Notas sobre história de Matemática no ensino secundário

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  • 8/7/2019 Notas sobre histria de Matemtica no ensino secundrio

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    Aula de Historia

    Arselio Martins

    Dezembro de 2002

    A ideia

    A definicao de obrigacao

    A logica de avaliacao inerente a um Crculo de Estudos pres-supoe que seja elaborado um produto final que traduza a opera-cionalizacao dos assuntos debatidos. No programa desta accaode formacao podemos ler: (...) este Crculo de Estudos tem asua origem num problema em comum: como fazer, como con-cretizar episodios da Historia da Matematica na sala de aula?(...) Como producao do Crculo de Estudos, esta prevista a elab-oracao de guioes metodologicos de concretizacao da insercaodestes episodios da Historia da Matematica em contexto educa-tivo.

    Deste modo, o Trabalho Final devera ser um documento quesirva de instrumento facilitador da concretizacao da insercaoda Historia da Matematica em sala de aula, nomeadamente deuma das solucoes (construcoes) para o problema da trisseccao doangulo ou para o problema da duplicacao do cubo. Um exem-plo (que pode nao ser seguido como regra pois as ideias/inovacoessao vossas - tudo esta em aberto): para leccionar as conicas vamospartir da solucao de Menecmo para o problema da duplicacao docubo, assim, com a Historia da Matematica como fundo podemoschegar aos conceitos matematicos pretendidos. Nao se esquecaque deve envidar esforcos para que este trabalho final seja o maiscompleto possvel, tendo em atencao que e o produto final da suaparticipacao neste Crculo de Estudos.

    Jose Miguel Sousa, formador

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    1 A historia no programa do ensino se-

    cundario

    No corpo do programa actualmente em vigor, particular-

    mente, nas introducoes e nas indicacoes metodologicas, hamarcas para viagens pela historia e principalmente ha re-ferencias a problemas historicos relevantes para o conheci-mento. As brochuras publicadas posteriormente, como ma-teriais de apoio a leccionacao do programa, estao carregadasde exemplos historicos e mesmo dos desenvolvimentos dostemas ao longo dos tempos.

    Apesar disso, a utilizacao da historia da matematica no en-sino secundario e diminuta. Ha muitas razoes para a dificul-dade na utilizacao da historia. A primeira delas deve ser o

    menosprezo a que foi votada a historia na formacao inicialdos professores licenciados em Matematica que nao pode sercolmatada facilmente pelos sistemas de formacao ao longoda vida profissional dos professores. Apesar disso, ha muitosesforcos recentes para alterar a situacao nas universidades etem havido, nas pos-graduacoes, algumas iniciativas que po-dem ajudar a formacao inicial e a formacao contnua emhistoria. Comeca tambem a aparecer bibliografia acessvele em Portugues que pode ajudar a mudar a historia noscompendios e a influenciar a cultura matematica para aleccionacao. A deficiente formacao cultural dos professoresproduz ainda uma visao redutora do ensino da ciencia que

    se transforma em justificacao e desculpa para transmissaoda matematica na forma actual e com poucas ou nenhu-mas referencias ao caminho feito ate ao aparecimento dosconceitos, tecnicas e ferramentas actuais. Ha tambem umapressao de prazos para o trabalho lectivo com vista a ob-jectivos mnimos que se ligam a uma ideia de matematica,como caixa de ferramentas modernas, que podem ser mane-jadas autonomamente de forma satisfatoria. Se uma criancapode lavar a maquina a sua roupa sem ter conhecido e ex-perimentado arcaicos sistemas de lavagem, porque nao podeela aceder a matematica na forma actual sem mais viagens

    e distraccoes? Ate agora, os exames nacionais nao puderampressionar no sentido da historia dos conceitos e ha mesmo

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    quem pense que isso nunca ira acontecer no nvel do ensinosecundario.

    1.0.1 Pequena grande evolucao

    De qualquer modo, a situacao face a historia da ciencia foisendo alterada e na revisao curricular entretanto feita, asideias e a producao, embora pequena, sobre o assunto mu-daram a forma e o fundo das indicacoes programaticas. Leia-se a ttulo de exemplo:

    A utilizacao de exemplos historicos ou a referencia a evolucao deconceitos matematicos ajudara os estudantes a apreciar o contribu-to da Matematica para a compreensao e resolucao de problemasdo Homem atraves do tempo. Algumas situacoes sugeridas:

    polinomios em Pedro Nunes, historia do Calculo Diferencial, historiados numeros complexos. Nas brochuras de apoio ao programa po-dem ser encontrados muitos exemplos interessantes: origens dageometria (Geometria 10o, pg 34-39), evolucao das maquinasde calcular (Funcoes 10o, pg 28), funcao logartmica (Funcoes12o, pg 60-62), a regua de calculo (Funcoes 12

    o, pg 66-69),

    historia do teorema fundamental da algebra (Trigonometria enumeros complexos, pg 79-84), etc.

    ou

    Alguns topicos que poderao ser estudados na resolucao de prob-

    lemas ou em investigacoes:

    (.. . ) um problema historico e sua ligacao com a Historia da

    Geometria.

    Estes discursos programaticos nao eram possveis antes emarcam uma grande diferenca, ao nvel pratico da leccionacaoe antes na concepcao de manuais, no que a historia da matematicarespeita.

    1.0.2 Acredita-se.

    1. Ha quem acredite que a historia aos nveis basicos e se-cundario nunca poderao servir de grande coisa ja que

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    os estudantes nao poderao compreender e acompanhara evolucao de qualquer conceito e tambem nao poderaocompreender e acompanhar a complexidade do desen-volvimento do pensamento de um dado matematicoque toca sempre temas fora do seu alcance. Aceita-se

    entao que se facam vagas referencias a um ou outrovulto da historia ou se contem historietas pitorescasmais ou menos motivadoras para futuras abordagensda vida e obra de alguns matematicos ou temas historicos.Mas nao mais do que isso.

    2. Mas ha quem acredite que a evolucao historica deum ou outro conceito e uma condicao imprescindveldo verdadeiro ensino, uma ajuda fundamental para acompreensao do conceito e ferramenta fundamental nacompreensao da ciencia actual. Ha mesmo quem de-fenda que o ensino/estudo de algumas questoes devia

    ser feita a partir dos documentos fundadores e naoso a partir dos fundamentos escritos sob a forma ea luz do conhecimento actual. Quem assim acredita,chega a manifestar duvidas sobre a possibilidade deapreensao de algum conhecimento relevante pelos es-tudantes que, sem fazerem o caminho da historia, saochamados a aprender o conhecimento actual na formaactual que e, em termos de linguagem e raciocnio,demasiado sofisticado, sintetico e suspenso como umaabstraccao intemporal.

    3. Ha mesmo quem defenda que se e preciso ensinar aactualidade da matematica com as situacoes da vidamoderna que mobilizam matematica, e preciso fazera historia. Os que assim falam, dizem que nao haactualidade que nao seja um lugar da historia. E queo ensino da historia e condicao do ensino feito para aactualidade.

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    2 Guiao

    2.1 A escolha da oportunidade. Um lugar de

    historia

    No programa do 10o ano, que vai entrar em vigor, aparecemalgumas referencias as conicas (nao no sentido tradicionaldo termo) que, seguindo uma planificacao adequada, podemservir para uteis aulas de historia que nao prejudiquem a lec-cionacao do programa em prazos adequados, mas antes po-dem enriquecer a assimilacao prevista dos conceitos e tecnicas.Sao elas:

    A circunferencia e a superfcie esferica devem ser tratadas essen-

    cialmente como lugares geometricos sem a preocupacao de fazer

    multiplos exerccios que envolvam apenas as suas equacoes (adefinicao de distancia entre dois pontos no espaco aparecera, nat-

    uralmente, ligada a determinacao do comprimento da diagonal

    espacial de um paraleleppedo).

    O mesmo para a mediatriz/plano mediador (neste contexto so

    se deve trabalhar com equacoes de rectas (planos) paralelos a

    eixos (planos) coordenados ou que sejam bissectrizes (planos bis-

    sectores) de quadrantes (octantes)).

    A equacao da elipse deve aparecer a partir da circunferencia por

    meio de uma mudanca afim de uma das coordenadas.

    Referencia breve a parabola, a algumas das suas principais pro-

    priedades e a sua importancia historica.Esta referencia breve nao pressupoe nenhuma propriedade em par-

    ticular mas antes que os estudantes fiquem com uma visao cul-

    turalmente mais completa do assunto.

    2.2 A divisao da oportunidade em ocasioes

    Elabora-se uma lista de possveis objectivos de estudo e com-petencias (capacidades tecnicas, conhecimentos, . . . ) a de-senvolver que constitui ao mesmo tempo uma hipotese de

    roteiro temporal:

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    1. Utilizar os conceitos circunferenca, elipse e mediatrizpara trabalhos com lugares geometricos, usando mode-los geometricos e instrumentos de desenho, e se possveltecnologia calculadora, mas principalmente computa-dores (GSP ou Cinderella, ou. . . qualquer outro que

    sirva para o efeito. Aproveitar para realizar somas desegmentos e fazer alguma referencia as formas de tra-balhar da algebra geometrica.

    2. Introduzir a parabola como lugar geometrico dos pon-tos equidistantes de uma recta- directriz e de um dadoponto - foco, (interseccao da mediatriz do segmentoque une o foco a um ponto livre da directriz com a per-pendicular a directriz com pe no mesmo ponto livre.

    3. Dadas duas perpendiculares eixos e um segmentounitario, determinar o lugar geometrico dos pontos

    (x, x2

    ), utilizando as semelhancas de triangulos e aproporcionalidade. Introduzir o produto de segmen-tos. Promover a leitura e contacto com a escrita antiga,pelo menos com a escrita de Descartes. Procurar queos estudantes compreendam os fundamentos da Ge-ometria Analtica, comparando as potencialidades dosmeios e dos instrumentos novos com os instrumentosclassicos, as diferentes escritas para melhor compreen-der a escrita actual e as suas vantagens.

    4. Averiguar da existencia de solucoes reais para algunsproblemas envolvendo parabolas. Averiguar das po-

    tencialidades dos instrumentos actuais para determi-nar solucoes graficas reais. Esclarecer as potencia-lidades e as limitacoes dos instrumentos classicos dedesenho. Fazer algumas simulacoes da utilizacao dosinstrumentos utilizando computadores. Discriminar osinstrumentos classicos no painel do Cinderella, por ex-emplo pela apresentacao de exerccios em que se ten-ham inibido as ferramentas modernas de desenho ecomputacionais.

    5. Abordar o problema da duplicacao do cubo, promoven-do leituras de textos a ele referidos, o mais perto poss-vel das fontes primitivas, tanto no que respeita ashistorias da coisa, como no que respeita aos actores

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    matematicos envolvidos. Ler textos de contexto, par-ticularmente alguma coisa sobre Alexandre o Grande.Promover debates sobre textos de historia que nao de-vem ser versoes coincidentes. E promover alguma re-flexao sobre eventuais modos de possibilidade do pen-

    samento matematico realizado nos contextos.

    2.3 Da oportunidade ao metodo

    Nao sendo adepto das sequencias de fichas que podem sub-stituir o discurso (dos professores e estudantes) ou partic-ularizar em pequenos exerccios aquilo que so se aprendequando se compreende numa determinada totalidade, a pro-posta de trabalho conhecida das partes deve seguir metodolo-gias diversas (se possvel com adequacao as turmas ou grupos

    de trabalho) que determinem tanto o ambiente da sala deaula, como os ambientes de estudo fora da sala de aula.

    2.3.1 Os lugares geometricos e a tecnologia

    O aproveitamento de aulas do primeiro perodo do 10o anopara trabalhar com tecnologia pode ser uma forma de gan-har tempo e e, com certeza, uma boa maneira de introduzircom seguranca fundamentos da geometria analtica. Nao se

    pode substituir a tecnologia do papel quadriculado(ja taomal vivida) como auxiliar de desenho para a introducao dageometria vectorial, mas a tecnologia pode ser motivadorae e, com certeza, o instrumento eficaz e exemplar para maisfundas interpretacoes geometricas.

    Para este efeito e ganhar tempo, apos os esclarecimentosnecessarios, o professor pode dirigir o trabalho dos estu-dantes com fichas de trabalho simples em papel ou no com-putador.

    Usando as diversas potencialidades do GSP, por exemplo,podem apresentar-se as instrucoes completas (e visveis amedida que forem sendo necessarias) na folha de trabalho do

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    programa para serem seguidas pelo estudante. Por defeito epor exemplo

    Alias, podemos mesmo realizar pequenas fichas ou exercciossobre os lugares geometricos com programas de geometriadinamica. Tambem podemos seguir textos de historia eprocurar realizar algumas construcoes dinamicas que apoiema compreensao dos resultados de Erastotenes, Menecno, Ar-quitas, etc.

    Recomenda-se vivamente que se facam depois construcoes degeometria analtica a Descartes, de que poderei dar exemplosmas que ja se encontram em varios cursos e paginas de livrose paginas (de Veloso, de Carlos Sa, etc)

    2.3.2 Estudo em grupo e leituras

    Com apoio numa bibliografia mnima ou em textos policopi-ados, extrados de livros, os estudantes podem ser divididosem grupos que trabalham aspectos do mesmo tema. O que eimportante e motivar desde o incio um trabalho que vai du-rar mais de tres meses passando de um semestre para outroe que exige algum trabalho aturado da parte dos estudantes.

    No caso, as propostas podem ir desde

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    1. a leitura compreensiva de um texto escrito numa formaclassica, estudo dos problemas envolvidos e realizacaode uma reescrita na forma actual com as construcoese os resultados actualizados;

    2. a leitura de varios textos de historia que aparecam

    diferentes nas interpretacoes e atribuicoes das primeirassolucoes para o problema da duplicacao do cubo efalem de diversas escolas e exijam, por isso, como re-sultado uma composicao que apresente as diferencas efaca uma interpretacao das diferencas nos textos (in-vestigando sobre outros textos, por exemplo);

    3. a leitura da historia de contexto para uma ou outraescola, de que resultem composicoes esclarecedoras eligando o pensamento matematico a sua epoca;

    4. a leitura da deriva religiosa e mitologica sobre a origem

    dos problemas e a necessidade da sua resolucao e, sepossvel, o cruzamento com outros aspectos, como se-jam a arte, a poesia, etc.

    Estes estudos devem ser acompanhados semanal ou quinzenal-mente pelo professor que tem de estudar ao mesmo tempopara poder desencravar o grupo que tiver encontrado umobstaculo serio ao seu trabalho.

    Convem que os estudantes estabelecam regras para o seu tra-

    balho e aprendam a trabalhar em grupo pequeno, a escolheros espacos, as instalacoes e equipamentos, a seleccionar ointeressante de entre os recursos disponveis (nao e verdadeque a informacao sobre a duplicacao do cubo, por exemplo,se encontre na prateleira (ou no professor) da matematica)

    3 A desgraca

    Para alem da desgraca das minhas muitas tentativas fal-

    hadas com a tecnologia, para o que queria particularizarneste guiao, tambem falhei por enquanto na escolha dos tex-tos interessantes e motivadores como exemplos a usar pelos

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    professores ou como indicacoes uteis para os grupos de es-tudantes. A maior parte dos textos para um projecto deaula aberta de historia devem poder encontrar-se na bib-liografia que tem vindo a ser utilizada na accao (excepcaofeita a algum contexto historico, social, poltico, cultural e

    religioso).

    Para ja, preocupei-me so em conceber uma oportunidadede trabalho tao complexa quanto possvel dentro do quadrodo programa do 10o ano, sendo certo que a minha ma con-sciencia se encontra espalhada no asfalto deste texto, comose tivesse sido vtima de um acidente provocado por de-feito de velocidade da execucao dos programas. De facto,os professores em geral tentaram refutar a exequibilidadedo programa no tempo disponvel, o que me obrigou a es-crever e a verbalizar um conjunto de indicacoes de concen-tracao que deixaram (entao) um caminho demasiado estre-ito para a a historia. Ainda estou convencido que e errada aformula metodologica dos professores que repetem exerccios(rotineiros) ate que os alunos caiam exaustos sob a ameacade enquanto nao resolvem todos isto nao samos daqui. Arazao entre os numeros de exerccios semelhantes nao e iguala qualquer razao entre sabedorias induzidas pelo numero dasrepeticoes.

    Mas a verdade e que escrevi nos primeiros informat indicacoesde trabalho numerico, algebrico e grafico muito precisas paraa a leccionacao das quadricas e cubicas.

    Seja o que Deus quiser. Apresentarei, se houver tempo, algu-mas tentativas precisas, isto e com pormenores de execucao,a favor da iniciacao historica logo a partir do 10o ano.

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