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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS CLÁSSICOS

RELATÓRIO DE ACTIVIDADES

ANO LECTIVO DE 1976-77

No Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Coimbra, reuniu-se, em 30 de Novembro de 1976, a Assembleia-Geral dos Sócios da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, a fim de eleger a nova Direcção para o ano lectivo de 1976-77.

O Tesoureiro cessante, Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, apresentou o relatório de contas do ano findo e justificou o pequeno saldo negativo, que pela primeira vez se verificava, com o aumento das franquias postais, o pagamento da cota devida à Federação Interna­cional das Associações de Estudos Clássicos (e que anteriormente era satisfeita pelo antigo Instituto de Alta Cultura), a aquisição de diaposi­tivos e o pagamento de deslocações aos relatores não residentes em Coimbra. Sugeriu, por isso, que a cota anual da Associação, inalte­rada desde a sua fundação em 1957, fosse elevada de cinquenta para cem escudos, no caso dos sócios não estudantes, e de vinte para quarenta escudos, no caso dos sócios estudantes. Relatório e sugestão foram aprovados por unanimidade. A Vice-Presidente cessante, Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, propôs um voto de louvor à compe­tência e zelo do Tesoureiro. Esta proposta foi igualmente aprovada por unanimidade.

Procedeu-se em seguida à eleição da Direcção para o ano lectivo de 1976-77. Por proposta do Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca, aprovada por unanimidade, foi reeleita a Direcção do ano anterior e louvada a sua actuação.

A Vice-Presidente reeleita, Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, agradeceu a confiança manifestada pela Assembleia-Geral dos Sócios e estudou com os presentes algumas iniciativas a promover durante o ano lectivo.

Uma carta de André de Resende à Infanta Dona Maria de Portugal foi o tema da comunicação apresentada, em 12 de Janeiro de 1977,

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pelo Dr. Gabriel de Paiva Domingues. Depois de indicar as condições em que havia elaborado o seu trabalho, deu, com a tradução do texto, uma síntese da estrutura da epístola; discutiu o problema da sua data­ção; e apreciou os retratos da Infanta Dona Maria e de Luísa Sigeia, bem como o culto dos humanistas pelo latim e o emprego da palavra lusíada.

Na troca de impressões que se seguiu, o Dr. Gabriel de Paiva Domingues respondeu a várias questões que lhe foram postas pelos Doutores Maria Helena da Rocha Pereira, Manuel de Oliveira Pul-quério e Manuel Augusto Rodrigues, e ainda pelo Dr. Sebastião Tava­res de Pinho.

Em 17 de Fevereiro, a Dr.a Aida Maria Lima Medeiros Marques Veloso fez uma exposição sobre O mito de Narciso na poesia portuguesa moderna. Após uma breve história do mito, com especial relevo para a versão do hino homérico a Deméter, a transposição artística de Oví­dio e a interpretação racionalista de Pausânias, referiu-se a alguns exemplos de aproveitamento do tema nos tempos modernos (Hõlderlin, Valéry, Gide) e concentrou a sua atenção no tratamento que dele se observa em vários poetas portugueses posteriores a Fernando Pessoa (José Régio, Gomes Ferreira, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner Andresen, João Maia, Sebastião da Gama e Manuel Pulquério). Enquanto alguns se mantêm fiéis à versão ovidiana, outros desenvolvem a componente psicanalítica, outros ainda utilizam o mito como simples factor de enriquecimento metafórico. Em todos, porém, está presente a insatisfação que domina o homem desde a antiguidade.

Intervieram no comentário da exposição os Doutores Walter de Sousa Medeiros e Manuel de Oliveira Pulquério, e os Drs. Carlos Alberto Louro Fonseca, Maria Teresa Schiappa de Azevedo e João Oliveira Lopes. A Dr.a Aida Veloso respondeu às objecções apresen­tadas e deu os esclarecimentos que lhe foram solicitados.

Em comunicação ilustrada com a projecção de numerosos diapo­sitivos a cores, a licenciada Regina Teixeira Anacleto evocou, em 22 de Março, «Clara Rhodos»: uma excursão à ilha do Sol e dos Cava­leiros. O Doutor Walter de Sousa Medeiros leu previamente algumas palavras sobre a última viagem à Grécia de um grupo de docentes e estudantes de Filologia Clássica e de História,

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ANO LECTIVO DE 1911-1%

Em conformidade com os estatutos, a Assembleia-Geral dos Sócios reuniu-se, em 30 de Novembro de 1977, no Instituto de Estudos Clás­sicos, a fim de eleger a nova Direcção para o ano lectivo de 1977-78.

A Vice-Presidente cessante, Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, indicou as razões da suspensão das actividades da Associação nos meses de Abril, Maio e Junho do ano lectivo findo e manifestou a esperança de que as mesmas pudessem ser retomadas com regularidade.

O Tesoureiro cessante, Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, leu e explicou o relatório de contas do ano transacto, que apresentava um saldo de 17 938180. O relatório foi aprovado e, por proposta da Vice--Presidente cessante, louvados a competência e o zelo do seu autor.

A Dr.a Maria do Céu Zambujo Fialho, que falava em nome de um grupo de sócios, propôs a reeleição da Direcção do ano anterior. A sua proposta foi aprovada.

A Vice-Presidente reeleita, Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, agradeceu, em nome da Direcção, a confiança assim testemunhada. Apreciou-se depois a viabilidade de alguns convites a dirigir para o preen­chimento das sessões ao longo do ano lectivo e sublinhou-se o interesse de uma visita de estudo à zona arqueológica de Braga e ao museu numismático do Porto.

A actuação dos deuses na «Helena» de Euripides constituiu o tema da comunicação do Doutor Manuel de Oliveira Pulquério na sessão de 13 de Dezembro. Através da análise da actuação dos deuses, bem como do papel das personagens humanas na intriga da peça, procurou demonstrar que cabe aos deuses a condução dos acontecimen­tos dramáticos e que é o princípio da justiça divina que faz da Helena uma verdadeira tragédia.

Na troca de impressões que se seguiu, intervieram o Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca, que lembrou ser Euripides um verdadeiro «homem de teatro», que, lidando com o mito, lida antes de mais com figuras humanas; a Dr.a Maria do Céu Zambujo Fialho, que se referiu à categoria da «admiração» definida por Lesky para Euripides e às relações entre Sófocles e Euripides; o Doutor Américo da Costa Rama­lho e o Dr. José Ribeiro Ferreira, que aludiram a aspectos de actualidade histórica subjacentes à peça ; a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira,

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que acentuou afinidades do conceito de justiça entre Esquilo e Euripides ; e a Dr.a Maria Teresa Schiappa de Azevedo, que exprimiu dúvidas sobre a manutenção da consciência do nous em Euripides. O Doutor Manuel Pulquério deu todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados; e as suas observações foram muitas vezes ponto de partida para novos comentários dos auditores. No final, o Presidente manifestou regozijo pela extensa participação que o tema provocara.

Na sessão de 31 de Janeiro de 1978, a Dr.a Maria do Céu Fialho apresentou uma comunicação intitulada Édipo — tragédia da condição humana. Depois de referir as interpretações mais correntes da peça, expôs as perspectivas antropológicas de Sófocles, espelhadas na figura e destino de Édipo e determinantes do sentido da obra. Mergulhado no mundo da aparência, que é o do seu conhecimento limitado, o Homem caminha, cego, para a sua ruína, pensando escolher o rumo exacto. Preservada fica, no entanto, a grandeza do herói, na conversão espontânea à ordem universal e no assumir da sua culpa involuntária.

Intervieram no comentário do trabalho o P.e Joaquim José Moreira dos Santos, que fez algumas considerações sobre o aparente pessimismo de Sófocles relativamente à condição humana; o Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, sobre os equívocos a que se tem prestado o tema da culpa hereditária; a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, sobre a interpretação do estásimo II; o Doutor Américo dá Costa Ramalho, sobre as relações entre o Tirésias de Sófocles e o Tirésias de Séneca. A Dr.a Maria do Céu Zambujo Fialho expôs o seu ponto de vista sobre todas as dúvidas que lhe foram apresentadas.

A música, nas suas relações com os grandes temas clássicos, voltou a preencher uma das sessões da Associação, em 20 de Fevereiro. A Dr.a Ana Paula Quintela Ferreira Sottomayor fez uma breve intro­dução histórico-literária e artística ao tema do titanismo, apresentou uma síntese do Prometeu agrilhoado de Esquilo e deu as linhas gerais da sua interpretação. O Dr. Francisco de Faria tomou a seu cargo o comentário histórico e musical do Prometheus de Cari Orff. Seguiu-se a reprodução microgravada de dois trechos desta obra; párodo (Prome­teu e as Oceânidas) e 3.° episódio (Io).

Tomás Moro: itinerário dialéctico de um humanista foi o tema dá comunicação apresentada, em 6 de Março, pelo Doutor Fernando

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de Mello Moser. Começou por observar que à pergunta «Quem foi Tomás Moro?» se poderiam dar três respostas, consoante a perspec­tiva sob a qual se pretendesse encarar a sua figura: Moro foi 1) um grande mártir católico, vítima da introdução da Reforma em Inglaterra; 2) um dos grandes precursores do socialismo, como deixou patente na Utopia; 3) uma das figuras mais representativas do humanismo inglês do século XVI. Desenvolveu depois estes três aspectos da vida do primeiro-ministro de Henrique VIII, enquadrando-o no ambiente religioso, político e cultural da sua época. Lembrou, por último, que o humanista António de Gouveia foi um dos escritores que lamentaram a morte de Tomás Moro e que um dos filhos do chanceler, João Moro, traduziu para inglês a Fides, religio moresque Aethiopum de Damião de Góis.

Na troca de impressões que se seguiu, o Doutor Américo da Costa Ramalho recordou que na Utopia figura um português, Rafael Hitlodeu; e o Doutor Paulo Quintela indagou se o Doutor Fernando Moser considerava legítimas as duas atitudes da história perante a figura de Moro, a saber: a sua canonização por parte da Igreja Católica e, por outro lado, a exaltação da sua figura pelos países de Leste, mate­rializada, por exemplo, em estátuas erigidas nas cidades de Leninegrado e Moscovo. O Doutor Fernando Moser respondeu que considerava legítimas ambas as atitudes, dada a tripla perspectiva de que tinha falado no início da sua exposição.

A sessão de 20 de Abril foi preenchida com uma comunicação do Doutor Américo da Costa Ramalho sobre Ditos e sentenças de quinhen­tistas portugueses. Informou que em quatro manuscritos, pelo menos, dois em Lisboa, um terceiro na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e um quarto, sob a forma de resumo, na Biblioteca-Geral da Universi­dade de Coimbra, se encontram Dittos portuguezes dignos de memoria, de que os mais recentes são do reinado de Dom Sebastião, mas ignoram a derrota e morte do rei em Alcácer-Quibir. Comparou as informações, que os Ditos proporcionam, com outras vindas dos humanistas, nomea­damente de Cataldo Parísio Sículo, e concluiu pela sua verosimilhança. Por uma das anedotas, fica-se a saber que a palavra humanista já era usada em Portugal, antes de 1550.

Pediram esclarecimentos, no final, a Doutora Aida Fernanda Dias, sobre o manuscrito de Ditos portugueses a publicar por um estudioso americano; a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, sobre a data

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de aparecimento da palavra humanista; e o Doutor Manuel de Oli­veira Pulquério, sobre o carácter depreciativo dos termos focinho e carão.

Intitulou-se Uma réplica a Safo em Fernando Pessoa? a comunicação apresentada pela Dr.a Maria Teresa Schiappa de Azevedo na sessão de 11 de Maio. Depois de referir alguns aspectos relevantes do hele­nismo em Pessoa, procurou demonstrar que o tema da imortalização pela poesia acusa não apenas a dependência de Horácio e das literaturas clássicas posteriores como ainda da poesia grega arcaica, que o autor terá conhecido, pelo menos, em tradução. Assim, o poema «Teu inútil dever» poderá constituir, na sua característica inversão de valores, uma réplica directa ao frg. 55 L.-P. de Safo. Nesse sentido, jogarão as coincidências formais e de conteúdo entre os dois poemas. Por último, estabeleceu o nexo entre a crise de valores que a literatura e a metafísica conhecem a partir de meados do século XIX e a visão pessoana da imortalização pela poesia (nitidamente oposta em alguns momentos da obra a toda a tradição literária anterior, embora conti-nuando-a e inserindo-se nela).

Na troca de impressões que se seguiu intervieram : o Doutor Paulo Quintela, sobre o conhecimento do grego e do alemão (nomeadamente da poesia de Hõlderlin) por parte de Fernando Pessoa; o Doutor Amé­rico da Costa Ramalho, sobre os epigramas da Antologia Palatina, traduzidos pelo poeta a partir da versão inglesa de Paton; a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, sobre o interesse do frg. 147 L.-P. de Safo; o Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, sobre a diferença, no tratamento do tema da memória, entre Pessoa e Safo; o Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca, sobre a presença da rosa nos carmina amatoria e nos paidika da Antologia Palatina; e o Dr. José Oliveira Barata, sobre a influência do movimento futurista nas noções de «glória» e de «fama» em Pessoa.

Na sessão de 1 de Junho, os Drs. Henriques Nunes e Francisco Alves fizeram uma exposição sobre As escavações de Bracara Augusta na área de Maximinos. A exposição foi ilustrada com numerosos diapositivos.

O comentário final, em que intervieram principalmente os Doutores Américo da Costa Ramalho e Jorge de Alarcão, respeitou sobretudo ao problema da localização da cidade antiga.

W. S. M.

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ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DOS PROFESSORES

DE LÍNGUAS ANTIGAS

Por iniciativa da Association des Professeurs de Langues Anciennes de l'Enseignement Supérieur (A.P.L.A.E.S.) com sede em Paris, foram convidadas as associações nacionais suas congéneres e as escolas supe­riores da especialidade, no âmbito da Europa, a participarem numa reunião para estudar a hipótese da criação de uma associação inter­nacional que englobasse todos os agrupamentos nacionais afins. Esta reunião realizou-se em Paris em duas sessões nos dias 20 e 21 de Outu­bro de 1978 e nela estiveram representados os universitários portugueses de línguas antigas, através de um delegado da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, signatário desta notícia.

Desta primeira reunião de «exploração» — como expressamente se pretendeu que fosse — resultou o seguinte ante-projecto de estatutos, que deverá servir de base aos estatutos definitivos a elaborar em Maio de 1979, por altura do XII Congresso da A.P.L.A.E.S., em Dijon:

Ante-projecto de Estatutos da Associação Europeia dos Profes­sores de Línguas Antigas.

Esta Associação tem por objectivo:

1) estabelecer contactos regulares entre os professores de línguas, literaturas e civilização grega ou latina que pertençam ao Ensino Superior bem como entre as associações e os grupos que os reúnam ;

2) no plano internacional, estudar a organização dos estudos gregos e latinos, trabalhar para o seu desenvolvimento e definir o seu papel no mundo actual;

3) assegurar os contactos e o intercâmbio dos universitários espe­cialistas da Antiguidade com os outros sectores do ensino e as outras ciências humanas;

4) dar a mais vasta difusão às diversas actividades respeitantes à Antiguidade clássica e às línguas antigas.

S. T. P.

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LATIM RENASCENTISTA NO BRASIL

Nos anos lectivos de 1975-76 e 1976-77, quem assina estas linhas teve a honra de ser professor dos Cursos de Pós-Graduação da Facul­dade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (U.F.R.J.), onde iniciou os estudos de Latim do Renascimento.

Os alunos eram todos professores universitários e bons latinistas. Foram os seguintes os cursos professados:

— O Epistolário dos Humanistas. Tradução e comentário de Cataldi Epistolarum Secunda Pars.

— A querela gramatical do início do século XVI. Tradução e comentário do «Prologus» da Noua Grammatices Mariae Matris Dei Virginis Ar s de Estêvão Cavaleiro.

— A actualidade de Plínio-o-Velho no século XVI. Tradução e comentário do Commentum in Plinii Naturalis Historiae Prologum de Martim Figueiredo.

— 0 teatro novilatino do Renascimento. Tradução e comentário da Tragoedia quae inscribitur Ioannes Princeps de Diogo de Teive.

AMéRICO DA COSTA RAMALHO

ELIZABETH BISHOP, O GREGO E O LATIM

Numa entrevista a Beatriz Schiller, correspondente do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em Nova Iorque, publicada no suplemento Domingo daquele importante diário, em 8.V.1977, Elizabeth Bishop, um dos maiores poetas actuais de língua inglesa, premiada muitas vezes (entre os galardões, o Pulitzer Prize for Poetry, em 1956), falou do Grego e do Latim.

Elizabeth Bishop, que na altura da entrevista declarou ter 65 anos, estudou em Vassar College, uma das mais famosas escolas femininas de ensino superior da América, e ensinava em 1977 na Harvard Uni­versity, estando a preparar-se para dar cursos na New York University. Embora leccione sobre Poesia e Prosa, não gosta de ouvir falar em Criatividade.

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Viveu alguns anos no Brasil e sabe português. Mas. confidendiou à jornalista: «O português não influenciou minha escolha das palavras. O latim sim. Estudei grego também. Gosto muito de palavras e adoro dicionários».

À pergunta da jornalista «Como você se preparou para ser: poetisa ?», respondeu: «Estudei Música, depois mudei para Inglês, Literatura, Latim, Grego, Zoologia. Não sei qual das matérias me ajudou mais. Nunca frequentei cursos para aprender a escrever. Aliás, na minha época não existiam, é novidade de agora. Digo a meus alunos que, em vez de aprenderem a escrever poesia, fariam melhor se estudassem Latim e Grego. Quase nenhum deles estudou Latim. Antes era obrigatório. Acho que, embora não seja essencial, afia seu domínio das outras línguas. As universidades deviam ensinar coisas que podem ser ensinadas. Acho uma bobagem ir à universidade para aprender a ser criativo».

A. C. R.

DOUTOR MANUEL GONÇALVES CEREJEIRA :

Em 1 de Agosto de 1977, faleceu com 88 anos de idade o antigo professor catedrático de História, da Faculdade de Letras da Univer­sidade de Coimbra, Doutor Manuel Gonçalves Cerejeira.

, A maior parte da sua vida passou-se ao serviço da Igreja Católica de que foi o chefe em Portugal, como Cardeal-Patriarca de Lisboa.

Nesta breve notícia, interessa-nos o historiador do Humanismo Renascentista, autor de um livro durante muitos anos insubstituível e ainda hoje a fonte da maior parte das ideias sobre Humanismo, cor­rentes em Portugal. Refiro-me a O Renascimento em Portugal, Cle­nardo (com a tradução das suas principais cartas). Coimbra, Imprensa da Universidade, 1917-1918, 2 vols., o primeiro dos quais foi a sua tese de doutoramento e o segundo a tese para um concurso que não chegou a realizar-se, como o Autor explica na «Nova Edição» deste volume, em 1975. . ..

Dos dois tomos sobre o Renascimento em Portugal, o primeiro, subintitulado Clenardo e a Sociedade Portuguesa (com a tradução das suas principais cartas), sucessivamente revisto, teve quatro edições,

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das quais a última em 1974; o segundo, que tem por subtítulo Clenardo. O Humanismo e a Reforma, conheceu apenas a «Nova Edição» em 1975. Deste será publicada uma recensão no presente número de Humanitas.

Sublinhe-se o entusiasmo com que o Doutor Cerejeira, bem depois dos oitenta anos, ainda trabalhava, como o autor destas linhas pôde testemunhar, quando o antigo professor universitário tratava de reim­primir a edição melhorada de Clenardo II.

A. C. R.

UM CONGRESSO DE LATIM NA AFRICA CENTRAL

De 13 a 16 de Abril de 1977, efectuou-se em Dakar (Senegal) o IV Congresso Internacional da Academia Latinitati inter omnes gentes fovendae, subordinado, muito naturalmente, ao tema geral África e os Romanos.

Escusado será sublinhar o alcance e significado de uma realização destas num dos novos países africanos, cujo Presidente da República, Leopold S. Senghor, poeta e latinista distinto educado em França, (vide A.C.R., «Lusitanidade e Negritude», Humanitas XXVII-XVIII, 1975-76,261-262), pronunciou a oração inaugural em francês : «Os Negros na Antiguidade Romana». Os restantes conferencistas, provenientes de diversos países europeus, apresentaram em latim as suas comunicações. Assim, por exemplo, P. Romanelli (Roma) falou de «As expedições dos Romanos à África Central» ; R. Schilling (Estrasburgo), de «A África Central na Literatura Romana» ; J. Desanges (Nantes), de «As relações comerciais entre a África Romana e a África Central»; K. Sallmann (Mogúncia), de «Notícias sobre a África Central em Pompónio Mela e Plínio»; C. Eichenseer (Saarbrúcken), de «Informações de escritores cristãos sobre a África»; E. Paratore (Roma), de «César e Salústio acerca da África»; D. A. W. Dilke (Leeds), de «O desenvolvimento do conhecimento da África entre os Romanos e o conhecimento da Europa entre os Africanos até Domiciano». Um professor da Universidade de Dakar, F. R. Chaumartin, tratou do ensino do Latim nos liceus do Senegal como língua falada, método esse já praticado por Leopold Senghor quando era professor em Tours, e da posição dessa mesma

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língua como elemento principal da educação, desde a «sixième», ao lado da Matemática.

Um exemplo salutar que vem de terras africanas, em que diversos países europeus poderiam reflectir com proveito. Afinal, já no séc. li a.C. Terêncio Afer era um modelo de íatinidade para os Roma­nos, e no séc. iv da nossa era Santo Agostinho foi um padrão de espi­ritualidade num mundo em declínio...

M. H. ROCHA PEREIRA

OUTROS CONGRESSOS HUMANÍSTICOS

De maior ou menor amplitude temática, exclusivamente dedicados à Antiguidade Clássica ou ao ensino das Letras Clássicas, diversos outros Congressos se realizaram em diferentes partes do mundo em 1977 e em 1978.

Dos realizados em 1977, merece especial relevo, para além do já mencionado, o Simpósio Internacional sobre a Odisseia, efectuado em ftaca, de 9 a 16 de Setembro, sob os auspícios do Ministério Grego da Cultura e Ciência, e presidido pelo Reitor da Universidade de Atenas. A presidência honorífica, essa coube a um helenista de reputação mundial, o Prof. J. Th. Kakridis.

Doze especialistas de vários países europeus debateram, perante um público de Assistentes e Doutorandos, na própria ilha que geral­mente se identifica como o reino de Ulisses, aspectos vários do poema. Vale a pena registar aqui o respectivo elenco:

J. de Romilly (Paris), La royauté d'Ulysse K. Romeos (Atenas), 'Emfíiáasiç ânò rrjv 'Oòvaaeia F. Robert (Paris), Varrière-plan religieux de V Odyssée H. Schwabl (Viena), Religiose Aspekte der Odyssée W. Kullmann (Friburgo na Brisgóvia), 'H avXXtjyrj tfjç 'Oòvaoeíaç

xal rj juvdixrj naoaooar]

E. Delebecque (Aix-en-Provence), Les femmes d'Ulysse I. Gabjanski (Belgrado), The vitality of some ancient Balcan motifs

as found in Serbocroatian epic folk poetry

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A. Petrov (Belgrado), The image of Odysseus in modern Serbian poetry

D. Maronitis (Salonica), 'H sQcorixrj ôfuXía orrjv 'Oôvaasia J. Pinsent (Liverpool), Alternative Odysseys and the composition

of the Odyssey M. M. Willcock (Lancaster), The character of Odysseus in the

Iliad and the Odyssey J. Kakridis (Salonica, jub.), Oi ^.vrjarfjosc rfjç IJrjveXÓTtrjç —

TiQofiXrifJLaTa ôfnr)Qi)cfjç ôvofiaxoÀoyíaç.

Das excursões complementares do programa, salienta-se a ida à Gruta das Ninfas e aos muros ciclópicos do Monte Aetos.

— De importância também, num domínio diferente da Literatura Grega, o VI Congresso Internazionale sul Dramma Antico, que decorreu em Siracusa, de 19 a 22 de Maio, centrado num tema aliciante: Esquilo e a Oresteia. Reunindo estudiosos de toda a Europa, versou desde problemas ideológicos aos da transmissão manuscrita e da cenografia. Realizou-se mesmo uma mesa redonda sobre a possível representação da trilogia esquiliana no XXV Ciclo de Espectáculos Clássicos.

O Istituto Nazionale dei Dramma Antico e a respectiva revista Dioniso têm prestado relevantes serviços à cultura teatral, mas a sua manutenção encontra-se ameaçada. Pelo que o Congresso aprovou uma moção a solicitar ao Governo Italiano a reestruturação de ambos.

— No plano didáctico, regista-se a realização do trigésimo segundo Weekend Refresher Course, organizado pela Classical Association e por The Association for the Reform of Latin Teaching. Decorreu em Londres, em 11 e 12 de Março.

Para além de demonstrações por professores e alunos de vários liceus, de discussões em grupo sobre o ensino das Clássicas em todos os tipos de escolas, de recitais de autores clássicos e de uma exposição de livros e material didáctico, o encontro incluiu uma palestra ilustrada pelo conhecido crítico David Raeburn, sugestivamente intitulada «The Sound of Greek Tragedy».

— Outra organização congénere, o Colloquium Didacticum Clas-sicum Septimum, decorreu em Perugia, de 29 de Agosto a 3 de Setembro. Como tema principal, teve um assunto ambicioso: interpretação e constituição da obra de Homero e Virgílio.

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' ' —: Em Maio, teve lugar em Clermont-Ferrand o 2.° Colóquio da Sociedade de Estudos Neronianos, que foi subordinado a quatro grandes temas: ideologia imperial e problemas históricos; Lucano; Petrónio; Calpúrnio Sículo, Pérsio, Séneca. De salientar a partici­pação de um estudioso português, o Doutor Segurado e Campos, da Universidade de Lisboa, com uma comunicação sobre a tipologia das figuras nas tragédias de Séneca.

. Durante o ano de 1978, os Congressos sucederam-se. Faremos apenas, nalguns casos, uma sucinta referência:

— Em Bielefeld, de 6 a 10 de Fevereiro, realizou-se o Colóquio sobre «Problemas Didácticos do ensino das Línguas Antigas».

— Na Universidade de Yale, de 28 a 31 de Março, decorreu o Congresso Internacional sobre Gnosticismo.

— Em Lausanne, de 8 a 13 de Maio, reuniu-se o 5.° Colóquio Internacional de Bronzes Antigos.

—: Em Wolfenbiittel, de 16 a 19 de Maio, efectuou-se a 15.a Sessão da Mommsen-Gesellschaft, a qual abrangeu, entre outros tópicos, problemas de história do texto e de crítica textual. De notar, o apelo final para que em Wolfenbiittel, sede da que chegou a ser a maior biblioteca da Europa, se crie uma instituição com aquele espírito de humanidade e de tolerância de que Lessing deixou o exemplo no local, servindo assim para o entendimento e intercâmbio cultural e humano.

— O Encontro Anual da Society for the Promotion of Roman Studies realizou-se em Londres, a 6 de Junho, e o da Society for the Promotion of Hellenic Studies no mesmo local, dois dias depois. De salientar que esta última Associação anuncia para 1979 um Colóquio comemorativo do seu centenário, subordinado a quatro temas de grande interesse: «Continuidade e novos impulsos na antiga religião grega»; «Tradição e inovação na Literatura grega antiga»; «O desen­volvimento da polis grega»; «Continuidade e interrupção na herança cultural helénica».

Duas outras realizações merecem lugar de destaque:

— Os Jeux de la Latinité, efectuados de 9 a 16 de Maio na Facul­dade de Letras e Ciências Humanas de Avignon, sob o alto patrocínio

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do Presidente da República do Senegal, Leopold S. Senghor, e tendo como coordenador científico o Prof. Pierre Grimai. Sob o título genérico «La Latinité; hier, aujourd'hui, demain», abrangia tanto o passado (Língua Latina; relações com o helenismo; arqueologia) como a difusão da Latinidade pelas cinco partes do mundo e o sentido da permanência desse legado cultural nas nações latinas, com vista a uma colaboração internacional.

Um aspecto curioso destes Jogos foi a realização de um concurso de poesia das Línguas Latinas, que visasse exaltar, no idioma de cada um, «o contributo, especificidade e futuro da Latinidade e seu concurso para o estabelecimento de um humanismo universal».

— Num plano estritamente científico, decorreu, em Cambridge, de 31 de Julho a 5 de Agosto, o Congresso Trienal do Joint Committee of Greek and Roman Societies. Vale a pena enumerar alguns dos prin­cipais trabalhos apresentados:

Prof. M. I. Finley (Cambridge), Ancient Slavery and Modern Ideology

Prof. B. M. W. Knox (Washington), Myth and Attic Tragedy Dr. M. Burnyeat (London), A Paradox in Plato's Distinction between

Knowledge and True Belief (Theaet. 200d-201c) Prof. C. M. Robertson (Oxford), Troilos and Polyxena: Recons­

tructing a Legend Prof. D. Furley (Princeton), The Theory of the Infinite Universe J. Griffin (Oxford), The Fourth Géorgie, Virgil and Rome Dr. J. E. Annas (Oxford), Aristotle on Inefficient Causes R. G. G. Coleman (Cambridge), The Analysis of Latin Periodic

Structure Prof. G. Williams (Yale), Literary History in Rome Dr. J. T. Killen (Cambridge), The Linear B Tablets and the Lan­

guage of Homer Prof. D. M. MacDowell (Glasgow), Aristophanes and his Producers. Dr. D. N. Sedley (Cambridge), New Evidence for Epicurus on

Free Will Prof. P. H. J. Lloyd-Jones, A Hellenistic Miscellany.

M. H. R. P.

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REPRESENTAÇÕES DE PLAUTO

O «Círculo Experimental de Teatro de Aveiro» (C.E.T.A.) levou à cena nessa cidade, em 28 e 29 de Abril de 1978, o Soldado Fanfarrão de Plauto. Segundo referem os jornais {O Primeiro de Janeiro de 24-IV-1978), «a linguagem de tom retórico e descritivo foi adaptada pelo encenador José Júlio Fino, que procurou dar, assim, à temática da peça uma função mais actualizada e mais consentânea com os pro­blemas actuais». Por estes e outros elementos, fica-se a supor que não foi adoptada a excelente e movimentada versão portuguesa de Carlos Alberto Louro Fonseca (Coimbra, 1968), nem entendido o valor cómico de algumas tiradas «retóricas» do Miles e do Parasita. Mesmo assim, é de louvar a iniciativa e de registar o seu êxito (em 3.VII.78 os jornais noticiavam dois meses de representações sucessivas em vários palcos).

M. H. R. P.

ENSINO DO LATIM EM UNIVERSIDADES NOVAS

Depois de Aveiro (vide Humanitas XXVII-XXVIII, 1975-76, p. 267), foi a vez de Braga de iniciar, a nível oficial, o ensino superior do Latim, no ano lectivo de 1978-79. Da regência do curso na Uni­versidade do Minho foi incumbida a Lic.a Virgínia Soares Pereira, antiga e distinta aluna de Coimbra.

M. H. R. P.

NOVA COLECÇÃO DE «TEXTOS CLÁSSICOS»

A juntar às diversas publicações do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, surgiu, em 1978, uma nova colecção de Textos Clássicos, dirigida pelo Prof. Doutor Walter de Sousa Medeiros. É formada por pequenos volumes com traduções

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muito cuidadas, prefácio e notas, de obras de autores gregos e latinos. Destinada sobretudo à divulgação dos grandes escritores da Antigui­dade junto do público não-especializado, contém no entanto matéria de interesse e utilidade para os estudantes universitários, e para os de Clássicas em especial.

Encontram-se já publicados o Anfitrião de Plauto (por C. A. Louro Fonseca), O Gorgulho de Plauto (por Walter de S. Medeiros) e As Mulheres que celebram as Tesmofórias de Aristófanes (por Maria de Fátima S. e Silva). Estão no prelo o Filoctetes de Sófocles (por J. Ribeiro Ferreira), Rei Édipo de Sófocles (por Maria do Céu Z. Fialho) e Hipólito de Euripides (por Bernardina Oliveira).

M. H. R. P.

REVISTAS NOVAS

Com maior ou menor grau de especialização, diversas revistas sobre a Antiguidade têm continuado a surgir no estrangeiro, nos últi­mos tempos. Citamo-las por ordem alfabética:

— American Journal of Ancient History. Editada pela Harvard University Press desde 1976, sob a direcção de E. Badian.

— The Ancient World, de Chicago, sob a direcção de A. N. Oiko-nomides. Iniciada em Março de 1978, abrange a Filologia Clássica, Arqueologia, História, Filosofia e Geografia antigas.

— Boreas. Revista de arqueologia, especialmente grega e romana, publicada, desde 1978, e consagrada em especial às obras da colecção arqueológica da Wilhelm Universitát da Westfália e colecções particulares da região.

— Dionysius. Revista canadiana de filosofia antiga, publicada desde Dezembro de 1977 sob a direcção de A. H. Armstrong, R. D. Crome e J. A. Doull.

— Figlina. Editada desde 1976 pela «Société Française d'Étude de la Céramique Antique en Gaule» e pelo «Laboratoire de Céramologie de Lyon».

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— Journal of Mithraic Studies. Dirigida por R. C. Gordon e começada a publicar em 1976 pela casa Routledge and Kegan Paul, de Londres.

— Ktema. Civilisation de l'Orient, de la Grèce et de Rome anti­ques. Da Université des Sciences Humaines de Strasbourg (n.° 2, 1977).

— Sandalion. Quaderni di cultura clássica, Cristiana e médiévale. Dirigida por Antonio M. Battegazzore, Ferruccio Bertini e Pietro Meloni, e publicada, desde 1978, pela Université degli Studi di Sassari (Sardenha). "**

Também no nosso País há uma publicação periódica nova a assinalar, Clássica, que já conta quatro fascículos (dois em 1977 e dois em 1978). Apresentam-se como responsáveis pela edição Cecília G. Soares, Custódio Magueijo, J. Pires Cruz, Rosa M. Perez e Victor Jabouille. A redacção é no Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa. Apresenta-se como um «Boletim de Pedagogia e Cultura», que «deve ter intervenção a nível pedagógico, e não só no que concerne às línguas, literaturas e culturas clássicas gregas e latinas. Além das relações culturais, estamos ligados — escre­vem os redactores — ao ensino da língua e literatura portuguesas. Elas devem ter também um lugar, e importante, na nossa revista».

M. H. R. P.

XXI e COLLOQUE INTERNATIONAL D'ÉTUDES HUMANISTES

De 3 a 13 de Julho de 1978 decorreu no Centre d'Études Supé­rieures de la Renaissance, da Universidade de Tours, o XXIe Colloque International d'Études Humanistes, desta vez dedicado a «L'Huma­nisme Portugais et l'Europe (1500-1580)» (1). Não será exagero

(1) Sobre a escolha destas datas, ver o que diz o Prof. Pina Martins na «Intro­duction» do catálogo L'Humanisme Portugais (1500-1580) et l'Europe. Exposition Bibliographique à la Bibliothèque Municipale, Tours, 1978, p. 14.

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sublinhar a importância deste acontecimento para a história da cul­tura e da investigação portuguesas nas suas relações com a Europa.

O Colóquio, que beneficiou da generosidade e compreensão da Fundação Calouste Gulbenkian, foi organizado e orientado pelo director do C.E.S.R., Prof. Jean-Claude Margolin, e pelo director do Centro Cultural Português de Paris, Prof. José Vitorino de Pina Martins, e, além das reuniões de trabalho, proporcionou aos congressistas várias sessões de natureza social e cultural bem eloquentes da hospita­lidade com que foram recebidos pelas autoridades da região de Tours. Significativamente, a figura de Marcel Bataillon foi evocada logo no abrir dos trabalhos, como Mestre que foi dos estudos sobre a sensi­bilidade peninsular na época do Humanismo e como autor de inves­tigações importantes no âmbito do Humanismo português.

A quantidade de especialistas nacionais e estrangeiros que par­ticiparam nos trabalhos foi não só o índice da vitalidade dos estudos sobre o Humanismo português do séc. XVI, mas também o reconhe­cimento da importância do contributo português para a história da Europa moderna. Por isso, vários aspectos se viram abordados pelos intervenientes, uns sublinhando com particular relevo quanto de ino­vador o homem quinhentista português, lançado nas viagens oceânicas e nos contactos com novos povos, ofereceu ao pensamento e à técnica europeia; outros focando especialmente a maneira como a mente por­tuguesa assimilou e elaborou as correntes mais actuais do Humanismo de além Pirinéus; outros, enfim, não esquecendo os aspectos da sen­sibilidade espiritual portuguesa no séc. XVI em conexão com o que ia sucedendo em Espanha.

A Universidade de Coimbra, cuja história se liga profunda e longinquamente à história do Humanismo português e peninsular, esteve representada neste Colóquio por alguns professores da sua Faculdade de Letras e investigadores do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. Este grupo de participantes era constituído pelo Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho (C.E.C.H.), que apresentou uma comunicação subordinada ao tema «Quelques aspects de l'Intro­duction de l'Humanisme au Portugal», pelo Doutor Aníbal Pinto de Castro, que tratou de «La Poétique et la Rhétorique dans la pédagogie et dans la littérature de l'Humanisme portugais», pelo Doutor Manuel Augusto Rodrigues, que falou sobre «Les études hébraïques à l'Univer­sité de Coimbra (XVIe siècle)», pelo Dr. Sebastião Tavares de Pinho (C.E.C.H.), que abordou a questão «Les Études grecques, à l'Uni-

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versité de Coimbra (XVIe siècle)» e pelo Dr. Jorge Alves Osório (C.E.C.H.), que versou o tema «L'Humanisme portugais et l'Espagne — Louis Vives et les Portugais : à propos d'un livre dédié à João de Barros».

Quer pelo número de elementos participantes, quer por uma exposição bibliográfica, o C.E.C.H. pôde oferecer uma amostra da sua actividade investigadora, que produziu um manifesto interesse nos vários congressistas ali presentes. Na verdade, por iniciativa do Prof. Costa Ramalho, esteve exposta numa vitrine da sala de recepção do C.E.S.R. uma colecção de publicações do C.E.C.H. de Coimbra, de parceria com uma outra amostra, a das publicações do C.C.P. de Paris (Gulbenkian).

Como é costume acontecer nestes momentos, os contactos entre investigadores de origem e formação diferentes foram muito frutuosos. Após um colóquio dedicado ao Humanismo espanhol, coube, pois, a vez ao Humanismo português de passar pelas salas do C.E.S.R., instituição senhora de uma já antiga e regular actividade neste género de encontros. Dado o lugar que estes Colóquios de Tours ocupam hoje na vida cultural europeia, não será demasiado sublinhar a impor­tância de que se revestiu a presença aí da Faculdade de Letras de Coimbra e do C.E.C.H.. Mais uma razão para se aguardar, com jus­tificado interesse, a publicação das suas actas, que virão a figurar naja longa série de edições sobre o Humanismo europeu que o C.E.S.R. tem levado a efeito.

JORGE A. OSóRIO

MARCEL BATAILLON

Em Junho de 1977 faleceu em Paris Marcel Bataillon, Mestre que foi dos estudos hispânicos no século xx. Na verdade, a sua activi­dade investigadora teve como ponto de partida o ano de 1921, quando publicou no Bulletin Hispanique «Les sources historiques de Zaragosa de Pérez Galdós», e estendeu-se ao longo de mais de meio século, incansavelmente, num labor que deixou mais de 500 trabalhos e inter­venções de natureza científica. Quer pela alta craveira do cientista, quer pela elevação moral do cidadão, Humanitas não podia deixar

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de evocar nas suas páginas essa figura que, em Coimbra e na Biblio­teca da Universidade, tanto trabalhou, aí tendo editado o Diálogo de Doctrina Cristiana de Juan de Valdês, que descobrira na Biblioteca Nacional de Lisboa, e os seus Études sur le Portugal au temps de l'huma­nisme.

Recordar os que já não são da comunidade dos vivos é, num caso como o de Marcel Bataillon, um imperativo, não por amor das lisonjas, que ele em vida arredaria com um gesto largo de mão, mas por homenagem ao trabalho e à lição de um homem que foi iluminando, com segurança, uma parte importante do passado hispânico, a que Portugal pertenceu e a que pertence. Marcel Bataillon não se esqueceu do país que, desde os tempos em que a coroa castelhana atingia o apogeu da sua fome aglutinadora das regiões da Península, soube resistir tenaz­mente — mas também obcecadamente — a essa tentação. Ao pes­quisar, porém, a cultura portuguesa do século xvi, remexendo o fundo dos arquivos e das bibliotecas, Marcel Bataillon mostrou sempre como essa cultura era inseparável da castelhana, apesar daquilo que as dis­tinguia já, e que muito era. Nestes anos terminais do século xx, quando o que eram os «fumos» do Oriente se desvaneceram, esta é uma lição que bem mereceria ser meditada pela cultura portuguesa actual, parte individual, mas integrante, da Península ibérica. Ser-se-ia levado a escrever «da hispanidade», se o termo não soasse ainda entre nós como concessão a esse império cultural centrado na Meseta, con­tra o qual — e apesar do qual — a área galego-portuguesa tanto se esforçou historicamente por se individualizar. E no entanto, mais do que nunca os povos peninsulares têm de assumir a especificidade de uma Península que se projectou no Novo Mundo, a ele levando as primeiras marcas do pensar, do sentir e da espiritualidade europeia. Bataillon teve a nítida consciência dessa dinâmica que atravessou os oceanos, quando, na sua mais conhecida obra, Erasmo y Espana, (reportamo-nos à versão em castelhano) perspectivou essa Espanha do século xvi — a Península hispânica — em articulação com os pólos exteriores que a ela diziam respeito: a Flandres, terra de Erasmo,, o Novo Mundo americano, onde cedo chegou Erasmo para fins devotos, e o Oriente longínquo, por onde peregrinou S. Francisco Xavier, discípulo de Loyola que, em certa medida, foi uma resposta espiritual a Erasmo. Por isso mesmo a obra em causa traz o subtítulo «Estú­dios sobre la historia espiritual dei siglo xvi»; história espiritual não estritamente deste quadrado peninsular, fechado, parece, à Europa

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continental e aberto ao Mediterrâneo e ao Atlântico, mas do mundo que, por este ou aquele motivo, tinha a ver com a Península na época em que Erasmo aí era recebido como um reformador da devoção.

Erasmo — um Erasmo — que «chega» à Península numa con­juntura histórica e cultural extremamente complexa e de que um dos centros se localizava na Corte de Carlos V, príncipe vindo também da Flandres. Bataillon escalpelizou alguns dos aspectos determinantes desse erasmismo — conceito que, em determinado momento, se viu na necessidade de ensaiar definir com rigor —, o qual se mesclava e confundia mesmo com muitos outros aspectos herdados de tempos anteriores, mas já fervilhantes de inquietação espiritual, e se confun­dirá ainda com muito do que será o prolongamento quinhentista da cultura humanista peninsular.

Erasmo y Espana uma tese? Em certa e larga medida é isso. Assim acontece com todas as grandes interpretações do passado. Todavia, Bataillon, como homem de ciência que era, não se deixava conduzir pelo afã de tudo a ela sujeitar, distorcendo os factos. Um dos aspectos mais importantes da sua obra — e quiçá aquele que mais solidez lhe concede — reside precisamente no cuidado extremo posto na análise e verificação dos factos. Aliás, o próprio título do primeiro trabalho referido na bibliografia que os Arquivos do Centro Cultural Português publicaram no volume em sua homenagem é eloquente a esse respeito: «as fontes históricas». Desde o princípio Bataillon entendeu o passado de forma dinâmica, como um local onde se entre­cruzavam as leituras, as influências, as elaborações e reelaborações, as imitações e as tradições de que, nos vários planos da vida cultural, os homens dispunham. Por isso mesmo não o resume a uma com­pilação de factos, de textos ou de lugares-comuns, apesar do volume de informação que oferece ao leitor. Efectivamente, os «estudos sobre a história espiritual» exigiram a interpretação dos textos, nos manus­critos e nas impressões, e a interpretação de tantos outros sinais cul­turais esquecidos nos arquivos e já bem ténues para o homem do nosso tempo, colocado perante o século xvi e a sua sensibilidade como se de um mundo já perdido se tratasse, apesar da «actualidade» de Erasmo, que Bataillon soube acentuar para uma Europa em busca da unificação comunitária. Essa faceta do seu trabalho era, ainda, o indício da serie­dade e profundidade da sua investigação.

Mas em Bataillon residia ainda um outro aspecto: a tolerância e a capacidade de receber — e recebia efectivamente — todas as achegas

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daqueles que caminhavam por outras diferentes sendas da investi­gação e podiam chegar a resultados ou conclusões distintas das suas. Esta característica, aliada à capacidade criadora revelada na indi­cação e formulação de pistas de investigação e no incentivo a outros mais novos, era bem a marca de uma distinção que todos quantos o conheceram de perto testemunham emocionadamente.

Desaparecido da comunidade dos vivos, fica dele a sua Obra. Atrevemo-nos a afirmar que fica a sua Poesia, porque Marcel Bataillon, como re-criador desse mundo cultural, espiritual e literário do Huma­nismo peninsular e, necessariamente, europeu, foi um «poeta». É bem significativa a frase de Menéndez Pidal que antepôs ao seu estudo sobre a novidade e fecundidade do Lazarillo de Tormes: «si es verdad que todo cuanto ocurre en la vida es literatizable, sin embargo, no todo es literatizado...». Este passo bem poderia resumir a visão do passado em Bataillon; na verdade, ele bem sabia que entre o real e o criado reside a arte e o artifício do Homem. Ora a Bataillon interessou sobretudo o documento artístico de natureza literária, não propria­mente como criação estética — mas também isso —, antes predo­minantemente como expressão, entre outras, de uma sensibilidade religiosa, entendida como plano em que se plasma toda uma visão do mundo.

Mas a espiritualidade que ele recria não utiliza a estatística dos dados quantificados como metodologia, em grande parte também porque não seriam facilmente quantificáveis. Nem por isso, contudo, uma metodologia invalida a outra; só que a Marcel Bataillon impor­tavam particularmente os factos provenientes das preocupações reli­giosas e doutrinárias, fixadas tantas vezes em arte literária. Coube ao investigador buscar «les sources historiques» para as explicar; e nessa tarefa Bataillon não se debruçou sobre as manifestações dos comportamentos colectivos, mais ou menos anónimos e inconscientes, a não ser quando convergiam nos documentos com que trabalhava.

Por tudo isto, a história da Península ibérica no período do Humanismo renascentista não se faz hoje sem a obra de Marcel Bataillon. Bem pode dizer-se que, desde a sua publicação, a investigação nesse domínio se tornou mais difícil. Sinal de que aquilo que Bataillon nos deixou é, além de elevado, exigente.

JORGE A. OSóRIO

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NOTICIAS ARQUEOLÓGICAS

Os anos de 1977 e 1978 não foram férteis de achados arqueológicos de época romana, em Portugal. O Instituto de Arqueologia da Facul­dade de Letras de Coimbra e o Museu Monográfico de Conimbriga, ocupados na publicação do relatório das escavações luso-francesas que tiveram lugar naquela estação entre 1964 e 1971, não realizaram prati­camente trabalhos de escavação. A publicação do sétimo e último volume do relatório far-se-á em 1979, ano em que o Instituto de Arqueo­logia reiniciará escavações em grande escala, agora na villa romana de S. Cucufate (Vidigueira).

Em Braga, o Campo Arqueológico continuou as escavações na colina de Maximinos, infelizmente prejudicadas pela necessidade de acorrer a sondagens de emergência em outros pontos da cidade, onde os achados de época romana são frequentes quando se abrem valas de saneamento ou caboucos de novos edifícios. Na colina de Maxi­minos foi parcialmente posto a descoberto um edifício termal, cuja planta não foi ainda totalmente definida e cuja data é incerta, embora aparentemente tardia. Nos arredores de Braga, foram feitas sondagens no Castro Máximo, declarado, em 1978, imóvel de interesse público. Ainda no Norte do País, na freguesia de Santa Maria de Galegos, concelho de Barcelos, foi descoberto um monumento do tipo «Pedra Formosa». Estes monumentos, de função muito discutível, têm sido identificados por alguns como balneários onde os povos castrejos toma­vam os banhos de vapor a que se refere Estrabão. O monumento de Santa Maria de Galegos, dado o seu excelente estado de conservação, poderá vir a contribuir, de modo decisivo, para a resolução deste problema.

A Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho realizou diversas sondagens e estudos na área do Parque Natural da Serra da Estrela, particularmente ao longo da via romana conhecida pelo nome de Geira.

Em Lisboa, as famosas termas da Rua da Prata, conhecidas desde 1770, foram pelo município abertas ao público num sábado e domingo de Junho. A grande concorrência de visitantes recomendaria uma abertura permanente destas galerias; mas os problemas técnicos de escoamento das águas que brotam sem interrupção tornam esta aber-

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tura, por enquanto, inviável, como declararam o Presidente da Câmara Municipal e a Conservadora-Chefe dos Museus Municipais, Dr.a Iri-salva Moita.

No Algarve, os Drs. Manuel Maia e Maria Adelaide Maia diri­giram, em 1977, escavações no concelho de Tavira, entre a Ribeira da Luz e a Ribeira do Arroio, no sítio da antiga Balsa. As escavações puseram a descoberto tanques de salga de peixe ou preparação de garum., bem como parte de algumas habitações cuja correcta interpre­tação exige a continuação das escavações. Corre, aliás, o processo de classificação e aquisição da área por parte do Estado.

Em S. Pedro de Caldeias, no concelho de Tomar, um grupo de estudantes e amadores locais realizou, em 1978, escavações numa villa romana cuja existência era conhecida desde o século xvin, mas onde nunca se haviam efectuado escavações. A villa conserva ainda mosaicos, infelizmente muito danificados na parte posta a descoberto, e propor­cionou alguns achados curiosos de vidro e bronze. Restos do que parece ter sido uma outra villa foi descoberta por acaso em Ançã, no concelho de Cantanhede, em Dezembro de 1978. Ao abrir-se uma fossa sanitária, foi descoberto um mosaico, bem como muros reves­tidos de estuque pintado e fragmentos de escultura. Os achados deram entrada no Museu Machado de Castro. Infelizmente, a esca­vação é impraticável por se acharem as ruínas debaixo de prédios recentes; só ocasionais trabalhos de remodelação ou reconstrução dos prédios permitirão ir recolhendo achados e recompondo os muros da villa.