NOVA DINÂMICA DA REINTEGRAÇÃO JUDICIAL NO EMPREGO · ... Meios Disponíveis para a Invalidação...

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Jurídicas Faculdade de Direito do Recife Curso de Doutorado em Direito NOVA DINÂMICA DA REINTEGRAÇÃO JUDICIAL NO EMPREGO Mito, Realidade e Utopia na Concretização do Direito de Acesso à Justiça à Luz da Efetividade do Modelo Processual Brasileiro SERGIO TORRES TEIXEIRA Recife, 2004

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  • Universidade Federal de Pernambuco Centro de Cincias Jurdicas

    Faculdade de Direito do Recife Curso de Doutorado em Direito

    NOVA DINMICA DA REINTEGRAO JUDICIAL NO

    EMPREGO

    Mito, Realidade e Utopia na Concretizao do Direito de Acesso Justia Luz da

    Efetividade do Modelo Processual Brasileiro

    SERGIO TORRES TEIXEIRA

    Recife, 2004

  • Universidade Federal de Pernambuco

    Centro de Cincias Jurdicas Faculdade de Direito do Recife Curso de Doutorado em Direito

    NOVA DINMICA DA

    REINTEGRAO JUDICIAL NO EMPREGO

    Mito, Realidade e Utopia na Concretizao do Direito

    de Acesso Justia Luz da Efetividade do Modelo Processual Brasileiro

    Autor: Sergio Torres Teixeira Tese apresentada Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, para concorrer ao Ttulo de Doutor pelo Curso de Ps-Graduao em Direito. rea de Concentrao: Direito Pblico Local: Recife/PE Ano: 2004

  • Universidade Federal de Pernambuco Centro de Cincias Jurdicas

    Faculdade de Direito do Recife Programa de Ps-Graduao em Direito

    NOVA DINMICA DA

    REINTEGRAO JUDICIAL NO EMPREGO

    Mito, Realidade e Utopia na Concretizao do Direito

    de Acesso Justia Luz da Efetividade do Modelo Processual Brasileiro

    Autor: Sergio Torres Teixeira Tese apresentada Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, para concorrer ao ttulo de Doutor, pelo Curso de Ps-Graduao em Direito. rea de Concentrao: Direito Pblico. Orientador: Prof. Dr. Joo Maurcio Leito Adeodato. Recife 2004

  • Banca Examinadora Data da Defesa: 05 de maro de 2004 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa Julgamento:_____________________ Assinatura:____________________ Prof. Dr. Georgenor de Sousa Franco Filho Julgamento:_____________________ Assinatura:____________________ Prof. Dr. Manoel Severo Neto Julgamento:_____________________ Assinatura:____________________ Prof. Dr. Bento Herculano Duarte Neto Julgamento:_____________________ Assinatura:____________________ Prof. Dr. Eneida Melo Correia de Arajo Julgamento:_____________________ Assinatura:____________________

  • Dedico, cada uma das trs partes da presente tese a um dos meus trs tesouros.

    O primeiro, ao Sergio. O segundo, ao Matheus. E o terceiro, ao Arthur.

    A obra como um todo? Dedico a Karin, a minha esposa. S ela me completa. Com um simples sorriso, capaz de

    proporcionar o meu restituere in integrum, ao final de mais um dia de trabalho, promovendo o meu retorno ao mesmo estado anterior de alegria que vivi quando a vi por ltimo.

    O amor de vocs a minha fonte de felicidade. Amo vocs, Sergio, Matheus, Arthur e Karin.

  • Agradeo, aos meus pais, Jos Airton e Eliane. Pela educao proporcionada durante a minha infncia, juventude e vida adulta. Pelo amor de ontem, hoje e sempre. minha av, Madalena. Pela sua decisiva participao em todas as etapas da minha formao. Seu esprito de vida estar eternamente no meu corao. aos meus irmos, Airton, Roberto, Liza e Jos Lus. Crianas como eu, pelas pequenas alegrias de costume. aos meus sogros, Volgran e Jlia. Pelo fato de terem me adotado, como se filho deles fosse. aos meus professores, todos eles. Pelas lies extradas dos seus mais simples gestos. Especialmente, pelo estmulo nessa ltima etapa acadmica, Eneida Melo, Raymundo Juliano, Francisco Queiroz e meu orientador, Joo Maurcio Adeodato. aos meus alunos, meus grandes mestres. Pela felicidade gerada diariamente nas salas de aulas. aos meus companheiros da Justia do Trabalho, especialmente os bravos servidores e juzes auxiliares da 2 Vara do Trabalho de Jaboato dos Guararapes, pelo apoio incondicional, to importante para a minha atuao. s minhas assessoras, especialmente Nena, Cristiane, Katya, Elaine, Graa e Elizabeth, por facilitaram o desenvolvimento do meu dia-a-da, mediante contribuies silenciosas mais de inestimvel valor. a Deus, como sempre, o meu guia. Por tudo.

  • SUMRIO

    Resumo Abstract

    Introduo .......................................................................................... 01 PARTE I CONTORNOS DO MITO DO MODELO

    BRASILEIRO DE PROTEO RELAO DE EMPREGO ............................................... 09

    CAPTULO I Dinmica da Formao, Continuidade e Terminao da Relao de Emprego no mbito do Modelo

    Trabalhista Brasileiro ................................................. 10 Seo I - Relao de Emprego e Contrato de Emprego .... 10 Seo II - Diretrizes Orientadores da Continuidade no

    mbito da Relao de Emprego ......................... 18 Seo III - Morfologia da Terminao da Relao de

    Emprego ................................................................ 38

    CAPTULO II Modelo Brasileiro de Controle Abstrato sobre o Direito de Despedir do Empregador ............................. 65

    Seo I - Proteo Mediante o Controle do Direito de

    Despedir .................................................................. 65 Seo II - Medidas de Inibio Prtica da Dispensa ......... 74 Seo III - Medidas de Restrio ao Exerccio do Direito de

    Despedir no Modelo Brasileiro de Proteo Relao de Emprego ............................................. 82

    CAPTULO III Proteo Proporcionada pelo Modelo Brasileiro de

    Processo Jurisdicional Trabalhista ........................... 121 Seo I - Processo Jurisdicional: Generalidades .............. 121

    Seo II - Escopos do Processo e Princpios Informativos .. 128 Seo III - Instrumentalidade do Modelo Processual

    Trabalhista .......................................................... 133

  • PARTE II REALIDADE E UTOPIA NA CONCRETIZAO DA PROTEO RELAO DE EMPREGO ............................. 138

    CAPTULO IV Despojamento do Emprego ..................................... 139

    Seo I - Conflitos Individuais Trabalhistas na Terminao do Contrato de Emprego............ 139

    Seo II - Despojamento Sem Dispensa ........................... 146 Seo III - Despojamento em virtude de Prtica Ilegal

    da Dispensa do Empregado ............................. 154 CAPTULO V Invalidao do Ato de Despojamento .................. 160

    Seo I - Meios Disponveis para a Invalidao de Atos no mbito Trabalhista .............................. 160

    Seo II - Atos Invlidos no mbito da Relao de Emprego ............................................................ 177

    Seo III - Invalidao do Despojamento do Emprego .... 187 CAPTULO VI Reintegrao no Emprego ..................................... 195 Seo I - Reintegrao e Readmisso: Conceitos e

    Distines ......................................................... 195 Seo II - Reintegrao ou Readmisso? ....................... 208 Seo III - Efeitos Materiais da Reintegrao sobre a

    Relao de Emprego ....................................... 216 PARTE III REALIDADE E UTOPIA NA

    CONCRETIZAO DA TUTELA JURISDICIONAL REINTEGRATRIA 227

    CAPTULO VII Tutela Jurisdicional de Reintegrao no Emprego na Dinmica do Modelo Processual Trabalhista ................................... 228

    Seo I - Crise do Atual Modelo Processual

    Brasileiro e Obstculos Efetividade do Processo Jurisdicional Trabalhista ........ 228

    Seo II - Tutela Jurisdicional Trabalhista no mbito do Processo Trabalhista ............... 244

    Seo III - Provimentos Jurisdicionais Aptos e Vias Processuais Inbeis Concretizao da

    Reintegrao no Emprego ......................... 265

  • CAPTULO VIII Reintegrao Incidental no Emprego pela Via da Antecipao de Tutela Jurisdicional 277

    Seo I - Antecipao de Tutela Reintegratria:

    Generalidades ............................................. 277 Seo II - Medidas Antecipatrias da Tutela

    Jurisdicional Reintegratria ...................... 285 Seo III - Efetivao da Tutela Jurisdicional

    Reintegratria ........................................... 312

    CAPTULO IX Nova Dinmica da Reintegrao no Emprego: Efetivao Imediata da Sentena Reintegratria e a Excepcionalidade da Via Executiva em Sentido Estrito ...................................................... 350

    Seo I - Sentena Reintegratria: Generalidades ..... 350 Seo II - Excepcionalidade da Via Executiva Stricto Sensu como Meio de Concretizao da Sentena Reintegratria ............................... 390 Seo III - Nova Dinmica da Efetivao Imediata da Sentena Reintegratria ............................... 412

    CONCLUSES ...................................................................... 428 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................... 459

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias Ac. Acrdo CCB Cdigo Civil Brasileiro CF Constituio Federal CIPA Comisso Interna de Preveno de Acidentes CLT Consolidao das Leis do Trabalho CPC Cdigo de Processo Civil CNPS Conselho Nacional de Previdncia Social CR Constituio da Repblica DRT Delegacia Regional do Trabalho FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio INSS Instituto Nacional de Seguridade Social JT Justia do Trabalho MPT Ministrio Pblico do Trabalho MTE Ministrio do Trabalho e Emprego SDI Seo de Dissdio Individual STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justia TST Tribunal Superior do Trabalho TRT Tribunal Regional do Trabalho VT Vara do Trabalho

  • Resumo

    NOVA DINMICA DA REINTEGRAO JUDICIAL NO EMPREGO

    Mito, Realidade e Utopia na Concretizao do Direito

    de Acesso Justia Luz da Efetividade do Modelo Processual Brasileiro

    O modelo brasileiro de proteo relao de emprego, em consonncia com o princpio da continuidade, formado por institutos que se destinam a proporcionar o prosseguimento do contrato empregatcio, a ponto de estipular a nulidade do ato de despojamento praticado em arrepio s suas medidas de restrio ao exerccio do direito de despedir. Ocorre que o controle abstrato proporcionado pelo modelo normativo no capaz de, isoladamente, assegurar a concretizao do direito do hipossuficiente. Caso as normas sejam descumpridas, o empregado ter que utilizar o modelo processual para materializar o direito reintegrao. Como este consiste em restituere in integrum, restituindo integralmente o estado anterior ao ato invalidado, a tutela jurisdicional reintegratria consiste em uma tutela reparatria especfica envolvendo trs prestaes a ser cumpridas pelo empregador: pagar uma indenizao reparatria; promover o retorno fsico do empregado e respectivo registro documental. luz do atual modelo processual, existem trs vias processuais aptas a proporcionar a concretizao da tutela reintegratria: 1) efetivao de provimento de antecipao de tutela; 2) efetivao imediata dos captulos mandamentais da sentena reintegratria; e, em casos excepcionais, 3) execuo forada de ttulo executivo. Para proporcionar a insero do obreiro dentro de uma realidade jurdica na qual o seu direito reintegrao no ser limitado previso abstrata do legislador, ser essencial assegurar a plena efetividade do modelo processual enquanto instrumento assecuratrio de real acesso justia.

    Reintegrao no Emprego Tutela Jurisdicional Efetividade do Acesso Justia

  • Abstract

    NEW DYNAMICS OF THE JUDICIAL REINSTATEMENT IN THE LABOR POST

    Myth, Reality and Utopia in the Materialization of the Right of Access to Justice in the Light of the Effectiveness of

    the Brazilian Procedural Model

    The brazilian model of employment relation protection, in harmony with the principle of continuity, is formed by institutes that are destined to provide the continuation of the labor contract, to the point of stipulating as null the act of discharging when praticed against the instruments of restriction upon the employers right to discharge an employee. It occurs that the abstract control provided by the labor regulation model is not able to, by itself, assure the realization of the employees rights. If the respective norms are not followed, the employee will have to use the procedural model to materialize the right of reinstatement. Since this right consists in restituere in integrum, integral restitution to the state before the invalidated act, the judicial protection of reinstatement consists of a specific reparatory protection involving three acts that must be completed by the employer: pay a reparatory fee; promote the physical return of the employee; register the return in labor documents. In the light of the present procedural model, there are three procedural paths that capable to promote the materialization of the reinstatement protection: 1) effecting the incidental decision involving the anticipation of the judicial protection; 2) immediately effecting the mandatory sections of a reinstatement sentence; and, in exceptional cases, the execution of an executive title. In order to promote the insertion of the employee within a juridical reality in which his right to reinstatement shall not be limited to the abstract preview of the legislator, it will be essential to guarantee the integral effectiveness of the procedural model as an instrument of assurance of actual access to justice.

    Labor Reinstatement Judicial Protection Effectiveness of the Access to Justice.

  • AUTORIZAO Autorizo a reproduo e/ou divulgao total ou parcial da presente obra, por qualquer meio convencional ou eletrnico, desde que citada a fonte. Autor: Sergio Torres Teixeira Assinatura: ________________________________ Instituio: Universidade Federal de Pernambuco Local: Recife/PE E-mail: [email protected]

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    ________________________

    Introduo

    ________________________

    Mito, realidade e utopia.

    Expresses que, alinhadas, parecem evidenciar antagonismo e refletirem

    opostos. Ao mesmo tempo, entretanto, demonstram similitude, como que conexas pelas

    prprias diferenas delineadas pelas suas diretrizes.

    Na seara das relaes de trabalho, mais precisamente no mbito do

    contrato de emprego, a tradio do modelo brasileiro revela um feixe de normas

    imperativas e de ordem pblica, sobressaindo vontade dos dois contratantes (o empregado

    e o empregador), dedicadas a regular, precisamente, um liame jurdico de contedo

    objetivo predominantemente heternomo e com feio nitidamente institucional. Trata-se,

    pois, de um conjunto de regras sistematizadas em face do seu objeto nuclear, a relao

    empregatcia, de natureza manifestamente tutelar e de ndole essencialmente cogente. Na

    viso clssica, tal complexo dogmtico, ao estipular a nulidade como conseqncia do ato

    praticado em desrespeito s suas normas, se apresenta como apto a controlar arbitrariedades

    e abusos. Um sistema auto-suficiente, capaz de satisfazer, isoladamente, as exigncias da

    sociedade quanto regulamentao jurdica das relaes laborais.

    Um modelo em tais moldes um mito.

    No existe um sistema normativo com tal grau de capacidade, completo

    e acabado, absoluto na sua misso disciplinadora. uma miragem a idia de que possvel

    desenvolver um modelo jurdico, apto a, per si, controlar a ao humana, evitando o

    surgimento de conflitos no meio social. Por mais rgido ou coercvel que seja o modelo

    normativo, haver sempre o entrechoque de interesses, surgir sempre a violao a padres

    de conduta, subsistir sempre a imperfeio inata ao homem.

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    Lgico, evidente e incontestvel.

    Como todo sistema jurdico obra do homem, e nada mais humano de

    que a imperfeio, no h como admitir, sequer como utopia, um modelo jurdico perfeito,

    capaz de resultar na mais harmoniosa das comunidades sociais. A falibilidade um trao

    inerente a qualquer projeto humano, que restringe a sua liberdade de atuao e inibe a plena

    explorao do seu potencial benfico. E, como conseqncia, nenhum fruto do homem

    pode ser elevado ao status divino da perfeio.

    O modelo brasileiro de proteo relao de emprego, mais de que

    qualquer outro sistema normativo, reflete com fidelidade tal quadro de limitaes. Apesar

    de freqentemente apresentado como eficiente na consecuo do seu objetivo principal, que

    o de assegurar a continuidade do contrato de emprego mediante medidas de inibio e de

    restrio ao exerccio do direito de despedir pelo empregador, o atual sistema ptrio , na

    prtica das relaes laborais, um modelo trabalhista inbil para o adequado cumprimento

    da sua misso. Trata-se de um sistema dogmtico incapaz de servir de freio regular

    prtica de atos ilcitos pelas entidades patronais, que seguidamente desafiam o ordenamento

    jurdico por meios de dispensas flagrantemente ilegais, desrespeitando as mais basilares

    normas de proteo relao de emprego. Sua inaptido inequvoca, sendo visualizada no

    dia-a-dia dos empregados supostamente tutelados, que sofrem diretamente com as

    deficincias do sistema.

    esta a hodierna realidade no pas.

    A utopia, por sua vez, se apresenta uma terceira dimenso, ao lado do

    mito inalcanvel e a realidade insatisfatria. Surge como algo idealizado e ainda no

    concretizado, mas perfeitamente alcanvel. No uma miragem, e tampouco um quadro

    emprico materializado. Corresponde, isso sim, a um projeto realizvel, dentro dos limites

    impostos pela natureza humana e traados pela sociedade. Ao alcance, pois, daqueles que

    desejam a evoluo do presente modelo jurdico de proteo relao de emprego.

    No mbito das relaes materiais de trabalho, corresponde a um sistema

    melhor estruturado que o atual, reconhecendo a legitimidade do direito de despedir do

    empregador, mas ressaltando a sua finalidade em harmonia com os interesses sociais que

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    transcendem a relao individual entre este e o seu empregado. Apto a promover um

    controle mais eficaz de tal prtica, lcita desde que socialmente justificvel. Um sistema

    efetivamente capaz de proporcionar maior segurana aos empregados tutelados e, em

    ltima anlise, prpria sociedade em que se encontram inseridos. Um modelo

    protecionista realmente eficiente. Seno perfeito, ao menos apto a oferecer reais garantias

    ao hipossuficiente e a toda a comunidade.

    esta a utopia desenhada por aqueles que, sem radicalismos e com

    intenes sinceras e despidas de preconceitos corporativos, almejam promover o melhor

    desenvolvimento dos relacionamentos laborais no atual contexto da sociedade brasileira.

    Tal evoluo do modelo de proteo relao de emprego, contudo, no

    ser suficiente para ensejar, concretamente, uma mudana no quadro das relaes de

    trabalho.

    Por mais evoludo que venha a ser o sistema protecionista utopicamente

    idealizado, tal modelo de normas materiais ter que ser, necessariamente, acompanhado de

    um modelo de processo jurisdicional igualmente apto a alcanar o seu objetivo, que o de

    assegurar, de forma real efetiva, a concretizao das normas abstratas daquele.

    As normas materiais de proteo relao de emprego, assim,

    disciplinam o exerccio do direito de despedir apenas no plano abstrato, pois as regras

    oriundas da pena do legislador refletem uma natural ndole genrica, disciplinando a

    generalidade dos casos. A lei trabalhista, abstrata na sua essncia, manifesta a sua

    concretizao de forma individualizada, caso a caso no plano emprico. Seja pelo

    cumprimento espontneo por parte do empregador, seja pelo uso ou ameaa de uso da fora

    estatal mediante o processo jurisdicional.

    No possvel alcanar eficincia no sistema brasileiro de proteo

    relao de emprego, destarte, se a respectiva frmula de heterocomposio estatal no for

    capaz de garantir ao hipossuficiente, economicamente excludo, um direito de pleno

    acesso justia. Torna-se imprescindvel eficincia do prprio modelo protecionista,

    portanto, proporcionar concretamente tal direito inerente cidadania, no sentido de

    assegurar ao empregado tutelado pela norma material o direito de ver tal regra efetivamente

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    concretizada no plano emprico. No basta prever abstratamente o direito. necessrio

    inserir o empregado dentro de um ordenamento jurdico justo, no qual sero realmente

    respeitados os seus direitos trabalhistas (incluindo o direito preservao do seu contrato

    de emprego), segundo as regras do respectivo modelo protecionista. Espontaneamente ou

    mediante a coero do Estado.

    Nem todo empregador se encontra disposto a seguir, de modo

    espontneo, as normas que disciplinam a prtica da dispensa. E, em virtude das deficincias

    peculiares ao modelo protecionista brasileiro, a violao a tais regras se tornou to comum

    que a opo pela via da tutela jurisdicional se transformou no nico caminho vivel para

    tentar tornar concreto aquilo que ordenamento jurdico prev em abstrato. Como um direito

    s materializado, de fato, por intermdio de uma frmula de concretizao, a

    inobservncia do ordenamento jurdico imperativo pelo empregador exige do empregado

    uma reao em busca de tal efetivao. E, como as vias de composio alternativas

    jurisdio estatal no tm demonstrado aptido para solucionar de forma adequada os

    conflitos trabalhistas de tal ndole, o mtodo do processo jurisdicional assume relevncia

    mpar na procura por tal efetividade.

    Dentro de tal contexto, passa a ser essencial viabilidade do sistema de

    proteo relao de emprego, por conseguinte, a existncia de um modelo processual

    igualmente eficiente. Como complexo instrumental composto por normas destinadas a

    disciplinar o exerccio da jurisdio trabalhista pelo Estado-Juiz e do direito de ao pelos

    sujeitos da relao de emprego, deve atingir os seus escopos com o grau mximo possvel

    de efetividade, pois somente assim poder assegurar a eficcia da tutela jurdica ao qual

    serve. Sem tal correspondncia, no haver como garantir ao empregado o acesso justia.

    E sem proporcionar a sua insero em um ordenamento trabalhista justo, toda a ordem

    jurdica se revela defeituosa, tanto no plano material como no mbito processual.

    A existncia de um modelo de processo jurisdicional perfeito e sem

    mcula, sempre atingindo plenamente os seus objetivos, , por sua vez, outro mito. Uma

    nova miragem, apontada por aqueles sem responsabilidade social, interessados em desviar

    a ateno para promover a alienao dos seus seguidores.

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    Como produto fabricado artesanalmente pela mo do homem, o sistema

    processual apresenta deficincias como todos os frutos do pensamento humano. Inexiste

    modelo absolutamente eficiente. Todos reproduzem os defeitos oriundos da falibilidade

    humana, tanto na sua concepo, como no seu manuseio.

    A realidade dos tribunais pelo pas afora, por sua vez, reflete um quadro

    generalizado de insatisfao, tanto por partes dos operadores como por parte dos

    consumidores dos servios processuais. Notadamente na seara da Justia do Trabalho, ramo

    do Judicirio encarregado de solucionar os conflitos laborais. Os obstculos eficincia do

    modelo processual so tantos e de tantas ordens que geram, como regra, um sentimento de

    imensurvel revolta nos cidados que batem s portas da Justia procurando justia, no

    mais das vezes empregados vtimas de abusos e arbitrariedades patronais, desejando a

    concretizao daquilo prometido na legislao trabalhista. E, da mesma forma como o

    direito no plano abstrato no satisfaz ao seu titular, a justia formal igualmente no atende

    aos anseios do jurisdicionado. Este deseja justia material, ou seja, a concretizao do

    justo por meio da jurisdio estatal, a materializao do seu direito mediante a frmula

    processual.

    Tal realidade de frustrao, entretanto, pode ser superada. luz de uma

    utopia processual, concebida pelos grandes processualistas como projeto perfeitamente

    realizvel, desde que haja vontade poltica do legislador e esprito inovador na mentalidade

    dos operadores.

    A primeira exigncia est em curso. A reforma pelo qual passa a

    legislao processual brasileira desde o incio da dcada de 90, no final do sculo passado,

    ainda tmida em comparao com o desejo da maioria, mas mesmo assim tm avanado a

    passos largos. Instrumentos como as medidas de antecipao de tutela e os provimentos

    jurisdicionais de carter mandamental, antes aperfeioadas de que criadas pelo legislador

    reformista, representam significativos marcos nesse caminho de evoluo. Ainda carecem,

    contudo, de uma compreenso mais adequada por parte dos operadores do direito no pas.

    O presente trabalho almeja examinar, com maior profundidade, tal

    contexto de mitos, realidades e utopias. Examinando os diferentes vertentes do modelo

    brasileiro de proteo relao de emprego e, em seguida, as variadas facetas do sistema

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    de processo jurisdicional adotado no pas, ser focalizado o direito material do empregado

    reintegrao no emprego, como conseqncia da violao patronal a norma de restrio ao

    direito de despedir, bem como as vias processuais aptas a proporcionar a concretizao da

    respectiva tutela jurisdicional.

    O estudo ser dividido em trs partes, sendo cada parte dividida em trs

    captulos e cada captulo em trs sees.

    A primeira parte ser dedicada ao estudo pormenorizado do mito do

    modelo brasileiro de proteo relao de emprego. O primeiro captulo abordar o

    surgimento, o desenvolvimento e o encerramento da relao de emprego segundo a

    legislao ptria, destacando as distines entre a relao empregatcia e o contrato de

    emprego, os contornos do princpio da continuidade em tal seara e a morfologia da

    terminao do respectivo liame laboral. O captulo seguinte, por sua vez, ter como

    objetivo analisar o sistema de controle abstrato exercido pelo legislador sobre o direito de

    despedir do empregador, ressaltando a legitimidade tanto do direito como do seu controle,

    as medidas que inibem a sua prtica e os instrumentos que restringem o seu exerccio,

    como as espcies de estabilidade jurdica no emprego e as chamadas medidas proibitivas de

    dispensa abusiva. No terceiro captulo, por seu turno, ser realizado um estudo da proteo

    proporcionada pelo modelo brasileiro de processo jurisdicional, salientando as diretrizes do

    sistema, a sua instrumentalidade, os seus escopos e a busca pela efetividade do direito de

    acesso a justia.

    A segunda parte do trabalho ser dirigida ao exame da atual realidade,

    bem como da almejada utopia, no mbito da concretizao da proteo relao de

    emprego. Nesse sentido, o quarto captulo ser dedicado ao contexto do despojamento do

    emprego, quando o empregado irregularmente privado de seu posto laboral, apontando os

    conflitos surgidos em tal esfera, bem como a possibilidade de ser o empregado despojado

    tanto sem a sua dispensa, como mediante o exerccio ilegal do direito de despedir. No

    quinto captulo, por outro lado, ser focalizada a invalidao de atos trabalhistas,

    comeando pela anlise dos meios disponveis para proceder aplicao de tal sano, os

    atos atingidos por tal vcio no mbito da relao de emprego e a invalidao do prprio ato

    de despojamento. No sexto captulo, ser analisada a reintegrao no emprego enquanto

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    direito material decorrente da invalidao do despojamento do emprego, inicialmente com

    um estudo comparativo entre os institutos da reintegrao e da readmisso e, em seguida,

    uma abordagem dos conseqentes efeitos materiais provocados sobre a relao de emprego.

    A terceira e ltima parte do trabalho ter como objeto o confronto entre a

    realidade e a utopia na concretizao da tutela jurisdicional reintegratria, destacando os

    contornos processuais da reintegrao no emprego. O stimo captulo se concentrar na

    abordagem introdutria do tema, comeando com uma anlise da crise do atual modelo

    processual e os empecilhos efetividade do sistema processual trabalhista, passando por

    um estudo da tutela jurisdicional trabalhista e encerrando com a definio dos meios

    processuais aptos e as vias inbeis a proporcionar a concretizao da reintegrao no

    emprego. O oitavo captulo, por seu turno, ser dedicado ao exame da reintegrao no

    emprego mediante a antecipao de tutela jurisdicional, comeando com uma introduo

    aos aspectos gerais de tal instituto e prosseguindo com a anlise das medidas antecipatrias

    de tutela reintegratria e a frmula de efetivao incidental desta. O nono e ltimo captulo,

    por sua vez, ter como finalidade abordar, minuciosamente, a dinmica da concretizao da

    tutela reintegratria emanada de sentena judicial, excepcionalmente pela via executiva em

    sentido estrito, e, preferencialmente, pela via da efetivao imediata.

    Destacando a pluralidade de efeitos primrios da sentena reintegratria,

    decorrentes de uma mltipla eficcia natural, bem como a mandamentalidade de alguns dos

    seus captulos sentenciais, a parte final do presente trabalho apontar o caminho mais

    adequado para proporcionar a to almejada efetividade do direito de acesso justia, luz

    do atual modelo processual, enquanto se aguarda as mudanas capazes de concretizar a

    utopia processual idealizada pelos operadores do direito.

    Aps o encerramento da terceira parte, ser apresentada uma sntese das

    principais concluses extradas dos estudos realizados, sempre com o intuito de colaborar

    para a correta e adequada interpretao dos institutos encontrados no hodierno sistema de

    processual jurisdicional.

    Sonhar com o aperfeioamento realizvel. Buscar tal realizao. Mas

    no permanecer esttico, enquanto se aguarda a evoluo. H muito a perder se a inrcia

    predominar enquanto se espera o avano. Os operadores do direito no podem ficar

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 8

    paralisados, confiando na boa vontade do legislador. Devem se antecipar a este,

    encontrados novos caminhos dentro do modelo processual j posto, superando empecilhos

    sem violar as regras do devido processo legal, explorando a criatividade inata aos homens

    de bem.

    Adotando uma nova mentalidade, aberta a interpretaes inovadoras em

    relao ao pensamento tradicionalmente conservador que prefere a forma finalidade,

    plenamente consciente da responsabilidade que assume e da relevncia do seu desiderato, o

    operador do direito poder cumprir a sua tarefa de servir de nexo entre o empregado

    cidado e a concretizao do seu direito reintegrao, como um elo na corrente que se

    destina a assegurar o pleno acesso justia.

    Efetividade dos modelos de proteo e de processo jurisdicional, como

    nico caminho capaz de assegurar o acesso justia, misso maior de todos os operadores.

    Ser esta a linha a servir de guia para o estudo a ser desenvolvido.

    misso.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 9

    _________________________________________

    PARTE I

    CONTORNOS DO MITO DO MODELO

    BRASILEIRO DE PROTEO

    RELAO DE EMPREGO

    __________________________________________

    Para Sergio.

    CAPTULO I

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 10

    Dinmica da Formao, Continuidade e Terminao da Relao

    de Emprego no mbito do Modelo Trabalhista Brasileiro

    SEO I

    Relao de Emprego e Contrato de Emprego

    Homem. Sociedade. Direito.

    Elementos distintos, mas inseparveis.

    O direito se revela um elemento absolutamente indispensvel para a

    vida em sociedade, em virtude da necessidade de se estabelecer regras disciplinadoras da

    conduta humana, naturalmente propensa a fomentar conflitos. Sendo o homem um ser

    essencialmente social, imprescindvel sobrevivncia de qualquer comunidade a

    existncia de um ordenamento jurdico composto de normas e princpios destinados a

    estabelecer os comportamentos adequados e os inadequados, e, assim, proporcionar na

    medida do possvel uma convivncia harmoniosa e pacfica.

    Na medida do possvel, merece ser ressaltado, pois dentro de qualquer

    comunidade humana, o modelo dogmtico, enquanto sistema normativo constitudo de

    preceitos estipulados por aquele encarregado da tarefa de formalizar um complexo de

    regras de dogmtica jurdica (o legislador), jamais ser auto-suficiente a ponto de poder

    desprezar o auxlio daquele encarregado de cumprir e policiar o cumprimento espontneo

    de tais normas (o executivo) e, muito menos, a atuao daquele outro que, quando

    devidamente provocado, assumir a funo de impor o cumprimento das mesmas normas (o

    judicirio), mediante da frmula de agir prevista neste mesmo ordenamento como o

    adequado para proporcionar tal efetividade da respectiva regra. O ordenamento jurdico,

    destarte, deve proporcionar no apenas as normas assecuratrias dos direitos de cada

    integrante da sociedade, mas igualmente os meios capazes de concretizar tais direitos, caso

    sejam violados ou ameaados de sofrer leso.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 11

    Almejando facilitar o estudo e a compreenso do complexo de

    elementos que compem o ordenamento jurdico, a cincia jurdica agrupa as normas e

    princpios em categorias internas, isto , ramos do Direito, cujo contedo racionalmente

    sistematizado segundo critrios ligados matria abordada. Nesse sentido, por exemplo, o

    ramo do Direito Processual, constitudo pelas normas e princpios disciplinadores do

    modelo de processo jurisdicional adotado por determinada comunidade humana em

    determinada poca.

    Dentro de tal contexto, neste Brasil de incio do sculo XXI, o Direito

    do Trabalho corresponde ao ramo da cincia Jurdica destinado a disciplinar as relaes de

    trabalho no eventual, assalariado e subordinado. Regula um vnculo jurdico entre

    desiguais, empregado e empregador, proporcionando institutos atravs dos quais se almeja

    tutelar de forma justa o liame laboral existente entre ambos, por ser de interesse de toda a

    sociedade a proteo do trabalhador economicamente inidneo.

    O objeto do Direito do Trabalho no pas, portanto, a relao de

    trabalho existente entre o prestador e o tomador de servios no eventuais, assalariados e

    prestados pessoalmente pelo primeiro sob subordinao a este ltimo. Em que pese o amplo

    alcance da sua denominao, os seus institutos no disciplinam todas as formas do trabalho

    humano1, mas apenas uma em especial: a chamada relao de emprego2. Corresponde,

    portanto, ao complexo de normas disciplinadoras e princpios orientadores que regem o

    vnculo existente entre empregado e empregador.

    1 Atualmente, dentro da atual estrutura jurdica dogmtica do pas, existem no Brasil basicamente cinco modalidades de relao de trabalho humano. Tal gnero engloba as seguintes espcies: a) relao de trabalho autnomo, incluindo a locao de servios e a empreitada; b) a relao de trabalho eventual; c) a relao de trabalho avulso, que no mbito porturio disciplinada pela Lei 8.639 de 25 de fevereiro de 1993, cujo prestador desfruta de todos os direitos assegurados ao empregado, por fora do inciso XXXIV do artigo 7o. constitucional; d) a relao de trabalho institucional, regido pelo Direito Administrativo, envolvendo entidades de direito pblico e os seus servidores regidos por estatuto especial; e e) a relao de emprego, ncleo do Direito do Trabalho. 2 A literatura ptria rica em afirmaes em tal sentido. Segundo Tarso Fernando Genro (Direito individual do trabalho. So Paulo: LTr, 1985, p. 37), o objeto do Direito do Trabalho, enquanto disciplina, no toda prestao de trabalho, mas aquela prestao feita de determinada forma e em determinadas condies concretas, nas quais se ressalta a realizao do trabalho de forma subordinada e mediante dependncia jurdica.. Vide ainda Amauri Mascaro Nascimento (Iniciao ao direito do trabalho. 29 edio. So Paulo: LTr, 2003, p. 60-61).

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 12

    No mbito da legislao brasileira, o principal diploma disciplinador das

    relaes abrangidas pelo Direito Trabalho, a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT),

    Decreto-Lei n 5.452 de 1 de maio de 1943, apresenta conceitos dos dois sujeitos nos seus

    artigos 2 e 3 , a seguir expostos.

    Artigo 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econmica, admite, assalaria e dirige a prestao pessoal de servio.3

    Artigo 3. Considera-se empregado toda pessoa fsica que prestar servios de natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio.

    De acordo com as normas legais em vigor no Brasil desde 1943,

    portanto, a relao de emprego pode ser definida como o vnculo atravs do qual uma

    pessoa fsica (empregado) presta pessoalmente servios de natureza no eventual a outrem

    (empregador), mediante contraprestao e sob dependncia jurdica. Existem, portanto,

    cinco requisitos previstos em lei para a configurao da relao de emprego: 1) ser o

    empregado uma pessoa fsica; 2) prestao pessoal de servios; 3) prestao de servios de

    natureza no eventual; 4) percepo de contraprestao; e 5) subordinao jurdica do

    empregado ao empregador. A tal elenco, pode ser acrescido mais um, chamado de nimo

    de emprego, segundo o qual deve necessariamente existir a vontade do empregado em

    atuar como tal.

    Presentes de forma concomitante tais elementos, configurada estar a

    relao de emprego. O vnculo empregatcio, assim, corresponde a uma relao ftica.

    Trata-se de uma situao visualizada no plano emprico, configurada pela simples presena

    dos seus elementos estruturais. O contrato de emprego, chamado pelo legislador de contrato

    individual de trabalho, o negcio jurdico correspondente a tal nexo.

    Em tal sentido, o caput do artigo 442 da CLT, a seguir exposto:

    3 O citado artigo apresenta ainda dois pargrafos com a seguinte redao: 1 - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relao de emprego, os profissionais liberais, as instituies de beneficncia, as associaes recreativas ou outras instituies sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. 2 - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurdica prpria, estiverem sob a direo, controle ou administrao de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econmica, sero, para os efeitos da relao de emprego, solidariamente responsveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 13

    Artigo 442. Contrato individual de trabalho o acordo tcito ou expresso, correspondente relao de emprego.

    Remanesce ainda alguma controvrsia na doutrina acerca a questo da

    natureza da relao de emprego, se contratual ou no, luz de tal preceito da legislao

    trabalhista consolidada4. No entender da melhor doutrina5, entretanto, evidente que o

    4 Existem na doutrina trabalhistas quatro correntes de pensamento acerca da questo, cada uma subdividida em teorias especficas. Para alguns doutrinadores, a relao de emprego corresponde a um liame de ndole tipicamente contratual. Para outros, inexistente resduo de contratualidade na mesma. E, para uma parte considervel dos juslaboralistas, corresponde a uma relao de ndole paracontratual, ou, ainda, a um liame de natureza ecltica. Os adeptos da tese contratualista afirmam a essencialidade da natureza contratual da relao de emprego. Esta inexistiria sem a conjugao de vontades dos seus sujeitos. Para os defensores de tal corrente, o elemento volitivo ocupa posio de destaque, pois sem a vontade das partes no se forma o liame empregatcio. A corrente contratualista apresenta duas tendncias tericas. Primeiro, o contratualismo radical, cujos adeptos procuram explicar a natureza da relao de emprego luz das regras aplicveis aos contratos em geral. E, por outro lado, a concepo do contrato de adeso, segundo o qual o empregado, como hipossuficiente sujeito vontade do todo poderoso empregador, apenas adere a um contrato cujo contedo j foi previamente estipulado pela entidade patronal, havendo por parte do prestador de servios um simples assentimento ao invs de verdadeiro consentimento. A corrente anticontratualista, por sua vez, assume posio diametralmente oposta contratualista. Defende a reduo da vontade do empregado a um elemento mnimo, irrelevante quanto formao da relao de emprego. Esta, portanto, no revelaria uma ndole de relao contratual, sendo praticamente despedida de contedo volitivo. Tal corrente contrria natureza contratual da relao de emprego igualmente se subdivide em duas grandes vertentes. Primeiro, a linha do anticontratualismo fatual e antipatrimonial, sendo fundamental, para os adeptos de tal tese, o fato-trabalho e o dever de fidelidade do trabalhador, em virtude de ser a relao em causa um vnculo de ordem pessoal, sem ser obrigacional e patrimonial. Segundo, a linha do institucionalismo puro (imoderado), pela qual se prega uma concepo institucionalista da relao de emprego, com a empresa sendo uma instituio-pessoa, uma comunidade cujos interesses se sobrepem aos do empregador e do empregado. Este, portanto, ao ingressar na mesma, submeteria os seus interesses tal instituio, formando uma relao institucional de emprego. Ambas as teorias anticontratualistas, atualmente, se revelam superadas pela doutrina cientfica, cujos principais expoentes, em maior ou menor grau, no admitem a excluso por completo do elemento volitivo. A corrente paracontratualista ou acontratualista, por seu turno, no prega a natureza contratual da relao de emprego, mas tambm no defende uma postura anticontratual. Tal corrente tambm se bifurca em duas teorias, uma baseada na teoria do ato jurdico bilateral e outra na teoria do ato-condio. Os adeptos da primeira linha admitem a subjetividade do vnculo enquanto ato jurdico bilateral, mas reconhecem que a simples vontade de integrao na empresa suficiente para a sua formao. Realizada a integrao do empregado na atividade empresarial do empregador, pela vontade de ambos os sujeitos, aperfeioa-se a relao de emprego, independentemente de um contrato. Para os defensores da segunda teoria paracontratualista, por outro lado, a relao de emprego seria um ato-condio, distinto do contrato (este um ato plurilateral e subjetivo), mas com resqucios de subjetividade. No vnculo empregatcio, assim, o elemento volitivo constituiria condio para a incidncia de um estatuto legal preexistente. Sem a vontade do empregador em admitir o empregado, e sem a vontade deste em prestar o servio, a relao de emprego no se aperfeioa. A doutrina aponta ainda a existncia de uma quarta corrente, denominada de ecltica ou sincrtica, igualmente se divide em duas posies tericas: o contratualismo realista e o institucionalismo moderado. A chamada teoria do contrato-realidade, de origem mexicana, prega que os efeitos trabalhistas do vnculo empregatcio somente passam a se manifestar a partir do momento no qual o empregado inicia a prestao de servios. Sem a efetiva realizao do trabalho, seria inadmissvel a incidncia das normas trabalhistas. Para os adeptos de tal teoria, assim, o contrato se distingue da relao. Esta seria o vnculo no plano ftico, a simples prestao de servios da qual surge um complexo de direitos e obrigaes. Aquele, por sua vez, seria uma espcie de negcio jurdico, como acordo de vontades entre o empregado e o empregador acerca das condies da atividade laboral. De acordo com a teoria institucionalista impura ou moderada, cuja origem

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 14

    legislador brasileiro seguiu a corrente ecltica, filiando-se teoria do chamado

    institucionalismo impuro ou moderado6, segundo a qual o contrato de emprego, apesar de

    manter ainda uma certa contratualidade (pois seu surgimento depende da vontade das

    partes), prevalece um contedo estatutrio ou institucional, definido primordialmente por

    fontes produtoras alheias atividade negocial individual dos sujeitos das relao, como

    ser abordado na prxima seo.

    O legislador brasileiro, portanto, equiparou o liame emprico,

    materializado pela simples prestao de servio nos moldes previstos em lei, ao liame

    negocial, elemento tcnico-formal gerador de direitos e obrigaes. Na esfera ftica, a

    relao. No plano jurdico, o contrato. Elementos correspondentes, e, portanto,

    reciprocamente dependentes.

    atribuda insatisfao dos juristas com as rgidas idias do institucionalismo imoderado, a relao de emprego revela uma postura cada vez mais estatutria, apesar de manter ainda uma certa contratualidade. Apenas a natureza institucional da relao prevalece sob a sua ndole contratual. Embora sem negar o cunho contratual do ato de ingresso do empregado na empresa, os seguidores de tal teoria apontam a crescente feio institucional do vnculo, sendo o ato admissional simplesmente a via de acesso instituio empresarial. No vnculo empregatcio, o direito institucional precede o contratual, sendo marcadamente predominante quanto regulao dos direitos e obrigaes derivados do liame. Apesar de ser contratual na sua forma extrnseca, a relao de emprego seria institucional intrinsecamente, em virtude da sua substncia fundamental. Vide Jos Martins Catharino (Compndio de direito do trabalho. 3 edio. So Paulo: Saraiva, 1982) e Sergio Torres Teixeira (Proteo relao de emprego. So Paulo: LTr, 1998). 5 Nesse sentido, Jos Martins Catharino (Compndio de direito do trabalho. 3 edio. So Paulo: Saraiva, 1982, p. 192). 6 De fato, o exame do Relatrio da Comisso Referente ao Anteprojeto da Consolidao e da Exposio de Motivos da Comisso Elaboradora do Projeto da Consolidao deixa em clarividncia a adoo da teoria institucional impura. No Relatrio, restou registrado que A ordem que presidiu a distribuio da matria na Consolidao encontra seu fundamento no s no princpio didtico e lgico da exposio em grau de complexidade crescente, como tambm no esprito supercontratual ou institucionalista que caracteriza o Direito Social (...) que as denominadas normas institucionaisconstituem os valores da legislao de proteo ao trabalho, enquanto a estrutura do contrato do trabalho - individual, ou coletivo - comporta elementos variveis de ajuste, em complementos dos imperativos constantes (...) A procedncia das normas sobre os contratos acentuou, portanto, a ordem estatutria ou a concepo contratualista, e isso porque a liberdade contratual pressupe igualdade dos contratantes, enquanto o Direito Social reconhece, como um fato real, a situao desfavorvel do trabalhador e promove a sua proteo legal. Na Exposio de Motivos, por seu turno, ficou consignado o seguinte: Nesse intuito, a precedncia das normas de tutela sobre os contratosacentuou, como afirmamos no primeiro relatrio, que a ordem institucional ou estatutria prevalece sobre a concepo contratualista (...) No admira, portanto, que a sistemtica da Consolidao atenda a esse modo de ser do direito social, assinalando que a instituio prima sobre o contrato. Em sentido contrrio, Mozart Victor Russomano (Comentrios consolidao das leis do trabalho. Vol. I. 13 edio. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 390), que, ao analisar o artigo 442 da CLT, sustenta o seguinte: A teoria contratualista, consagrada universalmente, aceita, de modo integral,na legislao ptria, como se v do artigo ora comentado.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 15

    luz das diretrizes legais, destarte, basta a presena simultnea dos

    requisitos caracterizadores da relao de emprego para surgir no plano jurdico o contrato

    de emprego. No se exige como regra geral, assim, a formalizao expressa do pacto

    laboral, como ocorre em contratos solenes. Admite-se o surgimento do liame contratual de

    forma tcita, caracterizando-se o consentimento patronal pela simples tolerncia do

    empregador7, no se opondo ao trabalho realizado pelo empregado. Promovendo-se a

    prestao de servios entre sujeitos nos moldes dos artigos 2 e 3 da CLT, portanto,

    imediatamente surgir uma relao contratual entre as respectivas partes, denominada pelo

    legislador de contrato individual de trabalho.

    A configurao do contrato de emprego, por conseguinte, passa

    necessariamente pela exigncia da presena concomitante dos elementos caracterizadores

    da relao de emprego8. Nesse sentido, tradicionalmente o primeiro conceituado como o

    negcio jurdico mediante o qual uma pessoa fsica (empregado) se obriga a prestar,

    pessoalmente e de modo no eventual, servios em proveito de outra pessoa (empregador),

    a quem fica juridicamente subordinado, em troca de correspondente contraprestao9.

    Como negcio jurdico, apresenta os mesmos elementos estruturais

    exigidos para a validade dos negcios jurdicos em geral, atualmente relacionados no artigo

    7 Por tolerncia do empregador, deve ser entendida tanto a falta de oposio aos servios cuja realizao do conhecimento do empregador, como tambm a situao na qual ocorre a efetiva prestao de trabalho em benefcio da empresa, sem o conhecimento direto do empresrio/proprietrio, mas com a anuncia de algum representante/preposto seu. A ausncia de formalidades no surgimento do contrato individual de trabalho, merece ser salientado, corresponde a uma das garantias legais asseguradas ao empregado de fato, clandestino, sem qualquer registro formal, e, portanto, cujo contrato no reconhecido pelo empregador. Suficiente ser a demonstrao da presena concomitante dos elementos estruturais da relao de emprego para se reconhecer, para todos os efeitos legais, a existncia de um contrato individual de trabalho entre as partes. Mesmo inexistindo uma manifestao externa expressa da vontade das partes (como ocorre no contrato escrito ou no pacto celebrado verbalmente), a simples ausncia de oposio patronal quanto aos servios prestados, tolerando o trabalho realizado em benefcio da empresa, preenche o requisito da lei, suprindo a falta de um registro explcito do elemento volitivo. 8 Conclui Jos Martins Catharino (Compndio de direito do trabalho. 3 edio. So Paulo: Saraiva, 1982, p. 197) que a relao de emprego um complexo voluntrio-normativo, fruta produzida pelo dirigismo contratual e amadurecida na estao da liberdade protegida, a atual. Sua origem, o contrato. Sua funo, apressar a revoluo da igualdade jurdica, sendo como visceralmente contratual. Seu sujeito principal, o empregado, da ser preponderantemente pessoal, alm de patrimonia e obrigacional. 9 Nesse sentido, Dlio Maranho (Instituies de direito do trabalho. Vol. 1. 20 edio. So Paulo: LTr, 2002, p. 231.), que apresenta a seguinte definio: contrato de trabalho stricto sensu o negcio jurdico pelo qual uma pessoa fsica (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestao (salrio), a prestar trabalho no eventual em proveito de outra pessoa, fsica ou jurdica (empregador), a quem fica juridicamente subordinado.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 16

    104 do novo Cdigo Civil Brasileiro10 (Lei n 10.406, de 11 de janeiro de 2003)11, em

    contraposio presena de algumas caractersticas peculiares12 ao liame laboral em tela.

    A formao do seu contedo, por sua vez, encontra disciplina no artigo

    444 da CLT, cujo texto ora se expe:

    Artigo 444. As relaes contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulao das partes interessadas em tudo que no contravenha s disposies de proteo ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicveis e s decises das autoridades competentes.

    O contedo das condies objetivas da relao de emprego, destarte,

    pode ser definido pelas prprias partes contratantes, observado o limite mnimo previsto no

    dispositivo em exame. H liberdade, mas dentro de um campo pr-fixado. Os sujeitos no

    desfrutam de plena autonomia na contratao das condies de trabalho, pois a atividade

    negocial individual entre as partes sofre rgida delimitao.

    10 Dispe o artigo 104 do novo Cdigo Civil: A validade do negcio jurdico requer: I - agente capaz; II - objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel; III - forma prescrita ou no defesa em lei. 11 So elementos essenciais do contrato de emprego a capacidade dos sujeitos contratantes, a livre manifestao de vontade e a licitude (bem como possibilidade e determinabilidade) do seu objeto. No se aplica ao citado contrato a exigncia de forma prescrita em lei, salvo em casos excepcionais (como, por exemplo, no caso de atleta profissional ou tcnico estrangeiro, quando se exige instrumento escrito), pois para a sua configurao basta a prestao de servios nos moldes dos artigos 2o. e 3o. da CLT, conforme retro mencionado. Uma relevante exceo regra da no exigncia de solenidade ocorre no mbito da Administrao Pblica, pois a Constituio Federal de 1988 (artigo 37, inciso II) expressamente exige a prvia aprovao em concurso pblico para admisso em emprego pblico. Quanto aos elementos secundrios ou acidentais, o contrato individual de trabalho pode subordinar os efeitos de suas clusulas a um termo (evento futuro e certo quanto ao seu acontecimento, mas possivelmente incerto quanto ao momento de ocorrncia) ou uma condio (evento futuro e incerto quanto sua ocorrncia). 12 So caracteres do contrato de emprego a bilateralidade, a consensualidade, a onerosidade, a comutatividade, a natureza sinalagmtica e a ndole de trato sucessivo. bilateral pois necessariamente celebrado entre dois sujeitos, empregado e empregador. Mesmo no chamado contrato de equipe ou contrato plrimo, quando um grupo de empregados contratado de uma s vez em virtude de peculiaridades acerca do servio a ser realizado (como na hiptese da contratao de uma orquestra), na realidade existe um feixe de contratos individuais e no um pacto plurilateral. consensual, pois, conforme anteriormente examinado, no se forma sem a vontade dos sujeitos. O consentimento do empregador, conforme retro mencionado, pode ser caracterizada pela simples tolerncia quanto aos servios prestados. oneroso pois haver necessariamente a existncia do direito contraprestao pelo empregado, em virtude dos servios prestados. No h contrato individual de trabalho sem o elemento salarial. sinalagmtico, pois envolve obrigaes recprocas, desde o momento da formao do pacto, criando-lhes direitos e obrigaes correspondentes. comutativo pois pressupe obrigaes equivalentes: a do empregado, prestar servios; a do empregador, remunerar os servios prestados. E de trato sucessivo pois envolve uma relao de execuo continuada, que no se esgota num ato s. Alguns doutrinadores apontam outras caractersticas (como a sua regulao pelo direito privado, o seu carter subordinativo e o seu contedo estatutrio), mas os caracteres acima elencados se apresentam como aqueles aceitos de forma uniforme pelos especialistas.

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 17

    Na prtica hodierna testemunhada no dia a dia das relaes de emprego

    no pas, a autonomia das vontades das partes se restringe gnese da relao, isto ,

    celebrao abstrata do pacto. O contrato nasce da conjuno volitiva inicial, mas se adequa

    realidade institucional previamente determinada pelo Estado-legislador. Normalmente

    falta uma discusso prvia mais aprofundada, bem como uma negociao determinante do

    contedo dos direitos e obrigaes das partes. Via de regra, o empregado e o empregador se

    limitam a pactuar entre si apenas quatro condies contratuais bsicas: a) a funo a ser

    exercida; b) o local de prestao de servios); c) a remunerao a ser percebida; e d) e o

    horrio dentro do qual o trabalho a ser prestado. No mais, normalmente se acomodam com

    as condies tipificadas na legislao trabalhista e, eventualmente, nos instrumentos

    oriundos da negociao coletiva das entidades sindicais.

    Prevalece, pois, uma normatividade heternoma ao invs de uma

    pactuao autnoma na esfera do contrato de emprego. Tal limitao legal da autonomia de

    vontade dos sujeitos do contrato de emprego, alm de demonstrar o acerto da tese acerca do

    institucionalismo moderado que serve de diretriz ao legislador ptrio, revela a forte

    interveno estatal nas relaes trabalhistas envolvendo o empregado e o empregador.

    O Estado, destarte, exerce por meio de sua atividade legislativa uma

    decisiva interferncia na vontade contratual das partes da relao de emprego,

    disciplinando de forma pormenorizada a maior parte do contedo do contrato individual de

    trabalho. O controle legislativo atinge, inclusive, a forma de se praticar determinados atos

    inerentes ao vnculo entre o empregado e o empregador, como o prprio ato de encerrar o

    liame laboral existente.

    Para melhor compreender os efeitos gerados por tal interferncia do

    Estado, torna-se oportuno, nesse momento, proceder a uma breve anlise da natureza das

    normas e princpios que formam o complexo de institutos de tal ramo da Jurisprudncia.

    E tal ser o tema abordado na prxima seo.

    SEO II

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 18

    Diretrizes Orientadores da Continuidade no mbito da Relao de Emprego

    Na seara do ordenamento jurdico trabalhista, a doutrina ptria13 destaca

    como a principal fonte de produo de normas trabalhistas o processo legiferante do

    Estado14. Enquanto regras disciplinadoras da relao entre empregado e empregador,

    compem o contedo do contrato individual de trabalho normas negociais,

    consuetudinrias e jurisprudenciais, mas quase sempre em nmero reduzido em virtude da

    absoluta predominncia de normas legais reguladoras das relaes trabalhistas. Conforme

    mencionado quando da anlise da natureza da relao de emprego, as desigualdades

    econmicas e sociais no contexto das relaes laborais impuseram ao Estado a

    regulamentao normativa minuciosa do contrato individual de trabalho, com a finalidade

    13 Vide Orlando Gomes Amauri Mascaro (Iniciao ao direito do trabalho. 29 edio. So Paulo: LTr, 2003, p. 79) e Dlio Maranho (Instituies de direito do trabalho. Vol. I. 20 edio. So Paulo: LTr, 2002, p. 155). 14 Para Miguel Reale (Lies preliminares de direito. 16 edio. So: Paulo: Saraiva, 1988, p. 140), fonte de direito designa os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurdicas se positivam com legtima fora obrigatria, isto , com vigncia e eficcia. Pressupe, portanto, a existncia de um poder capaz de especificar o contedo do devido, para exigir o seu cumprimento, no sendo indispensvel que ele mesmo aplique a sano penal. Toda fonte de direito, por conseguinte, implica uma estrutura de poder, pois a gnese de qualquer regra de direito (nomognese jurdica) s ocorre em virtude da interferncia de um centro de poder, o qual, diante de um complexo de fato e valores, opta por dada soluo normativa com caractersticas de objetividade. Vrios so os critrios utilizados pelos doutrinadores para as enquadrar em diferentes modalidades. A classificao tradicionalmente apontada nas obras jurdicas aquela que as divide em fontes materiais e fontes formais. Estas, tambm chamadas de fontes de conhecimento ou de cognio, seriam os meios pelos quais se estabelece a norma jurdica, ou seja, os canais pelos quais o intrprete conhece a norma de direito. Aquelas, por sua vez, igualmente conhecidas como fontes reais ou de produo, seriam as fontes potenciais do direito, compreendendo o conjunto de fenmenos sociais que contribuem para a formao da substncia do direito. Miguel Reale critica a clssica distino entre fonte formal e fonte material de direito, afirmando que tal diviso tem provocado grandes equvocos na seara da Jurisprudncia. Tradicionalmente, fonte material (real ou de produo) corresponde aos fatos que condicionam o surgimento, definem o contedo e provocam as transformaes das normas jurdicas. As fontes materiais apontam a origem do direito, configurando a sua gnese. Seriam os fatores sociais (histricos, polticos, econmicos, etc.) que iniciam o processo produtivo de uma regra de direito. Envolve, portanto, o estudo filosfico ou sociolgico do fundamento tico da norma jurdica, o que, para Miguel Reale, situa-se fora do campo da Cincia Jurdica. Fonte formal ou de conhecimento, por outro lado, no sentido clssico traduz a acepo de processo atravs do qual se cria uma norma jurdica. Fontes formais, pois, so os modos de manifestao do direito, formas de expresso do direito positivo, os meios mediante os quais o operador do direito conhece e descreve a norma jurdica. Nesse sentido, segundo Miguel Reale, refere-se verdadeira fonte de direito, como canal de manifestao das normas de direito e meio pelo qual a norma jurdica se positiva com legtima fora obrigatria, isto , com vigncia e eficcia. E, como tal, deve absorver toda ateno do estudioso da cincia jurdica. Para Reale, destarte, no campo da Jurisprudncia o termo fonte do direito deve ser utilizado para indicar apenas os processos de produo de normas jurdicas. De acordo com o entendimento do professor paulista, por conseguinte, so apenas quatro as verdadeiras fontes de direito: o

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 19

    especfica de evitar ou diminuir o seu desvirtuamento. Igualmente podem compor o

    contedo do contrato de emprego normas convencionais, consuetudinrias e

    jurisprudenciais, mas na prtica as normas legais formam praticamente toda a estrutura do

    pacto laboral.

    A atividade negocial, exercida tanto no plano individual pelos sujeitos

    da relao de emprego como no plano coletivo pelas entidades sindicais, assume na prtica

    uma postura supletiva, manifestando-se quase que exclusivamente dentro das lacunas da

    lei. A atividade judicante dos rgos jurisdicionais15 e as prticas e costumes

    profissionais16, por sua vez, revelam posies de ainda menor relevncia dentro do mbito

    da criao de normas jurdicas trabalhistas.

    Como conseqncia, a maior parte das normas disciplinadoras da

    relao empregatcia, e, portanto, do correspondente contedo do contrato de emprego,

    derivam diretamente da legislao estatal17. Em que pese a pluralidade de fontes de normas

    trabalhistas18, assim, apenas o processo legislativo do Estado assume verdadeira posio de

    destaque. A atividade legiferante, na prtica, assume o monoplio da definio das

    processo legislativo do Estado, a atividade jurisprudencial dos tribunais, a prtica consuetudinria e o poder negocial. 15 Mesmo que em menor grau, torna-se foroso reconhecer que a criao de normas jurdicas abstratas atividade judicante dos tribunais do trabalho, integrantes da Justia do Trabalho na estrutura brasileira do Poder Judicirio da Unio (artigos 111 a 117 da Constituio da Repblica de 1988), mediante duas formas distintas. Primeiro, pela chamada atividade sumular, uma manifestao comum aos demais ramos do Judicirio. Mediante a edio dos chamados Enunciados de Smula da Jurisprudncia do Tribunal Superior do Trabalho, o rgo de cpula do Judicirio Trabalhista sedimenta o entendimento dos seus ministros em smulas que passam a servir de diretrizes para os juzes de instncias inferiores (mesmo que sem efeito vinculante). Alguns Enunciados, como o de nmero 291 (que prev uma indenizao compensatria devida ao empregado na hiptese de supresso de horas extras prestadas habitualmente), exemplificam com perfeio tal atividade criadora. A segunda atividade mediante a qual os tribunais do trabalho no Brasil criam normas genricas atravs da chamada jurisdio normativa da Justia do Trabalho. Os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho, ao julgarem dissdios coletivos de natureza econmica (conflitos coletivos, envolvendo interesses abstratos acerca da fixao de condies de trabalho, entre uma coletividade de empregados, sem identificao individual, e um, alguns ou uma coletividade de empregadores), proferem sentenas normativas, isto , acrdos com contedo normativo, em cujo bojo se encontram normas que vo disciplinar as relaes individuais dos empregados e empregadores abrangidos pelo respectivo conflito. O rgo judicial, no exerccio da sua funo judicante, cria normas jurdicas abstratas. 16 Jos Martins Catharino (Compndio de direito do trabalho. 3 edio. So Paulo: Saraiva, 1982, p. 90), apesar de menor relevncia atribuda prtica consuetudinria, sustenta que um dos casos mais significativos de direito costumeiro no Brasil so os relativos aos chamados costumes profissionais. 17 A atividade legiferante do Estado, merece ser salientado, exercido primordialmente pelo Poder Legislativo, mas tambm h atividade normativa por parte do Executivo (edio de medida provisria, por exemplo), bem como pelo Judicirio (elaborao do regimento interno de um tribunal).

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 20

    condies de trabalho aos quais se submetem os sujeitos da relao de emprego,

    permanecendo em segundo plano a atividade negocial (coletiva e individual), a prtica

    consuetudinria e a atividade judicante dos tribunais.

    As normas da legislao trabalhista, por sua vez, revelam ntida ndole

    imperativa e natureza de ordem pblica.

    As normas de origem estatal se impem sobre os sujeitos do contrato de

    emprego, mesmo em face do princpio da autonomia da vontade. As regras estabelecidas

    nas leis de contedo laboral, portanto, so via de regra inderrogveis e cogentes, sujeitando

    a vontade dos sujeitos da relao de emprego ao seu comando de forma irresistvel. A

    regulamentao estatal das relaes laborais por meio de leis trabalhistas, por sua vez,

    ocorre por intermdio de duas categorias bsicas de normas: as de proteo mnima e as

    proibitivas.19 Estas, em menor nmero, revelam como finalidade vedar a prtica de

    determinados atos trabalhistas como forma de resguardar, em ltima anlise, o interesse

    pblico. Aquelas, compondo a grande massa de normas trabalhistas, almejam assegurar um

    mnimo de proteo ao empregado hipossuficiente, estabelecendo limites intransponveis

    pela vontade das partes.20

    A maior parte das normas legais de contedo laboral, por seu turno,

    exprimem um mnimo de garantias ao empregado hipossuficiente, estabelecendo limites

    dentro dos quais admite-se a estipulao de outras condies de trabalho. H espao para a

    criao de normas mediante as demais fontes de direito, mas apenas no sentido de melhor

    beneficiar o prestador dos servios. O legislador cria uma plataforma mnima, em cima da

    qual as outras fontes podem produzir normas que melhor atendem aos interesses dos

    empregados, e, em ltima anlise, ao interesse pblico em proteger o hipossuficiente. A

    18 Vide Maurcio Godinho Delgado (Curso de direito do trabalho. So Paulo: LTr, 2002, p. 139). 19 Existe ainda uma terceira categoria, constituda por normas destinadas a estabelecer os contornos dos institutos do juslaboralismo. So as chamadas normas estruturais, como, por exemplo, as que fixam a definio legal de empregador e de empregado (artigos 2 e 3 da CLT, respectivamente). 20 Exemplo de norma proibitiva a esculpida no artigo 7, inciso XXXIII, da Constituio da Repblica, que estabelece a proibio de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condio de aprendiz. Exemplos de normas de proteo mnima so as previstas nos incisos IV e XIII do mesmo artigo constitucional, a primeira estipulando como contraprestao mnima a ser paga ao empregado o salrio mnimo, fixado em lei, a segunda definindo o

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 21

    dinamicidade das fontes de normas trabalhistas se evidencia em tal sentido. Existindo a

    colidncia, em uma mesma situao laboral concreta, entre normas de positivao distinta,

    ou seja, regras oriundas de fontes diferentes, prevalece aquela que melhor beneficia o

    empregado, desde que no haja a violao a interesse pblico. A regra, assim, a

    superioridade da norma mais benfica, seja qual for a sua fonte de produo. Norma legal,

    norma consuetudinria, norma jurisprudencial, norma convencional coletiva ou individual.

    No importa a origem, desde que resguardado o interesse pblico21, prevalece aquela mais

    favorvel ao hipossuficiente.22

    A chamada hierarquia dinmica das fontes do Direito do Trabalho,

    portanto, resulta do prprio carter tutelar das suas normas.23

    A lei impe os limites mnimos, em cima dos quais podem ser criadas

    condies mais benficas mediante as atividades consuetudinria e jurisprudencial, e,

    especialmente, pelo poder negocial das entidades sindicais e dos prprios sujeitos da

    relao de emprego. A imperatividade da legislao trabalhista, constituda em sua maior

    parte por normas cogentes, inderrogveis e de ordem pblica, se revela rgida apenas no

    sentido de resguardar o interesse pblico em proteger o empregado, admitindo-se a sua

    superao em funo de normas mais favorveis.

    perodo mximo dentro do qual o empregador pode exigir que o empregado permanea a sua disposio, ao estabelecer a durao do trabalho normal no superior a oito horas dirias e quarenta e quatro semanais. 21 A prevalncia do interesse pblico sobre o interesse individual do empregador ou do empregador, e, ainda sobre o interesse coletivo, uma das peculiaridades da hierarquia dinmica das fontes de normas trabalhistas. Prevalece a norma mais benfica, desde que no ferido o interesse pblico. A aplicao de uma norma convencional mais favorvel ao empregado, por exemplo, nem sempre ser realizado em detrimento de uma norma legal menos favorvel, caso haja interesse pblico na superioridade na observncia da lei. a hiptese do artigo 623 da CLT: Ser nula de pleno direito disposio de Conveno ou Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibio ou norma disciplinadora da poltica econmico-financeira do Governo ou concernente poltica salarial vigente, no produzindo quaisquer efeitos perante autoridades e reparties pblicas, inclusive para fins de reviso de preos e tarifas de mercadorias e servios. O artigo 8 da Consolidao claro ao estabelecer que as autoridades administrativas e jurisdicionais decidiro sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevalea sobre o interesse pblico. A hierarquia dinmica das fontes de normas trabalhistas, portanto, encontra limites no que concerne prevalncia do interesse pblico. Normalmente, em virtude do carter protecionista, o interesse pblico coincide com o interesse particular do empregado. havendo um choque entre ambos, entretanto, prevalece a norma que resguarda o domnio do interesse pblico. 22 Para uma anlise minuciosa acerca da matria, vide Maurcio Godinho Delgado (Introduo ao direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995). 23 Vide Sergio Torres Teixeira (Hierarquia Dinmica das Fontes do Direito do Trabalho in Revista do TRT da 6 Regio. Vol. 11. n 27. Recife, 1999/2000, p. 182-214).

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 22

    A margem deixada pelo legislador, entretanto, no se revela to ampla

    quanto possa parecer primeira vista. Mesmo que mais favorvel ao empregado, no

    se admite clusula contratual contrria ao interesse pblico. Nesse sentido, o artigo 444

    consolidado, aps assegurar a livre estipulao das condies contratuais pelo sujeitos da

    relao de emprego, restringe tal liberdade ao limitar o poder negocial individual a tudo

    que no contravenha s disposies legais de proteo ao trabalho, aos contratos coletivos

    que lhe sejam aplicveis e s decises das autoridades competentes. E, em idntico

    sentido, o artigo 8 da CLT, a seguir transcrito:

    Artigo 8. As autoridades administrativas e a Justia do Trabalho, na falta de disposies legais ou contratuais, decidiro, conforme o caso, pela jurisprudncia, por analogia, por eqidade e outros princpios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevalea sobre o interesse pblico.

    A legislao laboral ptria, destarte, estabelece limites dentro dos quais

    as partes devem se portar, assegurando uma autonomia contratual subordinada s regras de

    proteo, considerando sempre a situao de desigualdade resultante da condio de

    hipossuficincia do empregado, mas luz do interesse pblico em proporcionar tal

    proteo. A ndole tutelar caracterstica do sistema dogmtico trabalhista, assim, permite a

    estipulao de condies contratuais pelas partes contratantes, mas apenas no mbito de

    tais fronteiras.

    E exatamente tal natureza tutelar das normas trabalhistas, destarte, que

    faz prevalecer a ndole institucionalista da relao de emprego. Corresponde a um contrato,

    firmado pelos seus dois sujeitos (empregado e empregador), mas de cunho

    predominantemente estatutrio, pois seu teor objetivo formado, primordialmente, por

    regras definidas pelo legislador. Em outras palavras, trata-se de um negcio jurdico cujo

    contedo , na sua maior parte, constitudo por condies oriundas de normas legais de

    ndole protecionista.

    A ndole tutelar e o cunho protecionista do Direito do Trabalho,

    portanto, representam caractersticas consagradas universalmente na doutrina e na

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 23

    legislao dos mais diversos pases, sendo refletidos nos principais diplomas legais

    disciplinadores das relaes laborais.24

    As normas legais, no entanto, no representam os nicos elementos que

    compem o teor de um ramo do Direito.

    Nesse sentido, o contedo do modelo trabalhista brasileiro composto

    em sua maior parte por normas oriundas da atividade legislativa do Estado, em virtude da

    natureza tutelar das diretrizes legais. A prevalncia decorrente do monoplio estatal,

    contudo, no significa exclusividade. Conforme salientado anteriormente, ao lado da

    legislao laboral, alm das normas oriundas das demais fontes de produo, igualmente

    integra o complexo de institutos do modelo jurdico trabalhista um elenco de princpios

    norteadores25, peculiares seara jurdica das relaes trabalhistas26.

    24Roberto Lyra Filho, entretanto, em artigo denominado Direito do Capital e Direito do Trabalho, publicado na coletnea Introduo crtica ao direito do trabalho (vol. 2, p. 62 a 75) discorda do entendimento dominante na doutrina nacional e estrangeira. No entender do mencionado autor, prevalece na sociedade brasileira um complexo de normas opressoras e retrgradas, chamado pelo mesmo de Direito do Capital, prejudicial aos trabalhadores hipossuficientes, sendo necessria a unio de todos para chegar a ... uma sociedade em que todo Direito seja Direito do Trabalho, de honestos trabalhadores, sem medo e sem peias. 25 Princpios, na lio de Miguel Reale (Lies preliminares de direito. 16 edio. So Paulo: Saraiva, 1988, p. 299), so verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas tambm por motivo de ordem prtica de carter operacional, isto , como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.Na linguagem comum, princpio um ponto de partida, a causa primria, o momento no qual algo tem a sua origem. No sentido tcnico, corresponde a um fundamento colocado na base de um ramo do saber humano, informando-o. Maurcio Godinho Delgado (Princpios do Direito do Trabalho, in Revista LTr, abril de 1995, p. 472), leciona que a palavra princpio traduz, de uma maneira geral, a noo de proposies ideais que se gestam na conscincia das pessoas e grupos sociais a partir de certa realidade e que, aps gestadas direcionam-se compreenso, reproduo ou recriao dessa realidade. ... Nas cincias, a palavra princpio apreendida com sentido similar, mas no exatamente idntico. Aqui, os princpios correspondem noo de proposies construdas a partir de uma certa realidade e que direcionam a compreenso da realidade examinada. Ou proposies que se colocam na base de uma Cincia, informando-a (Cretella Jr.). Os princpios atuariam no processo de exame sistemtico acerca de uma certa realidade - processo que tpico s Cincias - , iluminando e direcionando tal processo. ... Em concluso, para a Cincia do Direito os princpios se conceituam como proposies ideias que informam a compreenso do fenmeno jurdico. So diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurdico e que, aps inferidas, a ele se reportam, informando-o. Outro conceito de destaque o de Amrico Pl Rodriguez (Princpios de direito do trabalho. 2 edio. So Paulo: LTr, 1993, p. 18), segundo o qual os princpios seriam linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma srie de solues, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovao de novas normas, orientar a interpretao das existentes e resolver os casos no previstos. O conceito oferecido por Amrico Pl Rodriquez, assim, destaca as funes primordiais dos princpios, englobadas na trplice misso de exercer funes informadoras (inspirando o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurdico), normativas (atuando como fonte supletiva, meio de integrao do ordenamento jurdico nas hipteses de lacunas na lei) e interpretativas (auxiliando na compreenso dos institutos, operando como diretriz orientadora do intrprete do direito).

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 24

    Representam, por sua vez, diretrizes orientadoras ou enunciados lgicos,

    reconhecidos como alicerces de validade dos demais institutos componentes de

    determinado campo do saber humano. No mbito da cincia jurdica, os princpios

    orientadores assumem um papel destacado. Cada um dos ramos autnomos do Direito

    apresenta o seu prprio elenco de princpios, que, por sua vez, no devem ser confundidos

    com as normas jurdicas que igualmente integram o seu contedo.

    Os princpios constituem o fundamento do ordenamento jurdico,

    encontrando-se acima do direito positivo, servindo de inspirao aos preceitos legais.

    Atuam como os pressupostos lgicos, necessrios aos frutos da atividade legislativa,

    ocupando a posio de alicerce da lei. Como diretrizes orientadoras, alm de inspirarem os

    legisladores no processo de criao das normas jurdicas legais, igualmente informam o

    intrprete na compreenso do significado dos institutos e auxiliam o aplicador do direito na

    integrao do ordenamento jurdico em face das lacunas da lei. Um princpio, assim, um

    elemento mais geral, com maior grau de abstrao em relao norma positiva, pois serve

    tanto para inspirar, como para interpretar, e, ainda, para suprir a ausncia de um preceito

    legal. E, ressalta-se, executa tal mister perante um nmero indefinido de normas positivas.

    exatamente dentro do ordenamento positivo, entretanto, que so

    refletidos os princpios, retratados implicitamente no esprito das normas. Os princpios de

    um ramo do Direito, assim, surgem atravs de uma apreciao do conjunto normativo,

    mediante a considerao global dos preceitos positivos que formam o seu contedo. Apesar

    da influncia mtua nutrida em relao s normas jurdicas que compem o direito

    positivo, contudo, os preceitos positivos no se confundem com os princpios. Estes, alm

    de revelarem um grau de generalidade consideravelmente superior ao das normas, no so

    26Os princpios orientadores em anlise no se confundem com os princpios gerais do direito. Enquanto estes so aplicados a todos os ramos da Jurisprudncia, aqueles so postulados prprios de determinada ramificao da rvore jurdica. Junto com a afirmao acerca da autonomia cientfica do Direito do Trabalho, normalmente segue-se a afirmao sobre a existncia de princpios peculiares ao ramo, distinto daqueles encontrados nos demais que compem a constelao jurdica. Exatamente por possuir um domnio vasto, com doutrinas homogneas precedidas por conceitos gerais comuns e marcadas por um mtodo prprio, o ramo laboral da Jurisprudncia revela o seu prprio elenco de princpios. O seu contedo, portanto, composto de normas e de princpios peculiares, diferentes dos que caracterizam outros ramos. Como leciona Alfredo J Ruprecht (Os princpios do direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995, p. 07), Cada Direito, para ser autnomo deve ter seus princpios prprios que, no Trabalhista, so os que esto sendo analisados. Isso no quer dizer que os

  • _______________________________________________________ Nova Dinmica da Reintegrao Judicial no Emprego - 25

    encontrados escritos na prpria legislao27, mas surgem de forma implcita, deduzidos por

    fora da abstrao. Existe apenas, destarte, um condicionamento recproco entre os

    respectivos elementos, de forma a impedir uma independncia completa entre os mesmos.

    A importncia dos princpios orientadores, por outro lado, cresce

    quando analisados luz de um ramo do Direito ainda sem uma maturidade plena ou diante

    de institutos novos introduzidos num ramo cuja autonomia inquestionvel. Na primeira

    hiptese, a falta de uma maior consistncia na esfera dos seus preceitos positivos, portanto,

    torna o recurso aos princpios uma constante necessidade do estudioso do respectivo campo

    do conhecimento jurdico. No segundo caso, por outro lado, os intrpretes so levados a

    utilizar os postulados como diretrizes orientadoras para melhor compreender o novel

    instrumento, logicamente distinto daqueles j consagrados definitivamente dentro do

    mbito da respectiva ramificao do Direito.

    Em que pese a reconhecida autonomia cientfica do Direito do Trabalho,

    assim, fatores como a origem relativamente recente e a falta de uma legislao adequada s

    incessantes mutaes das relaes trabalhistas, levam a maior parte da doutrina a

    consider-lo ainda em vias de amadurecimento. De igual forma, registra-se a constante

    introduo ao sistema positivo ptrio de novos institutos, oriundos da criatividade do

    legislador nacional ou da adoo de instrumentos aliengenas, e, ainda, da ratificao de

    tratados internacionais. Em virtude de tais circunstncias, por conseguinte, o uso de

    princpios norteadores assume indiscutvel importncia prtica.

    Como ramo autnomo da cincia jurdica, por sua vez, o Direito do

    Trabalho apresenta o seu prprio elenco de princpios clssicos, considerados como

    universais pelos doutos.28

    princpios gerais do Direito devem ser descartados in totum; valero supletivamente e desde que no contrariem os princpios especficos da disciplina. 27Excepcionalmente, um princpio pode ser positivado pelo legislador, quando o postulado consagrado expressamente num preceito legal. Tal hiptese ocorre, por exemplo, no caput do artigo 37 da Constituio da Repblica de 1988, quando a obedincia aos princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia colocada de forma explcita no respectivo dispositivo constitucional. No caso da positivao de um princpio pelo legislador, assim, o postulado assume uma funo nitidamente normativa, confundindo-se com um preceito positivo. 28Tais princpios peculiares, por definio, incidem sobre um ramo especfico da Cincia Jurdica. No precisam ser exclusivos, mas de forma alguma podem ser aplicados a todos os ramos do Direito, pois ento

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    Apesar da diversidade encontrada nas relaes apresentadas pelos

    autores na literatura ptria e estrangeira, uma lista de princpios assume a posio de

    destaque em face da sua ampla aceitao por parte dos estudiosos da matria trabalhista.

    a relao elaborada pelo professor uruguaio Amrico Pl Rodriguez29. No seu elenco de

    princpios peculiares do Direito do Trabalho, o mencionado doutrinador apresenta os

    seguintes postulados clssicos: princpio de proteo, princpio da irrenunciabilidade dos

    perderiam o seu carter de