto de conhecimento e informao para todos;

    III o idoso no deve sofrer discriminao de qualquer natureza;IV o idoso deve ser o principal agente e o destinatrio das

    transformaes a serem efetivadas por meio desta poltica;V as diferenas econmicas, sociais, regionais e, particularmente,

    as contradies entre o meio rural e o urbano do Brasil deveroser observadas pelos poderes pblicos e pela sociedade em geral,na aplicao desta lei (Lei 8.842, Art. 3).Tendo por objetivo segurar os direitos sociais do idoso, criando

    condies para promover sua autonomia, integrao e participaoefetiva na sociedade (art. 1), a Lei n 8.842 prev, para aimplementao da Poltica Nacional do Idoso, aes governamentaisnas reas de promoo e assistncia social, sade, educao,trabalho e previdncia social, habitao e urbanismo, justia ecultura, esporte e lazer.

    Entretanto, no Brasil, marcado por uma histria lenta,8 as

    conquistas sociais sempre foram postergadas ao longo da histria.

    PRISMA JURDICO115

    8 Na verdade, a histria da sociedade brasileira tem sido uma histria inacabada, umahistria que no se conclui, uma histria que no chega ao fim de perodos definidos, detransformaes concludas. No uma histria que se faz. uma histria sempre por fazer(MARTINS, 1992, p.11).

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    10/14

    Dessa forma, a Poltica Nacional do Idoso no conseguiu firmar-se nombito dos direitos sociais, conquanto os estudos demogrficosapontem o envelhecimento da populao brasileira em ritmo

    acelerado, decorrncia da diminuio da fecundidade das mulheres eda elevao da expectativa mdia de vida.9 Em outras palavras,ainda que a esperana mdia de vida tenha se elevado e pelo Estadose proponham medidas legais de assistncia aos idosos (as quais, porsua vez, movem-se nos limites e contradies que caracterizam aspolticas sociais), no vm melhorando as condies objetivas de vidada maior parte da populao, portanto, a dos idosos desfavorecidos;

    ao contrrio, o crescimento demogrfico das pessoas com 60 anos oumais evidencia uma outra questo: o empenho do Estado brasileiroem diminuir suas responsabilidades materiais com os idosos,defendendo a privatizao da previdncia e incentivando, cada vezmais, a medicina privada.

    Prova disso o fato de que, para honrar os compromissosassumidos com o grande capital financeiro internacional, nodestinou recursos para a implementao da Poltica Nacional doIdoso. O centro de ataque do programa neoliberal no Brasil tem-sevoltado para as polticas sociais que atingem diretamente os idosos,quais sejam, a previdncia social e a sade,10 das quais decorre a

    116

    9 Ao mesmo tempo em que o percentual de jovens est diminuindo, tem ocorrido, a partir dosanos 60, um aumento do nmero de pessoas que atingem idades mais avanadas. Nos doisltimos decnios, esse crescimento acelerou-se: de 1980 a 2000, houve um aumento, emtermos absolutos, de aproximadamente 7 milhes de pessoas com 60 anos e mais, isto , numespao de 20 anos, esse segmento populacional passou a ser o dobro.

    10 Com a poltica de Aes Integradas de Sade/AIS (1983), ocorreu a universalizao da

    cobertura da assistncia mdica. Em 1987, foi institudo o Sistema Unificado e Descentralizadode Sade/SUDS. Desde 1991, tem-se como grande desafio efetivar o Sistema nico deSade/SUS. Respaldado pela Constituio de 1988, isto , fundado no princpio de que a sade um direito do cidado e dever do Estado, o SUS, todavia, no garante qualidade nos serviosmdico-hospitalares que oferece. Os servios pblicos de sade so sobrecarregados eprecrios. Alm de atendimento especfico, os idosos devem contar com uma infra-estruturamdico-hospitalar capaz de responder satisfatoriamente sua demanda, mais intensa namedida em que passam a pertencer a uma faixa etria mais avanada, quando, ento, so maissusceptveis s doenas. Acrescente-se ainda que as de carter crnico degenerativo so asmais dispendiosas e que exigem tratamentos mais longos. o setor hospitalar, sem dvida,o que sofrer as maiores presses, em termos de sade curativa, diante do envelhecimentoprogressivo da populao (CAVALCANTI; SAAD, 1990, p. 192). Enfim, a baixa qualidade dos

    servios de sade oferecidos impossibilita que os idosos mais pobres efetivamente os quemais adoecem - sejam atendidos adequadamente. Mesmo porque, em decorrncia de uminvestimento insuficiente na preveno de doenas, muito grande a procura por atendimentocurativo. A situao tende a se agravar com o aumento do percentual de pessoas com 60 anose mais e a falta de perspectiva de melhora do atendimento do SUS.

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    11/14

    ampliao do contingente de idosos desassistidos. No bastasse seremreduzidos os benefcios, muitos so os programas sociais eliminados,isto , assiste-se a uma significativa reduo desses gastos.11

    Com relao previdncia social, diante da situao poltica eeconmica gerada pela racionalidade neoliberal, o Estado brasileiroincorporou o discurso poltico dos credores internacionais, isto , deque a fragilidade do caixa da Previdncia cuja receita dependefundamentalmente da folha de salrios e a relao ativos-inativoscomprovam a necessidade da reforma da previdncia. No governoFernando Henrique Cardoso (1995-2002), em virtude das

    resistncias de diferentes segmentos da sociedade civil, a referidareforma levou quatro anos para ser aprovada, consolidando-se naEmenda Constitucional n 20.12 Dando continuidade ao feito do seuantecessor, o governo de Lus Incio Lula da Silva apresentou umnovo projeto de reforma da previdncia, pea importante no ajusteneoliberal. Reduz-se, assim, a previdncia pblica a instrumento dapoltica econmica, isto , a elemento importante na soluo da criseda acumulao capitalista brasileira. Restringindo direitos,aumentando a contribuio do trabalhador, alterando o clculo dosbenefcios em nome de um pretenso equilbrio financeiro e atuarial,o padro de previdncia que, paulatinamente, vem sendoimplantado contrape-se a uma seguridade social afinada aosinteresses das classes trabalhadoras (CABRAL, 2000, p. 129 - 132) os direitos sociais no so clusulas ptreas.13

    Alm de no ter conseguido revitalizar o capitalismo, ao

    contrrio, aprofundando as desigualdades sociais, com adeteriorao das polticas pblicas de carter social, o iderioneoliberal vem gerando a predominncia dos processos de exclusosobre os de incluso social. A interferncia do Estado nessas

    PRISMA JURDICO117

    11 Milhares de crianas, idosos e portadores de deficincias esto deixando de ser atendidosem creches, asilos e centros de reabilitao em todo o pas por causa dos cortes no oramentoda Unio em decorrncia do ajuste fiscal. A informao que segue ilustrativa: Na verso doOramento anterior crise do real, a Unio deveria repassar R$ 341,4 milhes a Estados emunicpios para atender 1,9 milho de idosos, crianas e deficientes carentes. Com a crise

    fiscal, a verba disponvel para esses programas sofreu um corte de 28,5% , caindo para R$243,7 milhes (Folha de S.Paulo, 4 mar. 1999, p. 1-6).

    12 A regulamentao da previdncia foi aprovada pela Lei n 3.048, de 6 de maio de 1999,alterada pela Lei n 3.265, de 29 de novembro de 1999.

    13 A respeito, Art. 60 da Constituio Federal de 5 de outubro de 1988.

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    12/14

    questes mnima e, com isso, mantm-se taxas alarmantes dedesemprego, concentrao de renda, fome, doenas, criminalidade einfortnios na velhice.

    Lembrando Simone de Beauvoir (1970, p 70): A velhice no um fato esttico: o trmino e o prolongamento de um processo. ,pois, urgente a implementao de uma poltica que leve emconsiderao o processo de envelhecimento, isto , de constituio davida e no a velhice em si.

    Referncias

    ADORNO, Srgio; PUGLIESI, Myriam Mesquita. A pobrezacolonizada. In: Servio social e sociedade. So Paulo: Cortez, Ano VI,n.17, p. 49-72, abr. 1985.

    BEAUVOIR, Simone.A velhice, as relaes com o mundo. So Paulo:DIFEL, 1970.

    CABRAL, Maria do Socorro Reis. As polticas brasileiras deseguridade social: Previdncia Social. In: Capacitao em serviosocial e poltica social. Mdulo 3. Centro de Educao Aberta,Continuada Distncia. Braslia: UnB, 2000, p. 129 e 132.

    CAMARGO, Antonio B. Marangone; SAAD, Paulo Murad. Atransio demogrfica no Brasil e seu impacto na estrutura etriada populao. In: O idoso na Grande So Paulo. So Paulo: SEADE,1990, p. 9-25. (Coleo Realidade Paulista).

    CAVALCANTI, Maria das Graas P. de H; SAAD, Paulo Murad. Osidosos no contexto da sade pblica. In: O idoso na Grande So Paulo.So Paulo: SEADE, 1990. p. 181-206, (Coleo Realidade Paulista).

    GUILLEMARD, Anne-Marie. Le dclin du social. Paris: PUF, 1986.

    HADDAD, Eneida Gonalves de Macedo.A ideologia da velhice. SoPaulo: Cortez, 1986.

    ______. O direito velhice: os aposentados e a Previdncia Social.

    So Paulo: Cortez, 1991.______. O idoso em perigo. In:BOLETIM IBCCRIM, ano 6, n. 75, SoPaulo, Instituto Brasileiro de Cincias Criminais/ IBCCrim, fev.1999.

    118

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    13/14

    MARTINS, Jos de Souza. O poder do atraso. Ensaios de Sociologiada Histria lenta. So Paulo: Hucitec, 1994.

    MESGRAVIS, Laima.A Santa Casa de Misericrdia de So Paulo,1599-1884: contribuio ao estudo da assistncia social no Brasil.So Paulo: Conselho Estadual da Cultura, 1976.

    SPOSATI, Aldaza de Oliveira. Vida urbana e gesto da pobreza. SoPaulo: Cortez, 1988.

    TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. Assistncia na Previdncia Social uma poltica marginal. In: SPOSATI, Aldaza de Oliveira et al. Os

    direitos (dos desassistidos) sociais. 2. ed. So Paulo: Cortez, 1991.

    Documentos:

    CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, de5 outubro de 1988.

    DECRETO n 1.948, de 3 de julho de 1996.

    LEI 6.179, de 11 de dezembro de 1974.

    LEI n 8.842, de 4 de janeiro de 1994.

    PORTARIA MTPS 82, de 4 de julho de 1974.

    Portaria MPAS 25, de 9 de novembro de 1979.

    Portaria MPAS 2 864, de 5 de maio de 1982.

    PRISMA JURDICO119

  • 7/26/2019 notas sobre direito da velhice no br.pdf

    14/14

    120