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NOVA ORDEM MUNDIAL Autora: Cristina Luciana do Carmo No rumo da Globalização A economia mundial de mercado conheceu um ciclo longo de forte crescimento nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939-45). A reconstrução das estruturas produtivas da Europa ocidental e do Japão, devastadas pelo conflito, foi um dos motores da vitalidade econômica do período. Outro, foi a disseminação da indústria para países da América Latina, como o Brasil, o México e a Argentina. O longo ciclo de crescimento desenvolveu-se em um ambiente internacional definido pela bipolaridade da Guerra Fria. A União Soviética e os países satélites da Europa oriental isolaram-se parcialmente da economia mundial, fechando-se atrás de sistemas econômicos baseados no monopólio estatal dos meios de produção e da planificação centralizada. Na Ásia, a China Popular adotou modelo econômico do mesmo tipo. A economia capitalista integrou-se mundialmente, mas encontrou nos países socialistas as fronteiras geográficas para a sua expansão. Os Estados Unidos, que ao final da grande guerra concentravam mais de 40% da riqueza mundial, exerceram uma hegemonia econômica quase absoluta durante o longo ciclo de crescimento. Os empréstimos de capital norte-americanos, canalizados através do Plano Marshall (1948-52), desencadearam a reconstrução européia. O mercado consumidor norte-americano absorveu grande parte das exportações que sustentaram o reerguimento japonês. As corporações transnacionais norte-americanas lideraram os investimentos industriais na América Latina. Hegemonia econômica e poder geopolítico caminharam juntos. O arsenal nuclear dos Estados Unidos serviu de arcabouço para a existência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O dólar funcionava como moeda mundial e, até o início da década de 1.970, manteve paridade fixa com o ouro. As décadas de prosperidade se apoiaram na reconstrução e ampliação do modelo industrial estabelecido. A utilização intensiva de energia e matérias-primas, assim como a absorção crescente de força de trabalho semiqualificada em linhas de produção, sustentou uma oferta ampliada de mercadorias destinadas a mercados consumidores em expansão. Inventada nos Estados Unidos, a “sociedade de consumo” se disseminou pela Europa ocidental e partes da Ásia e América Latina. Revoluçâo Técnico-Científica

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NOVA ORDEM MUNDIAL

Autora: Cristina Luciana do Carmo

No rumo da Globalização

A economia mundial de mercado conheceu um ciclo longo de forte crescimento nas

décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939-45). A reconstrução das estruturas

produtivas da Europa ocidental e do Japão, devastadas pelo conflito, foi um dos motores da

vitalidade econômica do período. Outro, foi a disseminação da indústria para países da América

Latina, como o Brasil, o México e a Argentina.

O longo ciclo de crescimento desenvolveu-se em um ambiente internacional definido pela

bipolaridade da Guerra Fria. A União Soviética e os países satélites da Europa oriental isolaram-se

parcialmente da economia mundial, fechando-se atrás de sistemas econômicos baseados no

monopólio estatal dos meios de produção e da planificação centralizada. Na Ásia, a China Popular

adotou modelo econômico do mesmo tipo. A economia capitalista integrou-se mundialmente, mas

encontrou nos países socialistas as fronteiras geográficas para a sua expansão.

Os Estados Unidos, que ao final da grande guerra concentravam mais de 40% da riqueza

mundial, exerceram uma hegemonia econômica quase absoluta durante o longo ciclo de

crescimento. Os empréstimos de capital norte-americanos, canalizados através do Plano Marshall

(1948-52), desencadearam a reconstrução européia. O mercado consumidor norte-americano

absorveu grande parte das exportações que sustentaram o reerguimento japonês. As corporações

transnacionais norte-americanas lideraram os investimentos industriais na América Latina.

Hegemonia econômica e poder geopolítico caminharam juntos. O arsenal nuclear dos

Estados Unidos serviu de arcabouço para a existência da Organização do Tratado do Atlântico

Norte (OTAN). O dólar funcionava como moeda mundial e, até o início da década de 1.970,

manteve paridade fixa com o ouro.

As décadas de prosperidade se apoiaram na reconstrução e ampliação do modelo industrial

estabelecido. A utilização intensiva de energia e matérias-primas, assim como a absorção

crescente de força de trabalho semiqualificada em linhas de produção, sustentou uma oferta

ampliada de mercadorias destinadas a mercados consumidores em expansão. Inventada nos

Estados Unidos, a “sociedade de consumo” se disseminou pela Europa ocidental e partes da Ásia e

América Latina.

Revoluçâo Técnico-Científica

Esse ciclo de prosperidade só seria interrompido na década de 1.970, com a elevação

brutal dos preços do barril de petróleo resultante dos dois “choques” protagonizados pela

Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1.973 e 1.979. A euforia do pós-

guerra cedeu lugar à recessão e ao desemprego nas economias desenvolvidas. Os “choques” do

petróleo, entretanto, sinalizavam mudanças mais profundas. Uma revolução técnico-científica

emergia nos países desenvolvidos.

Os fundamentos dessa nova era industrial repousam sobre a automatização e a

robotização, que reduzem as necessidades de mão-de-obra e ampliam a produtividade, e sobre a

utilização menos intensiva de matérias-primas e energia. A informática, as telecomunicações, a

biotecnologia, a robótica e a química fina desenvolvem mercadorias revolucionárias.

A revolução técnico-científica é um dos pilares da globalização da economia internacional.

No plano geoeconômico, o processo de globalização é fruto da intensificação dos fluxos de

mercadorias, capitais e informações entre os mercados nacionais. O crescimento do comércio

internacional, estimulado por políticas liberais de redução das barreiras alfandegárias, dissemina

por todo o planeta as tecnologias e os produtos da revolução técnico-científica. Os investimentos de

capital no exterior globalizam as cadeias produtivas sob o comando das corporações

transnacionais. A circulação de informações define padrões mundiais de consumo e difunde as

marcas das empresas globalizadas.

No plano geopolítico, a globalização acelera-se desde o início da década de 1.990, com a

implosão das economias planificadas da União Soviética e Europa oriental e com a abertura da

China Popular aos investimentos internacionais. Esses eventos, que assinalaram o encerramento

da Guerra Fria, possibilitaram a extensão da economia de mercado para novos espaços

geográficos. Esse é um outro pilar da globalização.

Os Blocos Econômicos Regionais

Globalização significa integração das economias nacionais e configuração de um

verdadeiro mercado mundial. Mas a tendência à globalização se desenvolve paralelamente à

configuração de blocos econômicos regionais. Assim, a regionalização é um dos aspectos da

globalização da economia mundial.

Essas duas tendências não são contraditórias ou excludentes: a regionalização é, em

grande medida, uma plataforma da globalização. A ampliação dos mercados, consolidada pelos

blocos regionais, opera no sentido de ampliar a competitividade das empresas que concorrem no

mercado mundial.

No conjunto do mundo industrializado, gigantes econômicos estabelecem um intrincado

jogo de competição que não respeita fronteiras nacionais. Com a assinatura do Ato Único Europeu,

em 1.986, a União Européia preparou a constituição do mercado único - com livre movimentação de

mercadorias, pessoas, capitais e serviços - proclamado em janeiro de 1.993. Em junho de 1.990, o

presidente norte-americano George Bush lançou a proposta de formação de um mercado único de

dimensões continentais, por meio da Iniciativa para as Américas. Em agosto de 1.992 foi assinado

o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), unindo Canadá, México e Estados Unidos

em um poderoso mercado comum.

Apesar da inexistência de um bloco econômico formal na bacia do Pacífico, o Japão orienta

volumosos investimentos em direção aos “Tigres Asiáticos” - Coréia do Sul, Formosa, Cingapura e

Hong Kong - e aos países de industrialização ainda mais recente - Indonésia, Tailândia, Malásia e

as zonas exportadoras do litoral da China. A ordem econômica que emerge da revolução técnico-

científica é uma ordem multipolar.

A Integração Européia

Nos primeiros tempos, o processo de unificação da Europa foi conduzido a partir de

considerações políticas, inserindo-se no cenário bipolar da Guerra Fria. A reconstrução e o

fortalecimento da Europa ocidental eram componentes cruciais da estratégia norte-americana de

contenção da União Soviética.

A Segunda Guerra Mundial arrasou as estruturas produtivas da Europa. Como resultado, o

imediato pós-guerra foi marcado por uma avassaladora crise econômica, cuja gravidade e

profundidade ameaçavam a estabilidade social do continente. O plano Marshall, anunciado em

junho de 1.947, foi a resposta norte-americana à crise européia. Com a transferência de bilhões de

dólares para a Europa, os Estados Unidos apostaram na reconstrução das estruturas produtivas e

no fortalecimento das economias de mercado do ocidente europeu como forma de afastar a sombra

da União Soviética.

Entretanto, existiam outras ameaças à estabilidade européia. A velha rivalidade franco-

alemã, alimentada por antigas questões de fronteira e pelos nacionalismos recíprocos, continuava

sendo um foco potencial de instabilidade, ameaçando a coesão do bloco ocidental. Ao mesmo

tempo, a fragmentação política da Europa contrastava com o vasto território dos Estados Unidos e

impunha limites muito estreitos para a expansão das empresas industriais e financeiras do

continente.

O Plano Schuman, anunciado em maio de 1.950, representou uma saída para esse duplo

impasse e sinalizou o caminho que conduziria à integração política e econômica da Europa

Ocidental. A idéia consistia em colocar as indústrias siderúrgicas alemãs e francesas sob o controle

de uma autoridade comum. Dessa forma, compartilhando-se as riquezas em carvão e minério de

ferro da Alemanha (Ruhr e Sarre) e da França (Alsácia e Lorena), seria possível romper o círculo

vicioso de tensão e conflito nacional. Em seguida, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo aderiram

ao Plano Schuman.

No ano seguinte seria assinado o tratado da Comunidade Européia do Carvão e do Aço

(CECA). Ainda que limitada à siderurgia, a CECA pode ser considerada a fonte original do processo

de integração européia, uma vez que se estruturava em tomo da noção de mercado comum - um

espaço sem discriminação ou barreiras alfandegárias - e demarcava uma nova base no

relacionamento entre os Estados europeus.

Do Tratado de Roma ao Tratado de Maastricht

O MCE foi instituído pelo Tratado de Roma, em 1.957, com o ambicioso objetivo de suprimir

todas as tarifas sobre a circulação de mercadorias, serviços e capitais e todas as restrições à

movimentação dos cidadãos no interior do espaço comunitário. Em tomo do mercado comum,

constituiu-se a Comunidade Européia (CE), estruturada por instituições políticas comunitárias. O

Conselho de Ministros, órgão máximo de decisões, reúne-se em Bruxelas, na Bélgica. A Comissão

Européia encarrega-se da gestão cotidiana dos assuntos comunitários. O Parlamento Europeu,

estabelecido em Estrasburgo (França) e eleito diretamente pelos cidadãos dos países membros,

controla os atos da Comissão e aprova os orçamentos da Comunidade.

Os membros da CECA foram os signatários originais do Tratado de Roma. No entanto,

alargamentos geográficos sucessivos dobraram em trinta anos o número de membros originais. O

mais importante desses alargamentos ocorreu em 1.973, com o ingresso da Grã-Bretanha,

acompanhada da Dinamarca e Irlanda do Sul. A adesão britânica foi retardada pelas resistências

de Londres a ceder parte da sua soberania a um bloco organizado em tomo da liderança franco-

alemã.

O encerramento da Guerra Fria possibilitou um novo alargamento comunitário, com o

ingresso de três Estados que mantiveram uma postura de neutralidade estratégica no pós-guerra:

Áustria, Suécia e Finlândia. Esse ciclo mais recente de adesões ampliou ainda mais o papel da

Alemanha, em detrimento da França, pois expandiu a Comunidade nas direções da Europa nórdica

e da Europa central.

A CE nasceu no cenário bipolar da Guerra Fria, e cumpriu um papel essencial para a

hegemonia norte-americana sobre a Europa ocidental. Entretanto, ela sobreviveu ao cenário

geopolitico que lhe deu origem. A desagregação da União Soviética, a derrocada do socialismo na

Europa e a reunificação alemã redefiniram o papel do bloco europeu. No pós-Guerra Fria, a Europa

comunitária emerge como um dos pólos da economia mundial.

Em 1.992, com a assinatura, na Holanda, do Tratado de Maastricht, foram definidos os

contornos da estratégia comunitária para o pós-Guerra Fria. Após sua entrada em vigor, a

Comunidade Européia passou a ser denominada União Européia (UE).

O aprofundamento da integração econômica, com a adoção de uma moeda única, é uma

das metas prioritárias da UE. A União Econômica e Monetária (UEM), decidida em Maastricht,

determinou que a nova moeda - o euro - passasse a circular em todos os países da UE, para

transações interbancárias, em 1.999. Três anos depois, ela começou a substituir, na vida cotidiana

dos europeus, as moedas nacionais. O euro é controlado por um Banco Central Europeu, com sede

em Frankfurt (Alemanha) e elevada autonomia frente aos governos nacionais.

O euro foi adotado, inicialmente, por doze Estados da União Européia. A Grã-Bretanha

optou por permanecer fora da primeira fase da UEM. Essa posição foi seguida por dinamarqueses

e suecos, que permanecem sem adotar a moeda até hoje.

A União Européia é uma construção histórica. Na fase atual, ao mesmo tempo que

consolida a integração monetária do seu núcleo principal, travou negociações com países da

Europa central e do Mediterrâneo para uma grande ampliação, que já incorporou vários países do

Leste europeu, como a Polônia, República Tcheca, Eslováquia, entre vários outros, que somam já

27 membros, porém, vem enfrentando grandes problemas, principalmente com questões culturais ,

como é o caso da Turquia que ainda não foi aceita no bloco, o que demonstra um novo e grande

entrave na formação de uma união européia total.

Bacia do Pacífico

A contínua incorporação de novas tecnologias no processo produtivo implica investimentos

de alto custo em produtos que rapidamente se tomam obsoletos, o que exige uma ampliação da

escala dos mercados. Novas e gigantescas corporações transnacionais passam a liderar uma

ampla integração do mercado mundial, diluindo os limites representados pelas barreiras nacionais.

Ao mesmo tempo, as inovações tecnológicas difundem-se com rapidez inusitada, invadindo

países e regiões, alterando as suas bases produtivas e modificando estruturas sociais. A fusão

entre as indústrias da microeletrônica e das telecomunicações propaga a revolução técnico-

científica, junto com as corporações e as mercadorias que formam o seu substrato.

Todas essas transformações têm forte impacto geográfico. A mundialização das estratégias

produtivas e dos mercados das corporações transnacionais expressa-se por meio de fluxos de

investimentos diretos ou financeiros sem precedentes. Também se manifesta pelo crescimento

acelerado do comércio internacional.

Mas nada disso abole a importância da proximidade geográfica. A integração produtiva dos

países da bacia do Pacífico revela o peso desse fator na configuração da economia globalizada.

Os Capitais Japoneses e os Tigres Asiáticos

Assim como a Europa, o Japão emergiu da Segunda Guerra Mundial virtualmente arrasado.

Mas, no caso japonês, a estratégia de reconstrução envolveu elementos singulares: a formação de

poupança interna e a conquista dos mercados externos. Ao contrário da Europa, a trajetória da

reconstrução japonesa não se baseou nos capitais norte-americanos.

A capitalização das corporações industriais apoiou-se no baixo custo da força de trabalho.

Além disso, as grandes empresas, herdeiras dos antigos Zaibatsu, contaram com um imenso

volume de poupança popular. A carência habitacional, associada à debilidade do sistema de

previdência social, impunha elevada poupança familiar, que era estimulada pelo governo e

canalizada para os investimentos empresariais através do sistema financeiro. O entrelaçamento dos

grupos bancários com as corporações industriais facilitava esse fluxo de capitais, que “irrigou” a

reconstrução da economia.

A conquista dos mercados externos apoiou-se numa política agressivamente exportadora,

fundada na subvalorização do iene: produtos japoneses deveriam ser baratos fora do Japão.

Vultosos investimentos em educação, fortalecendo a competitividade da economia japonesa,

contribuíram para a estratégia de estímulo às exportações. Na década de 1.960, o Japão

começava a registrar saldos positivos no comércio com os Estados Unidos, enchendo as lojas

norte-americanas de relógios, carros, aparelhos de som e televisores.

A dinâmica do crescimento japonês contaminou a macrorregião da bacia do Pacífico,

impulsionando um processo de industrialização mais amplo. A expressão bacia do Pacífico

associou-se à noção de um bloco econômico na década de 1.970, quando os chamados “TIgres

Asiáticos” - Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul - empreenderam a sua arrancada

industrial. Em parte, essa arrancada foi impulsionada por investimentos diretos japoneses,

deslocados do arquipélago pelo aumento dos custos de produção associados aos choques de

preços do petróleo e à elevação dos salários internos.

Uma década mais tarde despontavam outros “Tigres Asiáticos”: Tailândia, Malásia e

Indonésia. Mais uma vez, os capitais industriais japoneses desempenharam o papel de

alavancagem. Em meados da década de 1.980, o iene conhecia um movimento de valorização

diante do dólar, puxando para cima os custos de produção no interior do Japão e favorecendo os

investimentos no estrangeiro.

Os Tigres Asiáticos - ou Novos Países Industrializados (NPIs) - não são um produto apenas

da difusão dos investimentos japoneses. Desde meados da década de 1.980 e até 1.996 verificou-

se uma explosão de investimentos internacionais provenientes de grupos econômicos dos próprios

NPIs. São capitais de Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul procurando oportunidades na

Tailândia, na Indonésia, na Malásia e, acima de tudo, na China .

A modernização da economia industrial da China Popular - empurrada pela política de

abertura conduzida a partir da cúpula do Partido Comunista - é um componente fundamental do

chamado “milagre asiático”. As Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), áreas de processamento de

exportações situadas na fachada litorânea, integraram-se à paisagem industrial da bacia do

Pacífico. Os baixos custos da abundante força de trabalho, os vastos recursos naturais, as

oportunidades de investimento em infra-estruturas de transportes, comunicações e hotelaria, as

garantias fornecidas pelos donos do poder na China - tudo isso atrai as corporações empresariais

asiáticas para o novo oceano da economia de mercado que se abre.

A devastadora crise financeira e monetária que atingiu o leste e o sudeste da Ásia em

1.997-98 interrompeu bruscamente os fluxos de investimentos e lançou alguns dos “TIgres” no

abismo da depressão econômica. A Indonésia, a Tailândia e a Coréia do Sul, em função das suas

próprias fragilidades, foram os mais atingidos pela onda inicial da fuga de capitais.

Os Estados Unidos e o Nafta

O final da Guerra Fria e a consolidação da União Européia impuseram aos Estados Unidos

uma revisão de sua inserção na economia mundial. A ampliação do tamanho dos mercados e a

constituição de espaços econômicos supranacionais parecem definir as novas regras da

competição em escala global. A potência norte-americana se curvou a essas novas regras.

A Iniciativa para as Américas, lançada pelo presidente George Bush em 1.990, se inseria

nesse contexto. Sem fixar prazos ou cronogramas rígidos, estabelecia como meta a formação de

uma zona de livre comércio em todo o continente americano - “do Alasca até a Terra do Fogo”. A

Iniciativa para as Américas, com sua formulação flexível, revelava um pronunciado interesse norte-

americano pela América Latina, única macrorregião com a qual os Estados Unidos mantêm saldos

comerciais positivos.

o Nafta e a Proposta da Alca

Na primeira metade da década de 1.990, o projeto da zona de livre comércio das Américas

avançou por um caminho mais limitado. A assinatura do tratado do Nafta, em 1.992, foi o passo

inicial na direção da integração comercial continental. Envolvendo os Estados Unidos, o Canadá e o

México, o tratado organiza a abolição progressiva das tarifas alfandegárias entre os países

membros. Ao contrário da União Européia, porém, as suas ambições restringem-se ao plano

comercial: não se pretende a livre movimentação de pessoas ou a constituição de um verdadeiro

mercado comum. Também não são previstas instituições políticas comunitárias.

Tendo como vértice a economia norte-americana, o Nafta integra em um mesmo espaço

comercial parceiros muito desiguais, sob os pontos de vista econômico, político e demográfico.

O Canadá apresenta economia desenvolvida e diversificada, significativa base industrial e

importantes exportações agrícolas, baixo crescimento vegetativo e elevados níveis de vida.

Entretanto, a prosperidade canadense oculta um alto grau de dependência do país com relação aos

capitais e tecnologias norte-americanos. O país dispõe de uma população (e de um PIB) cerca de

dez vezes menor que a de seu vizinho do sul, o que explica a importância desigual de cada um dos

parceiros na economia do outro.

As exportações para os Estados Unidos representam cerca de 20% do PIB canadense,

enquanto as exportações para o Canadá perfazem apenas 3% do PIB norte-americano. Mesmo

temendo a concorrência dos manufaturados mexicanos e mantendo relações comerciais pouco

significativas com o México, o Canadá busca, por meio do Nafta, ampliar sua penetração no vasto

mercado consumidor dos Estados Unidos.

O México, ao contrário, apresenta profundos desníveis sociais, forte crescimento vegetativo

e graves indicadores de pobreza. O fluxo migratório de mexicanos para os Estados Unidos, através

da extensa fronteira entre os dois países, é fonte de tensão permanente. A inclusão do México no

Nafta funciona como dimensão da estratégia norte-americana de estabilizar a fronteira sul,

amenizando a imigração ilegal.

A criação do Nafta aprofundou as desigualdades regionais internas, estimulando a

industrialização da parte norte, que contrasta com o sul agrícola. Nas áreas industriais do norte, o

emprego em fábricas norte-americanas e a emigração para os Estados Unidos aparecem como

alternativas para a melhoria da renda da população pobre. No sul, a pobreza rural intensa associa-

se com a base demográfica indígena para gerar tensões políticas explosivas. Há anos, a atuação

dos guerrilheiros do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), no Estado meridional de

Chiapas, denuncia as condições de miséria e exclusão da população regional.

A criação do Nafta serviu como impulso para a proposta de uma Área de Livre Comércio

das Américas (Alca). A conferência de cúpula de chefes de Estado e governo das Américas

realizada em Miami, em 1.994, foi o lançamento oficial do projeto. O ano de 2005 foi fixado como

data para entrada em funcionamento do vasto bloco comercial, porém essa data já foi adiada várias

vezes.

Do ponto de vista dos Estados Unidos, o projeto da Alca envolvia um rápido processo de

redução de tarifas e o alargamento progressivo do Nafta. Mas esse roteiro colidia com a visão do

Brasil, favorável a um período mais longo de preparação, que permitisse a consolidação do

Mercado Comum do Sul (Mercosul).

A crise monetária mexicana de 1.994 e o crescimento do protecionismo nos Estados

Unidos acabaram revelando-se obstáculos poderosos ao desejo de Washington. As reuniões de

cúpula dos Estados do continente realizadas em Belo Horizonte, em 1.997, e Santiago (Chile), em

1.998, mantiveram o projeto da Alca, mas adaptaram o seu formato e cronograma ao ponto de vista

do Mercosul.

A Integração Econômica da América Latina

A perspectiva de integração econômica esteve presente em toda a história do

subcontinente latinoamericano. Contudo, apesar das associações de livre comércio que se

constituíram na região a partir da década de 1.960, o intercâmbio comercial entre os países

permaneceu bastante restrito até a década de 1.990.

O advento do Mercosul ajudou a modificar esse panorama, assim como está contribuindo

para que ocorram transformações geoeconômicas significativas no interior dos países membros.

Da Alalc à Aladi

O projeto de integração econômica latino-americana surgiu no ambiente da Guerra Fria. Ele

refletia uma reação, tímida e limitada, à hegemonia geopolítica dos Estados Unidos. O processo da

descolonização afro-asiática, que se desenrolou entre o final da década de 1.940 e o início da

década de 1.960, estimulou esse novo projeto, voltado para a redução da dependência face aos

pólos da economia mundial. Outra fonte de influência foi o movimento de integração européia, que

teve seu “momento solar” no Tratado de Roma, em 1.957.

A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) foi criada pelo Tratado de

Montevidéu de 1.960. O tratado previa o estabelecimento gradual de um mercado comum regional,

preparado pela constituição de uma zona de livre comércio. Inicialmente, contou com sete

integrantes: Argentina, Brasil, Chile, Peru, Paraguai, México e Uruguai. Mais tarde, recebeu a

adesão da Colômbia, Equador, Venezuela e Bolívia, envolvendo quase toda a América do Sul.

Os ambiciosos objetivos da Alalc, realçados pela vastidão dos espaços geográficos que

recobria, chocaram-se desde o início com as desigualdades econômicas internas. As divergências

entre os “Três Grandes” (Brasil, México e Argentina) e os demais integrantes sabotaram as metas

de integração.

Ao mesmo tempo, a ênfase generalizada dos países latino-americanos nos mercados

internos e nas políticas de substituição de importações limitou o potencial de crescimento do

comércio na área da associação. Logo, a meta de constituição da zona de livre comércio foi adiada

de 1.973 para 1.980. O novo prazo acabou por ser abandonado, junto com a própria Alalc.

O fracasso da Alalc foi reconhecido tacitamente pelo Tratado de Montevidéu de 1.980, que

a substituiu pela Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). A nova organização recebeu a

adesão de todos os integrantes de sua infeliz predecessora.

O novo tratado, ainda em vigor, estabelece metas menos pretensiosas e mais flexíveis.

Mesmo conservando como objetivo de largo prazo a criação de um mercado comum, estimula a

realização de acordos comerciais limitados e uniões aduaneiras entre países membros.

Durante a década de 1.980, a crise das dívidas externas impediu a intensificação do

comércio na área da Aladi. A severa restrição das importações provocada pela necessidade de

grandes saldos comerciais bloqueou qualquer perspectiva de reorganização geográfica do

comércio exterior dos países latino-americanos. A recessão generalizada e a conseqüente carência

de capitais representaram entraves para os investimentos intra-regionais.

As Origens do Mercosul

Ao longo dos anos 1.980, a economia mundial viveu transformações profundas, aceleradas

pela desagregação do bloco geopolítico soviético e pelo fim da Guerra Fria. Essas transformações,

orientadas por políticas econômicas liberais, voltaram-se para a desregulamentação dos mercados

e a redução generalizada da interferência dos poderes públicos na esfera da economia. Antes de

atingirem a América Latina, as novas doutrinas liberais prosperaram nos Estados Unidos e na

Europa ocidental.

A tendência à formação de blocos econômicos regionais expressa a diluição parcial das

fronteiras que separam os mercados nacionais. A redução e progressiva extinção das barreiras

alfandegárias no interior dos blocos econômicos propicia oportunidades de investimento e amplia

as vantagens competitivas das corporações empresariais.

As tendências do mercado mundial, agindo mais livremente sobre as economias nacionais,

reordenam os espaços geoeconômicos e redesenham a geografia dos países e regiões. O

Mercosul é um produto sub-regional dessas novas realidades.

Redemocratização e Cooperação Econômica

Do ponto de vista político, o Mercosul nasceu da aproximação diplomática entre Brasil e

Argentina e dos acordos prévios de integração bilateral firmados entre os dois países. A condição

para essa aproximação foi a redemocratização política: em meados da década de 1.980, ambos

transitaram de ditaduras militares para regimes civis baseados em eleições livres.

No período anterior, o clima de animosidade e desconfiança que turvava as relações entre

os vizinhos tinha atingido o seu ponto crítico durante a construção, por brasileiros e paraguaios, da

usina hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná.

A Declaração de Iguaçu, de 1.985, assinalou uma nova fase nas relações diplomáticas

entre Brasília e Buenos Aires. Por meio dela, os presidentes civis do Brasil e da Argentina

manifestavam a determinação de implementar um processo de integração bilateral. Era criada, para

esse fim, uma Comissão Mista presidida pelos ministros do Exterior dos dois países. Em julho do

ano seguinte, seria assinado o Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina,

juntamente com diversos protocolos setoriais de integração.

Em novembro de 1.988, desenhou-se a meta de um espaço econômico comum, no prazo

de dez anos, fixada pelo Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento. Com ele,

estabeleciam-se regras e prazos para a harmonização das políticas aduaneira, comercial, agrícola

e de transportes e comunicações.

Em julho de 1.990, os governos dos dois países decidiram acelerar o processo,

antecipando para 31 de dezembro de 1.994 o estabelecimento do mercado comum bilateral.

Posteriormente, entraria em vigor o Acordo de Complementação Econômica (ACE-14), prevendo a

redução gradual das tarifas alfandegárias, até a sua completa eliminação. A adesão do Uruguai e

do Paraguai ao projeto comunitário ocorreu em março de 1.991, quando o Tratado de Assunção

definiu os contornos do Mercosul.

O Comércio na Área do Mercosul

Os acordos prévios Brasil-Argentina e o Tratado do Mercosul fazem parte de um processo

de reversão da tendência histórica à diminuição das trocas comerciais entre os países e membros.

Essa tendência acompanhou a crise das dívidas externas do Brasil e- da Argentina e a conjuntura

recessiva da década de 1.980.

Por outro lado, a década de 1.990 assistiu a um crescimento acelerado das trocas

comerciais no interior do bloco. Enquanto as importações brasileiras do Mercosul saltaram de 4,1

bilhões em 1.992 para 7,3 bilhões em 1.996, as exportações brasileiras para o Mercosul cresceram

de 2,2 bilhões para 8,4 bilhões no mesmo período.

Indústria e agropecuária

A configuração do mercado comum produzirá conseqüências profundas nas economias dos

países envolvidos, especialmente Brasil e Argentina. Em termos gerais, as indústrias instaladas no

Brasil, que apresentam produtividade média superior, tendem a dominar o mercado argentino; por

outro lado, os produtores rurais argentinos, que têm custos médios inferiores, apresentam

vantagens na disputa pelo mercado brasileiro.

O parque industrial brasileiro, especialmente os ramos mais modernos, opera com níveis de

produtividade muito superiores aos da Argentina. O atraso tecnológico argentino é maior que o

brasileiro; a força de trabalho brasileira é mais barata que a argentina. Além disso, as empresas

instaladas no Brasil têm economias de escala superiores, em função da maior amplitude do

mercado interno, o que implica capitalização mais elevada.

No início da década de 1.990, as indústrias automobilísticas implantadas no Brasil vendiam

mais de um milhão de carros por ano, enquanto as congêneres argentinas pouco ultrapassavam os

duzentos mil carros por ano. A produção brasileira de aço é competitiva nos mercados

internacionais e opera em larga escala, enquanto a siderurgia argentina sobrevive à base de

subsídios estatais. A energia utilizada no Brasil, predominantemente de origem hídrica, é mais

barata que a energia argentina, gerada principalmente em termeIétricas.

A integração de mercados é vantajosa para os conglomerados industriais modernos

implantados no Brasil (sejam eles brasileiros ou transnacionais). Essas vantagens se refletem na

composição das exportações do Brasil para a Argentina: apenas o café e o minério de ferro, entre

os dez principais produtos desse intercâmbio, não são manufaturados. Somadas, as exportações

de autopeças, automóveis, veículos de carga e motores representam pouco menos de 25% desse

comércio bilateral.

Na agropecuária, a situação se inverte. Apesar da retração dos tradicionais produtos

argentinos de exportação (trigo, milho, soja, carne) nos mercados internacionais, a produtividade

das fazendas do país continua superior à dos produtores brasileiros. Graças às vastas reservas

petrolíferas da Patagônia, o óleo combustível é o principal produto de exportaçâo da Argentina para

o Brasil. Entretanto, o trigo, o milho e o óleo de soja também ocupam posição de destaque.

A produtividade superior da economia agrária argentina repousa, em grande parte, em

fatores naturais. A distribuição regular das chuvas e a alta fertilidade dos solos do pampa úmido

conferem vantagens consideráveis ao produtor rural. Assim, os custos de produção de cereais e

oleaginosas superam até mesmo os dos Estados de mais elevada produtividade no Brasil.

Diferenças marcantes favoráveis à Argentina aparecem também nos itens leite e carne, assim como

na área da vitivinicultura e produção de maçãs.

Tabela . Composição das exportações brasileiras para a Argentina (1994).

Produtos Participação em %

Partes e peças para veículos e tratores 9.37

Automóveis de passageiros 5.96

Veículos de carga 4.74

Motores de pistão 3,61’

Minério de ferro e seus concentrados 2.28

Laminados planos de ferro e aço 2.25

Semimanufaturados de ferro ou aço 2.08

Polímeros de etileno e Outros 1.9’5

Café cru em grão 1,64

Bombas e compressores 1.58

Demais produtos 64,55

Total 100.00

Tanto para o setor agrícola como para o industrial, tais conclusões são apenas

aproximativas e genéricas. Em inúmeros ramos industriais específicos (em particular no

processamento de alimentos), empresas argentinas têm plenas condições de concorrer no mercado

brasileiro. Da mesma forma, produtores agropecuários brasileiros atuantes em inúmeras

microrregiões modernizadas e de alta produtividade do Centro-Sul podem se beneficiar da redução

tarifária e ganhar fatias importantes da mercado argentino.

O Mercosul e o Cone Sul

O Mercosul estende-se por um vasto espaço geográfico, que vai das áreas frias e secas

das médias latitudes patagônicas ao domínio equatorial amazônico. O bloco agrupa quatro

parceiros extremamente díspares, sob os pontos de vista demográfico e econômico: o Brasil e a

Argentina são potências latino-americanas, enquanto o Uruguai e o Paraguai são economias

marginais e inteiramente dependentes dos seus vizinhos.

O Cone Sul da América do Sul é um conceito geopolítico. A sua importância está em definir

um espaço geográfico distante dos principais pólos de poder mundial, porém constituído por países

industriais ou semi-industriais, predominantemente urbanos, que dispõem de significativa

capacidade de produção e consumo. Sem a adesão integral do Chile e da Bolívia, o Mercosul não

chega a abranger o Cone Sul.

A recusa inicial do Chile à proposta integracionista refletiu as prioridades econômicas e

geopolíticas desse país. A economia chilena foi submetida a um alto grau de integração ao

mercado mundial desde a implantação da ditadura militar de Augusto Pinochet, no início da década

de 1.970. Atualmente, ela está estruturada sobre a base dos mercados e investimentos externos,

com destaque para a América do Norte e a bacia do Pacífico. A reduzida população do Chile e,

como conseqüência, o seu limitado mercado interno, condicionam essa prioridade atribuída aos

mercados internacionais.

O Chile pratica tarifas de importação geralmente mais baixas que as do Brasil e da

Argentina. A adoção da tarifa externa comum do Mercosul representaria um retrocesso na sua

trajetória liberalizante. Por isso, os chilenos preferiram não se integrar ao bloco formado pelos

países vizinhos.

Entretanto, desde 1.996, o Chile firmou um tratado de associação com o Mercosul, que

poderá ser ampliado a médio prazo. Trata-se de um acordo de livre comércio, que garante tarifas

preferenciais no intercâmbio com o bloco, mas não envolve obrigações em relação à tarifa externa

comum.

Um tratado semelhante liga a Bolívia ao Mercosul. Ao mesmo tempo, os acordos de

cooperação para fornecimento de gás natural à Argentina e ao Brasil aprofundam os laços

econômicos da Bolívia com os poderosos vizinhos, apesar de séria crise ter começado com a

eleição de Evo Morales na Bolívia, que aumentou bastante o preço do produto.

O Mercosul é um bloco econômico de escala sub-regional, cuja participação no comércio

mundial é ainda muito pequena, da ordem de 2%. Assim, sua viabilidade está condicionada às

relações que vier a estabelecer com os centros hegemônicos da economia mundial, no sentido de

ampliar o acesso dos produtos do Mercosul aos mercados externos.

A assinatura de diversos tratados de ampliação das relações comerciais com a poderosa

União Européia sinaliza nessa direção. Por outro lado, as discussões com os Estados Unidos sobre

o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), tem ocupado lugar de destaque na

agenda da diplomacia brasileira.

Nos últimos anos, apesar das dificuldades internas ligadas ao protecionismo de importante

setor do Congresso, os Estados Unidos têm multiplicado as iniciativas na tentativa de acelerar o

processo de integração hemisférica. Trata-se, para Washington, de englobar o Mercosul em um

grande bloco comercial integrado por 34 países do continente e comandado pelos Estados Unidos.

O megabloco projetado envolveria população e PIB maiores que os da União Européia,

mas também imensas disparidade socioeconômicas entre os seus integrantes. E, ao contrário da

União Européia, suas ambições estão limitadas à formação de uma zona de livre comércio.

Dinâmicas Geoeconômicas no Mercosul

O núcleo geoeconômico do Mercosul é a macrorregião platina. A bacia do Prata -

vertebrada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai - estende a sua influência por quase todo o

Centro-Sul do Brasil, o pampa argentino, o Uruguai e o Paraguai. Nessa macrorregião encontram-

se as principais metrópoles e zonas industriais dos países membros, além das grandes

concentrações demográficas.

Sob a influência platina, estão as duas metrópoles nacionais brasileiras (São Paulo e Rio

Janeiro), a grande metrópole argentina (Buenos Aires) e as capitais do Uruguai (Montevidéu) e do

Paraguai (Assunção). Além disso, a influência platina atinge importantes pólos organizadores de

seus espaços regionais, como Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, no Brasil, Rosário e

Córdoba, na Argentina.

A industrialização do Brasil, desde as primeiras décadas do século, valorizou a região

Sudeste e, em especial, o Estado de São Paulo. A cafeicultura de exportação, o afluxo de

imigrantes em substituição à mão-de-obra escrava e a expansão do mercado interno foram os

fatores essenciais para a decolagem industrial dessa área do território, que se transformou no

centro econômico dinâmico do país.

O processo industrial marginalizou a região Nordeste, que aprofundou o seu curso

descendente e configurou-se como área economicamente deprimida. Simultaneamente, “soldou” ao

Sudeste duas importantes periferias: as fronteiras de expansão demográfica e econômica da

porção meridional do Centro-Oeste e a região Sul, que desenvolveu uma moderna economia

agrícola e espaços industriais consistentes. Essa trajetória, ao longo de várias décadas, definiu o

Centro-Sul como complexo regional dinâmico do território nacional.

O Porto e o Pampa

A estruturação do território da Argentina realizou-se, desde o início, sob a hegemonia do

porto de Buenos Aires. Ao redor da área portenha, desenvolveu-se a valorização do pampa

agrícola e pecuarista, integrado à capital por uma rede ferroviária criada no auge do período

agroexportador. A “soldagem” do pampa à Europa, no final do século XIX, efetivou-se por meio do

livre-cambismo. A troca entre os produtos agropecuários do interior estancieiro (o trigo, a carne e a

lã) e os manufaturados europeus beneficiava a elite portenha e os grandes estancieiros

exportadores.

No porto e no pampa situa-se o cinturão industrial argentino, que se abre em arco de

Buenos Aires a Córdoba, passando por Rosário. A aglomeração metropolitana de Buenos Aires,

que abriga um terço da população do país, concentra os serviços financeiros, as sedes das

corporações e a maior parcela da produção industrial.

A organização do espaço argentino obedece a um nítido esquema de tipo centro-periferia.

As regiões periféricas - a Patagônia, os Andes, o Chaco e a Mesopotâmia - ressentem-se da

extrema concentração econômica e demográfica no núcleo portenho-pampeano. As áreas

setentrionais argentinas - que formam as faixas de fronteira com o Brasil, o Uruguai, o Paraguai e a

Bolívia - apresentam sérios problemas econômicos e sociais.

O Uruguai forma uma faixa de transição entre o Centro-Sul brasileiro e o pampa argentino.

Sua posição geográfica determina a condição de elo entre as principais potências do Cone Sul. O

padrão agroexportador da sua economia condicionou a hegemonia da capital portuária sobre o

interior pecuarista. A aglomeração de Montevidéu reúne praticamente a metade da população

nacional.

As funções portuária, comercial e administrativa não definem inteiramente Montevidéu. A

cidade desenvolveu um forte setor financeiro, que alcançou influência internacional, passando a

receber investimentos especulativos provenientes da Argentina e do Brasil. A legislação financeira,

extremamente liberal, contribuiu para transformar a metrópole em paraíso fiscal secundário, cujo

âmbito restringe-se ao Mercosul.

O Paraguai é atravessado, de norte a sul, pelo rio de mesmo nome. O rio, que corta

Assunção, define duas áreas distintas: o oeste corresponde ao despovoado Chaco, coberto de

florestas e atrasado; no leste, sob forte influência brasileira, encontramse as zonas agrícolas

dinâmicas e a usina de Itaipu.

O segmento mais dinâmico da economia paraguaia não aparece nas estatísticas. Trata-se

do intenso contrabando, centralizado na cidade fronteiriça de Porto Stroessner e essencialmente

dependente do mercado brasileiro. Em grande medida, o Paraguai vive à sombra da economia de

seu vizinho mais poderoso.

Perspectiuas Regionais e Cooperação

O Mercosul tem a vocação de interferir na dinâmica regional dos países que o integram,

reforçando ou alterando as tendências históricas. Sob o ponto de vista territorial, o Brasil encontra-

se mais bem posicionado que a Argentina para aproveitar os benefícios do Mercosul.

A região Sul brasileira, consistentemente ligada ao Sudeste, exibe elevado dinamismo e

capacidade de polarização. Através do empreendimento conjunto de Itaipu, da ligação rodoviária

entre Assunção e o litoral do Paraná e do porto de Paranaguá, o Paraguai situa-se na órbita de

influência brasileira. O porto de águas profundas do rio Grande, vantajoso frente aos portos de

Montevidéu e Buenos Aires, no estuário platino, polariza as exportações agropecuárias uruguaias e

“solda” esse pequeno país ao Estado do Rio Grande do Sul.

A Argentina aproveitou-se, no passado, do eixo norte-sul da bacia Platina e do porto de

Buenos Aires para estabelecer urna influência regional dominante. Atualmente, o papel desse porto

encontra-se em declínio. Ao mesmo tempo, as regiões setentrionais do país - o Chaco e a

Mesopotâmia - apresentam profundas debilidades e são cronicamente incapazes de influenciar os

vizinhos. O Mercosul solicita o desenvolvimento do norte argentino, e isso implica urna reorientação

das prioridades territoriais do país.

O advento do Mercosul substituiu a rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina pelas

perspectivas e projetos de cooperação. A parceria entre as duas potências do Cone Sul reordena

toda a geopolítica regional e abre novas possibilidades territoriais na área da bacia Platina.

O aproveitamento compartilhado dos recursos hídricos da bacia já é urna realidade,

enquadrada nos projetos binacionais de Itaipu (Brasil / Paraguai) e das hidrelétricas de Corpus e

Yaciretá (Argentina / Paraguai). Entretanto, a bacia pode sustentar um projeto de grande

envergadura, no plano do transporte fluvial: a hidrovia do Mercosul. A entrada em operação da

hidrovia Tietê-Paraná, viabilizada pelas eclusas de Jupiá e Três Irmãos, no trecho brasileiro do Alto

Paraná, permitirá interligar o Centro-Sul do Brasil aos mercados da Argentina, Paraguai e Uruguai.

Essa hidrovia tem como único obstáculo de porte o desnível de Itaipu, que não é servido por

eclusas e exige o transbordo rodoviário de cargas.

Com mais de sete mil quilômetros de extensão, a futura hidrovia do Mercosul permitirá a

valorização agropecuária de extensas áreas nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul e ainda da Mesopotâmia e do pampa argentino e uruguaio. Através do rio

Pilcomayo, afluente do Paraguai, o Chaco boliviano e paraguaio poderá ser integrado à área de

influência da hidrovia.

Outro projeto de forte impacto, no campo dos transportes, é o da auto-estrada Buenos

Aires - Rio de Janeiro, que viria a integrar o leste dos territórios argentino, uruguaio e brasileiro e

substituir a rede rodoviária ultrapassada, que atualmente representa um obstáculo aos fluxos

comunitários.

Além da auto-estrada, planeja-se uma ligação rodoviária entre o porto de Rio Grande, no

Brasil, e o de Antofagasta, no norte do Chile. Essa ligação uniria, pela primeira vez, o oceano

Atlântico ao oceano Pacífico na América do Sul. Ela abriria novas perspectivas de integração do

Cone Sul com o megabloco econômico em constituição na bacia do Pacífico.

O Mercosul e a Venezuela

Nos últimos anos a Venezuela tem se aproximado economicamente tanto do Brasil como

da Argentina, as maiores economias da América do Sul; nesse sentido, sua entrada no Mercosul

aumentaria as possibilidades de comércio e estreitaria relações, inclusive aduaneiras, com esses

países.

O presidente Hugo Chaves lançou a candidatura do País ao ingresso no bloco, porém

existem várias etapas a serem percorridas, uma delas está relacionada à aceitação nos

congressos dos países do Mercosul, que vêm manifestando desagrado com as medidas anti-

democráticas recentes do governo venezuelano .

No entanto o processo de aceitação da Venezuela no bloco continua, e provavelmente até

2.013, esse país poderá ser considerado um membro efetivo.

GEOPOLÍTICA

As Minorias Étnicas

Além dos problemas econômicos, vários países da Europa centro-oriental experimentam

tensões relacionadas à existência de minorias étnico-nacionais no interior de seus territórios. É o

caso, em especial, das minorias étnicas turcas na Bulgária e húngaras na Eslováquia e Romênia.

Na Romênia, em particular, as tensões apresentam maior dramaticidade, pois os húngaros

étnicos que habitam a região da Transilvânia romena vêm há décadas denunciando episódios de

discriminação. Teme-se que os problemas étnicos romenos possam gerar conflitos incontroláveis,

como os que despedaçaram a antiga Iugoslávia.

Nesse país balcânico, o desaparecimento do regime socialista levou à desintegração do

país e as seis repúblicas que formavam o Estado federal Iugoslavo deram origem a cinco

repúblicas independentes. Os conflitos étnicos agravaram-se, provocando uma sangrenta guerra

civil que, na Bósnia, vitimou centenas de milhares de pessoas e gerou cerca de dois milhões de

refugiados entre 1.992 e 1.995.

A situação na Bósnia só se estabilizou precariamente no final de 1.995, como resultado da

presença de tropas da Otan e dos acordos de Dayton, mediados pelos Estados Unidos, que

puseram fim ao conflito.

Pouco mais de três anos após o fim da Guerra da Bósnia, as tensões e conflitos

nacionalistas eclodiram na província de Kosovo, região pertencente à Sérvia, mas cuja população

(mais de 90%) é formada por albaneses étnicos. A formação de uma guerrilha separatista e a

violenta repressão do governo sérvio provocaram, em 1.999, uma vasta operação de bombardeio

aéreo, levada a efeito pela Otan, contra o território iugoslavo. Como resultado dessa operação,

Kosovo tornou-se um território administrado militarmente pela ONU com a presença de uma força

internacional. No entanto, do ponto de vista do direito internacional, Kosovo continuava

pertencendo formalmente à Sérvia.

A assinatura dos acordos de Dayton e o destino dado a Kosovo pela ONU não encerraram

os conflitos balcânicos.que culminaram na declaroção de independência no início do ano, o que foi

prontamente reconhecido pela ONU e a comunidade internacional, porém ainda existe resistência

da Rússia, tradicional aliada da Sérvia que não reconhece a existência de Kosovo como país livre.

Novas tensões eclodiram, em 2001, na Macedônia, entre os macedônicos e a minoria

albanesa (cerca de 25% da população total do país). Muitos albaneses étnicos, tanto na Macedônia

quanto em Kosovo, sonham com a constituição de uma Grande Albânia, que englobaria não só os

albaneses da Albânia, como também as minorias albanesas presentes em outras áreas dos Bálcãs.

Tudo leva a crer que as questões étnicas e de fronteiras continuarão a atormentar as futuras

gerações nessa sofrida região do mundo.

CONFLITOS SEPARATISTAS NA EUROPA

a) Questão Irlandesa

A República do Eire ou Irlanda ocupa quase toda a extensão da segunda maior ilha do

arquipélago britânico; ao norte, encontram-se os seis condados ocupados pelo Reino Unido, que

formam a Irlanda do Norte (Úlster).

Depois de anos de lutas internas, o país iniciou seu processo de formação no início da

década de 20, mas somente em 1.949 a Irlanda proclama-se república e retira- se da

Commonwealth. Os seis condados do norte, no entanto, permanecem sob domínio britânico,

embora todos os partidos políticos irlandeses considerem que eles são parte do país. Assim, pela

Constituição Irlandesa, qualquer cidadão do norte pode votar e ser eleito na Republica do Eire.

Uma das principais causas dos conflitos locais deve-se ao fato de que a maioria da

população do Úlster é composta por descendentes de colonizadores ingleses e escoceses, que

seguem o protestantismo. Esse grupo social, que conta com o apoio de Londres, mantém o

controle econômico e político sobre a população nativa da região, que se compõe de uma minoria

de católicos.

Após 1.968 - início do movimento de defesa dos direitos da comunidade católica - surgiu o

braço armado das organizações políticas católicas, o IRA - Irish Republicar Army (Exército

Republicano Irlandês), responsável por inúmeros atentados a bomba e assassinatos. Em resposta,

os protestantes organizaram-se em grupos paramilitares; o conflito tomou proporções de guerra

civil, com a intervenção de tropas militares inglesas. Têm sido anos de conflitos, mortes, terrorismo

e ações militares, que através de acordos políticos de maior autonomia a minoria católica (que quer

integrar-se à República do Eire), levou a organização a depor suas armas em 2007 num acordo de

paz bem sucedido que até o presente momento foi mantido.

b) Questão Basca

Povo conhecido historicamente há cerca de 3.800 anos, sua origem étnica e geográfica, no

entanto, é desconhecida e tudo indica que sua língua, o basco (euskera), não seja de forma latina,

como o espanhol, o francês, e o italiano.

Os bascos ocupam a região de fronteira entre Espanha (quatro províncias) e França (três

províncias) e compõem-se de mais de 2,2 milhões de habitantes. A ditadura Franquista (1.939 –

1.979) proibiu o ensino da língua basca e sua adoção pelos meios de comunicação, e até mesmo o

uso das cores regionais (verde, branco e vermelho) foi proibido e considerado ato de subversão.

Em 1.959, surge a ETA (Euskadi ta askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade), que

inicialmente tratou apenas de preservar a língua, os costumes e as tradições populares, mas,

desde 1.966, parte para a luta armada por um Estado independente.

Na década de 1.970, a organização divide-se em dois grupos: a ETA-M (militar), que luta

pela autonomia basca através das armas e do terrorismo, e a ETA política, que rejeita a via

armada.

Com a morte de Franco, em 1.975, inicia-se a democratização da Espanha, conduzida pelo

rei Juan Carlos, sendo aprovados os estatutos de autonomia de todas as províncias. A região

basca passa a ter um governo próprio, sendo suspensas as restrições à divulgação da cultura e ao

ensino da língua. Entretanto, a ETA-M intensifica as ações terroristas, exigindo a formação de um

Estado basco independente. Após duras ações repressivas do governo espanhol, repúdio da

sociedade espanhola à guerrilha e perda popularidade dos candidatos bascos radicais, iniciou-se

uma trégua e o retorno às conversações com o governo espanhol ,porém em 2008 novos ataques

são feitos o que coloca novanente em cheque os acordos de paz