notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para...

48
BOLETIM notícias da AFAP ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA N.º 54 • JANEIRO • FEVEREIRO • MARÇO • ABRIL • MAIO • JUNHO / 2015

Transcript of notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para...

Page 1: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

BOLETIMnotícias da

AFAP

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

N.º

54

• JA

NEI

RO

• F

EVER

EIR

O •

MA

O •

AB

RIL

• M

AIO

• J

UN

HO

/ 2

015

Page 2: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

2 AFAP

BOLETIM DA AFAP N.º 54 • JANEIRO • FEVEREIRO • MARÇO • ABRIL • MAIO • JUNHO / 2015 TIRAGEM 1500 EXEMPLARES

PROPRIEDADE Associação da Força Aérea Portuguesa • Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3º Dto. • 1050-010 LISBOA Tel.: 21 357 40 02 Telemóvel: 938 606 224 SITE AFAP:http://www.emfa.pt/afap

[email protected][email protected]É-IMPRESSÃO/IMPRESSÃO/ACABAMENTO Alves&Albuquerque, RAL - SINTRA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITAISENTO DE REGISTO NA ERC AO ABRIGO DO DECRETO REGULAMENTAR DE 08/99, ART.º 12º N. 1-a-

Os nossos Associados ..................................... 3

Editorial ............................................................ 4

Actividades da AFAP ........................................ 6

Ases da Aviação de Combate .......................... 9

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

Notas soltas relativas à transição da aeronáutica militar (5.ª arma do exército) para a Força Aérea ......................................... 12 General Pil.AV. José Lemos Ferreira

Os T.A.I.P. Transportes Aéreos da Índia Portuguesa ....................................... 19 General Pil Av José Lemos Ferreira

A minha Força Aérea ...................................... 23 Comte. Gabriel Cavaleiro

O cantinho do Cardosão ................................ 27 Maj. Pil(r) Adelino Cardoso

Os nossos Poetas .......................................... 31 Cor. PilAv Edgar Cardoso

Génese dos aviões Falcon-20 na FAP ........... 36 Cor. PilAv (r) João Ivo da Silva

Ten.Cor. PilAv Luís Fernando Almada de Oliveira ......................................... 39

MajGen PilAv(r) José Augusto Barrigas Queiroga

Major General Engaer Alberto Fernandes ...... 45 Cor. Adm. Aer. Abílio Joaquim Patinho

Aqueles que partindo permanecem na nossa memória .......................................... 46

Page 3: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

3AFAP

OS NOSSOS NOVOS ASSOCIADOS

GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOSQUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA

Sócio nº 1015Cor. Edgar Rodrigues

Cardoso da Costa

Sócio nº 2027SSar. Vicente Calixto

da Silva

Sócio nº 2061Cor. José António

Felix Machado

Sócio nº 2546MGen. João Carlos

da Silva Calhau

Sócio nº 2550Dr. Jaime Dória

Cortesão

Sócio nº 2571SAju. Victor Manuel

Silva Rodrigues

Sócio nº 2577Cap. António José Oliveira Ladeiras

Sócio nº 2579Vicente Gaspar Pires

Sócio nº 2580Cor. Carlos Manuel

das Neves Lourenço

Sócio nº 2581MGen. Tomaz António

Nunes de Campos

Sócio nº 2583TCor. António José Freire Lopes dos

Santos

Sócio nº 2584Paulo Jorge Meles

Moreno

Sócio nº 456EEng. António Justino

Cardoso Borralho

Sócio nº 457 ENuno Filipe Gonçalves

Crespo

Para que seja possível a inclusão da sua fotografia no próximo Boletim, desde já agradece-se aos prezados associados que ainda não enviaram uma, do tipo

passe, PARA A secretaria da afap, que o façam com a brevidade possível

Page 4: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

4 AFAP

EDITORIALCaríssimo Associado

Se tudo decorrer em conformidade com a usual normalidade, este Boletim irá chegar às mãos dos Prezados Associados da nossa AFAP, aí pelo início do mês de Junho, deste ano de 2015 DC.

Ao falarmos em Junho, associamos a ideia de início de férias e de lazer, mas a nós milita-res, que frequentámos escolas de culto dos valores deontológicos e da Pátria que modelam o nosso comportamento, vem-nos também à lembrança o décimo dia deste sexto mês do ano, porque a 10 de Junho de 1580, morreu em Lisboa o insigne herói nacional e imortal poeta, Luís Vaz de Camões.

É por isto que, desde há séculos, esta data é reconhecida e respeitada como dia de Por-tugal, para nela se evocarem os valores da Honra, da Dignidade, e do Servir abnegadamente e com total entrega, aqueles que estão à nossa volta, a Terra que os viu nascer, aqueles que lhes deram a Vida, e tudo o que de um modo mais singelo, mas não menos carinhoso e res-peitável, se inclui no conceito e sentimento, que designamos por Pátria.

É por isto que, neste dia 10 de Junho de cada ano, temos o dever cívico e militar de ir homenagear os nossos Combatentes.

Combatente é aquele Homem, usualmente discreto, que pela sua compostura exemplar, pela sua atitude firme e digna, pela sua palavra honrada e credível, pelo seu escrito sentido e patriótico, e até com a arma na mão, se a situação militar assim determina, defende de modo intransigente, sem a mira de conseguir benefícios pessoais e com vigorosa determinação, os valores Éticos, Deontológicos e da Pátria, sem os quais não será possível assegurar uma Sociedade, onde quem nela se integre, possa ter uma perfeita relação mútua com os seus concidadãos, assente numa liberdade responsável, numa justiça idónea e isenta e, conse-quentemente, numa perfeita paz social.

É por isto, Caro Associado, que espero vê-lo, no dia 10 de Junho, junto ao Monumento dos Combatentes, ao lado da majestosa Torre de Belém, para o homenagear a si e aos restantes Combatentes, muitos dos quais já não estarão presentes, porque deram a sua Vida pela nobre causa da Pátria, onde está o Céu, a Terra e o Mar de Portugal, a língua por-tuguesa, e todos nós, que devemos por isso ser os guardiões e servidores dos tais valores Éticos, Deontológicos e Patriotas, acima lembrados.

O Presidente da Direção José Armando Vizela Cardoso Ten-General PilAv

Page 5: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO
Page 6: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

6 AFAP

ATIVIDADES DA AFAP

Desde a publicação do Boletim anterior (Nº.53), na nossa Associação destaca-ram-se as seguintes actividades:• Dia 30JAN2015, decorreu nas instala-

ções da AFAP, na Av. Gago Coutinho 129-Lx, um interessante almoço/conferência, incluído no ciclo que a nossa Associação em coordenação com a Academia de Comandos “Mama Sumé” vem levando a cabo com regular periodicidade. Esta conferência, com muito interesse e apre-sentada de modo superior pelo Senhor TGeneral Abel Cabral Couto, abordou o tema “Reflexão sobre a Comunidade Eu-ropeia”.

• Dia 14MAR2015, visita de cariz histórico-cultural aos “mistérios” de Tomar legados pelos Templários, que incluiu a visita à Igreja de Stª Maria dos Olivais e ao Con-vento de Cristo. Esta visita, muito aprecia-da por quem se inscreveu e participou, foi guiada pelo TGeneral Vizela Cardoso.

• Dia 24MAR2015, um outro almoço/con-ferência, que proporcionou casa cheia, onde o Senhor Dr Paulo Morais expôs de forma brilhante o preocupante tema “Re-flexão sobre a corrupção em Portugal”.

• Dia 09ABR2015, decorreram no Mosteiro da Batalha as comemorações do dia do Combatente da 1ª Grande Guerra, organi-zada pela Liga dos Combatentes.

A AFAP esteve representada pelo Presiden-te da sua Direcção, o TGeneral PilAv- José Armando Vizela Cardoso.• Dia 24ABR2015, um outro almoço/con-

ferência onde o orador foi o Senhor Dr. Figueiredo Lopes, ex-Ministro da Defesa Nacional, que expôs sobre outro tema de muito interesse, a que deu o título de “Economia da Defesa”.

• Dia 13MAI2015, decorreu nas instalações da AFAP, na Av. Gago Coutinho 129 - lx, a apresentação de um livro intitulado “Me-mórias de um Piloto de Guerra” de autoria do Comandante Rogério Lopes.

• Dia 29MAI2015, mais um almoço/cultu-ral com a presença dos Senhores Dr Ro-gério Alves e Dr João Perry da Câmara, que expuseram sobre o tema “Reflexão sobre o Sistema/Estrutura na Justiça em Portugal”.

• Dia 15NOV2014, reactivou-se o tradicio-nal “magusto” de S. Martinho, no Clube AFAP, onde alguns sócios puderam con-fraternizar amizades e companheirismo, à pala de um copito de água-pé e de uma ou duas castanhas;

• Dia 25NOV2014, a nossa Associação levou a cabo, em coordenação com a Academia “Mama Sumé”, um Encontro/Palestra sobre o tema ”Trincheiras - Refle-xão sobre a 1ª Guerra Mundial, 100 anos depois”, tendo por Orador Convidado o Cor. “CMD” José Henrique, Professor Uni-versitário.

• Dia 19DEZ2014, o Presidente Grupo Je-rónimo Martins, Senhor Soares do Santos, em mais um almoço /conferência no Clube AFAP, expôs o tema “a Gestão Empresa-rial em Portugal; Presente e Futuro”.

ALMOÇO COMEMORATIVO DO 60º ANIVERSÁRIO DO BREVETAMENTO DOS PILOTOS DO CURSO P-1/54

No passado dia 28 de Fevereiro, seis “sobreviventes” do Curso de Pilotagem P-1/54 reuniram-se nas instalações da AFAP num almoço comemorativo do 60.º aniversário da imposição das “asinhas de pilotaço”.

A fase elementar do curso iniciou-se em Abril de 1954 na então Base Aérea N.º 5, S. Jacinto, com trinta e dois alunos, dos quais cerca de metade eram 1.ºs Cabos Mecâni-cos de Avião e os restantes soldados alu-nos. Foram utilizados os aviões De Havilland DH-82 Tiger Moth.

Page 7: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

7AFAP

A fase básica, que teve lugar na Base Aé-rea N.º 1, Sintra, terminou em 26 de Feve-reiro de 1955, sendo considerados aptos 16 alunos, cerca de metade do número inicial, que nesse dia receberam as almejadas Asas de Piloto Militar. Nesta fase voaram nos aviões North-American AT-6, T-6G Texan e

SNJ-4, então erradamente referidos como Harvard.

Dos oito pilotos sobreviventes, estiveram presentes ao almoço o Adelino Cardoso, Agostinho Couto, Armando Guerreiro, Licí-nio Soares, Manuel Neves e Pedro Carva-lhão. Por questões de saúde, não puderam

DH-82 Tiger Moth T-6 HARVARD

Page 8: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

8 AFAP

estar presentes o Adelino Lopes e o José Rodrigues.

O Coronel PilAv Morais Duarte, um dos raros (ou único?) instrutores de voo do nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos.

Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO DE PARA O PRÓXIMO ANO ESTAREM PRESENTES!

E vai ser assim!Major Pil (r) Adelino Cardoso

SITE DA AFAPPara mais informação sobre a AFAP e

suas actividades, visite o SITE da AFAP em:http://www.emfa.pt/afap

DONATIVOSA AFAP recebeu donativos em dinheiro

das Empresas ANA, Aeroportos de Portugal, S.A. e DELTA CAFÉS , bem como de alguns dos nossos Associados, que com generosi-dade deram o seu contributo.

A todos a AFAP agradece reconhecida.

Page 9: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

9AFAP

O CAPITÃO RENÉ FONCK

René Paul Fonck foi o Ás dos Ases da aviação militar francesa.

As suas primeiras três vitórias foram con-seguidas voando um lento bimotor Caudron,

à partida considerado um perdedor nato, configurado inicialmente para missões de reconhecimento, mas onde havia sido insta-lada uma metralhadora, de modo a transfor-mar esta pachorrenta aeronave, num avião de caça.

Apesar destes três abates não terem sido oficialmente reconhecidos, em Abril de 1017 René Fonck foi transferido da Esquadra de reconhecimento, para uma Esquadra de aviões de caça, operando o SPA.103, do fa-moso grupo “Cegonhas”.

SPAD

Voando um Spad, René Fonck conseguiu a sua primeira vitória no dia 05MAI1917, conseguindo mais dois abates, nos dias 11 e 13MAI1917.

ASES DA AVIAÇÃO DE COMBATE

Capitão René Fonck

Page 10: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

10 AFAP

Em meados de Janeiro de 1917, René Fonck já tina 21 vitórias confirmadas!

Uma das ambições de René Fonck, era abater cinco aviões inimigos, num mesmo dia!

No dia 08MAI1918, o Capitão René Fonck conseguiu superar o seu sonho, abatendo seis aviões alemães e, por este glorioso fei-to, foi-lhe atribuída a medalha da Legião de Honra.

Em Setembro deste mesmo ano, o Capi-tão René Fonck repetiu este feito impressio-nante, elevando para 63 o número de aviões inimigos por ele abatidos.

Antes da 1ª Grande Guerra terminar, o Ca-pitão René Fonck conseguia alcançar a sua 75ª vitória, em combate aéreo.

O capitão René Fonck mostrou ser um pi-loto de caça com carisma, dotado de uma sensibilidade nata para controlar e explorar o aproveitamento táctico da deflexão do tiro aéreo.

Quando um dia lhe perguntaram, como é que ele conseguia as suas vitórias, o Capi-tão René Fonck, explicou:

“Eu ponho as balas no meu alvo, como se as colocasse lá à mão !!”

TENENTE CHARLES NUNGESSER

O Tenente Charles Nungesser foi o ter-ceiro Ás, entre os Ases da aviação militar francesa.

O Tenente Charles Nungesser pintou a sua marca pessoal na fuselagem do seu avião.

Esta marca era constituída por um cora-ção preto envolvido com um traço branco, dentro do qual ainda se via o desenho de duas velas, de um caixão, de uma caveira e dois ossos cruzados.

O facto deste “emblema” pessoal estar pintado sobre a fuselagem, ser predominan-temente de cor preta e ter as mesmas di-mensões que a Cruz Teutónica (também de cor preta), que também estava pintada na fuselagem dos aviões alemães, terá levado um jovem e aguerrido piloto inglês a atacar o Nieuport do Tenente Charles Nungesser.

Page 11: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

11AFAP

O Tenente Charles Nungesser tentou es-quivar-se e evitar o combate aéreo, mas o aguerrido piloto inglês, sem se aperceber do erro que estava a cometer, insistia na per-seguição, certamente na ânsia de conseguir uma primeira vitória em combate aéreo.

Perante esta atitude do piloto inglês, o Te-nente Charles Nungesser convenceu-se de que ele seria um piloto alemão, a voar um avião eventualmente capturado, e abateu-o.

O Tenente Charles Nungesser aterrou o seu avião junto dos destroços daquele que

acabara de abater e foi verificar os docu-mentos do malogrado piloto, confirmando que, de facto ele era inglês.

Apesar de lhe quererem atribuir uma vi-tória, ele não a aceitou e para evitar mais enganos deste género, pintou na parte superior da fuselagem e das asas do seu avião Nieuport, as três faixas da bandeira francesa: - uma de cor vermelha, outra de cor branca e outra de cor azul!

Ten-General PilAv.(r) José Armando Vizela Cardoso

Tenente Charles Nungesser

Page 12: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

12 AFAP

A história das instituições baseia-se em registos e documentos oficiais e também em relatos individuais por parte de quem te-nha vivido os acontecimentos.

Em relação à segunda parte do tema so-bre o qual irei testemunhar, será a continua-ção do artigo apresentado no Boletim ante-rior (N.53), referindo as actividades após os cursos nos E.U.A. e a chegada a Portugal.

SEGUNDA PARTE

Apresentado na B.A.2, OTA, 2ª feira, con-forme tinha sido determinado, fui ali encon-trar uma situação completamente inespe-rada para mim, apenas com a excepção do reencontro com os meus camaradas de curso regressados a Portugal em Julho de 1952.

NOTAS SOLTAS RELATIVAS À TRANSIÇÃO DA AERONÁUTICA MILITAR (5ª ARMA DO EXÉRCITO) PARA A FORÇA AÉREA

Notícia da Revista do Ar 1952

Page 13: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

13AFAP

De facto, toda a Base estava em obras no respeitante às infra-estruturas aeronáuticas – alargamento da pista e construção de no-vos caminhos de rolagem, implementação de amplas placas de estacionamento para aeronaves, instalação de grandes depósitos de combustível, construções nos interiores dos hangares, etc. etc..

Enfim, era quase uma Base nova que estava a ser construída! A supervisão directa das obras estava a cargo de um jovem tenente de Engenharia do Exérci-to, o Carloto, excelente companheiro e um grande trabalhador sem horário de trabalho, que conduzia toda aquela va-riedade de obras com grande disciplina e total dedicação, a que não faltava grande competência técnica.

Felizmente para a Força Aérea, este exce-lente oficial ingressou nos quadros da Força

Aérea e notabilizou-se de forma muito ele-vada e meritória sobretudo em Angola, ten-do por isto sido nomeado mais tarde Secre-tário do Governo Provincial para as Obras Públicas, dando um grande incremento e dinamismo a construções várias em Angola, com ênfase para a rede rodoviária daquela Província Ultramarina.

Na OTA, em 1952, estavam ali sediadas duas Esquadras de F-47D, Thunderbolt, re-centemente recebidas pela Força Aérea no âmbito da ajuda militar americana aos seus aliados da NATO. Em paralelo, a Base es-tava a ser preparada para poder operar os primeiros aviões de combate com propulsão a jacto, os F-84G, o que era uma novidade na nossa Força Aérea.

Ao nível dos oficiais da Base, à excepção do Comando que se presume saberia mais, ninguém conhecia ao certo quando viriam

Avião F-47 Thunderbolt

Page 14: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

14 AFAP

os F-84G e esta dúvida ainda mais se aden-sou com a chegada à OTA de dois bilugares Vampire de construção inglesa (nunca se soube bem porquê e para quê).

No que me dizia pessoalmente respei-to, acabei por ser mandado apresentar-me numa das esquadras de F-47D e após uma muito breve preparação, iniciei os meus voos nesta aeronave, sem um programa específico a cumprir, o que imagino ter sido devido a saber-se que não iria ficar ali colocado muito tempo, porquanto iria fa-zer parte dos pilotos que transitariam para o F-84G logo que estes fossem recebidos na OTA.

Com o aparecimento dos dois Vampire, deu-se quase uma “corrida” para neles voar por parte dos pilotos qualificados em aero-naves de propulsão a jacto, incentivo que também me tocou!

Os voos que realizei a solo e em forma-ção de parelha e esquadrilha no F-47D fo-ram especialmente agradáveis, porquanto o avião era muito estável e, simultaneamente, facilmente manobrável, possuindo bastante potência, de fácil aterragem dada a largura do espalho do trem, e também de grande e rápida aceleração quando em picada. Em suma, uma aeronave segura, de fácil pilo-tagem, com boa visibilidade e de fácil con-dução em rolagem no solo, pelo que fiquei com a melhor das impressões decorrentes das quase 40 horas de voo realizadas nesta aeronave.

Quanto aos voos efectuados no Vampi-re, sem dúvida que era uma excelente pla-taforma de voo, apenas prejudicada por alguns atributos típicos da R.A.F. (Royal Air Force), tais como travões pneumáticos mais difíceis de gerir de que os hidráulicos,

Avião Vampire da Força Aérea Portuguesa

Page 15: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

15AFAP

Major Artur Tamagnini

um “manche” bipar-tido com uma argola no topo e uma bomba hidráulica de emer-gência localizada jun-to à cabeça do piloto e de accionamento manual! De qualquer modo não foi por es-tes senões que deixei de voar tanto quanto pude nestes aviões ingleses…

Como faceta algo humorística respeitan-te aos Vampire, num belo dia o piloto que ia voar não conseguiu por o motor em mar-cha porquanto o motor de arranque deixou de funcionar, aconteci-mento banal e sem história, não fosse o facto de superiormente ter sido ordenado um inquérito visando o piloto “prevaricador” como menos competente e susceptível de eventual punição! Não lembra ao Diabo, mas lembrou ao Ministro da Defesa de en-tão acolitado por alguém da Força Aérea que pretendeu mostrar serviço!

Entre 1951/52 foram enviados alguns ofi-ciais, sobretudo pilotos, para organizações americanas sediadas na Europa, essencial-mente na Alemanha, para ali estagiarem e adquirirem conhecimentos que facilitassem a inserção da Força Aérea na NATO.

Um deles, o Capitão Pil. Av. (Major pouco tempo depois) Artur Tamagnini destacou-se especialmente nesta tarefa e teve o cuida-do e a preocupação de fazer notas acerca de tudo, incluindo mobiliário das Esquadras de Voo, quadros de missões, etc., etc. Em suma, não procurou “inventar a roda” e ser-viu-se integralmente do que já existia e con-

siderou que nos servia. Fê-lo com modéstia e sem preconceitos, muito ajudando a nos-sa evolução constru-tiva no contexto das Esquadras de Voo.

Colocado na OTA, o Cap. Tamagnini foi ocupar uma ou duas divisões no r/c de m pequeno edifício de dois pisos situado entre os dois hanga-res sul da OTA, tendo como “colaborador” um sargento ama-nuense já idoso que funcionava sobretudo como funcionário utili-zando uma velha má-quina de escrever.

Assim, uma das principais tarefas do

citado “colaborador” foi passar à máquina as notas feitas pelo Cap. Tamagnini. Porque a máquina era velha e obsoleta e nos textos constavam algumas palavras em inglês e ainda porque o “colaborador com frequên-cia escrevia com erros, ao fim do dia, quan-do o Cap. Tamagnini ia rever a escrita, por vezes faltava-lhe a paciência e atirava ao ar as folhas dactilografadas, chamando alto e bom som “viva a confusão”!

Era ver depois o pobre amanuense a apa-nhar as folhas do chão, de “traseiro” para o ar e muito aflito com a situação, que quem por acaso ali passava achava cómico e sorria!

Entretanto entre os fins de 1952 e início de 1953 começaram a chegar os F-84G, ini-cialmente só para uma Esquadra, a “20”, e posteriormente para a “21”.

Com este facto redobraram os nossos problemas dadas as insuficiências da nos-sa organização, desconhecimento de al-

Page 16: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

16 AFAP

gumas actividades e falta de coordenação generalizada.

Citando apenas alguns exemplos:• Capacetes de voo- na Ota havia poucos,

pelo que os pilotos tinham que utiliza-los em rotação.

• Sobressalentes a nível de Esquadra - o controlo destes, a cargo de um oficial piloto e de um cabo mecânico novato, foi de tal modo “descontrolado” que, passados dois ou três anos, os especialistas da área de “abastecimento” levaram vários anos a cor-rigir as cargas da secção!

• Latas metálicas para os assentos dos aviões F-84G – na época existiam dois tipos de pa-

raquedas que podiam ser utilizados: os de costas que nos tinham sido distribuídos e que obrigavam à colocação de uma lata me-tálica no assento do avião e os de assento que dispensavam a lata; por razões desco-nhecidas, do depósito de Alverca só foram enviadas 8 latas para a OTA pelo que só po-diam voar 8 aviões simultaneamente!Com o passar do tempo, com idas fre-

quentes a Alverca para abrir caixotes e ver o que estava lá dentro e ainda com a ajuda de americanos do M.A.A.G. (Military Assis-tance Advisory Group), foram-se resolvendo algumas insuficiências, mas de forma desor-ganizada!

Avião F-84G

Page 17: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

17AFAP

Aliás, a propósito da ajuda dos militares americanos inseridos na Força Aérea, estes com frequência dirigiam-se a responsáveis nossos no sentido da correcção e resolução de problemas existentes e a resposta mais usual era a de que “amanhã se trataria do caso”. Este comportamento conduziu à si-tuação curiosa dos nossos interlocutores assim que verificavam existir alguma hesi-tação por parte da entidade contactada, se-rem eles logo a responder “manhana”?

Apesar de tudo, fruto de um grande esfor-ço interno no sentido da melhoria organiza-cional e dos muitos contactos internacionais a todos os níveis, foi nascendo uma Força Aérea cada vez mais próxima das congéne-res europeias à nossa escala, embora ainda não livre de falhas graves como se verificou com a vinda do F-86F e a construção de raiz da BA5, Monte Real.

No primeiro caso, inserção dos F-86F na Força Aérea, dois acontecimentos ilustram a situação no que ela era mais negativa, a saber:

• Altímetros para bombardeamento auto-mático a nível predeterminado – estas aeronaves vinham equipadas com um altímetro onde podia introduzir-se a alti-tude desejada para a largada automática das bombas; verificou-se contudo, que a totalidade dos equipamentos estava inoperativa pelo que teriam de ser repa-rados nas OGMA. Considerada a solu-ção, concluiu-se que pela via oficial tudo seria complicado e difícil, com largo peso burocrático, consumidor de muito tempo e verbas. Decidiu-se então que todas as Segundas Feiras de manhã levaríamos um nosso bom Sargento Mecânico de Instrumentos a Alverca transportando consigo umas dezenas de altímetros ca-recidos de reparação; graças a um bom e amigo relacionamento interno nas OGMA ao nível dos operários, foi-se fazendo o trabalho semanal que terminava às sex-tas-feiras à tarde quando íamos buscar o nosso Sargento a Alverca no Chipmunk existente na BA2!

Avião F-86F

Page 18: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

18 AFAP

• A não entrega de equipamento para utili-zação dos F-86F como “fighter bomber” – ao recebermos estas aeronaves, cedo verificamos a não existência de equi-pamentos para esta função, materiais como calhas de foguetes ar-chão, eleva-dores para bombas, etc. pensando que teria havido algum engano justificativo da falta destes equipamentos, fizeram-se várias tentativas oficiais ao nosso ní-vel procurando resolver o problema, que não tiveram qualquer sucesso. Todavia, informalmente e através do M.A.A.G., ficamos a saber que os aviões tinham vindo para Portugal apenas para a mis-são de defesa aérea e daí os altímetros inactivos para bombardeamento e a não entrega dos equipamentos para míssões ar- solo! Enfim elucidados, apresenta-mos superiormente a questão de que a nossa modesta Força Aérea não podia ter aeronaves dedicadas a uma única missão, necessitando mais de aviões do tipo multifuncional, aquilo que hoje se designa genericamente por “multirole”. Aceite o nosso ponto de vista, tudo aca-bou por ser resolvido a contento e rapi-damente.Quanto à construção da BA5 em Mon-

te Real, começamos a ocupá-la cerca de dois meses antes da data prevista para a sua inauguração oficial pelas mais ele-vadas entidades oficiais. Neste interreg-no, verificou-se a existência de algumas anomalias graves, das quais passo a citar duas:• Desagregação do pavimento num dos

topos da pista principal – situação que inicialmente aparentava ser apenas a presença de algumas rachas, mas logo que mexida revelou ser bastante diferen-te dado saírem do pavimento bocados de madeira e outros detritos de constru-ção; efectuada uma inspecção cuidada a todos os pavimentos das pistas, cami-

nhos de rolagem e áreas de estaciona-mento reparou-se o que havia a reparar e deu-se o assunto por encerrado da nossa parte.

• Lâmpadas de iluminação que fundiam com frequência inusitada – situação esclarecida quando se detectou haver passagem de corrente entre os circuitos de 220 volts e os trifásicos de 380 volts, anomalia corrigida e que acabou com o consumo exagerado de lâmpadas.Apesar destas contrariedades negativas,

quando se procedeu à inauguração oficial tudo decorreu a contento para nossa sa-tisfação pessoal e profissional, nomeada-mente uma aterragem não programada de um F-86F com o motor parado, sem que ninguém da assistência se tivesse aperce-bido!

Dou assim por terminadas estas minhas “notas soltas” onde muita coisa ficou por contar, mas estou certo que outros cama-radas que também viveram nessa época, muito mais e melhor poderão dizer em complemento histórico da nossa Força Aérea.

Com o passar do tempo e a melhoria da Força Aérea em todos os aspectos, fomos evoluindo e muito pelo que o legado actual é claramente meritório e digno, justifican-do plenamente que as gerações vindouras lhe dêem continuidade e prossigam na senda do “mais e melhor”, para bem da Nação e das suas Forças Armadas indis-pensáveis à nossa sobrevivência de forma apropriada no conceito dos Estados.

General Pil.AV. José Lemos Ferreira

Page 19: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

19AFAP

BREVE HISTORIAL

Ao tornar-se independente em 1947, a então designada União Indiana, ( U.I.), cedo colocou ao Governo Português a sua pretensão de absorver no seu ter-ritório o que na altura era o Estado da India, comportando as re-giões de Goa, Damão e Diu, fisicamente se-parados entre si, tal como acontecia com os enclaves de Dadra e Nagar Aveli, localizadas relativamente distantes da zona costeira do conti-nente indiano.

Confrontado com a intenção da U.I., o Governo Português argumen-tou um sentido contrario e bem, invocando fundamentos históricos e específicos que claramente negavam a pretensão indiana e deu o assunto por encerrado do lado por-tuguês.

Não foi assim entendido pelo pseudopaci-fista e terceiro mundista Nenhu e seus acó-litos que, de imediato, iniciaram uma cam-panha de criação de dificuldades de toda a

ordem a nossa presença física no Estado da India.

Assim apareceram, devidamente recruta-dos e pagos para tal, os pretensos “li-

bertadores” do Estado da India, os satihagras que invadiram

os enclaves onde não exis-tiam quaisquer forcas mi-litares portuguesas.

Como seria de espe-rar, nestas condições estabelecidas male-volamente pela U.I., as comunicações ter-restres entre Goa, Da-

mão e Diu tornaram-se impossíveis e dada a na-

tural morosidade das liga-ções por via marítima, torna-

ram inadiável e urgente o recurso ao transporte aéreo.

Consequentemente, verificou-se deste modo o nascimento dos T.A.I.P., inicialmen-te equipados com pequenos aviões qua-drimotores Heron, de origem inglesa, com pouca capacidade de carga ou de trans-porte de passageiros, bem como dispondo apenas de alcance médio dadas as distan-cias a percorrer entre as varias parcelas que constituíam o Estado da India.

OS T.A.I.P. - TRANSPORTES AÉREOS DA ÍNDIA PORTUGUESA

O quadrimotor Heron

Page 20: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

20 AFAP

Pouco depois, estas aeronaves foram substituídas por dois bimotores “Viking”, também de origem inglesa, que não altera-ram a situação de fundo.

Com o passar do tempo, o desenvolvi-mento económico do território e a habi-tuação das pessoas a utilizarem um meio

de transporte mais comodo e rápido, sem deixar de ser suficientemente seguro, bem como o desejo natural do acesso aos des-tinos internacionais mais próximos e à li-gação a Portugal Continental, depressa conduziram à obtenção de aeronaves com maiores capacidades. Assim, numa fase ini-

O bimotor “Viking” DC-4 Skymaster dos T.A.I.P.

Os DC-6 A/B chegaram respectivamente ao longo de 1960 com as matrículas CR-IAG, CR-IAH e CR-IAI

Page 21: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

21AFAP

cial, entraram ao serviço os quadrimotores Skymaster a que se seguiram as DC-6A/B, já usados, numa aquisição conjunta do Governo Português à transportadora aérea americana, PANAM, para a satisfação das necessidades do Estado da India e da Forca Aérea Portuguesa.

O voo de ensaio e recepção do primeiro DC-4 Skymaster com as cores dos TAIP e a matrícula CR-IAE foi efectuado em 15 de Dezembro de 1957 e a viagem para Goa via Bermudas-Açores-Lisboa em 17 do mes-mo mês sendo o avião pilotado pelo major Solano de Almeida. O segundo DC-4 com a matrícula CR-IAF fez o voo de ensaio em 2 de Janeiro de 1958 e sob o comando do capitão Krus Abecasis seguiu a viagem para Goa em 5 do mesmo mês.

Em paralelo, a transportadora nacional, T.A.P, Transportes Aéreos Portugueses, dentro de uma atitude nela então habitual de completa absorção das ligações aéreas nacionais, iniciou também uma ligação Lis-boa - Goa e tentou reduzir os T.A.I.P aos tra-jectos internos do Estado da India.

Felizmente para os interesses nacionais mais gerais, o então Ministério do Ultramar, que comandava no Governo central todos os assuntos relacionados com o Estado da India, entendeu opor-se à tentativa da T.A.P. e, em conformidade, os T.A.I.P. pros-seguiram efectuando as ligações internas no Estado da India e as rotas mais longas Goa - Lisboa e Goa -Beira - Lourenço Mar-ques, para apoio aos goeses e outros cida-dãos oriundos de Damão e Diu que viviam em Moçambique, bem como a ligação Goa - Karachi, no Paquistão, que era uma rota muito útil ao serviço das comunidades do estado da India que emigravam temporaria-mente para a região do Golfe Pérsio à procu-ra de melhores salários.

Todavia, para que o sistema pudesse fun-cionar era necessário construir em Goa, Da-mão e Diu as indispensáveis infra-estruturas aeronáuticas comportando pistas, caminhos de rolagem, áreas de estacionamento de ae-ronaves, torres de controle, terminais para passageiros e carga, etc., bem como dotar os aeroportos com ajudas rádio, meios de

Page 22: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

22 AFAP

comunicação rádio e equipamentos de placa para a operação adequada das aeronaves, etc.

Com maior ou menor dificuldade tudo isto foi sendo feito suficientemente bem, tal como se conseguiu recrutar pessoal nave-gante, técnico e administrativo profissiona-lizado e outro que era preparado e devida-mente instruído em Goa a cargo das T.A.I.P.

Com o passar do tempo foi-se sempre evoluindo para melhor os aspectos técni-cos, administrativos e comerciais, havendo delegações de apoio aos T.A.I.P. nos princi-pais aeroportos terminais, tais como Lisboa, Goa, Damão, Diu, Karachi e Lourenço Mar-ques, bem como nas escalas mais importan-tes, entre elas, Malta, Beirute e Beira, o que foi conseguido através de arranjos locais sa-tisfatórios devidamente negociados.

Portanto, poder-se-á dizer com inteira ra-zão que os T.A.I.P foram um bem e forte fac-tor de progresso para toda a população do Estado da India, inclusive psicologicamente, ao destruírem a intenção da U.I. de criar o isolamento que pretendia.

Por fim, nas últimas semanas que an-tecederam a invasão pela “pacifista” U.I., os T:A:I:P: deram o seu derradeiro e valio-so apoio ao Estado da Índia transportando peças antiaéreas de 20 mm e respectivas munições para Damão e Diu que, apesar do seu obsoletismo e medíocre capacidade operacional, e falta de pessoal militar quali-ficado, constituíram uma ajuda pelo menos psicológica face a quem nada tinha.

Esta situação de autêntico desmazelo mi-litar justifica um ou dois comentários e que são os seguintes:

- Em meados de 1960, ou até um pou-co antes, o então Secretario de Estado (ou sub-secretário) de Exercito fez uma visita de “inspecção” ao Estado da India e apesar de ter verificado “in loco” a extrema fraqueza militar ali presente, apos o seu regresso a Lisboa a proposta que apresentou e que foi

aceite, foi a da redução de efectivos já por si negligentes; o autor da proposta foi então Brigadeiro Costa Gomes que, mais tarde, ascendeu ao Marechalato e está tudo dito!

- Na época, o entendimento governamen-tal do efeito “dissuasão” parece ter sido um mistério obscuro, situação que ainda hoje prossegue e que se verifica no nosso dia-a-dia.

Continuando nas últimas semanas da exis-tência do Estado da India, contrariamente ao propalado pela U.I. e seus aliados e amigos americanos potenciados na própria Adminis-tração Kennedy, de péssima memoria para Portugal, a grande maioria dos cidadãos do Estado da India não estava interessada em transitar para a democrática U.I. onde o que então mais proliferava era a fome e a miséria à custa de um inaceitável sistema de castas e engrandecimento social e material de uma pequena minoria que flutuava no topo!

De facto, assim que houve a certeza de que o Estado da India ia ser militarmente invadido, foi iniciada de imediato uma “pon-te aérea” para Karachi, no Paquistão, e dali para Lisboa com os aviões da TAP. A afluên-cia aos aeroportos dos goeses e outros que não desejavam ficar entregues ao Nenhu e seus sequazes foi aos muitos milhares, não havendo capacidade para evacuar todos. Foi algo que devia ter sido visto pelo “democra-ta” Kennedy e a sua rapaziada relativamente ao que Portugal representava para a popu-lação do Estado da India.

Todavia, como sabemos, a história é feita por quem detém a forca pouco importando a razão. Mas também podíamos ter feito mais para evitar aquele desenlace, se juntásse-mos as palavras a persistência que nos falta e a determinação que e sempre de curta du-ração no que nos diz respeito.

General Pil.AV. José Lemos Ferreira

Page 23: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

23AFAP

DE T-33 PELA EUROPA FORA ATÉ À BÉLGICA E VOLTA

Quisemos dar dois “nós” aos Yankies. De-mos um...

Decorria o ano de 1964 e 3 jovens alu-nos pilotos de T-33, na Base Aérea da Ota, embarcam numa grande aventura, a nossa primeira grande aventura aeronáutica: a tra-vessia de meia Europa!

Instrutores: Tenente Vasquez, Coman-dante da Esquadra, Tenente Melo Correia e Alferes Luís Quintanilha, meu instrutor…

Estes aqui acima, em frente ao avião pro-tagonista desta história.

A viagem era da Ota a Chateauroux, uma Base Aérea Americana no centro da França e no dia seguinte partida para Beauvechain,

na Bélgica, muito perto de Bruxelas. Pernoi-ta e volta.

Duas horas e trinta e cinco minutos depois de descolarmos da Ota, eis-nos a aterrar em Chateauroux, a Sul de Le Mans.

A história do Aeroporto central de Châ-teauroux esteve sempre ligada à aviação e à indústria aeronáutica.

Foi lá que em 1936, Marcel Dassau criou a sua primeira fábrica de construção de aviões

Em 1951, em convênio com o governo francês, a força aérea dos EUA escolheu Châteauroux como o local para sua maior base aérea na Europa devido às suas con-dições climáticas favoráveis e localização

no centro da Europa. A partir desse mo-mento, a base tornou-se conhecida como CHAD, uma abreviatura de “Châteauroux ar Depot” e CHAS, para a unidade aérea de Châteauroux.

A MINHA FORÇA AÉREA

Alunos: da esquerda para direita, eu, o Ary Meca Murraças e o Leite da Silva.

Page 24: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

24 AFAP

Châteauroux foi o local da primeira unida-de da USAF deslocada para França. O con-tingente inicial de pessoal da USAF chegou a Châteauroux em 10 de janeiro de 1951 para implementar e tornar a instalação ope-racional logo que possível.

A “73rd Air Depot Wing” da Base da USAF de Kelly, no Texas, foi transferida para Châ-teauroux em julho.

Na época estavam a ser mobilizados re-servistas da USAF para participar na guerra da Coreia, e cerca de 1.500 deles foram mo-bilizados e atribuídos a este depósito.

A unidade iniciou suas operações ime-diatamente como centro de abastecimento para as novas bases da USAF em França, que necessitavam de quantidades conside-ráveis de materiais para a sua instalação.

Avião T-33

Page 25: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

25AFAP

Os americanos deixaram o local em 1967, quando as instalações do Aeroporto foram devolvi-das à posse dos franceses.

Em 1974 a Câmara Regio-nal de Comércio e Indústria em conjunto com o Município local investiram na modernização e lançaram actividades co-merciais no aeroporto.

Em 1995, o aeroporto ficou sob o controle do Conselho geral do depar-tamento Indre local (equiva-lente francês de um concelho). A Gestão do aeroporto foi dada a um consórcio público comum constituído pelos municípios do distrito de Château-roux, Câmara de Comércio e Indústria da re-gião e pelo Conselho da cidade de Coings. O comprimento da pista foi aumentado para 3, 500 metros.

Continuando a história …

Desenferrujadas as pernas, entregámos os nossos aviões à Manutenção yankee. Mas como eles eram americanos e está-vamos numa Base deles, o nosso Coman-dante de esquadra resolveu solucionar um antigo problema que um dos aviões tinha. Problema que a nossa Manutenção na Ota não podia resolver.

Um dos T-33, e só esse, estava equipado com o sistema TA-CAN. Um sistema de Navega-ção electrónico baseado num único instrumento que tornava o voo muito mais preciso, a na-vegação mais fiável.

Ora esse instrumento recu-sava-se a funcionar…

Ninguém sabia porquê! Como ainda não tínha-mos estações em terra

com as emissões rádio ca-pazes de o activar, não era

possível ter uma noção exacta da avaria.

Sendo assim, o Tenente Vasquez, após a aterragem, queixou-se ao responsá-vel americano da avaria no instrumento:- Isto vinha a funcionar perfeitamente e de repente, puf! Avariou.- Veja lá se descobre o que foi.

Feitas as despedidas fomos então recebi-dos por um enorme militar que nos deu as boas vindas. Com os nossos fatos de voo, o anti-G, as botas de voo preto reluzente, os capacetes com máscara e o ar de grandes aviadores que pretendíamos ser, facilmente nos confundíamos, nós os alunos, com os verdadeiros Aviadores que eram os nossos instrutores.

Só que éramos cabos milicianos e os ins-trutores oficiais da Academia Militar.

Page 26: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

26 AFAP

E numa Base Aérea Americana as coisas fiam muito fino… muito fino. Até chegarem os portugueses, claro!- Hotel (militar) para os oficiais, disse o la-tagão yankee e estes…? Nós, os alunos.- Estes? Estes também são oficiais! So-mos todos oficiais, disse o Tenente Vasquez

E eu a pensar que o primeiro a ir dentro seria ele e não eu…

Viu-se no olhar de lince do granda-lhão que aquilo não jogava muito bem. Mas… Também não devia conhecer mui-tos portugueses… e não teve outro remé-dio. Tudo para o Hotel militar dos oficiais. Fui sempre assim tratado na Força Aérea Por-tuguesa enquanto voei de anti-G. E depois disso, também não tenho razões de queixa. Foi a primeira vez que comi milho cozido a acompanhar carne assada. O acesso ao refeitório, ao único refeitório da Base, era feito pela ordem de chegada. No meio de uma longa fila podia ver-se o Comandante da Base atrás do soldado da limpeza e por aí fora sem regra nenhuma a não ser esperar pela sua vez, civilizadamente.

E não havia almoços grátis, como há na política. Todos pagavam o que comiam, como em qualquer restaurante. Só que o preço era fixo para cada tira de distintivo militar. Um soldado pagaria 3 dólares e o

Comandante uns 10, por aí.Tudo muito fluido, muito simples, sem

confusões nem atropelos. E isto em 1964.No dia seguinte, bem comidos e bem dor-

midos, briefing feito da viagem para Beau-vechain, eis-nos prontos para mais um epi-sódio desta nossa primeira grande aventura.

Aventura é aventura e todos os imprevis-tos são de esperar.

Especialmente aqueles que são mesmo imprevistos de todo.

Chegados aos aviões, o Americano chefe da manutenção de serviço aos nossos T-33, com cara de quem quer tirar nabos da púca-ra, dirige-se ao Tenente Vasquez e pergunta-lhe muito directamente:- O senhor tem a certeza de que o TACAN vinha a trabalhar?- Sim, sim! Vinha a trabalhar perfeitamente.- Estranho… tinha a ficha da alimentação eléctrica ligada ao contrário!O resto do voo decorreu sem problemas…

Comte. Gabriel Cavaleiro

No seu Blogue “Rio dos Bons Sinais”

riodosbonssinais.blogspot.pt

Rio dos Bons Sinais foi o nome que Vasco da Gama deu ao rio que o levou a Quelimane, no dia 24 de Fe-vereiro de 1498. Porque lhe pareceu ter aí bons sinais viagem, mar fora, até à Índia.

Supondo que o avião no desenho, à direita, tinha de sobrevoar aquele ponto preto, por debaixo das nuvens,

o TACAN indica que o avião (o triângulo branco) está à esquerda da rota planeada.

Page 27: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

27AFAP

PRENDA DE NATAL

Os “o bando de abibes” que integrei con-quistaram as Asas de Piloto Militar após frequentarem o Curso de Pilotagem P-1/54, que decorreu entre Abril de 1954 e 26 de Fe-vereiro de 1955.

Nos primeiros dias de Dezembro de 1954 já se notava que o curso estava a terminar pela exigência nas manobras que tínhamos de executar, nomeadamente no voo por ins-trumentos, na navegação aérea, na acroba-cia, no voo nocturno e no voo de formação.

Operávamos, obviamente, os North-A-merican AT-6A, AT-6B, AT-6C, T-6G Texan e os “navalizados” SNJ-4 herdados da Avia-ção Naval. Na época, todos estes aviões eram erradamente designados por Harvard. Como muito bem sabem os leitores mais

atentos às ciências histórico aeronáuticas domésticas, os primeiros Harvard, que eram a versão britânica dos North-American T-6, só foram recebidos a partir de 1956.

A instrução do voo de formação começa-va pelos voos com o “avião chefe” pilotado por um instrutor, também era designado por “número um”, e um ou dois aviões (os “nú-mero dois” e “número três”) pilotados por alunos amparados por instrutores. Confor-me os magníficos catedráticos se iam con-vencendo que os seus alunos estavam em-bebidos de talento e arrojo suficientes para dominar a estrambólica arte de manobrar um ruidoso e complexo maquinismo voador sem fazer grandes mossas nos outros aviões que compunham o conjunto aéreo em que se inseriam, mandavam que comprovassem as suas habilidades sozinhos: isto é, eram

O CANTINHO DO CARDOSÃO

T-6 TEXAN

Page 28: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

28 AFAP

“largados em voo de formação”. Nisto, sem grande alarido, a quantidade de aviões en-volvidos nas formações crescia para cinco e, ainda que raramente, sete aviões.

Os voos de formação com cinco aviões eram relativamente complicados e traba-lhosos! Como todos que se arrepelaram e suaram na prática destas (e de outras!) ma-nobras ainda se recordam do arrepio quan-do o avião que voava junto ao chefe (cha-memos-lhe o “primeiro asa”) se mandava impiedosamente para cima de nós. Tinha de se reduzir a potência para manter a po-sição, provocando uma desaceleração mais ou menos violenta que abalava o sistema nervoso central, e o lateral, e o superior e o inferior! O desgraçado do “segundo asa” encaracolava-se como os bichos-de-conta e manobrava de forma violenta para não co-lidir nem ultrapassar o “primeiro asa”.

Quando parecia que a situação estava dominada, começa tudo do princípio, agora em sentido contrário. Devido às desacele-rações, o “primeiro asa” ficava atrasado e com o “segundo asa” às cavalitas. Para re-tomar o lugar, avançava com toda a potên-cia que o motor debitava, deixando, por sua vez, o “segundo asa”, ainda mal refeito da travagem acabada de vencer, quase a cair em perda, a ver o seu parceiro esgueirar-se velozmente para o junto do avião chefe. O final desta cena era novamente os aviões a encavalitarem-se uns nos outros. E assim por diante.

Pretendi demonstrar que uma formação assim oscilava, encolhia e esticava e voltava a encolher e a esticar, pelo que lhe chamá-vamos de “formação harmónio”! O estica--encolhe passava-se simultaneamente em ambos os lados do avião chefe, cujo piloto se mantinha estoicamente e sem pestane-jar, ainda que ensanduichado à esquerda e à direita pelos aviões que o arremetiam e - perigo iminente! - eram pilotados por apren-dizes.

Todos os alunos do curso sofreram os horrores de participar em formações de sete aviões. Era a “formação harmónio” agrava-da ao expoente máximo, não me parecendo exagerado afirmar que a rapaziada envolvi-da nesses enxames de aviões corria risco de vida de valor acrescentado!

O nosso Director do Curso era um grande apaixonado pelos voos de formação, coisa que lhe deve ter sobrado das tácticas da II Guerra Mundial. Considerava que era a ma-nobra básica na aviação de combate, quer na de caça, quer na de bombardeamento. Talvez por isto, congeminou realizar um voo de formação com 21 aviões divididos por três formações de sete aviões, envolvendo a totalidade dos alunos pilotos e alguns ins-trutores. Seria a afirmação exuberante da excelente proficiência de instrutores, alunos e mecânicos, bem como serviria também para assinalar a proximidade das ansiadas férias natalícias.

Como preparação da grande demonstra-ção, realizámos uns voos de formação com sete aviões, onde não faltou a barafunda ha-bitual. A rapaziada sofreu, mas sobreviveu. Após os voos, os nossos relatos eram ar-repiantes!

Outra manobra difícil foi afinar as distân-cias entre os aviões na final para aterragem. Para alguns pilotos a situação ficou tão de-sengonçada que, para não atropelarem os que os antecediam, abandonaram o confor-to da pista asfaltada e alternaram o trajecto para cima da relva circundante, saltitando com a elegância e galhardia das cavalgadu-ras de Alter do Chão!

Palpita-me que a “grande invasão espa-cial” teve lugar no dia 16 de Dezembro de 1954. Recordo que o céu estava limpo e, pela data do evento, presumo que estaria bastante frio.

Sem que me apercebesse da “VT” (ve-locidade terreno) do Destino, dei por mim de pára-quedas às costas, a caminhar

Page 29: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

29AFAP

para um fiel T-6G com a matrícula 1643. Ia voar a solo, sem instrutor. Quem distri-buiu os lugares naquela gigantesca con-certina, confiou-me a posição que, para não alterar a designação utilizada acima, chamarei por “segundo asa” do lado di-reito do terceiro conjunto. Em termos mais operacionais, era o número cinco da terceira formação. Era um lugar difícil para um piloto de barbinha penugenta! Se por um lado fiquei muito honrado com a confiança que depositavam em mim para garantir o “luxuoso” lugar, por outro lado fiquei bastante aterrorizado, atendendo que a minha certificação técnica não ia além de aprendiz.

A grande confusão iniciou-se com a or-dem de pôr os motores em marcha. Depois foi tudo de seguida: a rolagem e a descola-gem em grupos de sete. Concluo hoje que foi muito normal, como vim a constatar ao longo da minha carreira operacional. É nes-tas situações que os motores birrentos se recusam a trabalhar, as baterias esgotam-se e não fornecem energia ao motor de arran-que para fazer a ventoinha andar à roda, o ponteirinho que tremelica e aponta mais para a zona vermelha que para a verde e por aí fora. Os esforçados mecânicos andavam num virote, sobre as asas a apanhar o vento gelado soprado pelos hélices, meio enfia-dos pelas cabinas adentro, tentando con-vencer os pilotos que ‘tábom! é mem’assim! Na época, as radiocomunicações eram um empecilho de estimação. Como um vulcão, jorravam guinchos, trovoadas e assopros. Outros, era silêncio absoluto: não tugiam nem mugiam!

Generalizando a cena radiofónica que antecedia a rolagem: azul dois, azul um, ‘tám’ovir?; amarelo um, amarelo três, o ama-relo cinco tá a fazer sinal c’o rádio tá’off. Por fim, a enorme manada de pássaros de lata começou a mover-se, aos ziguezagues. Há os mais velozes: ó vermelho quatro, verme-

lho três, ‹tás ta meter à minha frente por›al-ma de quem?? pôrra, pá!

Na privilegiada posição de antepenúltimo a descolar, assisti, com alguma ansiedade, às descolagens das formações anteceden-tes. Foi empolgante ver toda a gente a ir para o ar! Não demorou muito até todas as abelhinhas loucas do imenso enxame encaixarem nas posições previstas, umas mais acima, outras mais abaixo, umas mais juntas, outras mais afastadas. Aquela coi-sa fervilhava como o caldeirão da sopa do rancho.

Finalmente, a “grande formação” tomou a geometria arquitectada pelo Director do Curso, que voava a aeronave “super-chefe”, lá bem no bico da confusão. Era a imponente vanguarda da formação. Eu, bem nos confins da gloriosa formação, encaixei-me no conjunto como os com-ponentes das marchas dos santos popu-lares, defendendo o meu lugar com a dig-nidade sobrante do terror provocado pelas constantes e ferozes investidas do avião à minha frente e à esquerda e, ao mesmo tempo, pelas arremetidos com querença tauromáquica do avião que se posiciona-va atrás e à direita. Visto praticamente da última fila daquela loucura de plateia, o fa-buloso efeito do harmónio era imponente e tenebroso. Na realidade, conforme o voo foi decorrendo, os pilotos acomodaram-se melhor às suas posições e as oscilações foram amainando.

Mais bem que mal, acho eu, a grande for-mação sobrevoou a Base Aérea de Sintra umas três ou quatro vezes, conseguindo, apesar do esfalfamento generalizado, atiçar e espevitar o nosso orgulho.

Foi bonito!Quando estava a meditar que já chegava

de suplício e que estava na altura de enxo-tar o enxame e mandar as abelhinhas para a colmeia, num dos permanentes estica--e-encolhe do imaginário harmónio, sin-

Page 30: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

30 AFAP

to como que uma martelada seca na asa direita. Como ia dedicado à luta do bate--não-bate com o avião da esquerda, era como se nada existisse do meu lado direi-to. Fui atravessado como que por um cho-que eléctrico, que deve ter soçobrado no banho de adrenalina. Na mirada instintiva para esse lado, vejo a cauda do “vizinho do lado direito” mesmo ali ao meu lado, a entrar numa picada brutal. Instintiva-mente afastei-me lentamente da formação ao mesmo tempo que abanei a coluna de controlo (manche) em todos os sentidos, para ver se aquela coisa funcionava bem. Com grande alívio, constatei que mantinha o controlo completo da máquina. Meio es-tonteado pela acumulação de palermices que se acotovelavam para entrar e sair do meu cérebro e dominarem a situação, pro-curei possíveis estragos exteriores. Havia--os: a ponta da asa que se estende para além do leme de inclinação (aileron) estava rasgada. Umas disparatadas chapas ace-navam graciosamente, mostrando a intimi-dade do verde-azeitona-de-Elvas habitual nas entranhas das aeronaves. Não me pa-receu que dali viesse algum perigo.

Tudo isto se passou em segundos. Fiz queixinha ao chefe que o meu asa direita me tinha batido, que o tinha visto em picada desenfreada e nunca mais o vislumbrei. O chefe mandou-me abandonar a formação e aterrar sem demora (pelo-sim, pelo-não…), ao mesmo tempo que tentava comunicar com o outro avião, sem êxito.

A caminho da Base, ia seriamente preo-cupado com o que teria acontecido ao ou-tro avião, que nunca mais deu sinal de vida. Retinha a imagem da cauda ao meu lado a sugerir que estava numa picada muito pro-nunciada. Sobrevoei os focos de fumo que se elevavam do solo, com medo de ver o que procurava ver mas que não queria ver. Felizmente, os fumos eram provocados pela queima de ervas secas, as tradicionais quei-

madas dos hortelões saloios. Foi como que uma grande golfada de ar fresco a comu-nicação da Torre de Controlo que o outro avião já tinha aterrado.

Aterrei normalmente. O outro avião com a ponta da asa a necessitar de bate-cha-pa – também tinha aterrado normalmente e os tripulantes (ia com instrutor) estavam sãos, ainda que na ressaca emocional do sucedido: não é prática corrente os aviões andarem no ar aos encontrões uns aos outros. Sobre o silêncio rádio, pouco há a acrescentar: as pontas das asas “cum-primentaram-se”, a reacção instintiva dos pilotos foi de descer abruptamente. Como levavam as cabinas abertas, pelo menos parcialmente, a brusquidão da picada foi de tal ordem que projectou para o exte-rior o que estava solto na cabina, inclusive os auscultadores. E sem os auscultadores não há comunicações.

Depois de jantar, cumprimos as regras da praxe e celebrámos o evento com os nossos companheiros de curso que nos ajudaram a esvaziar uns copos de bebida adequada ao momento e às nossas raquíticas bolsas.

Quando os festejos serenaram, o meu companheiro de curso e amigo fixe segre-dou-me:

- Quando vi que íamos bater, veio-me à cabeça que não estreava o sobretudo novo no Natal!

Congratulo-me por ele ter estreado e usa-do o famoso sobretudo.

Congratulo-me também por ir sabendo que continua a dominar as funções vitais com notável sucesso. E que possa estrear mais alguns sobretudos!!!

Adelino Cardoso MajorPil (r)

MAIO - 2015

Page 31: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

31AFAP

• Nota da Redaçcão: No Boletim anterior (Nº.53), por lapso, o poema “reforma-do” foi atribuído ao Coronel Adm. Aer.(r) Abílio Joaquim Patinho. Na realidade, em-bora tenha sido cedido pelo Cor. Patinho, é da autoria do Coronel A. Perestrêlo .

• O falecido Coronel Pil.Av. Edgar Cardoso, homem com uma veia poética re-conhecida por todos nós, através dos trabalhos que deixou para a posteridade, nomeadamente nos poemas referentes ao “cenáculo dos carcaças” C ao termi-

nar o seu curso de pilotagem, fez um poema, no qual entre muitas piadas se referia à existência de percevejos nas camas.

O comandante da unidade, ao ler esse trabalho, ficou bas-tante enfurecido, e exigiu uma explicação e reparação de tal afirmação.

Para dar satisfação a essa exigência, e com um senti-do muito irónico, o “nosso poeta” fez outro poema em que, apenas em aparência,

se desdiz.Juntam-se essas duas pérolas de ironia:

OS NOSSOS POETAS

ADEUS D. EMA

Enfim, rapazes! E para sempre terminadoEste Curso. Estou finalmente “brevetado“Vou partir desta Escola, vou dizer-lhe adeus. Jamais, como aluno, voarei nestes céus.

Vou p’ró G.I.A.B. de Alverca, vou-me emboraE só de o pensar, minha pobr’alma choraE os meus olhos são cascatas lacrimais.Ai, adeus! adeus! a vós que me escutais.

Ó muros vetustos, ó pedras enegrecidasÓ horta, ó pomar, ó árvores tão queridas.Ó aulas, martírio meu, que nunca mais vejo,Ó cama onde havia tanto percevejo!

Adeus ó Messe, aonde me empanturreiCom as preciosas iguarias que traguei,Ó mesa comprida que servia a malta,Ó cadeiras de pinho, sinto a vossa falta!

Adeus Tia Luísa a lua despensaP ‘la qual nutria uma particular querença!Que o meu nome fique nela perpetuadoCom os tais “vales”, que me deixavam “depenado”.

Page 32: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

32 AFAP

Evoco o risonho dia em que fui “largado”Os “murros” que levei ao ser felicitado.As garrafinhas de espumante que paguei. (Os outros beberam, eu nem sequer cheirei!).

Adeus ó piscina, onde então fui cairTomando um banho, que a todos fez rir.Adeus ó pista, adeus ó espaço hangar,Ó aviões que me ensinaram a voar!,

Adeus, ó “Tiger 109” de instrução,A quem parti uma grade de estimação!Ó «Potez 25», ó «Morane» velozAi, eu juro que vou ter saudade de vós!

Até a vista tiro e bombardeamento!Ó visor, ó bussola, ó leito do ventoQue tantas vezes busquei, mas por minha sorte Aparecias sempre no mesmo: Rumo Norte!...

Adeus instrutor Pais que me acarinhasteAté mesmo quando “azelha” me chamaste!Adeus! Dá saudades ao nosso “Geratriz “E ao “gentleman”, cujo nome não se diz!

Recomenda-me ao Macedo e ao DarioAo comandante e à capa para o frio.Saúda o Pires e o Peral Fernandes.Dá um xi-coração ao Venâncio Deslandes.

Cumprimenta o Mendonça e o João Soares,O mecânico Rosário e os seus pares.Mais o tal sargento Brousse do ponto e traçoque transmitia “Morse” à força de “bagaço”!

A todos vós, sem que haja distinção,Desde o mais maçador, ao mais bonacheirão,Ó mestres ilustres, pilotos afamadosAdeus, que vou partir, por mal dos meus pecados!

Aceitai também as despedidas do CursoA quem estou representando neste discursoQue juro ser para mim o derradeiro,Para não mais fazer figura de sendeiro.

Page 33: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

33AFAP

Rapazes, de tudo falei, já nada restaÉ chegado o triste fim, desta risonha festa!É tal a comoção, que nem posso falarAdeus, amigos! Um abraço do Edgar!

(EMA - Escola militar da Aviação. GIAB - Grupo Independente de Aviões de Bombardeamento)

“EXPLICAÇÃO”

Oh! Aulas, martírio meu que nunca mais vejo!Oh cama onde havia tanto percevejo!Pede-nos Serapião, a seguinte explicação:

Toda a gente se zangou,— Eu razão nisso não vejo,— Pois que nunca se encontrouLá na Granja um percevejo!

Quási me batem por cima,Oh! que coisa tão patética! Não é verdade, mas rima...E é licença poética!

P’ra acabar a discussão,Eu direi a todo o mundo,Que só em imaginaçãoExistia o bicho imundo!...

E p’ra prova do que digoNa Historia de PortugalLá se vê um certo artigo Páginas cento e vinte e tal:

Dizem que o Sr. Marquês,Ao expulsar os jesuítas, Mandou também, dessa vez, Embarcar os parasitas...

Mas se algum for encontrado Na cama onde me deitei.Não vos dê isso cuidadoPois fui eu que o lá deixei.

Poesia ”adeus D. Ema” inserta na antologia de 2003

Page 34: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

34 AFAP

RENDER DA GUARDA!(Na reunião dos «Carcaças» de 5-XI-1966. Este cenáculo, que infelizmente deixou de

ser tradição, reunia os pilotos com mais de 20 anos de brevetamento )

Para um carcaçaDe raçaHá imposições,Obediência ao ritual,A que ele se não pode furtar!Não há duas opiniõesSobre talDentro da excelsa «Carcaçaria»Portanto, neste belo e outonal diaAqui estou a ver almoçar.Sim. Palavra, só a verPorque não posso comer!

Pensei em não virNeurasténico.EsquizofrénicoPorque desola ver engolirCom requinte e satisfaçãoAos outros, uma lauta refeiçãoE nós, que maçada.Três vezes nove: Nada!

Mas o grande Manuel GouveiaEsse amigo de mão cheiaE mocidade pereneTelefona-me a convidarPara no seu carro, A Alverca o acompanhar.

Claro, houve escusa minha Com, da doença, a velha ladainha.Mas ele cortou cerce em tom soleneNo seu sotaque portuense: Amigo Edgar,Se «Bocê» não “bai” eu não “bou”! E depois a reforçar:Bolas! Se faltar é indecenteOlhe para mim.Mesmo de perna enferrujada lá estou.

Page 35: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

35AFAP

E depois em tom de troça: Se não mastigaBeba vinho ou jeropiga Até pela medida grossa!

Eu achei que sim,Mas foi ele que determinouQue hoje me sentasseEntre os «Carcaças» presentesCom toda a dignidadePrópria da minha idade(“Tá-se mesmo a ver, não tá-se”).Com os meus cabelos de prataE... já é preciso ter lata,Ora vejam bem: sem dentes!Mas, sinceramenteTinha de comparecerNeste cenáculo fulgenteQue faz rejuvenescer.

NOTA DA REDAÇÃO:

Para cumprimentarA douta agremiaçãoE os seus distintos mentoresOs dois “Carcaças-mores”:O que sai e o que vai entrarSem distinçãoEntre os Generais Deslandes e MacedoEu vim para os estreitar Num abraço de pura amizade Que começou bem cedo.Ai! “Carcaças” que saudade Dos bancos do Colégio Miliar!

Coronel PilAv Edgar Cardoso

Page 36: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

36 AFAP

Corria o ano de 1982.A Força Aérea planeava ser autónoma na

verificação das suas ajudas rádio à navega-ção aérea.

Para tal necessitava de adquirir um avião com capacidade para desempenhar essa mis-são complementada com o transporte de VIP’s.

Entretanto tinha-se dado o golpe de es-tado na Guiné Bissau, em que Luís Cabral, Presidente da República, foi derrubado por João Bernardo “Nino” Vieira, que passou a ocupar esse cargo.

Na oposição, “Nino” Vieira criticava o Ex--Presidente de se deslocar em avião Fal-con-20 particular, oferecido pelo Presidente de Angola, Agostinho Neto, um luxo para a capacidade económica do país.

Na verdade, esse avião já tinha algumas carências de manutenção, nomeadamente um dos motores era alugado ao fabricante francês Marcel Dassault, para substituir o motor destruído devido à colisão em voo com um Jagudi (abutre africano).

Logo que “Nino” chegou ao governo, co-locou o avião à venda.

Fui assim nomeado pelo Sr. General Le-mos Ferreira, então Chefe do Estado Maior da Força Aérea, para chefiar uma equipa que se deslocou a Bissau a fim de inspec-cionar e avaliar o dito avião.

A aquisição do avião, a ser feita, seria através do Instituto de Cooperação Econó-mica do Ministério dos Negócios Estrangei-ros, com quem tive uma reunião preparató-ria antes da partida para Bissau.

A equipa foi formada por um engenheiro francês da fábrica Marcel Dassault, um en-genheiro da então Direcção Geral da Avia-ção Civil, e dois técnicos das Oficinas Ge-rais de Material Aeronáutico.

A coordenação de todo o apoio logístico em Bissau ficou a cargo do Embaixador de Portugal em Bissau.

Antes da saída de Lisboa, estudei com pro-fundidade o manual de operação do avião, e algumas partes do manual de manutenção.

À chegada nada estava tratado, mas dado que eu conhecia o Chanceler da Embaixa-da, antigo funcionário do Comando Naval, e o encontrei no Aeroporto, tudo foi resolvido.

O nosso interlocutor por parte do governo da Guiné foi o Comandante Pombo Rodri-gues, Director e Comandante dos Transpor-tes Aéreos da Guiné Bissau.

Dado ser um piloto na reserva da Força Aérea Portuguesa, de quem eu era amigo, tudo se tornou mais fácil.

Feita a Inspecção ao avião e respectiva documentação, verificou-se estar em falta o cumprimento de uma série de ordens téc-nicas da fábrica, haver uma avaria no sis-tema de comando centralizado das comu-nicações e ajudas rádio (sistema bastante sofisticado e completamente inadequado às possibilidades locais de manutenção), e o seguro estar caducado.

Para a determinação do valor do foram tomados em consideração o valor comer-cial do avião sem anomalias e com todas as ordens técnicas cumpridas, e os investi-mentos a fazer para pôr o avião a voar sem qualquer anomalia e com a aquisição do motor em falta. Havia também uma dívida do aluguer do motor à fábrica Marcel Das-sault, que foi contabilizada.

GÉNESE DOS AVIÕES FALCON-20 DA FAP

O Falcon-20, vendo-se ao fundo os antigos C-47

da Força Aérea Portuguesa

Page 37: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

37AFAP

O estado em que se encontrava o avião, segundo o engenheiro francês, não impedia o voo, mas, quanto a mim, a questão do se-guro teria que ser ultrapassada pelo gover-no da Guiné, pois eu não poderia assumir a responsabilidade de voar sem seguro da aeronave.

O assunto foi posto à consideração do Ministro dos Transportes, o célebre Coman-dante “Manecas” (o homem que, durante as operações de guerrilha implementou a instalação e operação dos mísseis SAM-7, STRELLA na Guiné). Este, por sua vez co-locou o problema ao presidente Nino Vieira, que assumiu a responsabilidade de autori-zar o teste do avião no solo em rolagem com os motores em marcha mas sem voar, o que foi feito.

Ainda tive oportunidade de ver os antigos C-47 da Força Aérea Portuguesa completa-mente desconjuntados, estando um deles, o 6151 (que em 1968 eu tinha levado da BA4 nas Lages para Bissau e que voei duran-te a minha comissão na Guiné) com a asa esquerda assente no chão, por colapso da perna esquerda do trem.

O únicos aviões a voar eram dois aviões dos transportes aéreos da Guiné, que o Comandante Pombo Rodrigues lá ia aguen-

tando servindo-se do apoio de pessoal de Alverca lá destacado e do apoio de Dakar.

A Embaixada teve a gentileza de nos convidar para um jantar em que também estavam pre-sentes o Comandante Pombo Rodrigues e o então Secretário de Estado dos Transportes da Guiné, Mário Lima. Curiosa-mente, foi um jantar de antigos camaradas, pois todos tinham prestado serviço na Força Aé-rea portuguesa, incluindo o Embaixador.

Uma nota curiosa:O alojamento que nos foi arranjado pela

Embaixada estava localizado no Hotel 24 de Setembro, antigo comando chefe das For-ças Armadas Portuguesas.

Tinha um restaurante central, a antiga messe, e vários alojamentos independentes espalhados pelo recinto. Estava muito bem tratado e com todas as comodidades.

Por vezes aparecia, no recinto do hotel, um indivíduo de porte assustador, sem-pre armado, que mais parecia o “Idi Amin Dada”. Todos os funcionários o cumprimen-tavam com uma atitude mista de respeito e de medo. Perguntei quem era aquela per-sonagem, e foi-me dito que era o chefe do protocolo da Presidência da República, es-colhido para o cargo por ter abatido a tiro o Chefe de Estado Maior da Armada que en-cabeçou uma tentativa de golpe de Estado contra Nino Vieira, salvando a situação.

“Quem não deve não teme”. Razão por-que ele andava sempre armado.

Uma noite, quando eu ia ao restaurante comprar água “Perrier” e trazer uns copos para uma confraternização com a equipa no meu alojamento, fui interceptado por essa figura, que me perguntou o que estava ali a fazer, ao que eu respondi:

A equipa com o Comandante Pombo Rodrigues

Page 38: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

38 AFAP

E tu, quem és e também o que é que estás aqui a fazer?

Fiquei estupefacto quando ele me disse:Não és o tenente Ivo? Eu sou o Djassi que

era mecânico dos DO-27.E o Tenente Nico está bom?Claro que embora não o tenha reconhe-

cido, me lembrava dele 13 anos mais novo, como cabo mecânico da Esquadra dos DO-

27, mas muito mais magro e com uma pos-tura muito menos “contundente”.

“Se tiveres algum problema, telefona para o meu gabinete, que eu resolvo ”. Rematou ele, dando-me o seu número de telefone pessoal.

Acabou, para espanto dos funcionários do hotel, por ir para o meu alojamento beber uns copos com toda a equipa e um irmão do já falecido Comandante Oliveira, “Vavá”, da TAP, o Valdemar Oliveira, residente em Bis-sau e a desempenhar funções de adminis-tração na companhia gasolineira local.

No regresso a Portugal, foi entregue o re-latório solicitado com a avaliação do avião.

Com base nessa avaliação, o nosso Mi-nistério dos Negócios Estrangeiros elaborou uma proposta de compra do avião, mas não consumou o negócio, pelo que mais tarde a compra de três aviões do mesmo modelo foi feita à Federal Express.

Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

C-47 6151

Falcon 20 DC da Força Aérea Portuguesa

Foto de Walk Arounds

Modelo SN Ano Chegada N.º FedEx N.º FAP

Falcon 20 DC 211 1969 12/01/1985 N30FE 8101 - 17101

Falcon 20 DC 215 1969 12/01/1985 N34FE 8102 - 17102

Falcon 20 DC 217 1969 24/03/1985 N35FE 8103 - 17103

Page 39: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

39AFAP

(24Mar35/13Ago80)..... Dotado de excepcional espírito de luta,

participou em todas as missões cuja execução se revestisse de maior dificul-

dade e risco, batendo-se sempre com extraordinário desprezo pelo perigo, de-terminação e serena energia debaixo de fogo.

Agressivo e audaz............

(MDN in Diário do Governo de 7 Julho de 1972

Luís Fernando Almada de Oliveira nasceu em Lisboa, na freguesia de S. Sebastião da Pedreira a 24 de Março de 1935.

Em Outubro de 1952, ingressou como ca-dete na Escola do Exército onde frequentou o curso de Aeronáutica que concluiu em Abril de 1955.

Colocado na Base Aérea nº 1 em Sintra, terminou o seu Tirocínio de pilotagem na Força Aérea Brasileira em Março de 1956. Em Abril é promovido a Alferes e colocado da Base Aérea nº2 para fazer curso comple-mentar em aviões de caça no Republic P-47 Thunderbolt. Colocado sucessivamente na Base Aérea nº 4 (Terceira), AB1 (Lisboa), Base Aérea nº6 (Montijo) e em 1964 novamente no AB1. Frequentou em 1965 o Curso de

Promoção a Oficial Superior e foi promo-vido em Dezembro desse ano ao posto de Major.

Em Maio de 1967 é colocado na Base Aé-rea nº 9 (Luanda) para desempenhar as fun-ções de Oficial de Segurança Militar e Oficial de Operações do Grupo Operacional 901. Em Janeiro de 1969 passou a comandar, em acumulação, a Esquadra 94 (ALIII).

Nesta data o Major Almada totalizava 10.000 horas de voo em 13 anos como pi-loto.

Promovido a Tenente-coronel em 30 de Abril de 1970 é colocado administrativa-mente no AB 1 mas a 28 de Maio é de novo colocado na BA nº 9 para em Agosto assu-mir o comando do Grupo Operacional 901.

A 21 de Fevereiro de 1971 regressa ao continente e em Maio é colocado na Base Aérea nº 1 onde foi piloto instrutor em T-37, comandante do GO 101 e 2º Comandante da Base.

Em Agosto de 1973 pede a passagem à disponibilidade e à reserva em Abril de 1977.

Pediu licença para se ausentar para o Brasil onde veio a falecer a 13 de Agosto de 1980 vítima de acidente em helicóptero. Num transporte de carga suspensa, emba-teu com o cabo da carga em fios eléctricos de alta tensão.

Morreu como viveu.Sempre em acção!

Morreu voando!

TENENTE CORONEL PILOTO AVIADOR LUÍS FERNANDO ALMADA DE OLIVEIRA

Page 40: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

40 AFAP

O HomemO T/C Almada foi ao longo da sua vida

uma personalidade enigmática junto dos seus subordinados. De poucas palavras na sua vida profissional, não comentava a sua vida privada. Soube apenas que teve três fi-lhos de um primeiro casamento e sofreu o desgosto de perder o filho primogénito mui-to novo.

Havia nesse tempo uma distância muito grande entre um T/Coronel e um Tenente. Embora juntos durante grande parte das 24 horas do dia, não havia grande oportunida-de para falar da vida privada. Pode aconte-cer porém que o seu comportamento como militar e combatente possa ter sido muito influenciado pela infelicidade que o atingiu.

O LíderDos cerca de três anos que servi em An-

gola e convivi de perto com o T/C Almada, habituei-me a ver nele a personificação das qualidades que os manuais dizem ser um “líder”.

Tinha a capacidade de motivar e influen-ciar os subordinados para que conseguis-sem alcançar com entusiasmo os objectivos que se propunha.

Com um estilo de liderança naturalmen-te autocrático, assumia não poucas vezes, uma postura democrática ou mesmo liberal, de acordo com a situação que o momento permitisse.

Era este estilo de liderança que reforçava os laços que uniam a maioria dos elementos da Esquadra 94, levando-os a aceitar natu-ralmente a influência que o seu líder exercia sobre eles e que se baseava não só no seu poder como comandante de esquadra, mas também como referência pela sua coragem e exemplo e confiança transmitida pela sua experiência de aviador.

Disciplinado, impunha-se a todos com quem convivia pelo exemplo, quer no traba-lho (muito), quer no lazer (todo o possível).

Era intransigente na defesa dos interesses dos seus “maçaricos” como designava de forma paternal todos, pilotos e mecânicos, da ESQ 94

O Militar Com uma formação muito consistente,

característica Escola que frequentou foi sempre muito disciplinado. Exigia igual pos-tura dos seus subordinados. Nas andanças por todas as unidades militares de Angola, ficava perturbado com a forma menos rigo-rosa com que militares de algumas unidades de quadrícula do Exército usavam os artigos do fardamento. Calções, sem camisa ou esta com botões desapertados, sapatilhas de meter no dedo, “quico” (chapéu) no bol-so e a arma ao ombro agarrada pelo cano tipo cajado, eram posturas que o faziam perder a calma.

Em oposição, os elementos da sua Es-quadra usavam sempre uniforme em qual-quer local em que se encontrassem: casaco e calças camuflados, camisa interior branca, lenço verde ao pescoço, bivaque na cabeça barba feita e botas a “brilhar”! A arma G3, que também usávamos, quando transporta-da era agarrada pelo punho encostada ao peito e cruzando da esquerda para a direita.

Excepções: 1. Podia-se tirar o casaco se a T-shirt fosse apresentável.

2. As botas engraxadas e a barba, quando a actividade aérea começasse ao romper do dia. Nesta situação havia tolerância.

Após a aterragem aparecer ataviado era procedimento.

Bem elucidativo desta situação, foi o dia em que alguém tentava justificar o não se ter barbeado porque não havia água.

Pergunta pronta do “Chefe”; - Já acabou a 7up?Tinha perfeita consciência de ter a amiza-

de de muitos, mas odiado por outros. Ouvi--o dizer numa ocasião:

Os“coiros” não gostam de mim!

Page 41: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

41AFAP

O CombatentePoderíamos enumerar diversas situações

nas quais comprovou as suas qualidades raras de combatente destemido. Adepto do principio que a guerrilha se combate com guerrilha, abominava os grandes e intermi-náveis planeamentos dos Estados-maiores. Por esse facto, em acção, nem sempre se-guia as normas, se daí adviessem vanta-gens para a missão. A eficácia não podia ser comprometida pela eficiência.

A exploração imediata, ou tão breve quan-to possível, das informações obtidas na se-quência de uma operação, era característica sua. Assumia a responsabilidade de agir por sua conta quando a consulta ou decisão da cadeia de comando só serviria para impedir novos êxitos. Procedimentos que não agra-davam aos que apostavam em “fazer a sua guerra” no conforto do ar condicionado das Salas de Operações dos diversos Coman-dos Militares.

Admirador incondicional do modo de ope-rar dos Comandos, e fazendo jus das suas características de combatente, mais do que uma vez, no Leste de Angola, tomou parte como um dos 10 elemento da equipa de co-mandos, em Heliassaltos a objectivos.

Das muitas operações em que participou, uma houve que lhe granjeou os maiores lou-vores tendo sido condecorado com a Me-dalha de Ouro de Serviços Distintos, com Palma (a palma só é concedida em comba-te), grau ouro só raramente era atribuída no posto de Tenente/Coronel.

Foi essa operação despoletada no maior se-gredo bem ao gosto do seu modo de operar, no dia 4 de Fevereiro de 1970 (Dia do MPLA).

Transcreve-se uma passagem da acção da qual resultou a destruição da Opera-

ção Bomboko, projecto e grande sonho de Agostinho Neto para abastecer a Iª Região do MPLA nos Dembos a partir da Zâmbia.

“ No dia 3 de Fevereiro o Maj. Almada chamou por volta das 16h00 à sala de ope-rações da Esquadra 94, dois pilotos, três mecânicos e o “chefe da linha da frente” para fazer um curto “briefing”.

Utilizando o estilo preciso e conciso que lhe era peculiar, “atirou”:

- Maçaricos1 amanhã descolamos com um canhão e dois transportes.

- Destino: Algures em Angola…! - Mínimo de vinte e cinco horas disponí-

veis para cada máquina. Era uma situação a que já íamos estando

habituados com o novo comandante de es-quadra. Sair sem saber mais do que neces-sário para o momento.

Dando alguns segundos para digerir as três frases, continuou:

- Tempo de permanência não definido...!Normalmente esse tempo podia ser cal-

culado pelo seu indicador habitual; a “linge-rie” que aconselhava a meter no “kit-bag”2. E variava pouco!

- Três pares de cuecas! Aí estava o indicador determinando o tem-

po da saída! Seriam pelo menos duas sema-nas. De facto regressámos 13 dias depois!

Havia que usar de alguma parcimónia quanto à utilização da roupa lavada em ope-rações e devo confessar que nunca me fal-tou uma muda de roupa! Usava para o efeito o método da “rotação”. Ou seja, a peça usa-da hoje, vestida oito dias depois até parece lavada!

- “Rodas no ar” às 06h00!- Assunto...Confidencial! O “briefing” estava a chegar ao fim.

(1) Designação dada aos militares que chegavam de fresco. Proferida pelo Maj Almada era um tratamento carinhoso. Dada a sua versatilidade era designado por Maj Alvega entre os subordinados

(2) Saco de lona para a bagagem.

Page 42: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

42 AFAP

E já em direcção à saída, rematou com a afirmação:

- E como não há dúvidas… até amanhã!Havia que começar já a preparar a missão

pelo que estas instruções tinham que ser descodificadas. Como mais graduado, iria definir os pormenores. Os mecânicos per-noitavam na Base. Os dois pilotos e o chefe da linha iriam estar na Base às 5h00! A des-colagem seria às 6h00 e permaneceríamos fora por um período de pelo menos duas semanas.

Confidencial quer dizer que aquele “brie-fing” não existiu! Não podíamos fazer qual-quer comentário, família incluída!

Na manhã seguinte, frente a um café no bar da esquadra e enquanto os mecânicos faziam os últimos preparativos, o chefe deu uma ideia do que ia ser a nossa missão!

Íamos interceptar uma coluna de guerri-lheiros na região de Malange acrescentando que a informação era da máxima segurança e credibilidade.

Não tinha por agora mais pormenores para nos fornecer. Até entrarmos em acção, o assunto continuava a ser confidencial.

Queria dizer com isto que não faríamos comentários com ninguém, mecânicos da esquadra incluídos.

-Mas, atenção! Se os guerrilheiros não fo-rem encontrados, o assunto ficará confiden-cial para sempre!

- E então, quando e se necessário, darei uma explicação plausível.

Só mais tarde entendi esta última deter-minação.

Protegia a origem da informação e a pou-ca ortodoxia que tinha sido posta no despo-letar da missão!

Se houvesse sucesso, como veio a acon-tecer, ninguém faria perguntas sobre o pro-cedimento.

Uma vez aterrados (no quartel de Qui-tapa 90km a leste de Malange) e enquan-to os mecânicos ajustavam o reabaste-

cimento para 250 litros, (quantidade de combustível que permitia o melhor com-promisso entre raio de acção e carga dis-ponível) reunimos com o comandante de companhia para coordenar pormenores da nossa missão. Sem entrar em gran-des detalhes pediu que disponibilizasse 10 homens com equipamento aligeirado para uma primeira vaga e que mantives-se um grupo de combate preparado para eventual intervenção.

Era assim que as coisas aconteciam nor-malmente com ele. Simplicidade, eficácia e um certo gosto pelo perigo.

A disponibilidade do comandante de Companhia foi total e nem sequer lhe ocor-reu perguntar porque razão não tinha sido avisado pelo seu escalão superior. O Major Almada também não deu azo a isso porque disse a verdade: ninguém foi avisado para manter o segredo da acção. Só não lhe dis-se que a estrutura do Exército também não tinha sido informado.

Ficámos nesse momento a saber que iríamos fazer um RVIS/ATIR (reconhecimen-to armado) voando em formação aberta e transportando dez militares armados ape-nas com G-3

Em linguagem comum, iríamos procurar uma coluna de guerrilheiros e que o local provável seria a nordeste da Quitapa nas margens do rio Cuango. Esta última infor-mação era necessária para determinar um rumo inverso para eventual segunda vaga.

O frenesim da tropa era bem visível à es-pera a todo o momento da ordem de em-barque. Mas o seu papel haveria de estar guardado para mais tarde. Havia que loca-lizar os “turras” primeiro! E assim descolá-mos com dez militares, cerca de uma hora depois da chegada. Voámos para norte numa formação larga para maior seguran-ça e ampliando a área coberta de reconhe-cimento visual. A ligação rádio garantia a proximidade entre os três.

Page 43: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

43AFAP

Depois de passarmos na garganta de uma pequena cordilheira atravessada pelo rio Cuango, o terreno abria-se num imenso vale muito plano com tufos de árvores de onde em onde, completamente inundado pelas águas do rio que tinha saltado das suas margens. Nalgumas ilhotas conseguíamos ver grupos de antílopes refugiando-se da cheia.

Cerca de vinte minutos após a descola-gem a voz do chefe soou pelo rádio:

- Há aqui gajos debaixo das árvores! Cir-culem!

Este reporte dava-me a certeza de que o chefe conhecia a localização provável do grupo. Ao fim de vinte minutos de voo, sem qualquer mudança de rumo, avisou pelo rá-dio ter avistado pessoal. Eram seguramente as coordenadas fornecidas pela DGS!

Quando localizei o nº1, já as incendiá-rias tracejantes do canhão indicavam que tinham sido abertas as hostilidades! Apro-ximámo-nos do local, iniciando um círculo largo para garantir alguma segurança pois não estávamos armados. E fomos tendo um retrato falado do que ia acontecendo, com aquela voz aparentemente calma que o che-fe “vestia” quando em situações de tensão.

Durante cerca de longos dez minutos não consegui visualizar o que se estava a pas-sar dada a distância a que circulávamos. As árvores escondiam o local da acção, mas o chefe ia referindo que eram muita gente. O fogo do canhão era intenso e visível. Foi então que, para amenizar a tensão e como era seu costume, saiu a primeira “graça” do chefe.

-Estes gajos têm tendência para mergu-lhadores!

O fogo do canhão continuava e só a dada altura reparei que a corrente do rio arrastava já gente que tentava manter-se à superfície. Aquele pessoal fugia para dentro da corren-te forte do rio numa tentativa de escapar aos tiros. Optavam por um possível afogamen-

to ou serem comidos pelos crocodilos para evitar a humilhação da prisão.

Foi quando vi o pessoal a tentar flutuar que entendi a ironia do chefe acerca da “tendência para mergulhadores”.

Ao fim de mais alguns minutos ouviu-se pelo rádio:

- Fui atingido! Disse-o no mesmo tom de voz com que

teria dito: “Está calor”.Não pude deixar de quebrar a disciplina

rádio para perguntar:- Tudo bem, com o “Mosca um”?Percebendo a nossa angústia, no mesmo

tom, respondeu!- Tudo bem maçaricos! Foi só a máquina! Foi com algum alívio que ouvi esta res-

posta e não a tradicional frase: “em voo, o asa só fala quando é chamado ou está em emergência”!

Era esta a disciplina e assim tinha que ser no desempenho de uma actividade onde toda a atenção era necessária e o supérfluo apenas servia para distrair! Mas desta vez tinha compreendido a quebra da disciplina rádio.

- Já há gajos de braços no ar! Vamos ver se conseguimos um local para largar o pes-soal, sem os afogar.

Embora houvesse preocupação na comu-nicação não deixava de estar presente mais uma pequena ironia. Servia para descontrair!

- Preparem-se para colocar e trazer mais uma vaga.

- Mosca dois! Dei o “entendido” àquela ordem. Aproxi-

mei-me cauteloso do local e pude ver uma quantidade razoável de indivíduos de bra-ços no ar. Teria agora que manobrar para a escolha da melhor local e preparei mental-mente as instruções que iria dar ao chefe do grupo.

Havia espaço para os dois helis e a co-locação não era difícil não fosse a incerteza da profundidade da água. Não podia colo-

Page 44: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

44 AFAP

car os nossos homens muito próximo dos agora já visíveis guerrilheiros. Podia não ser seguro para eles e para mim. Tinha que ser uma decisão tomada perto do local de lar-gada. Havia que assegurar que os homens só saltariam quando eu gritasse para o fa-zerem! Decidi por isso manter as portas do heli fechadas até que pudesse tomar uma decisão.

Quando na final, premi o botão do rádio para que o nº 3 ouvisse enquanto falava com o chefe do grupo e puxando-lhe pelo ombro para que se aproximasse a sua ore-lha de mim, gritei-lhe:

- Só abrem as portas depois de eu gritar “saltar”! O objectivo é fazer prisioneiros e nada de tiros! Só em defesa! Há necessi-dade de informações e este pessoal está a render-se!

Foi dizendo que sim com a cabeça em si-nal de assentimento! Tenho porém que ad-mitir que era mais fácil eu dizer do que ele fazer!

E para o outro piloto:-Mosca três dá para os dois. Cinco se-

gundo de separação. Mantém as portas fe-chadas até mandares saltar!

- Mosca três. A três ou quatro metros do ponto de lar-

gada, com a certeza que teriam pé, mandei saltar!

E de imediato ouvi o deslizar das portas a abrir.

Era um salto de dois metros, altura con-fortável e que evitava que as pás do rotor de cauda entrassem na água com as graves consequências que dai podiam advir.

Não dei mais instruções ao Mosca 3. Ouviu o que dissera e deu seguramente as mesmas indicações ao seu grupo!

Iriam ficar apenas com a protecção do he-licanhão. E eu livre da muito alta tensão que vivi durante a mais “longa final”3 da minha carreira de aviador.

Só um líder como ele conseguia que nos tivéssemos exposto a guerrilheiros armados a uma distância inferior a 10 metros, sem ter pensado nas consequências.

..../....

Esta acção traduziu-se, sob o ponto de vista disciplinar, num louvor concedido pelo Ministro da Defesa Nacional e a consequen-te condecoração: A medalha de Serviços Distintos, com Palma, Grau ouro, normal-mente só atribuída a oficiais generais.

.... “Agressivo e audaz, o seu exemplo, pleno de decisão e tenacidade, não só conseguiu galvanizar os homens sob o seu comando, como também as próprias forças terrestres, resultando daí o aniqui-lamento de elevado número de inimigos e a captura de apreciáveis quantidades de material de guerra.

Por tudo isto o Tenente Coronel Almada de Oliveira confirmou de forma inequívo-cas suas brilhantes qualidades de comba-tente e de condutor de homens em cam-panha, prestigiando as forças armadas e tornando-se credor do agradecimento da Pátria, pelo que os seus serviços devem ser considerados extraordinários, rele-vantes e distintos.

In Diário Governo de 07 Junho 1972

MajGen PilAv(r) José Augusto Barrigas Queiroga

(3) Segmento do voo desde o início da descida até aterrar.

Page 45: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

45AFAP

ICaros Amigos, choremos0 Colega que perdemosE há pouco nos deixou! Como e qual a razão? Ai! Não a procuremos, não,Porque foi DEUS que o chamou!

IISabendo-o bem bondoso,Profissional famoso,Honesto e delicado -Tais os dons que Ihe deu DEUS! Que quis junta-lo aos Seus:Chamou-o para Seu lado!

Ill Ficamos, Nos, desolados,Até desorientadosPor perder tal companhia!Ao contar as anedotas,Que provocavam risotasEnchia-nos de alegria!

IVHá um lado esquecido, Que lembrar e merecido:0 que a Pátria Ihe deve!Nunca Ihe ouvi falar nissoMas sempre e só em serviço... E a dívida prescreve!

VMas que dívida, Senhor?Ele e seu Antecessor,A frente das OFICINAS1,Em constantes revisõesEm já velhos aviõesEnfrentamos uma luta. Com invejável condutaEm três frentes de combateCom estoicismo e muit’arteDurante mais de trez’anos!

E como isto não chegasse,‘Inda houve quern falasseNuma bela sardinhada A Almirante2 ofertadaQuando visitou as OGMA! Tao impressionado ficouCom o que viu e saboreou,Que logo ali determinouQue os aviões da EsquadraFossem revisionadosEm Portugal, em Alverca,Donde sairiam todosCom eficaz revisão Sem receio de perca!……………………………..Que dinheirão recebeuDas Oficinas o cofre seu!

VIFinalizando este escritoRecordo a nossa Amizade- Velha, já, com 60 anos! Aqui fica como em grito:- Houve sempre lealdade!- Eramos os dois decanos!

VII As relações c’o C.A.3

Da B.A. 6, saudosa,Foram do melhor que há!Em relação amistosa,Nunca Ihe criei entraves: Voaram aeronaves!

VIIIMeu General, já saudoso Amigo,Partiste há pouco, a minha frente;Sendo mais novo, tal e frequente! Não levo a mal, breve estarei contigoE levar-te-ei novas do “Grupinho”0 “Poeta-aprendiz”, o VELHOTE

PATINHO

Coronel Adm. Aer.(r) Abílio Joaquim Patinho

EM MEMÓRIA AO MAJOR GENERAL ENGAER ALBERTO FERNANDES

(1) Leia-se OGMA, isto e, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.(2) Almirante-Chefe da Esquadra Americana sediada no Mediterrâneo, em “Missão Nato”, que ficou tao impressionado

com a natureza, qualidade e segurança das revisões feitas pelo Pessoal das OGMA, quando visitou este nosso Órgão de Apoio a Aeronáutica, e também pela gentileza e diplomacia do nosso Anfitrião (o Director das OGMA, de então, o nosso General Fernandes!) que o mimoseou com a tal sardinhada, que sobremodo apreciou, que, de imediato, ordenou que os aviões dos seus porta- aviões fossem revisionados nas OGMA.

(3) C.A. da B.A. 6 leia-se Conselho Administrativo da Base Aérea 6, do qual, como Capitão, era o seu Chefe da Con-tabilidade.

Page 46: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

46 AFAP

MGen. Henrique Pedro Singer1929-02-22 – 2014-10-14

Margarida de Nunes Ferreira1918-05-07 – 2015-01-05

Cor. Pedro José Afonso Pinheiro1942-04-18 – 2014-11-21

Joaquim Ferreira Ladeira1947-01-01 – 2015-01-13

Cor. Carlos Alberto Van Der Kellen1944-01-11- 2014-06-09

Maria Fernanda Soares Pires1928-06-07 – 2014-06-26

Cmdt. Francisco Manuel Amado da Cunha1921-05-14 - 2014-08-20

Cor. José Alberto Morais da Silva1941-09-21 – 2014-12-29

TCor. João José Rosado Galhardas1936-07-04 – 2015-02-26

AQUELES QUE PARTINDO PERMANECEM NA NOSSA MEMÓRIA

Page 47: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

47AFAP

TCor. José Azinheiro Figueira1952-02-29 – 2015-04-08

Rosário Maria Garcia Alvarez Ferreira Canais

1935-07-22 – 2015-04-09

MGen. Alberto Fernandes1921-07-07- 2015-02-18

MGen. Eduardo Kol de Carvalho1920-09-12 – 2015-03-07

Cor. Luíz José dos Santos Mesquita1936-01-31 – 2015-04-06

Page 48: notícias da AFAP · nosso curso que se mantém vivo, aceitou o convite e esteve presente, para gáudio de todos. Na despedida após o almoço, todos rece-beram com ânimo a INTIMAÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESAAv. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3.º Dt.º • 1050-010 LISBOA

Mais alto

Mais alto, sim! Mais alto, mais além Do sonho, onde morar a dor da vida, Até sair de mim! Ser a Perdida, A que não se encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém! Ser orgulho, ser águia na subida, Até chegar a ser, entoutecida, Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível Turris Ebúrnea erguida nos espaços, À rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber O mal da vida dentro dos meus braços, Dos meus divinos braços de Mulher!

Florbela Espanca in “Charneca em Flor” 1930