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NOTAS SOBRE O DESPACHO DE ACUSAÇÃO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA João Alves Procurador-Formador Novembro de 2013

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NOTAS SOBRE O DESPACHO

DE

ACUSAÇÃO

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA

João Alves Procurador-Formador

Novembro de 2013

1

ÍNDICE

Fls

A- Introdução .................................................................................... ...................2

1- Quando é deduzida acusação .................................................................... 4

2- Prazos ........................................................................................................ 9

3- Conteúdo da acusação ............................................................................. 9

4- Posição do Juiz perante a acusação ....................................................... 16

5- Posição do arguido perante a acusação .................................................. 18

2

A- Introdução

O Ministério Público é o titular da acção penal, competindo-lhe colaborar

com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito,

obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita

legalidade e objectividade (art. 48º, nº 1 CPP).

O inquérito é a fase processual da investigação destinada a recolher

provas e a realizar diligências necessárias à demonstração do cometimento de

um crime e da responsabilização dos seus autores e dos elementos relevantes

para a determinação dos danos causados pelo crime e valor da indemnização,

sempre que não devam ser julgados em processo sumário (art. 225º CPP).

Compete em especial ao MP deduzir acusação e sustentá-la em

julgamento (art. 48º, nº 2, al. d) CPP).

Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se

ter verificado o crime e de quem foi o seu agente o Ministério Público profere

despacho de acusação em quinze1 dias (art. 236º, nº 1 CPP).

Em caso de conexão de processos é feita uma só acusação (art. 236º,

nº 4 e 20º CPP).

Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida

acusação num processo penal (art. 59º, nº 1 CPP).

São pressupostos da dedução de acusação:

a) A existência de indícios suficientes quanto à verificação de facto

punível, seus agentes e sua responsabilidade (art. 236º, nº 2 CPP).

b) A legitimidade do MP (crime público ou semipúblico – art. 49º CPP).

1 É um prazo ordenador, o incumprimento não tem consequências processuais.

3

A acusação é um pressuposto indispensável da fase de julgamento, fixa

o objecto do processo – é nula a sentença que condenar por factos diversos

dos constantes da acusação ou sua alteração, se a houver (art. 286º, al. b)

CPP).

Algumas boas práticas na elaboração da acusação:

- É aconselhável que a acusação seja articulada, isto é, escrever o texto

em parágrafos numerados. É o que vai permitir em audiência de julgamento

fazer a referência da prova aos factos (exemplo: a testemunha vai responder

aos factos nº 10 a 15).

- Em especial nos casos mais complexos, a acusação deve ter uma

estrutura cronológica – dos factos mais antigos para os mais recentes.

- Não complicar. A simplicidade deve ser uma preocupação, só com ela

se obtém a certeza de que é lido ou ouvido e, sobretudo, compreendido. É

reconhecido que longas peças processuais e alegações intermináveis são, as

mais das vezes, contraproducentes no que toca aos objectivos a atingir.

- Também o rol de testemunhas deve ser organizado segundo o critério

da estrutura cronológica da acusação.

- Devem indicar-se os autos enquanto meio de prova, dizendo qual o

auto (exemplo: reconhecimento, apreensão, etc) e em que folhas se encontra,

exemplo:

«Art. 9º O arguido utilizou uma faca com 20 cm de comprimento (auto de apreensão a fls….)».

- No crime violento, a segurança das testemunhas deve ser acautelada

(vide, Lei 2/2009, de 6/5 – protecção de testemunhas).

- Quando as vítimas são estrangeiros, muitas vezes existe absolvição do

arguido porque este não confessou e as testemunhas e lesado faltam ao

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julgamento. Nestes casos de estrangeiros, são essenciais as declarações para

memória futura (art. 230º e 243º CPP).

1. Quando é deduzida acusação.

No fim do inquérito, existindo indícios suficientes quanto à verificação de

facto punível, seus agentes e sua responsabilidade.

Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma

possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em

julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (art. 236º, nº 2 CPP).

O acto processual que representa a transição da fase preparatória para

a de julgamento é a acusação. E o conceito que está pressuposto nesse salto

qualitativo é o de indícios suficientes.

A distinção entre fase preparatória e fase de julgamento envolve uma

outra, que nela está pressuposta: a distinção entre juízo de certeza e juízo de

probabilidade. Para o final da fase de julgamento está reservado o juízo de

certeza. Ele visa alcançar a prova dos factos alegados em juízo. No final da

fase preparatória o juízo a formular é de probabilidade de futura condenação.

Importa aprofundar o significado da expressão indícios suficientes. A

expressão é composta por duas palavras: indícios e suficientes. De salientar,

desde já, que a definição constante do n.º 2 do artigo 236.º apenas se reporta

ao segundo vocábulo. A lei não nos diz o que são indícios, apenas explica

quando os considera suficientes.

A palavra indícios2 refere-se, assim, ao conjunto das provas já

recolhidas no processo.

Para o qualificativo suficientes existe, como já se referiu, a definição

legal constante do n.º 2 do artigo 236º, a qual relaciona a suficiência dos

indícios com uma possibilidade razoável de condenação em julgamento.

2 Por definição, indícios são sinais, marcas, indicações de ocorrência de um crime, são

circunstâncias que têm conexão verosímil com o facto incerto de que se pretende a prova], são factos que embora não demonstrando a existência histórica do factum probandum (facto a provar), demonstram outros factos, os quais, de acordo com as regras da lógica e da experiência, permitem tirar ilações quanto ao facto que se visa demonstrar.

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A avaliação da suficiência exige, assim, um juízo prognóstico sobre a

possibilidade de condenação no final da fase do julgamento. O que pressupõe

um raciocínio de conjugação entre todos os indícios, de forma a fundamentar

esse juízo de prognose.

Esta definição, porém, continua a não ser esclarecedora. O que significa

uma possibilidade razoável de condenação? Qual o grau de probabilidade que

este conceito comporta?

Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável

de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve

considerar-se existirem indícios suficientes para efeitos de despacho de

acusação quando:

a) Os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem

pressentir de culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal

de condenação posterior; e

b) Se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se

manterão em julgamento; ou

c) Quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de

julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no

sentido da condenação futura.

Quando não existirem indícios suficientes, o M. Público profere

despacho de arquivamento do inquérito (art. 235º CPP). Este artigo prevê três

situações:

1ª- Se não tiverem sido recolhidos indícios suficientes da verificação de

crime (art. 235º, nº 1, al. a) CPP).

2ª- Se não for conhecido o agente do crime (art. 235º, nº 1, al. b) CPP).

Esta situação verifica-se quando existe um crime mas, não é possível

identificar o autor(es), são conhecidos como os inquéritos contra

desconhecidos.

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3ª- Se for legalmente inadmissível o procedimento criminal (art. 235º, nº

1, al. c) CPP).

Abrange situações em que o procedimento criminal é legalmente

inadmissível (essencialmente por razões processuais). Esta alínea aplica-se a

situações diversas, geralmente classificadas como pressupostos, ou

impedimentos processuais:

- É o caso do ne his in idem (art. 31º, n. 4, da Constituição).

- Da prescrição (arts 110º e seg. do C. Penal).

- Da amnistia (art. 120º do C. Penal).

- Da falta de queixa (art. 49º, nº 2 do CPP).

- Das imunidades prevista na Lei.

- Da despenalização do crime (art. 3º, nº 1 do C. Penal).

- Facto não é crime (art. 1º, nº 1 C. Penal)

- O arguido morreu (art. 119º C. Penal).

- Causas de exclusão da ilicitude (art. 43º e seg., do C. Penal).

- Da declaração de incompetência (art. 29º, nº 2, do CPP).

Nestes casos, mesmo que existam indícios suficientes da prática de um

crime e de quem foi o seu agente, o M. Público não pode promover a acção

penal, devendo arquivar o inquérito.

Apenas é possível a reabertura do inquérito, depois de proferido o

despacho de arquivamento, quando, e se surgirem, novos elementos de prova,

que alterem os fundamentos invocados pelo M. Público no despacho que

arquivou o inquérito (art. 235º, nº 3 CPP).

Do despacho que recusar a reabertura do inquérito apenas é possível

reclamar para o superior hierárquico imediato3 do Magistrado do Ministério

Público que proferiu o mesmo despacho, não existindo recurso de tal decisão

(art. 235º, nº 4 CPP).

3 Com uma redacção igual no CPP português têm-se entendido que «A reapreciação é

limitada, e razoavelmente, a um grau na estrutura hierárquica. A lei apenas refere o imediato superior hierárquico; a decisão deste não será suscetível de reapreciação por outro magistrado colocado em grau superior da hierarquia» - Ministério Público, hierarquia e processo penal, Revista do Ministério Público, Cadernos 6, pág. 88, e ainda na RMP, Ano 13, Janeiro-Março, 1992, n.º 49, Impugnação das decisões do Ministério Público no inquérito, pág. 77.

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Exemplo 1 (desconhecidos):

Conclusão em …./…./2013

O presente inquérito n° ……………….., reporta-se a factos ocorridos nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos no auto de participação/queixa a fls ........., praticados por desconhecido(s). Tais factos são susceptíveis de integrar um crime previsto e punido no art............................ Procedeu-se à investigação dos factos, com vista ao apuramento da responsabilidade criminal, realizando-se as diligências úteis e relevantes para a descoberta da verdade. No entanto, não se apurou quem foi o agente do crime, pelo que, não se vislumbrando mais nenhuma diligência útil a efectuar por ora, determino o arquivamento do inquérito (art. 235°, n° 1 al. a) do CPP), sem prejuízo de posterior reabertura, caso venham a existir novos elementos de prova.

* Notifique (art. 237° do CPP). Díli, ...../..../2013

O Procurador da República ..................

Exemplo 2 (não existe crime):

Conclusão em …./…./2013 O presente inquérito teve origem no expediente de fls ..... a ..., remetido em ..../..../2013 pelo ............ Conforme consta de fls ......., o expediente foi autuado por indícios do crime de «Irregular destruição de produtos consumíveis (bebidas)». Em causa está o facto de, em ...../..../..... a Direcção dos Serviços das Alfândegas ter autorizado a destruição de bebidas cujos prazos de validade expirara. Para o efeito, foi aberto um buraco em Beduco, colocados os produtos, tapado, coberto por terra e compactado com uma máquina, porque a profundidade seria pouca, a população da zona e arredores cavou e apoderou-se das bebidas, consumindo-as. Os factos supra enunciados não integram a prática de qualquer crime p. e p. no Código Penal ou em legislação de Timor Leste, razão pela qual determino o arquivamento do presente inquérito (art. 235°, n°1, al. c) do CPP e art. 1º, nº 1 do C. Penal).

* Notifique (art. 237° do CPP). Díli, ...../..../2013

O Procurador da República

..................

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Exemplo 3 (falta de indícios):

Conclusão em …./…./2013 O presente inquérito teve origem na participação do Gabinete da

Inspecção Geral de fls 2 e seguintes, sem indicação concreta de suspeitos, por

indícios da prática de um crime de falsificação e corrupção, em consequência

da adulteração de cópias de declarações aduaneiras que permitiram a saída de

mercadorias, sem pagamento de direitos, taxas e multas.

A pessoa “chave” nesta investigação seria AAA, polícia internacional,

entretanto já falecido (cfr., fls 79).

Como se pode ler nos pontos 79 e 80 das conclusões do relatório da

…………., não foi possível reunir indícios probatórios suficientes que permitam

formular uma acusação por estes factos.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, são quatro os entendimentos

possíveis de sobre a “suficiência de indícios”:

- Quando haja uma mera probabilidade de condenação do arguido;

- Quando houver alta probabilidade de condenação, aferida pela mesma

exigência de verdade que a requerida para o julgamento;

- Quando a probabilidade de condenação for maior que a de absolvição,

tout court;

- Quando a probabilidade de condenação for maior que a de absolvição,

aferida pela mesma exigência de verdade que a requerida para o

julgamento;

Ora, é patente no presente caso não existirem tais indícios, nem se

justificar a realização de novas diligências probatórias, razão pela qual

determino o arquivamento do presente inquérito (art. 235°, n°1, al. a) do CPP),

sem prejuízo de posterior reabertura, caso existam novos elementos

probatórios.

*

Notifique (art. 237° do CPP).

Díli, ...../..../2013

O Procurador da República

..................

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2. Prazos.

Em 15 dias após o fim do inquérito (art. 236º, nº 1 CPP).

É um prazo ordenador, o incumprimento não tem consequências

processuais4, mas pode implicar responsabilidade disciplinar para o

Procurador. O princípio da celeridade processual impõe ao M.Público o dever

de respeitar os prazos.

Não confundir este prazo com os prazos de duração do inquérito (art.

232º CPP):

- 6 meses com arguidos presos preventivamente (art. 232º, nº 1 CPP).

- 12 meses com arguidos presos preventivamente em processos

complexos (art. 232º, nº 2 CPP).

- 12 meses sem arguidos presos preventivamente (art. 232º, nº 3 CPP).

- 24 meses sem arguidos presos preventivamente em processos

complexos(art. 232º, nº 3 CPP).

A contagem destes prazos de duração do inquérito iniciam-se:

a) Com a constituição arguido (art. 59º CPP).

b) Quando corra inquérito contra pessoa certa (art. 231º, nº 1 CPP).

3. Conteúdo da acusação.

O despacho de acusação contém, sob pena de nulidade:5

Caso exista alguma irregularidade na acusação, esta pode ser

rectificada oficiosamente (art. 107º, nº 2 CPP).

a) As indicações tendentes à identificação do arguido (e responsáveis cíveis,

se for o caso).

4 Se existir muito atraso, pode acontecer a prescrição do crime.

5 A omissão na acusação de alguma dessas matérias contidas nas referidas alíneas é

cominada com nulidade que, porém, não é insanável, uma vez que não está taxativamente enumerada no art. 103º, CPP. Daí que tenha de ser arguida, nos termos do art. 104º, nº 2, CPP.

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As indicações tendentes à identificação do arguido, que não se deve

confundir com a menção concreta da sua verdadeira identificação visam evitar

que haja dúvidas sobre quem é a pessoa acusada e vai ser submetida a

julgamento, é um problema de identidade da pessoa a julgar, mas também da

pessoa que se vai defender, por lhe ser imputada uma acção delituosa, e visa

exactamente possibilitar a essa pessoa, o arguido, defender-se, incluindo não

ser ele o autor dos factos, pondo desde logo em causa a sua qualidade de

arguido.

b) A narração dos factos que constituam o crime ou relevem para a

determinação da sanção ou medida de segurança.

Isto é, circunstâncias que envolveram o crime, localização no espaço e

no tempo, motivação, grau de participação do arguido, instrumentos utilizados

(pistola, catana, faca, etc) e montante dos prejuízos ou lesões causadas.

Importa ter em atenção algumas questões:

► A acusação deve explicar todas as agravações. Por exemplo, no

crime de furto agravado por ser de noite (art. 252º, nº 1, al. d) C. Penal),

importa alegar que «se aproveitou da escuridão para mais facilmente fazer sua

a coisa alheia».

► Na acusação, por cada facto ou conjunto de factos alegados, deve

indicar-se, entre parêntesis, o meio de prova que o sustenta. Por exemplo, num

crime de homicídio deve alegar-se:

«O arguido utilizou uma faca com 20 cm de comprimento (Doc. 1 – auto de exame a fls.... e fotografia a fls ....).

► No crime organizado ou em grupo, tem que se descrever a actuação

do conjunto, da associação criminosa, do grupo, do mandante ou cúmplices.

Por exemplo:

«Em data não concretamente apurada, o arguido juntou-se com outros indivíduos e de comum acordo, decidiram organizar-se em grupo com o objetivo principal de fazerem seus veículos com características determinadas,

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vulgarmente conhecidos por veículos topo de gama, e também todo-o-terreno e de valor consideravelmente elevado.

Decidiram que iriam abordar os proprietários dos veículos com aquelas características, em Díli e áreas próximas, duma forma concertada, planeada, estruturada e continuada no tempo.

Tal abordagem seria feita quando os proprietários dos veículos se

encontrassem no seu interior ou nas proximidades. Mais decidiram que seriam exibidas armas e exercida força física contra

as vítimas,

Dentro do grupo alguns elementos, nomeadamente, Artur P…, José A… Sebastião F… Adriano P…, Júlio D… e Pedro A… participavam diretamente na execução dos roubos (eram chamados operacionais).

Outros indivíduos, nomeadamente, Daniel F… e Ricardo J…, dedicava-

se ao transporte dos veículos para o estrangeiro.

O arguido Carlos F..... coordenava toda a atividade do grupo, assumindo a posição de líder, recebendo as “encomendas” dos veículos, ficando normalmente afastado dos locais dos roubos, mantendo por vezes o contacto telefónico com os operacionais e os outros membros do grupo, por forma a controlar toda a atividade delituosa desenvolvida.

Foi no âmbito do plano prévio traçado entre todo o grupo, que o arguido

com os demais indivíduos concordaram na prática dos factos que a seguir se descrevem..........».

► A condenação por reincidência (art. 53º C. Penal) implica que na

acusação constem os factos e a agravação. Por exemplo, numa acusação de

furto agravado:

«O arguido foi condenado no Proc. nº 64/2011 de Díli, por crime de furto agravado praticado a 3/05/2010, na pena de 3 anos de prisão, por decisão datada de 2/2/2011, transitada em julgado a 5/3/2011 (Doc. 1 – certificado de registo criminal).

O arguido foi condenado no Proc. nº 20/2011, do Tribunal de Baucau, por crime de furto agravado, na pena de 4 anos de prisão, por decisão datada de 5/4/2011, transitada em julgado a 7/5/2011 (Doc. 1 – certificado de registo criminal).

Porém tais condenações não foram suficientes para impedir o arguido António ..... de praticar novos factos puníveis criminalmente com pena de prisão, nos 4 anos seguintes ao cometimento do anterior crime, descontado o tempo em que esteve preso, mantendo a prática deste tipo de ilícitos como meio de vida (art. 53º C. Penal)».

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► A acusação por habitualidade criminal (art. 54º C. Penal) implica que

na acusação constem os factos e a agravação. Por exemplo:

«O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos seguintes termos:

1- O arguido foi condenado no Proc. nº 10/2011, do Tribunal de Díli, por crime de furto agravado, na pena de 3 anos de prisão efectiva, por decisão datada de 5/4/2011, transitada em julgado a 7/5/2011 (Doc. 1 – certificado de registo criminal).

2- O arguido foi condenado no Proc. nº 30/2012, do Tribunal de Baucau, por crime de furto agravado, na pena de 2 anos de prisão efectiva, por decisão datada de 15/4/2012, transitada em julgado a 15/5/2012 (Doc. 1 – certificado de registo criminal).

3- O arguido foi condenado no Proc. nº 20/2013, do Tribunal de Baucau, por crime de furto agravado, na pena de 3 anos de prisão efectiva, por decisão datada de 20/4/2013, transitada em julgado a 22/5/2013 (Doc. 1 – certificado de registo criminal).

O arguido revela um quadro de antecedentes criminais que dá nota de uma incontornável propensão para a prática de crimes.

O arguido demonstra uma personalidade insensível aos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço, Evidencia-se, assim, a sua incapacidade para manter uma conduta conforme ao Direito, conforme o demonstra o seu passado ligado à criminalidade».

►No crime continuado, se a actuação do arguido integra um crime

continuado, é conveniente descrever na actuação todas as condutas integradas

na continuação, pois algumas podem não ficar provadas, estar prescritas ou

amnistiadas.

► Nos casos de concurso aparente, devem ser descritas as condutas

integradoras das infracções que considere consumidas. Exemplo: em regra, o

crime de violação consome as ofensas à integridade física. Assim, se no

julgamento não se provar a violação, mas apenas ofensas à integridade física

e, estando os factos descritos na acusação, acontecerá apenas uma alteração

da qualificação jurídica (art. 274º CPP).

A acusação contém a base factual dentro da qual se moverá o

contraditório, no exercício do direito de defesa. Em última análise, o que está

em causa é a garantia constitucional do direito de defesa do arguido com o

princípio, também constitucional, do contraditório que é inerente àquele e cuja

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efectividade implica uma definição clara e precisa do objecto do processo (art.

34º, nº 1 e 3, da Constituição).

A vinculação do tribunal, porém, quer no que concerne aos factos

descritos na acusação quer ao enquadramento jurídico dos mesmos ali

operado, não é absoluta. Com efeito, em certos casos e situações, por razões

várias, já depois de deduzida a acusação, algumas vezes no decurso do

julgamento, outras já na fase de recurso, vêm -se a descobrir novos factos ou a

constatar que os factos constantes da acusação foram deficientemente ou

insuficientemente descritos ou deficientemente ou incorrectamente

qualificados, possibilitando a lei, limitadamente, desde que salvaguardadas as

garantias de defesa do arguido, a alteração dos factos e ou a alteração da sua

qualificação jurídica, para que o processo possa alcançar o seu concreto fim,

isto é, a descoberta da verdade e a realização da justiça (cfr, arts. 273º e 275º

CPP).

O art. 14º do C. Penal diz-nos que «Só é punível o facto praticado com

dolo, ou nos casos especialmente previstos na lei, com negligência».

Por outro lado o art. 15º do C. Penal adianta que:

«1- Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo

de crime, actuar com intenção de o realizar.

2 -Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que

preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

3- Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for

representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente

actuar conformando-se com aquela realização» e o artigo 15º refere que “Age

com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as

circunstâncias, está obrigado e é capaz:

a) Representar como possível a realização de um facto que preenche

um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou

b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do

facto.»

Daqui resulta que só pode ser condenado pela prática de um ilícito o

agente que preencha os seus elementos objectivos e subjectivos do tipo legal

de crime.

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A acusação tem que conter os elementos objectivos e também

subjectivos do crime imputado, porque não existe crime/responsabilidade penal

sem que todos eles se encontrem preenchidos. A prática de um ilícito criminal

importa o preenchimento não só do elemento objectivo, mas também do

elemento subjectivo, este por sua vez, subdivide-se nos elementos cognitivo e

volitivo6.

A falta de preenchimento do elemento subjectivo, na sua completude,

radica na falta de punibilidade da conduta. A imputação tem que ser absoluta

em si, com efeito, se se imputam factos donde resulte a existência do elemento

subjectivo, na sua integralidade, esses factos tem que vir claramente

discriminados, para que o acusado deles se possa defender.

c) A indicação das normas substantivas aplicáveis.

Ou seja, a lei que pune o crime (exemplo: art. 251º C. Penal) e

agravantes que existam (exemplo: o furto agravado do art. 252º C. Penal, a

reincidência do art. 53º do C. Penal, a habitualidade criminal do art. 54º do C.

Penal e as circunstâncias agravantes gerais do art. 52º do C. Penal).

Importa ter em atenção toda a matéria do C. Penal relativa às formas do

crime (tentativa), agentes do crime (autoria, instigação, cumplicidade) e

concurso e crimes continuados (arts. 22º a 42º do C. Penal).

Em processo penal, (arts. 236º, nº 3, al. b) c) e 281º, nº 2 e 3, al. a)

CPP), na acusação e sentença, a qualificação jurídica dos factos é feita

mediante a indicação das disposições legais que lhes são aplicáveis, indicação

que a lei manda se faça a seguir à narração ou descrição daqueles. Pretende a

lei que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico -

criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das

consequentes respostas punitivas, dando-se assim expressão aos princípios da

6 Elemento cognitivo, isto é, o conhecimento, por parte do acusado, de que a sua conduta era

proibida e punida por lei. Sem este conhecimento, os factos não constituem qualquer crime.

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comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos de

defesa (art. 34º da Constituição).

Só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma

adequada. É que o arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe

são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal

é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o

arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da

acusação, o que implica, evidentemente, lhe seja dado conhecimento preciso

das disposições legais que irão ser aplicadas.

Por isso, qualquer alteração que se verifique da qualificação jurídica dos

factos feita na acusação nomeadamente, qualquer alteração que importe um

agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para

que este dela se possa defender.

d) A data e a assinatura.

A constar no final do despacho - dia, mês e ano e assinatura do

Procurador da República.

e) O rol de testemunhas e quaisquer outras provas a produzir em audiência.

Vigorando no processo penal timorense o princípio do acusatório,

segundo o qual a entidade que acusa e sustenta a acusação é diferente da

entidade que julga, e tendo presente que a peça processual por excelência da

actividade acusatória é a acusação, naturalmente que é nesse local que tem de

ser indicado à entidade julgadora quais os meios de prova que serão perante si

produzidos e examinados.

Perante a estrutura acusatória do processo penal, o tribunal - leia-se o

juiz - na sua natural postura de isenção, objectividade e imparcialidade, cujos

poderes de cognição estão rigorosamente limitados ao objecto do processo,

previamente definido pelo conteúdo da acusação, não pode nem deve dirigir

recomendações ou convites para aperfeiçoamento, muito menos ordenar, ao

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M. Público, para que este reformule, rectifique, complemente, altere ou deduza

acusação.

Assim, ao Juiz do julgamento está vedado ultrapassar o objecto que lhe

é submetido, sendo certo que este compreende também, os meios de prova

que serão perante si produzidos e examinados.

Por isso, verificada a falta de indicação na acusação dos meios de prova

que devem ser produzidos e examinados, ela deverá ser conhecida pelo juiz do

julgamento, impondo-se-lhe a rejeição da acusação por manifestamente

infundada.

Existem crimes que exigem a junção de certidões do registo civil

(nascimento e casamento), caso dos crimes sexuais contra menores, maus

tratos a menor, maus tratos a cônjuge.

A acusação pode ainda conter:

a) O pedido de indemnização civil (art. 72º, nº 3 CPP).

b) A nomeação de Defensor (se ainda o não tiver – art. 68º, al. b) CPP).

c) A posição sobre a necessidade (ou não) de aplicação ou alteração da

medida de coação ou garantia patrimonial (art. 184º CPP).

4. Posição do Juiz perante a acusação.

O Juiz profere despacho de rejeição da acusação, se considerar a

acusação manifestamente infundada (art. 1º, al. c) e art. 239º, al. c) CPP), ou

seja, se houver:

- Omissão da identificação do arguido.

- Omissão da narração dos factos.

- Omissão das disposições legais aplicáveis.

- Omissão das provas.

- Os factos da acusação não constituem crime.7

7 Se a questão focada na acusação for juridicamente controversa, o juiz no despacho do

presente artigo não pode considerar a mesma (acusação) manifestamente improcedente.

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Esta alínea inclui todas as causas de direito substantivo susceptíveis de

inviabilizar a acusação, designadamente a insuficiência de indícios probatórios

dos factos, a não punibilidade dos mesmos por variadas razões, inclusive, a

inimputabilidade do acusado, a prescrição do procedimento criminal, etc.. A

formula usada nesse preceito tem a vantagem de abranger essas causas sem

referir, concretamente, nenhuma delas, não se correndo, assim, o risco da

omissão de alguma.

Exemplo de despacho:

«Os factos imputados ao arguido, de acordo com o descrito na acusação, traduziram-se em o mesmo ter dito ao queixoso em voz alta «não ponhas a música alta». Com base nestes factos foi imputado ao arguido a prática em autoria material de um crime de ameaças previsto e punido no art. 157º, nº 1 C. Penal.

A ameaça tem de ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação: o crime de ameaça é (actualmente) um crime de perigo concreto, isto é, exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar a liberdade de determinação e que na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que, em concreto tenha provocado medo ou inquietação, ou afectado a liberdade de determinação, sendo que, o critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é um critério objectivo individual, isto é, o critério do homem comum, médio (pessoa adulta e normal), tendo em conta as características individuais do ameaçado; assim, ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptivel de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente).

Ameaçar alguém significa anunciar a intenção de cauar um mal Ora, a frase proferida pelo arguido não é uma ameaça, não integrando o

elemento objectivo do tipo do crime, pelo que, nos termos do art. 239º, al. b) do CPP, rejeito a acusação deduzida pelo M.Público.

Notifique.» O despacho que rejeite a acusação admite recurso, que sobe nos

próprios autos, de imediato (art. 295º e 296º, nº 1, al. e) CPP).

O trânsito em julgado do despacho que rejeita a acusação extingue, de

imediato, a medida de coacção (art. 203º, nº 1, al. b) CPP).

Assim, por exemplo, o juiz não pode rejeitar a acusação se a questão for discutível, só o

poderá fazer se for inequívoco e incontroverso que os factos não constituem crime.

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Quando o Juiz recebe a acusação (art. 239º e 240º CPP):

a) Conhece da competência, da legitimidade, das nulidades8 e de outras

excepções ou questões prévias9 susceptíveis de obstar à apreciação do mérito

da causa de que possa desde logo apreciar;

b) Recebe a acusação e designa dia para julgamento, se entender que o

processo deve seguir para julgamento.

Exemplo de despacho do Juiz:

«O Tribunal é competente, as partes são legítimas e não há nulidades, excepções ou quaisquer outras questões prévias que impeçam o conhecimento do mérito da causa e consequentemente, ao julgamento em processo comum do arguido Carlos.......... (identificado a fls ....), pela prática de um crime de ......., previsto e punido nos arts..... do C. Penal, conforme consta na acusação de fls .... (art. 239º, al. a) CPP).

* Para julgamento designo o dia ..../..../2013, pelas 9.30 horas (art. 239º, al. c) e 240º, nº 1 CPP).

* Quanto à medida de coacção, não existem motivos que justifiquem a sua alteração, pelo que, continuará o arguido sujeito a termo de identidade e residência (art. 240º, nº 1, al. b) CPP).

* Requisite certidão do registo criminal do arguido (art. 240º, nº 1, al. c) CPP).

* Notifique (art. 240º, nº 2 CPP)».

5. Posição do arguido perante a acusação.

A comunicação da acusação, é um instituto de salvaguarda do direito de

defesa do arguido, o que significa que ao arguido (através da acusação) deve

ser dado a conhecer qualquer facto ou qualquer elemento essencial (momento

constitutivo do crime) e acidental (circunstância) de que possa derivar a sua

responsabilidade ou um seu agravamento.

8 Nulidades insanáveis que constam das alíneas do art. 103º, nº 1 do CPP.

9 Questões prévias são as que respeitam à validade ou regularidade da relação processual e

sejam impeditivas do conhecimento do mérito da causa, exigindo desde logo resolução para que o processo não siga para julgamento com vícios (prescrição, amnistia, caso julgado, litispendência, falta de legitimidade do M.Público, morte do arguido.

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A acusação é notificada ao arguido e lesado (art. 237º, nº 1 CPP) e

implica a suspensão e interrupção do procedimento criminal (art. 112º, nº 1, al.

c) do C. Penal).

A falta de notificação da acusação constitui nulidade dependente de

arguição (art. 104º, nº 1 e 2 CPP).

A contestação não está sujeita a formalidades especiais, porém, deve ter

uma estrutura lógica mínima. As contestações deficientes dificultam ou

impossibilitam que o tribunal perceba quais são as "razões" do arguido e onde

começam as razões de direito e as razões de facto.

A contestação deve ter conclusões. São estas conclusões contidas na

contestação que o tribunal deve sumariar no relatório da sentença (art. 281º, nº

1, al. c) CPP).

Assim, a contestação deve conter, separadamente e por artigos, os

seguintes elementos:

a) As razões de facto de discordância relativamente à acusação.

b) As razões de direito de discordância relativamente à acusação.

c) As conclusões da contestação.

Com a contestação o arguido pode juntar o "rol de testemunhas" e a lista

das demais provas, isto é, os meios de prova e de obtenção de prova cuja

produção ou exame são requeridos e os factos que através deles se espera

provar.

Após o decurso do prazo para junção das contestações, os autos vão

conclusos ao juiz, que aprecia a legalidade e tempestividade da contestação e

dos meios de prova e de obtenção de prova requeridos pelo arguido.

O despacho de apreciação da contestação e da prova requerida pelo

arguido é recorrível.

O arguido pode apenas apresentar requerimento probatório, sem

contestar. Por exemplo, pode apenas indicar testemunhas.

A principal vantagem em apresentar contestação consiste em trazer aos

autos novos factos diversos dos que figuram na acusação e no pedido de

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indemnização. Assim, as testemunhas poderão ser inquiridas sobre estes

factos.

Exemplo de contestação:

Proc. nº ......./2013 Tribunal de Díli Exmº Sr. Juiz de Direito Carlos da Silva, arguido no processo acima identificado, vem apresentar a sua CONTESTAÇÃO:

1º O arguido não praticou os factos que constam da acusação,

2º Pelo que, não cometeu o crime que lhe é imputado.

3º Com efeito, o arguido entrou na garagem do seu vizinho e tirou o pneu

de mota porque, o seu vizinho lhe deu o pneu, autorizando-o a ir buscá-lo à garagem.

4º Assim, não está preenchido o elemento objectivo e subjectivo do crime de furto do art. 251º, nº 1 do C. Penal.

Pelo exposto, deverá o arguido ser absolvido

do crime de que vem acusado.

Prova testemunhal:

1- Manuela da Silva, residente na Rua......., Díli.

2- Paulo dos Santos, residente na Rua......., Díli.

O Defensor / Advogado privado

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