Novas Batalhas Eleitorais - Chico Santa rita

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Livro de Marketing POlítico Eleitoral

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BATALHAS ELEITORAIS

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CHICO SANTA RITA

Batalhaseleitorais(25 anos de Marketing Político)

3ª EDIÇÃO

EDITORIAL

GERACAO

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BATALHAS ELEITORAIS

Copyright © by Chico Santa Rita

1ª edição – Novembro de 20012ª edição – Fevereiro de 2002

3ª edição – Junho de 2002

EditorLuiz Fernando Emediato

CapaAlan Maia

Diagramação e editoração eletrônicaABBA

–Produção Editorial Ltda.

PesquisaGerson de Faria

RevisãoCecília Beatriz Alves Teixeira

Ricardo Tiezzi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro)

Rita, Chico Santa, 1939-Batalhas eleitorais : (25 anos de marketing político)

/ Chico Santa Rita. -- São Paulo : Geração Editorial, 2002

1. Campanhas eleitorais - Brasil 2. Eleições - Brasil I. Título.

ISBN-85-7509-032-1

01-5115 CDD-324.70981

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Campanhas eleitorais : ciência política324.70981

2. Brasil : Marketing político : ciência política324.70981

Todos os direitos reservadosGERAÇÃO DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA COMERCIAL LTDA.

Rua Cardoso de Almeida, 2188 – 01251-000 – São Paulo – SP – BrasilTel.: (11) 3872-0984 – Fax: (11) 3862-9031

GERAÇÃO NA INTERNETwww.geracaobooks.com.br

[email protected]

2002Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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À Angela,mulher, amiga, conselheira,que viveu comigo os momentos mais importantesda minha vida.

Aos profissionais,que contribuíram para todas essas campanhascom idéias e trabalho.Com velhos e novos companheiros formamos,ao longo desses anos, equipes competentes, verdadeiros times de craques em todas as áreasque compõem o Marketing Político.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1Maluf e Tuma: candidaturas viáveis se

perdem numa sucessão de erros estratégicos, 11

CAPÍTULO 2Jader, Pedrossian, Marconi: duas vitórias

surpreendentes e uma derrota anunciada, 27

CAPÍTULO 3Do amadorismo de 76 a um modelo de

propaganda eleitoral, com Covas e Quércia, 53

CAPÍTULO 4Dr. Ulysses, o candidato certo, na

hora errada. Collor, o vice-versa, 77

CAPÍTULO 5Fleury: a minuciosa construçãode um candidato biônico, 99

CAPÍTULO 6Maior vitória: o velho presidencialismo

se renova no Plabiscito, 119

CAPÍTULO 7O Real substitui o carisma e engana as

pesquisas para eleger um presidente, 135

CAPÍTULO 8Estratégias corretas produzem grandes vitórias em pequenas campanhas, 157

CAPÍTULO 9Aloysio, Leiva, Rossi e outras

decepções inevitáveis, 191

CAPÍTULO 10A teoria que veio da prática: ganhaa eleição quem tem de ganhar, 223

Índice Onomástico, 257

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CAMPANHAS ESCOLHIDAS(INTRODUÇÃO)

Eleição é guerra. De vida ou morte. De extermínio. Muitas vezes vale-tudo, guerra suja. Aliás, como todas as guerras. E, como em todas, aqui

também só há dois lados: o dos ganhadores e o dos perdedores.Vista no calor das batalhas, a eleição/guerra parece meio irracional, sem

sentido. Tempos depois, o distanciamento descortina um quadro de razões,causas e efeitos, que precisavam ter sido entendidos no momento adequa-do. Mas passaram despercebidos. Pois a grande maioria dos políticos brasi-leiros é mentalmente vesga, não consegue e não sabe ver com clareza o mo-mento político em que está inserida.

Os derrotados, sempre mais numerosos que os vitoriosos, certamentepodem ir buscar lá atrás, nos erros de origem da candidatura, as causas dofracasso incompreendido. Ou então do sucesso, que acaba se justificandopor si só, por razões que a própria razão desconhece.

Ganhar uma eleição ganha é tarefa razoavelmente fácil. Assim comoperder uma eleição perdida. Terrível é perder uma eleição que um dia este-ve ganha. E isso não é raro: tenho assistido a inúmeros casos. Fantástico éganhar aquela eleição em que ninguém, em sã consciência, acreditava pu-desse ser ganhadora. O normal, no entanto, é ter pela frente disputas pare-lhas. Pois a verdade é que ninguém ganha, nem perde, de véspera.

Desde a redemocratização, nos últimos 25 anos, venho atuando direta-mente em todo o processo eleitoral brasileiro. Pude participar de dezenasde casos exemplares para ilustrar essas afirmações. Assisti à grande mudan-ça que ocorreu nesse período. Uma evolução, sem dúvida, que vem mexen-do com a cabeça de eleitores e de políticos/candidatos. Vem alterando, in-clusive, o curso da própria história do Brasil.

Cerca de 25 anos também é a idade do marketing político no Bra-sil – uma atividade muito nova, mal saída da adolescência, ainda empermanente ajustamento.

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Ninguém ensinou ninguém a fazê-lo. Fomos aprendendo, fazendo. Coma mão na massa descobri segredos, entendi lições, acumulei experiências.

Não estão aqui todas as campanhas de que participei. Estão as mais im-portantes, escolhidas do ponto de vista das estratégias utilizadas. Tambémrelato e analiso algumas outras que podem trazer alguma contribuição aoentendimento desta atividade. São histórias públicas, agora mostradas dedentro para fora. Mas sempre respeitando meu compromisso inalienávelcom a verdade e com a ética.

Melhor do que teorizar é mostrar essas ações na prática.

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capítulo 1

Maluf e Tuma:Candidaturas viáveis se perdem numa

sucessão de erros estratégicos

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Março de 2000. Mal passado o Carnaval, o quadro para a disputa elei-toral na cidade de São Paulo começa a se definir com a movimen-

tação ainda sigilosa de candidatos. Nesse momento, quase simultanea-mente, sou chamado para conversas preliminares com dois candidatos depeso: Maluf e Tuma.

Por dever ético informei a cada um que estava em contato com o adver-sário, mas jamais detalhei ou comentei qualquer particularidade ouvidaaqui ou ali. Era uma situação delicada, ainda mais considerando que am-bos iriam concorrer numa mesma faixa, tentando conquistar o públicomais conservador. Deixei bem claro que, no momento em que a minhaconsultoria fosse contratada por um, as negociações com a outra parte se-riam completa e totalmente interrompidas.

Ambos eram candidatos que poderiam ser eleitoralmente viabilizados.Por isso, qualquer das duas campanhas me despertava grande interesse. Atépor que elas também representavam minha volta a São Paulo, onde não ti-nha feito trabalhos grandes nas últimas três eleições, desde meu rompimen-to com Quércia, em 96. Apesar de uma trajetória anterior vitoriosa, acabeisem espaço no PMDB paulista e impedido de atuar com candidatos de ou-tros partidos, todos contando com estruturas próprias.

Fui levado a Maluf por recomendação do advogado Ricardo Tosto, jáconsagrado em várias áreas do direito, que começava uma carreira de

sucesso também no setor político-eleitoral.Aparentemente, o candidato procurava algo novo, diferente, que pu-

desse acrescentar um toque de renovação à sua imagem. Tinha perdido seuprincipal escudeiro, Calim Eid, num desastre de carro. Tinha perdidoinesperadamente a eleição estadual de 98, tendo estado sempre à frentenas pesquisas até as vésperas da votação, num desastre estratégico. Tinhaperdido seu marqueteiro dos últimos 6 anos, Duda Mendonça, num de-sastre previsível.

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Logo na primeira conversa, num domingo de manhã, defendi a tese deque o ex-governador deveria, sim, sair candidato à prefeitura, contrariandoa opinião de várias pessoas do seu grupo político e familiar que defendiama candidatura apenas ao governo do Estado, em 2002. Minhas razões:

1. o malufismo lhe dá um ponto de partida com intenção de vo-to acima de 12%, em qualquer circunstância;

2. as possibilidades de crescer são muito grandes;

3. com tudo isso, é quase impossível não ir para o 2º turno para dis-putar com um(a) candidato(a) das esquerdas;

4. para quem estava sendo julgado morto e enterrado já seria umabela vitória;

5. o efeito negativo da administração Pitta seria exorcizado;

6. e, se tudo desse errado, uma derrota programada seria o início darecuperação para 2002, fortalecendo a candidatura, livrando-a defantasmas do passado.

As reuniões semanais se sucederam por alguns meses. E a convivênciafoi me mostrando um político surpreendente perante a imagem pré-con-cebida que a maioria tem dele.

O “autoritário” virou um homem solitário que só pode conversar em fa-mília, ou num círculo restrito de assessores. No final tem mesmo é que to-mar as decisões sozinho, por falta de alguém com quem possa compartilhá-las. O “mafioso” virou um homem ansioso. Estava sendo traído aqui e ali,mas sempre esperando que antigos correligionários acabassem rendidos pe-la gratidão. O “político ágil”, verdadeira águia, virou um homem frágil,cheio de incertezas, inseguro.

Pensei que encontraria um político diferenciado. Encontrei-o semelhan-te à grande maioria dos políticos brasileiros: tomam decisões fundamentaisno impulso, são auto-suficientes, primários, ainda não perceberam comopodem ser ajudados pelo instrumental que o marketing político lhes traz.

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Todos sabíamos que um dos grandes problemas da candidatura erao governo muito mal avaliado do prefeito Pitta. É que Maluf, na elei-ção anterior, tinha cometido a imensa sandice de afirmar solenementena televisão:

– Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim!

Na avaliação popular Pitta não era um grande prefeito. Longe disso.Por isso, a intenção de voto em Maluf mostrava que a ordem dele estavasendo seguida à risca. Na Câmara dos Vereadores corria o processo de “im-peachment” do prefeito, a passos largos. Nicea, a ex-mulher, tinha feitoum carnaval, em pleno Carnaval. Procurou a Rede Globo e destravou alíngua, denunciando o ex-marido aos quatro ventos. No dia 10 de marçoo assunto rendeu um Globo Repórter inteiro, mais 4 minutos no JornalNacional. Dali pulou para todas as manchetes. Para Maluf era complica-díssima a ligação que ela insistia em fazer, dizendo que ambos jamais ti-nham verdadeiramente se desligado. A ligação não existia mais, porém, nomeio daquele tumulto, ficava no ar uma grande desconfiança.

Quanto mais Pitta se enredava, mais Maluf se complicava junto: esta-vam umbilicalmente unidos pela desgraça. Algo precisava ser feito.

Numa manhã de maio sou convocado para mais uma reunião na casado ex-governador. Ao chegar, ele me comunica que já estava marcada umacoletiva de imprensa para a tarde daquele mesmo dia. Nela provaria aos jor-nalistas que estava completamente desligado de Pitta há mais de um ano e– importante! –, pelo bem de São Paulo, pediria a cassação do ex-aliado,colocando toda sua força político-partidária nessa direção. Ao povo, pedi-ria desculpas pela indicação desastrada, explicando o equívoco pela ótica daboa intenção.

Assaltou-me uma dúvida imediata: como essa atitude seria vista pelapopulação? E, na seqüência: teria credibilidade? teria consistência? Oupareceria simplesmente mais uma esperteza oportunista do Maluf?

Para resolver o impasse recomendei que a coletiva fosse desmarcada, ouusada para outros fins, e fizéssemos uma pesquisa qualitativa rápida pararesponder àquelas perguntas. Recomendei, fundamentalmente, que se pa-rasse com os chutes e se assumisse uma postura profissional, digna da im-portância da candidatura e da dimensão política do candidato.

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Quatro dias e seis grupos de discussão qualitativa depois tínhamos aresposta que temi, ao criar o impasse: ninguém, nem os próprios malu-fistas, teriam acreditado nos bons propósitos do candidato. Teria pareci-do apenas e tão somente uma jogada eleitoral, ressaltando, ainda mais, olado negativo dele.

Naquele momento não era oportuno falar em Pitta. Mais para a fren-te, durante a campanha, no momento adequado, iríamos certamente en-contrar a forma correta de descolar a imagem dos dois, livrando Malufdaquele peso.

Nas semanas seguintes, o quadro eleitoral começou a se definir com a ofi-cialização das candidaturas do senador Romeu Tuma e do vice-governadorGeraldo Alckmin. Quanto mais ia me aprofundando no trabalho, mais per-cebia que Maluf, se tivesse a candidatura bem trabalhada, seria um adversáriofortíssimo, apesar de aparecer nas pesquisas atrás de Marta Suplicy e de Lui-za Erundina (que lideravam em empate técnico). E apesar de Tuma estar cor-rendo na mesma faixa, tirando dele uma considerável quantidade de votos.

Na mídia Maluf aparecia negando a candidatura. Mas eu me conven-cia cada vez mais que ele era candidatíssimo. E isso me estimulava: en-quanto transcorriam as conversas fui criando e consolidando uma linha deação estratégica que poderia ser muito eficaz. Geralmente me recuso apensar no 2º turno antes de terminar o primeiro. Nesse caso, no entanto,eu pensava trabalhar com um olho lá na frente, preparando as ações queviriam na outra etapa. Na minha cabeça estava tudo pronto.

Em junho, a mais de cem dias da eleição, escrevi um artigo para o sitepolítico “Polistar”, na Internet, onde fiz uma previsão para muitos temerá-ria: “A eleição em SP está decidida”.

Sem nenhuma parcialidade, depois de analisar o provável desempenhode cada um, meu texto concluía:

O previsível nessa eleição, quando a campanha esquentar e chegar a ho-ra da definição, é que, com dois candidatos de tamanho patrimônio – o ma-lufismo e o petismo – dificilmente o resultado escapará da polarização final,com um segundo turno que pode ser anunciado hoje: Marta X Maluf.

Quem ganha? Nesse caso, só adivinhando. Lembrem-se que, na últi-ma eleição, Maluf ganhava em todas as projeções, mas o governador é

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Mário Covas. Tudo pode acontecer, pois segundo turno é outra eleição: háque fazer todos os estudos qualitativos de novo, à luz do que acontecer noprimeiro turno. E aí, salve-se quem puder.

O próprio Maluf, entretanto, parecia não acreditar totalmente nas suaspossibilidades. Por um lado me pedia dedicação integral e exclusividade,já que dois anos antes tinha sido vítima de um grupo que fazia campanhaspor todo o País e, segundo seu relato, não dava a devida importância àcampanha dele.

Mas, por outro, não decidia a contratação definitiva. Como eu precisa-va me decidir, pois vinha sendo procurado por outros candidatos, pressio-nei-o para conseguir o posicionamento final.

Acabei atropelado por uma solução caseira: a coordenação de marke-ting político ficaria com Nelson Biondi, profissional de propaganda liga-do desde sempre ao malufismo. As razões que me foram apresentadaseram de ordem financeira, com opção pela campanha mais barata. Hou-ve ainda um convite para que eu participasse da campanha, prestandouma consultoria.

Não pude aceitar. Percebi, desde logo, que aquilo não ia dar certo. Tivecerteza absoluta disso quando tomei conhecimento da linha estratégica queseria seguida e quando vi as primeiras peças publicitárias da campanha se-rem exibidas. Podia apostar que a campanha de Maluf estava indo por umcaminho errado. Antevi o fracasso.

Falar sobre isso depois da eleição, depois de se confirmar a previsão, teriauma credibilidade baixa. Seria como falar do milagre depois que o padre tives-se fechado a porta da igreja. Sempre podia aparecer alguém com a contestação:

– Dizer que não ia dar certo, agora que não deu, é fácil...

Por isso resolvi documentar minha avaliação. Escrevi um texto analisan-do os fatos e mostrando o caminho diferente que eu teria seguido. Assineie datei: 14 de agosto de 2000. Era a véspera do início da propaganda emrádio e TV. Lacrei o documento num envelope e o levei para o escritóriodo advogado Ricardo Tosto. Nada mais insuspeito, pois ele acumulava ex-celente relacionamento profissional com os dois lados: Maluf e eu. O pró-prio Ricardo e outros dois advogados do seu staff assinaram junto ao lacre

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e o documento foi para o cofre deles, com a determinação de só ser abertono final da eleição. Esta foi a avaliação:

OS FATOS

1. Na última quinzena de julho foram colados dois outdoors:• CHEGA DE MEDO – MALUF• PRISÃO PERPÉTUA – Quem é a favor vota MALUF

2. Na primeira quinzena de agosto outros dois:• CHEGA DE DROGAS NAS ESCOLAS• NÃO DEIXE A VIOLÊNCIA GANHAR

3. No final de julho os jornais publicaram entrevistas com NelsonBiondi em que ele afirma que a campanha será toda baseada noitem SEGURANÇA. Em outra entrevista ele responde ao mar-queteiro de Erundina dizendo que o eleitorado da ex-prefeita edo seu candidato são “diferentes”, um não toma votos do outro.

4. Aliás, no último programa político do PPB, no semestre an-terior, a tônica toda foi a SEGURANÇA, contando inclusi-ve com a presença “ameaçadora” do radialista Gil Gomes, as-sustando a família paulista exatamente na hora do jantar.

5. Nos outdoors em exibição aparece um slogan: “O PREFEITO”

MINHA AVALIAÇÃO

1. Todos sabem que SEGURANÇA é a principal demanda dospaulistanos. Mas eu jamais adotaria o tema como linha estra-tégica, colocando todos os ovos numa mesma cesta. É temerário,perigoso demais. Para mim o tema seria privilegiado, é claro,dentro de uma estratégia mais abrangente e mais completa.

2. Da forma como se está fazendo, Maluf está falando para osmalufistas. Ou seja, está fechando a ótica, ao invés de abri-

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la e ampliá-la, visando conquistar um eleitor indeciso ou nãomuito seguro de sua opção por Erundina, Tuma etc. Acredi-to que, a continuar nesse diapasão terá muita dificuldade emcrescer. Poderá até ir para o 2º turno, muito mais por inér-cia, por falta de um outro candidato que se habilite: o Tumaestá quase morto, o Alckmin não decolou, a Erundina estápatinando. Mas chegará lá em frangalhos, com difícil, quaseimpossível capacidade de recuperação no 2º turno.

3. É nesse ponto que discordo da avaliação de Biondi. Maluf eErundina têm uma certa área de eleitores comuns, localizadosexatamente na faixa mais carente da população, onde a ex-prefeita, aliás, tem grande penetração.

4. Considero que o mês de pré-campanha, com os outdoors queforam colados, foi um mês praticamente perdido.

5. O slogan “O PREFEITO” é muito pretensioso e não acrescen-ta nada. É fácil motivo de chacota:O Prefeito que superfaturou...O Prefeito que roubou...O Prefeito que inventou o Pitta ... etc.

6. Se algo não for feito, não for mudado quando se iniciar apropaganda na TV, acho que Paulo Maluf terá muitasdificuldades.

A SOLUÇÃO

Eu jamais iria por esse caminho. Procuraria abrir os horizontesgerais, colocando a segurança como uma Proposta de Governo. Amais importante, claro, mas uma proposta junto de outras tantas.

Meu foco seria muito mais abrangente, dando um sentido de recu-peração da totalidade de São Paulo, uma cidade que foi tão mal-tratada nos últimos tempos.

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“RECONSTRUINDO SP”

Esse, mais que um slogan, seria toda uma estratégia de campanha,mostrando que, no estado em que a cidade chegou só um MALUFpode pegá-la para arrumar, ajeitar, reconstruir. Inclusive a área desegurança. Maluf empunharia essa bandeira com total proprieda-de e se transformaria no grande reconstrutor de São Paulo.

Veja, em anexo, um rudimentar exercício de trabalhar a idéia.Não continuou a ser desenvolvido porque as negociações comMaluf foram interrompidas.

Depois de muitas reuniões e conversas, as negociações com o senadorRomeu Tuma também não prosperaram. Pelos jornais li que o PFL,

o partido dele, se coligava com o PMDB, e que este ficaria responsável pe-lo marketing político. Li também que haveria um veto do ex-governadorQuércia ao meu nome. Não sei se é verdade. O fato é que, mais uma vez,estava fora das eleições na Capital. E um grupo de profissionais do Rio deJaneiro, que vinha fazendo seguidos trabalhos para o PMDB de São Pau-lo, assumiu a comunicação da campanha.

Preenchi todo meu tempo com trabalhos e consultorias no interior doestado e em outras capitais. Mas não deixei, é claro, de acompanhar a elei-ção na mais importante cidade brasileira.

Sem grandes surpresas, Marta Suplicy (30% de intenções de voto) apenasadministrava sua grande vantagem, numa inteligente campanha de espera. Uminsistente empate quádruplo em segundo lugar imobilizava a subida de qualquerum deles para a disputa final. Ninguém tinha conseguido sobressair muito alémdos 10%. Engalfinhavam-se, pois, a rigor, podia dar qualquer coisa: Erundina,Tuma, Maluf ou Alckmin. Sendo que apenas este último – que, aliás, começa-ra exatamente nessa posição – ostentava uma campanha consistente.

A campanha de Tuma, então, era um absurdo festival de erros grosseiros.A começar do símbolo e do slogan: uma estrela de xerife, com os dizeres: “Amelhor estrela para São Paulo”.

Era uma nítida contraposição à estrela do PT e de Marta, a candidata dopartido. Só que essa estrela está aí há anos e anos, consagrada pelo uso. Con-solidada. Não é com uma simples afirmação que alguma coisa será “melhor”

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que outra, que se conseguirá atingi-la. E, mais importante, não é correto for-çar uma polarização, artificialmente. Ela só passa a existir se forem criadas umasérie de ações nesse sentido, para que ela exista de fato na cabeça das pessoas.

Tuma apareceu por longo tempo, em um programa de TV, explicandoque não tinha nenhum problema no coração. Tinha sido operado, sim,mas estava tudo bem, forte como um touro. Resultado: como ninguémestava discutindo essa questão, a gratuidade da fala mal colocada contri-buiu única e tão somente para se criarem suspeitas sérias, que até entãonem existiam para o grosso da população. O xerife estava doente.

Num outro dia prometeu que furaria “cem mil poços artesianos, casofosse eleito” para resolver definitivamente o problema da água na cidade.Dá para imaginar? Cem mil!... Um espanto, o verdadeiro milagre da mul-tiplicação dos poços artesianos.

Em seguida veio com um “Cartão Saúde”, também milagroso, que se-ria espalhado pela cidade, como enchente, não deixando ninguém sematendimento médico e hospitalar. Perfeito demais para ser verdade.

A credibilidade, é claro, foi a zero. Uma catástrofe que começou até a afetara imagem pessoal e profissional do senador, construída durante toda uma vida.

A doze dias da eleição recebo um telefonema do deputado federal Rob-son Tuma, filho do candidato e coordenador-geral da campanha. A situa-ção era desesperadora. Do grupo de quatro embolados no início, o candi-dato começava a cair sistematicamente, afastando-se cada vez mais dadisputa. O símbolo mal colocado virava agora uma estrela cadente:

A solução tinha que ser rápida. Marcamos uma reunião, expus meudiagnóstico e o tratamento que deveríamos dar ao paciente, em ritmo deUTI. No final da reunião, o pai perguntou:

– Com essas medidas você garante que vou para o 2º turno?

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Marta 32%*

Maluf 14%

Erundina 12%

Alckmin 11%

Tuma 9%* Pesquisa DataFolha publicada em 17/10/2000.

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– Só Deus pode lhe dar essa garantia, senador – respondi. Mas euposso lhe dar outras duas certezas: sua posição nas pesquisas vaimelhorar; e sua imagem será preservada.

– É isso o que eu quero! – confirmou ele.

Foi uma brutal correria: o tempo era absurdamente pequeno, não da-va para contemporizar. Pedi que toda a equipe de criação anterior fossedispensada, mantendo-se apenas o pessoal técnico. Chamei o José MariaBraga*, profissional já habituado a trabalhar comigo, para coordenar a no-va equipe, montada em dois dias. Por pura sorte encontramos, naquelemomento, alguns outros profissionais disponíveis. Deu para reunir umverdadeiro exército brancaleone.

Decidi não aproveitar nada do que estava sendo usado: a estrela do xe-rife e o respectivo slogan sumiram; os comerciais antigos saíram do ar; o ce-nário futurista virou sucata.

Um roteiro de comercial encontrado numa gaveta dava bem a idéia dafalta de consistência (para dizer o mínimo) com que a campanha vinha sen-do tocada. A imagem previa a presença de um tigre e de um filhote de ga-to no estúdio, lado a lado. O texto dizia que São Paulo era uma cidade mui-to grande, muito forte, muito problemática – precisava de um “tigre” naPrefeitura, não de um dócil “gatinho”. Queria-se mostrar, suponho, que acidade precisava do Tuma, não da Marta. Imaginando-se até que o concei-to tenha algum fundamento, a parábola é muito hermética para o pensa-mento simples e direto da população. Há dezenas de formas mais objetivasde se formular e apresentar aquela idéia.

Mais grave: não foi um simples roteiro tentativo, resultado dessesbrainstorms enlouquecidos que se fazem para tentar encontrar uma luz.Não. O roteiro foi encaminhado para a produção. Encontrar um gatinhorecém-nascido foi fácil. O tigre deu mais trabalho, mas acabou sendo en-

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* JOSÉ MARIA BRAGA nasceu em Belo Horizonte, em 1957. É jornalista e publicitário. Fez campanhas para governosestaduais (São Paulo, Minas e Mato Grosso do Sul), prefeituras (São Paulo e Campinas) e presidência da Repúbli-ca (Mário Covas-89, Orestes Quércia-94 e Fernando Henrique Cardoso-98). Participou da campanha do plebis-cito (Presidencialismo) de abril de 93. Em 96 dirigiu a campanha vitoriosa de Chico Amaral, em Campinas. Em98 dirigu o programa Boa Tarde, Brasil, da campanha de reeleição de FHC. Em 2000 fez campanhas para asprefeituras de Campinas, Hortolândia-SP e São Paulo.

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contrado num circo. Os dois foram trazidos para o estúdio, colocados la-do a lado e preparou-se a gravação. Tudo pronto, a coleira do tigre é retira-da ... luzes!... câmera!... ação!... ele olha para um lado, olha para o outro enum gesto rapidíssimo, certeiro, NHOC!, abocanhou o gatinho, que nãoteve tempo nem de miar.

Gargalhadas à parte, uma pequena pesquisa qualitativa feita às pres-sas mostrou que nem a forte biografia do candidato tinha sido mostra-da suficientemente, a ponto de estar presente na cabeça das pessoas. Eleaparecia apenas como um “delegadão”, no sentido mais estreito que otermo possa ter. Sua atuação no Senado e, principalmente, na importan-tíssima Receita Federal, eram desconhecidos da maioria. Ainda maisgrave é que começava a se alastrar uma sensação de que a candidaturaTuma estava se tornando carta fora do jogo. Na vida real (eleitoral) o ti-gre não existia.

Tivemos de criar uma linha de comunicação totalmente nova, calcada nopassado e na história de vida do senador, destacando a sua figura austera elimpa, contrapondo-se aos desacertos da administração que estava terminan-do. O slogan era escrito ao lado de um close do rosto do candidato, bem olhono olho:

TUMAUm prefeito com a seriedade

que São Paulo merece.

O toque alegre e descontraído foi dado com dois versos da música “De-morei...”, do conjunto Negritude Júnior, contratado para animar os comí-cios. Eles sintetizavam nossas intenções naquele momento político em queos eleitores que não queriam votar na Marta também não conseguiam sedefinir entre os outros quatro.

Demorei muito pra te encontrarAgora só penso em você...

A reação foi imediata. Estancou-se a sangria que a intenção de voto emTuma vinha sofrendo. E chegou até a aparecer uma nova situação, a setedias da eleição:

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Todos perceberam o perigo e Tuma passou a ser atacado por todosos lados. Desde acusações de participação e conivência com a ditaduramilitar, até ligações de amizade com o juiz Nicolau dos Santos Neto,ainda foragido e alvo preferencial do momento. Acusações que pode-riam ser facilmente desmontadas se o perfil e a personalidade políticadele tivessem sido estruturadas com solidez perante a opinião pública.Naquele momento, o tempo exíguo nada mais nos permitia fazer.

Na incrível gangorra em que se transformou a luta pelo segundo lugar,Tuma terminou em quarto, com 11,46% dos votos válidos.

Dias depois o senador me honrou com um telefonema carinhoso:

– As duas certezas que você me deu se efetivaram. De minha parteestou feliz e quero lhe agradecer.

Maluf, com sua campanha equivocada, acabou passando para o segun-do turno raspando, com míseros 7.691 votos (0,14%) de vantagem

sobre o surpreendente Alckmin, este beneficiado pela campanha mais cor-reta (ou menos ruim) daquela eleição.

Estava já bastante desgastado e ainda teria que enfrentar Marta Suplicy,que tinha feito uma campanha tranqüila, apenas esperando a definição doadversário. Ele teve que mudar toda a equipe e toda a linha estratégica, mas

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Marta 38,13%*

Maluf 17,40%

Alckmin 17,26%

Tuma 11,46%

Erundina 9,90%* Números oficiais do TRE.

Marta 35%*

Tuma 13%

Erundina 12%

Maluf 12%

Alckmin 10%* Pesquisa DataFolha publicada em 24/10/2000.

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o estrago já era tão grande que consertá-lo tinha virado missão impossível.Ainda mais considerando o tempo pequeno demais entre as duas votações,uma briga contra o relógio que beneficiava os petistas, graças aos desacer-tos de uma Lei Eleitoral estúpida.

Mas Maluf e Tuma não foram as únicas vítimas de erros estratégicos nes-sa eleição. Pude constatar que a síndrome se espalhou pela maior parte dascampanhas, em muitas cidades importantes do Brasil. E apontei o fato emartigo publicado pela Folha de S.Paulo, de 10 de outubro de 2000:

INCOMPETÊNCIA ELEITORAL

Mesmo num país continental como o nosso, as populações espalhadaspor diferentes regiões carregam anseios semelhantes, que acabam dando ca-racterísticas específicas a cada eleição. Podem ser políticas: já tivemos a elei-ção do PMDB, uma outra de apoio a FHC. Podem ser comportamentais:já houve a eleição da mudança, mas também já vimos a velha e boa expe-riência mais uma vez requisitada. Podem ser técnicas: já passamos pela fa-se do marketing supervalorizado e depois assistimos ao fracasso da franquiaeleitoreira que padronizou candidatos pelo Brasil inteiro.

Nesta última temporada, em termos políticos, o PT confirmou a capi-talização de um comportamento anticorrupção. Nada muito diferente dodiscurso de sempre; nada que possa caracterizar especialmente esse momen-to eleitoral. Do ponto de vista técnico, porém, posso afirmar que ocorreu umfato interessante: essa foi a eleição da incompetência.

Os erros de marketing e comunicação se multiplicaram pelo País afora, der-rubando favoritos, abrindo espaços para azarões, criando situações inusitadas.

A começar pela capital de São Paulo. Tirando a campanha “de espera” –muito bem aplicada pela turma do PT – nenhuma outra foi minimamentecorreta na aplicação de preceitos básicos do marketing político. Maluf foi apri-sionado na insistência com a questão da segurança; Tuma foi levado a defen-der programas de governo indefensáveis; Erundina foi escondida atrás deapresentadores de baixa credibilidade e de piadinhas de gosto duvidoso; Alck-min pagou pelo noviciado, correndo os olhos atrás de uma câmera em perma-nente movimento. Nenhuma conseguiu empolgar. Nenhuma apresentouidéias definitivas, fortes, capazes de conquistar os corações e as mentes da gran-de parcela de eleitores que procurava uma alternativa ao vermelhão da assép-

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tica campanha de Marta Suplicy. As intenções de voto flutuaram, sem encon-trar um porto seguro, até o último momento da apuração.

Acompanhei, por dever de ofício, o fenômeno se repetindo pelo Brasil.No Rio, em Belo Horizonte, em Fortaleza e por aí afora, o que se viu fo-ram candidatos competitivos naufragando a bordo de campanhas equivo-cadas, malfeitas, cometendo erros grosseiros.

Campinas, cidade com tradição de apresentar programas eleitorais de bomnível, assistiu sandices de chorar. Literalmente, pois um candidato de um gran-de partido verteu lágrimas copiosas no vídeo – em um programa previamentegravado, diga-se de passagem. Um outro, que é médico, adotou como símboloum boné... de pedreiro. E outro mais gastou minutos preciosos para explicar quesuas falas seriam “autênticas”, não iria ler texto de nenhum marqueteiro, comose isso, por si só, pudesse lhe trazer milhares de votos. Tudo isso no mesmo dia.

O que ocorreu, em todo o Brasil, foi que as campanhas políticas foramvitimadas, em geral, por uma grande falta de recursos. Tiveram que cair nareal, nesse momento em que o Real tornou-se um dinheiro difícil de ganhar.Acabaram-se as burras cheias, as malas pretas que visitavam as produtorasde programas eleitorais. O custo e o preço passaram a ser aquilo que sempredeveriam ter sido, democraticamente.

Os candidatos e as direções das campanhas, todavia, não souberam lidarcom esse fato novo. E caíram numa armadilha: em vez de procurar profissio-nais especializados, capazes de dinamizar e maximizar a utilização das verbas,foram cair nas mãos de amadores, de curiosos e de despreparados em geral.

Marketing político não é propaganda, nem é jornalismo. O que querdizer que um publicitário, ou um repórter, não são necessariamente as me-lhores indicações para dirigir uma campanha. A atividade é nova no Bra-sil, ainda não está devidamente decodificada. Precisa encontrar suas postu-ras e parâmetros. De todo modo já há um bom número de pessoas comexperiências importantes, prontas para novos desafios.

Na atual campanha vi com preocupação profissionais qualificados sen-do trocados por gente de salário baixo e de capacidade correspondente. Gen-te que acaba desperdiçando esforços, fazendo e refazendo, gastando paraaprender. Gente que, no final, acaba custando muito, muito mais. Pois, emeleição, não pode haver nada mais caro do que perder.

É quase impossível que uma campanha equivocada seja bem-sucedida.O que sempre me espanta é ver políticos de alto gabarito permitirem cam-panhas de baixo nível técnico.

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capítulo 2

Jader, Pedrossian, Marconi:

2 vitórias supreendentes e uma derrota anunciada

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No início do ano eleitoral de 1998 quem poderia imaginar que Iris Re-zende não se elegeria governador de Goiás? Quem apostaria numa

derrota de Pedro Pedrossian no Mato Grosso do Sul? Quem duvidaria queJader Barbalho não se encaminhava para um novo mandato no Pará?

Todos eles ex-governadores por duas vezes, políticos de grande densida-de eleitoral e de força popular nos seus estados, líderes incontestes das pes-quisas de intenção de voto.

Cada campanha teve um andamento específico. As histórias são muitodiferentes entre si. O final delas é que é comum: todos foram derrotados.

Durante o ano anterior (97) cheguei a trabalhar como consultor paraPedrossian. Encomendei uma pesquisa qualitativa para analizar o de-

senvolvimento da sua candidatura: era excelente, um potencial incrível.Defini os comerciais e os programas anuais gratuitos de rádio e TV. Mos-trei que o seu partido, o PTB, era insuficiente para uma campanha esta-dual de vulto: pouca penetração, pouco horário na TV.

Através de Fernando Barros, diretor da agência de propaganda Propeg,marquei uma reunião para o candidato, em Brasília, com o senador An-tonio Carlos Magalhães, para apresentar e discutir um eventual apoio doPFL, que não tinha candidato próprio, com boas chances, no estado: a co-ligação foi rapidamente concretizada, trazendo a complementação de tem-po necessária.

Recomendei posturas e comportamentos e comecei a montar a estraté-gia para o ano eleitoral que vinha a seguir.

Rosa Pedrossian, a filha do candidato, coordenava o marketing e a comu-nicação da campanha, além de exercer forte influência sobre o pai. Ela nãoconseguia disfarçar uma convicção inabalável de que a vitória era inexorável.Pura questão de tempo. Esperar o dia da eleição e comemorar, ainda no pri-meiro turno, claro. A contestação a esse otimismo exacerbado era sempre res-pondida com o sorriso compreensivo e piedoso dos donos da verdade.

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Em janeiro, Rosa exigiu um orçamento para o ano todo – até a vitória!Ponderei que era cedo demais para isso, precisaríamos estudar melhor osdetalhes da campanha, planejar, definir estratégias. Ficou irredutível.

Pedi, então, que Cila Schulman*, principal componente da minha equipena época, fosse discutir com ela uma relação de necessidades da campanha.Talvez as duas mulheres pudessem se entender mais facilmente. Pretendíamosaprovar uma relação ideal, nada exagerada, que inclusive tinha margem paranegociação. Necessidades mais que óbvias:

– pesquisas qualitativas;

– equipe de criação dos materiais de propaganda;

– equipe de produção;

– pessoal de mobilização para campanha de rua etc.

Na minha visão, era o mínimo que um candidato favorito, num estadocomo Mato Grosso do Sul, precisaria para enfrentar os rigores de uma elei-ção. Ou será que alguém imaginava que os adversários viriam para brincar?

Mas a coordenadora parecia não ter consciência do que vinha pela fren-te, pois sua resposta foi assustadora:

– Não queremos tanta pesquisa, as equipes propostas devem ser redu-zidas em cerca de 80%, não pretendemos gastar nem a metade des-se dinheiro, não precisamos de tudo isso, pois a eleição está ganha.

Sem poder contar com condições mínimas e, antevendo o desastre imi-nente, escrevi uma carta a Pedrossian, o pai, abrindo mão do trabalho.

Devo acrescentar que o Estado é meu velho conhecido: na eleição ante-rior (96) já tinha atuado em duas campanhas, as duas vitoriosas: do prefei-

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* CILA SCHULMAN atua tanto na área pública como na área privada. Como jornalista trabalhou na revista Veja eno jornal O Estado de S. Paulo, a partir de 79. Foi assessora de comunicação da Anfavea e vice-presidente daPropeg-CP. Desde 90 é presidente da Singular Agência de Notícias – PR. Na área pública foi Secretária de Co-municação do governo do Paraná e da prefeitura de Curitiba. Atua em marketing político desde 88, com par-ticipação em dezenas de campanhas por todo o Brasil, principalmente no Paraná. Em 2001 tornou-se direto-ra-executiva da Escola de Gestores Públicos do PFL.

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to de Campo Grande, André Pucinelli (veja na pág. 159) e do prefeito deDourados, a segunda cidade mais importante do Estado, Braz Melo (vejana pág. 176). Por isso não me surpeendi quando, cinco meses depois, fuiprocurado por Ricardo Bacha, então secretário da Fazenda estadual, postu-lante à candidatura pelo PSDB, com apoio do PMDB, partido do prefei-to e do governador.

De início ele encomendou um parecer, sobre a situação político-eleito-ral do Estado. Escrevi e concluí:

Neste momento (08 de junho de 98) o quadro político eleitoral doEstado parece estratificado, com a consolidação da candidatura PedroPedrossian, tendo Zeca do PT como seu principal opositor. Todavia,analisando um grupo de pesquisas quantitativas e qualitativas recentese baseado em observações pessoais pode-se perceber outros fatos e indica-ções que também precisam ser considerados, já que podem surgir altera-ções nesse quadro.

( . . . )Uma mudança do quadro existente não é impossível.

Que ironia do destino! Obviamente, se estivesse trabalhando com Pe-drossian, também teria diagnosticado as alterações que o quadro eleitoralsofria. E aí teria procurado os antídotos contra elas. Eleição é uma ativida-de muito dinâmica. Novos fatos acontecem e as situações se alteram commuita facilidade. O grande segredo é se antecipar a essas alterações.

Os sintomas se confirmaram em pesquisa realizada entre os dias 3 e 10de junho pelo Instituto Tendência, que o Correio do Estado, principal jor-nal sul-mato-grossense, publicou nesse momento, apresentando a seguinteintenção de voto estimulado:

O líder ainda tinha boa vantagem, mas já baixava do patamar acima de50% que ostentou por muito tempo. O candidato do PT estava imobili-

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Pedrossian 46,8%

Zeca 29,9%

Bacha 11,7%

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zado. Assim começava a se abrir o caminho por onde a caravana de Ricar-do Bacha iria passar no 1º turno.

A campanha seria uma autêntica “guerra das estrelas”, literalmente, jáque os símbolos eram iguais. Zeca, com a tradicional estrela vermelha doPT. Pedrossian, com uma estrela igual, de cor azul, marca registrada hámuitos anos das suas campanhas e administrações anteriores. (Alguns se-máforos de Campo Grande, ao se iluminar o verde, ainda mostravam o re-corte de uma estrela azul, indicando que os carros podiam avançar.)

Para meu espanto, a equipe que assessorava Bacha até a nossa chegada ti-nha optado por escolher como símbolo, nada mais nada menos do que...uma estrela com o desenho igual às outras duas. Só que pior na cor, pois es-colheram pintá-la de amarelo, uma cor fraca perante as concorrentes. E nãodava mais para mudar: o símbolo já estava espalhado pelo Estado, em mi-lhares de cartazes e folhetos. Desaparecer com ele seria mostrar fraqueza,admitindo um erro. O que fizemos foi minimizá-lo, fazendo com que apa-recesse muito pouco. Não era possível mudar, tínhamos que superar. Porisso animei a equipe:

– Vamos ganhar, apesar da nossa estrela cor de desespero.

Toda a equipe estava sob minha responsabilidade direta, tendo o publi-citário Carlos Rayel* como o coordenador operacional local.

A realidade que encontramos foi a de uma população cada vez mais can-sada dos “velhos” políticos, sempre os mesmos, dominando a cena estadual.Mudança – essa era a palavra-chave. O PT também sabia disso e estrutu-rou sua campanha usando fortemente o conceito.

Além dele, montamos a estratégia da campanha alicerçada no dinamis-mo, na força mais jovem do candidato. Idéias, projetos, novidades. Nadade teoria. Nada de conversa mole. Bacha começou a lançar verdadeiros“produtos” de fácil aceitação popular: Farmácia do Povo (para venda de re-médios a preço de custo), Oficina de Negócios (crédito e apoio técnico pa-

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* CARLOS RAYEL nasceu em Jales-SP, em 1957. Formou-se em administração de empresas na PUC. Na campanha de86, com Quércia candidato ao governo de São Paulo, foi assessor de comunicação e imprensa. Após a eleiçãofoi nomeado secretário de Comunicação, onde ficou durante todo o mandato, deixando o governo aprovado pormais de 80% da população. Dirigiu campanhas em MS, MT e nas cidades de Mauá-SP e Guarulhos. Desde 99dirige uma empresa especializada em marketing político.

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ra microempresas), Ônibus Saúde (atendimento móvel na periferia), Leiteé Vida (programa de distribuição para carentes) e por aí afora.

Um candidato humanizado, jamais tratado como produto, porém comum arsenal de opções/produtos à disposição do distinto público. Foi umsucesso. A intenção de voto começou a crescer mais de meio ponto por dia.

Para completar, a campanha de Pedrossian foi um completo desastre, res-saltando exatamente o passado, o perfil antigo do político. Lenta, sem rit-mo, imóvel, arcaica. Graças ao bom Deus, volta e meia a gente encontra ad-versários que fazem de tudo para nos ajudar. Sempre que vejo esses errosgrosseiros, nessa e em muitas outras campanhas, imagino que foi uma falhapassageira e que, no dia seguinte, eles vão consertar. Qual nada! Surpreen-do-me de novo, no outro dia, com erros ainda mais gritantes. Tenho queagradecer à incompetência que muitas vezes campeia no marketing políticocaboclo. Pois afinal não se ganha uma eleição só com nossos acertos. Ganha-se, também, aproveitando os erros dos outros.

O máximo da capacidade de errar foi atingido quando o candidato veioà televisão para se defender da acusação de que estaria sendo apoiado, in-clusive com dinheiro, pelo Reverendo Moon, o misterioso e controvertidochefe da seita, que comprou muitas terras e montou uma base de operaçõesimportantes no interior do Estado.

Ora, a denúncia tinha sido feita num panfleto apócrifo, distribuído às pres-sas em alguns pontos de ônibus de Campo Grande. A repercussão dele seriamínima, um tiro de espingarda de pressão. Mas, trazendo o assunto para oscanhões da TV, Pedrossian amplificou a notícia: todos tomaram conhecimen-to dela e abriu-se a discussão. O que sobrou na cabeça das pessoas não foi aindignada auto-defesa. Foi a dúvida: “Será que esse apoio existe mesmo?”

Quando vi aquilo, tive certeza que a campanha adversária era uma nausem rumo, navegando celeremente para o naufrágio. Na pesquisa seguinte,Bacha já ultrapassava Zeca do PT, e Pedrossian caía para o patamar dos 30%.

O alarme deve ter soado forte, pois anunciou-se, com estardalhaço, queo ex-governador tinha contratado “um marqueteiro de São Paulo” – DudaMendonça. Eles, que queriam gastar menos da metade das nossas previsõesiniciais, iriam acabar gastando mais que o dobro.

Passada a expectativa inicial, veio o primeiro programa de TV da nova equi-pe: “Pedrossian fez, Pedrossian faz, Pedrossian vai fazer muito mais”. Plastica-mente impecável, politicamente incorreto. Era fácil prever: não vai funcionar!

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O que ninguém conseguiu prever é que Pedrossian, nos últimos momen-tos, perderia até a segunda colocação, graças à sua péssima apresentação no úl-timo debate, na véspera da eleição. Nem foi para o segundo turno. E a vitóriado nosso candidato, um ilustre desconhecido, virou um espanto nacional:

Era tudo o que eu temia. Seria tranqüilo continuar enfrentando o ve-lho, o ultrapassado – Pedrossian era o nosso adversário ideal no 2º turno.Mas agora tínhamos que acordar para uma nova realidade: o confronto donovo... contra o novo.

Por isso montei toda a linha estratégica para o segundo turno em cimade um projeto desenvolvimentista mais exeqüível e, por isso, mais confiáveldo que o dos adversários, já que tínhamos também o apoio do presidenteFHC, recém-reeleito.

Correndo em paralelo, faríamos demonstrações firmes de que, ao con-trário do que se propagava, o “PT era ruim de governo”: historicamente,na grande maioria dos estados e cidades onde foi governo, o partido difi-cilmente elegeu o sucessor – prova de que a administração petista não agra-dava à população. (Porto Alegre seria a única e solitária exceção a confirmara regra.) Depoimentos, imagens, o ABC paulista perdendo empresas, a agi-tação, a insegurança.

Mas a estratégia foi completamente vetada pelo candidato sob uma fal-sa premissa e um brutal erro tático.

A premissa de que o que tinha dado certo no primeiro turno não deve-ria ser mexido é falsa, porque o segundo turno é uma eleição completamen-te diferente da anterior. Há um outro alinhamento de forças, outro mo-mento político, a eleição tem que ser vista sob outra ótica.

O erro tático: logo após o fechamento das urnas, os dois finalistas se reu-niram e estabeleceram um “pacto de não-agressão”. Muito bonito e muitonobre, um pacto que, na minha avaliação, só poderia beneficiar ao candi-dato do PT. E, por conta desse acordo, a minha estratégia forte não pode-ria ser posta em prática, pois cheirava a agressão.

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Bacha 38,5%*

Zeca do PT 32,7%

Pedrossian 27,4%* Números oficiais do TRE.

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Imaginei que poderia haver algo por trás da decisão esdrúxula do candi-dato. E havia. Nos dias que passei em São Paulo, entre o 1º e o 2º turno,ele foi convencido a formalizar o tal “pacto” pela sua principal assessora po-lítica, Sandra Recalde. Ela fez toda a articulação, pessoalmente, junto ao Ze-ca do PT, político que conhecia muito bem: tinha sido a coordenadora dacampanha anterior, quando ele perdeu a prefeitura para André Pucinelli.

Jurava de pé junto que era ex-petista, mas seu modo de agir na campa-nha indicava outra direção. Mal conseguia disfarçar a alegria com a virada,que tinha alijado Pedrossian do 2º turno. Só mesmo o candidato não enxer-gava, ou não queria ver, o que estava acontecendo. Um assessor graduadosentenciou:

– É petista de carteirinha!

Se era ou não, é difícil afirmar com segurança. O fato é que prevaleceuo arreglo que ela patrocinou.

O outro erro: a tendência à inércia é uma praga muito difundida e acei-ta por candidatos e diretores de campanha que não compreendem o dina-mismo da operação e, muitas vezes, se acovardam perante o desconhecido.

– Está dando certo, então não vamos mexer.

Isso pode valer para futebol, onde “não se mexe em time que está ga-nhando”. Mesmo aí é discutível. E nunca vale para campanha eleitoral, on-de é necessário se antecipar aos movimentos nascentes na alma da popula-ção antes que eles se alastrem. Para isso é preciso ter visão. E coragem.

Tínhamos colhido uma espetacular vitória no 1º turno avançando pormeio de um programa de governo bem-estruturado, construído com pre-valência dos comunicadores sobre os técnicos. Uma típica campanha obrei-ra, prática, operacional, com as mensagens muito bem apresentadas.

A exigência para o 2º turno era diferente: os candidatos se assemelha-vam e o discurso tinha que se politizar. Os petistas certamente caminha-riam assim, e nós tínhamos que nos antecipar, para não ficar a reboque. Eeu já tinha vivido uma experiência semelhante na eleição de 1988, em SãoPaulo, quando o PT, com Luiza Erundina, politizou a campanha e acabouvencendo o obrismo de João Leiva e de Paulo Maluf.

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Não era minha pretensão agredir. Eu queria aguerrir.Quando tomei conhecimento daquela definição irrecorrível, informado

pelo próprio Ricardo Bacha, procurei o prefeito André Pucinelli. Apesar deele ser pessoalmente contra o pacto, tinha assumido o comando geral dacampanha, atendendo a um apelo do governador. Fui incisivo:

– Vocês vão perder a eleição! E eu estou fora...

Para mim tornou-se impossível ficar à frente do marketing e da comu-nicação, praticando uma linha estratégica da qual discordava de modo ab-soluto. Uma linha estratégica suicida. Minha equipe ficou trabalhando emCampo Grande, porém como simples executora, atendendo ao pedido doprefeito e à necessidade de não se criar um problema ainda mais delicado.

Ficou para assistir à vitória avassaladora do Zeca do PT.

Reparem que o candidato derrotado teve no 2º turno uma votaçãoigual à do primeiro. Também, pudera: chegou a declarar que “não precisa-va dos votos dos eleitores de Pedrossian”. Conclusão: com sua estratégia fa-lida, não conseguiu agregar nem um mísero voto aos que já tinha.

Em tempo: Sandra Recalde, a assessora que articulou o “acordo de não-agressão”, acabou sendo nomeada secretária de Comunicação no governopetista, até se envolver em denúncias de mau uso de verbas públicas.

Aoutra grande surpresa dessas eleições aconteceu no vizinho estado deGoiás, onde prestei uma consultoria à campanha de Marconi Perillo.

Faltavam 3 meses para a eleição e ele tinha acabado de ser indicado can-didato. As oposições tentavam se entender num verdadeiro balaio de gatos– um arco de partidos que ia do PPS ao PPB, passando pelo PFL e PSDB.O primeiro candidato escolhido tinha sido o deputado federal Roberto Ba-lestra, mas sua candidatura não decolara, aprofundando a crise. Também adeputada Lúcia Vânia não quis correr o risco. Sobrou para Marconi enfren-tar o consenso de que era praticamente impossível derrotar Iris Rezende. Eas primeiras pesquisas, como esta de agosto, comprovavam isso:

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Zeca do PT 61,2%*

Ricardo Bacha 38,7%* Números oficiais do TRE.

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O lançamento da nova candidatura alçou para a cena política goiana umjovem deputado federal de 35 anos, audaz, limpo, trabalhador incansável, do-no de uma força de determinação incrível. Começava a se compor uma equa-ção que nunca falha: uma boa campanha começa com um bom candidato.

Um dos principais comandantes da operação era o prefeito de Goiânia,Nion Albernaz, que, num primeiro momento me convidou para uma conver-sa e para fazer um “workshop” de 24 horas com a equipe contratada para acriação e produção da campanha. Ao final do dia explanei minhas conclusões:

– o mote da campanha já está em outdoors espalhados pela cidade:“Marconi Perillo – A história vai mudar”. É fraco, sem consistên-cia, uma promessa vazia;

– o candidato tem dois nomes fortes, precisamos escolher um deles.Recomendo que ele passe a ser tratado apenas como Marconi;

– o candidato tem uma personalidade política ainda frágil, para oque se espera de um governador de estado. É parlamentar atuan-te, mas carece até de formação universitária. Por isso precisa serapoiado, sustentado, por personalidades fortes do seu partido:FHC, os ministros Serra e Paulo Renato etc.;

– os líderes dos partidos que o apóiam – Nion Albernaz, HenriqueSantillo, Ronaldo Caiado – não têm convergência de linha políti-ca entre si, a não ser no oportunismo desta eleição. Não devem sermostrados, para que não se ressaltem as suas divergências;

– precisamos desestabilizar o Iris.

Não precisava pensar muito para perceber que o senador tinha deixadoum calcanhar à mostra, na sua tranqüilidade inconseqüente de “dono” doestado. Vejam só:

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Iris 65%*

Marconi 6%* Pesquisa citada pelo jornal “O Globo” de 23 de setembro de 98.

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– se assumisse o governo do Estado seria substituído no Senadopelo suplente, exatamente o seu irmão;

– cortara a possibilidade de um governador com muito apoio popu-lar, Maguito Vilela, reeleger-se, para ser ele próprio o candidato;

– Maguito, por sua vez, candidato ao Senado e com eleição prati-camente garantida, tinha como suplente exatamente D. Iris, a es-posa homônima do “chefe”;

– D. Iris acabaria virando senadora, pois já se anunciava oficial-mente que o titular voltaria para ser uma espécie de “gerente” dogoverno Iris.

Uma bem montada “familiocracia”, puro nepotismo ou, no jargão popu-lar, uma panelinha. Um ponto muito vulnerável na biografia de um políticorespeitável. Inaceitável, mesmo que, por outro lado, a população reconheces-se nele um dos mais importantes homens públicos de toda a história de Goiás.

A equipe local teve o mérito de encontrar uma fórmula muito eficientepara denunciar isso, através do comediante Pedro Bismarck, com seu perso-nagem Nerso da Capitinga. Aprovei a escolha com entusiasmo, alertando, to-davia, que o humor precisa ser usado com muito cuidado numa campanhapolítica. Não pode cair no ridículo, pois terá um efeito reverso, quebrando aseriedade que deve revestir todas as ações. Usado com propriedade, entretan-to, pode ser devastador. Isso ficou claro na minha segunda viagem a Goiânia,quando assisti e aprovei as primeiras gravações: estavam no tom exato.

Acompanhei o restante do 1º turno fazendo uma consultoria, com umavisita semanal e conversas diárias por telefone. Minha orientação principal erapara que a comunicação tivesse um eixo de consistência muito grande, paracontrabalançar a irreverência do Nerso, que diariamente brandia uma panelade ferro na TV, com seu jeitão caipira:

– Óia!... Eles tão tudo aqui. É tudo da mesma panela.

O PMDB reclamou na Justiça Eleitoral e conseguiu tirar o Nerso do ar.A população ficou horrorizada com aquele ato “de violência”, como di-ziam. O PSDB recorreu e Nerso voltou: um sucesso! Quando uma outra

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decisão judicial proibiu que se falasse na “panela”, foi pior. Nerso apareceucom a panela na cabeça, dizendo:

– Óia!... Num posso falar naquilo... ocês sabem o que é. Entoncesvou falar do meu chapéu...

Goiás inteiro se divertia e, em seguida, prestava atenção na mensagemforte daquele jovem destemido, capaz de enfrentar o imenso poderio de IrisRezende. Marconi começou a crescer muito fortemente nas pesquisas, ape-sar de não receber o apoio do governo federal no 1º turno, pois FHC pre-cisava dos votos dos dois lados para garantir sua própria eleição.

Foi aí que, perto do fim do 1º turno, veio a notícia: a equipe local quevinha fazendo a campanha peemedebista fôra dispensada e marqueteirosde São Paulo estavam assumindo o trabalho, também aqui comandadospor Duda Mendonça.

Para nós, o risco de Iris ganhar direto ainda era preocupante. Ele tinha umafrente de intenção de votos muito grande, tinha muita gordura para queimar.E a eleição estava absolutamente polarizada: os outros candidatos eram inex-pressivos, não ajudavam a dividir a votação para garantir o 2º turno.

A nossa equipe local e toda a direção da campanha se assustou com amudança. Corri para Goiânia para assistir ao primeiro programa da novasafra: “Iris fez, Iris faz, Iris vai fazer muito mais”. Edição de luxo, plastica-mente um primor. Quando o programa terminou fez-se um grande silên-cio na sala. Alguém suspirou fundo:

– E agora?

Como já conhecia o bordão, pude tranqüilizar todo mundo:

– Isso não funciona!

Quinze dias depois, o resultado das urnas surpreendeu os jornalistas e aclasse política brasileira:

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Marconi 48,59%*

Iris 46,91%* Resultado oficial do TRE.

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A revista Veja (14/10/98) reconheceu: “Ascensão de Perillo, auxiliada pelainércia de Iris, é aula de como funciona a política. (...) A virada de Perillo de-ve-se, em grande parte, aos erros do adversário. No meio da campanha, a tur-ma de Iris Rezende comportava-se como se já tivesse ganhado a eleição. Em vezde buscar votos, muitos de seus assessores estavam mais preocupados em dis-cutir o futuro secretariado”. É um erro comum, que sempre tento evitar:

– Não comece a governar antes de ganhar a eleição.

O ritmo de crescimento da candidatura Marconi era tão avassaladorque, em apenas 4 dias após a eleição, a diferença subiu de 2 para 23 pon-tos, nas nossas pesquisas.

Mas o 2º turno era muito curto, não mais que duas semanas de propa-ganda. Como eu já tinha assumido o compromisso de passar esse períodoem Belém, assessorando a campanha do senador Jader Barbalho, comple-tei meu trabalho em Goiás fazendo uma análise da situação, deixando coma equipe um relatório. Vale relembrá-lo, pois ali estavam delineadas as no-vas linhas estratégicas a serem seguidas:

1. PESQUISAS. Crescemos muito e muito rápido. Mas de-vemos ter cuidado com uma excessiva demonstração de força.É bom não esquecermos a lição do 1º turno, quando a cam-panha Iris insistiu num “pesquisismo” que acabou se virandocontra o feiticeiro. Uma certa modéstia, “fair play” e caldo degalinha nunca fazem mal.Recomendação: editar as pesquisas parcimoniosamente, semgrandiloqüência, sem pisar no adversário já caído.

2. DESCONHECIMENTO. Vimos (na última qualitati-va) que ainda há uma certa fragilidade no voto em Marconi,por ele ser AINDA desconhecido. É claro que todos sabemquem é o Marconi. Mas ele ainda não tem uma personalida-de política e administrativa de domínio público. Precisa pro-var que é capaz. Precisa ser ancorado, para eliminar e/ou mi-nimizar o tal “voto de risco” identificado na pesquisa.Recomendações:• Continuar apoiando-o com os ministros, FHC, Nion,

Cristovam Buarque etc.

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• Reforçar a biografia do deputado brilhante (cassou oNaya, etc) que tem estado presente nos mais importantesmomentos da cena brasileira.

• Compensar esse fato mostrando dois atributos que oMarconi tem de sobra – GARRA e CORAGEM –através de palavras de ordem e frases do tipo “quem te-ve garra e coragem para enfrentar Iris, terá muito maisno governo”.

3. SERIEDADE. Essa parece ser a tônica da recauchutadacampanha de Iris, neste 2º turno. Temos que contra-atacarcom as idéias fortes que temos: RENOVAÇÃO e MUDAN-ÇA. E podemos até, para confundir tudo, começar a falar deuma certa “renovação com seriedade”, ou da “seriedade da re-novação” que o Marconi vai implantar.

4. NERSO. Tem que ser bem dosado, tendo em vista os ru-mos que a campanha do Iris tomou: seriedade, competência eexperiência. Não pode sumir (seria covardia), mas tambémnão deve aparecer muito.Recomendação: colocá-lo no programa da noite, que é horá-rio nobre, só uma ou duas vezes até a eleição. Mas devemos co-locá-lo em alguns comerciais da manhã e da tarde e no pro-grama da hora do almoço.

5. SANTILLO. Impressionou-me a força com que o assun-to apareceu na pesquisa. É claro que o Marconi não pode,nem deve, renegar seu passado, suas amizades etc. Mastambém não é hora de assumir a defesa intransigente deninguém.Recomendação: vamos primeiro ganhar a eleição, depois fa-zemos um projeto de resgate da imagem do ex-governador.

6. BRANCOS/NULOS. Estão aí para serem conquistados enós precisamos começar a fazer acenos a eles, intensificando es-sa estratégia nos programas finais da campanha.Recomendação: criar uma campanha específica, com comer-ciais e pequenos “teasers” para nossa programação.

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7. IRIS SENADOR. Precisamos mostrar que não temos denos apiedar (nós, o povo goiano), pois o dr. Iris não vai ficarsem emprego: continuará senador.Recomendações:• Colocar isso na TV, com muita sutileza, através de Povo-

Fala;• Usar o rádio e o boca-a-boca;• Folheto-volante tratando do assunto com muita simpatia.

Pode ser apócrifo, ou assinado pelo recém-criado MIS – Mo-vimento Iris Senador.

8. JÁ GANHOU!!! Trata-se de uma praga perigosíssima,que já vi derrotar várias campanhas. A última, aqui mes-mo em Goiás, no 1º turno desta eleição. Temos que fazernovenas diárias e rezas bravas para que Deus afaste de nósessa epidemia pior que AIDS em Penitenciária. Vade re-tro, satanás!

Estava tudo traçado aí. Mas linhas estratégicas não são traçadas para se-rem imutáveis. Pelo contrário: têm que ser adaptadas, trabalhadas, melho-radas de acordo com o desenvolvimento da campanha. Por isso, três diasdepois, numa última passagem por Goiânia, avaliei o reinício da propa-ganda eleitoral gratuita e acrescentei dois itens ao relatório anterior.

9. DEBATES. Os adversários insistem em realizar uma sériede debates nas rádios, TVs, associações, sindicatos etc. Há uns15 já programados. Com isso querem acuar o Marconi que,por estar na frente, só tem a perder. Perde se não for, chamadode covarde. Perde se for, desgastando sua imagem que aindatem certa fragilidade (ver item 2 do último relatório).Recomendação: Partir para o ataque. Desafiar Iris paraum debate, num “pool” de emissoras, todas transmitindo aovivo. Um grande e único debate. E fazer isso com uma decla-ração pública do próprio Marconi, na TV. Tem que ser mui-to forte, desassombrada: ele não só não foge, como desafia eestá pronto para o debate.

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10. IMAGEM DE FHC. Muito espertamente a campanhaadversária trouxe o jornalista Rodolfo Gamberini, ex-TV Glo-bo, para ancorar o programa de Iris. Tudo bem, se Gamberininão estivesse presente na cabeça das pessoas por seu trabalhoimediatamente anterior, como apresentador da vitoriosa cam-panha de Fernando Henrique no 1º turno. Com isso eles ten-tam aproximar Iris do presidente já reeleito.Recomendação: Usar falas do Iris desancando pessoas muitopróximas do Planalto. Colocá-las principalmente no rádio e empanfletos, mas, se necessário, até na TV. Temos “takes” em que elesenta o pau no Serra, no Paulo Renato e até no presidente. Issovai neutralizar a tentativa de unir Iris a FHC. Aliás, a imagemde FHC agora tem que virar propriedade do Marconi, já queeles, inclusive, são do mesmo partido, o PSDB.

Com a minha ausência forçada, acompanhando pessoalmente a campa-nha do Pará, não havia ninguém habilitado a defender a aplicação das es-tratégias traçadas. Nesses momentos sempre aparece alguém, com o “achô-metro” ligado, pronto para salvar a pátria. São os palpiteiros de plantão, jáque no Brasil todo mundo entende de futebol... e de política. Foi assim queo comando da campanha optou por uma linha mais “light”, estilo “deixecomo está, que o tempo passa e chegaremos lá”.

– Esta ninguém tira. Está no papo.

Em Belém eu recebia telefonemas angustiados do Luiz Felipe Gabriel,ex-secretário de Comunicação do prefeito Nion Albernaz, incorporado àdireção da campanha e responsável direto pela minha ida a Goiás.

– Não estão fazendo nada do que você determinou. O negócio es-tá ficando perigoso, pois o Iris parou de cair, já dá sinais de res-surgimento e começa a crescer.

Uma eleição assegurada passava, assim, a correr riscos desnecessários. Sópude recomendar que ele orasse para que o dia de votação chegasse logo.Agora éramos nós que tínhamos “gordura” de sobra para queimar.

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Felizmente, para Marconi o tempo era realmente muito curto. Graças à“emenda da reeleição” diminuiu-se muito o tempo entre os dois turnos. Is-so dificulta a ocorrência de grandes alterações no quadro eleitoral e ajudaquem está na frente. De todo modo, o resultado final foi bastante apertado.

A reação de Iris e o explicável recuo de Marconi fez a diferença se redu-zir de 23% para 6,5% em quinze dias. Dá para perceber o que poderia teracontecido se a eleição fosse uma semana ou quinze dias depois...

Era uma vitória espantosa difícil de ser entendida por quem não viven-ciou a situação in loco. A revista Veja de 14 de outubro deu uma explica-ção bastante coerente: “Boas idéias no programa eleitoral, como as piadasde Nerso da Capitinga, ajudam a ganhar votos. Mas também não decidema parada, se o povo não gosta do candidato. No caso de Goiás, a explica-ção parece ser bem mais simples: depois de quase vinte anos sob o domí-nio absoluto de um cacique político, o eleitorado achou que era hora demudar.”

E o marketing político, bem aplicado, trabalhou exatamente nessesentido.

Otrabalho na campanha de Jader Barbalho tinha começado oito mesesantes. Logo depois do Carnaval de 98, o senador me expôs uma dúvi-

da shakespeariana: ser ou não ser... candidato ao governo do Pará? Se fosse,teria chances? Capacidade real de enfrentar os adversários, com possibilidadede vencê-los? Quais seriam os riscos de uma derrota? Derrota aceitável, oudesmoralizante?

Uma pergunta-chave: como responder a tantas perguntas?Mostrei-lhe que, atualmente, temos condições de responder a questio-

nários como esse de forma bastante segura. Isso é feito pelo aprofundamen-to de estudos sobre uma combinação de pesquisas qualitativas e quantita-tivas, mais uma análise da situação histórica local, mais o entendimento dosfatores subjetivos que permeiam os momentos políticos. Um trabalho cien-tífico, com margem de erro muito reduzida.

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Marconi 53,28%*

Iris 46,72%* Números oficiais do TRE.

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Fizemos isso para escolher Fleury como sucessor de Quércia, em 90. Sa-bíamos de antemão que o dr. Ulysses não era um candidato viável, em 89.Pudemos afirmar que André Pucinelli disputaria o 2º turno contra o Zecado PT, em 96, apesar de eles estarem respectivamente em terceiro e quartolugar nas pesquisas de intenção de voto. Com diagnósticos desse tipo, enfim,conseguimos mudar o rumo de dezenas de campanhas, nos últimos anos.

Chamei para me assessorar a pesquisadora mineira Iracema Rezende*,com quem tenho trabalhado em casos desse tipo, como alguns já mencio-nados: Maluf, Tuma, Marconi e Bacha. No início de abril o trabalho esta-va pronto e iria trazer novas preocupações ao senador.

Na apresentação lembrei-me de uma piada odontológica de aplicaçãocorreta naquele momento: depois de examinar o paciente, o dentista dizque tem uma notícia boa e uma ruim para dar-lhe. A boa: os dentes esta-vam num belíssimo estado de conservação. A ruim: uma doença de gengi-va faria com que todos eles caíssem rapidamente.

No caso de Jader, a boa: o senhor é líder na pesquisa de intenção de vo-to. A ruim: o senhor não ganha a eleição.

Realmente, a nossa quantitativa mostrava o senador com vantagem so-bre o governador Almir Gabriel. Mas a diferença era pequena, dentro damargem de erro, os dois na casa dos 30%. Em terceiro, o também senadorAdemir Andrade, próximo dos 10%.

Com os cruzamentos dessa pesquisa com a qualitativa concluí que, sealgum fato superveniente não ocorresse, as chances de Jader ganhar a elei-ção no Pará eram muito reduzidas. O quadro eleitoral mostrava as duasoutras candidaturas com boas possibilidades de crescimento, enquanto adele era estática. Uma intenção de voto muito firme, determinada. Porém,muito fechada em si mesma. Quem gostava dele, gostava muito. Masquem desgostava, também desgostava com vigor. Ambos com pouca pos-sibilidade de mudar seu posicionamento. Amor e ódio levados às últimasconseqüências.

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* IRACEMA REZENDE nasceu em Juiz de Fora-MG. É psicóloga. Iniciou-se em pesquisa no Instituto Vox Populi, emBelo Horizonte (89/94), destacando-se como trabalho de maior importância a campanha vencedora de Fer-nando Collor (89). Fundou e dirige a I.R. Pesquisas, empresa que atua nos segmentos mercadológico, institu-cional, político e governamental, com trabalhos qualitativos e quantitativos. Principais trabalhos políticos: 94– campanha presidencial de FHC e campanhas estaduais em SP, BA, RN, MT, MG, DF; 96 – várias eleições mu-nicipais em SP, RJ, MG e MS; 98 – campanhas estaduais em SP, GO, DF, PE, MG, ES, PR, SC, MS, MT, TO, PA, PI;2000 – eleições municipais em SP, SC, MG e MS.

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Os apoios que teria eram muito frágeis pois, na sua ausência, o partido(PMDB) tinha se enfraquecido no Estado. E a aliança agora feita com oPFL pouco, quase nada, acrescentava, num Estado com o PSDB no gover-no e o PT na prefeitura de Belém.

Já Almir Gabriel apresentava uma intenção de voto menor do que seusíndices de aprovação como governador – que eram muito bons. Ou seja,tinha espaço para crescimento. A população considerava que ele fazia umbom governo e podia-se perceber que a máquina estadual estava sendo usa-da com muita eficiência. Coisa de profissionais.

Ademir Andrade, mesmo encaixotado entre os dois figurões, carregavaconsigo todo o voto mais à esquerda, dentro da coligação PT/PSB e ou-tros partidos de menor expressão. Com um componente adicional: Ed-milson Rodrigues, prefeito de Belém (cerca de um quarto da populaçãodo Estado) tivera origem nessa mesma aliança e estava fazendo uma admi-nistração com bom reconhecimento popular. Na hipótese de guerra pesa-da entre os dois líderes, com agressões, xingamentos e baixarias, seria mui-to fácil ocorrer um crescimento fulminante da candidatura Ademir. Aexemplo, aliás, do que ocorrera na eleição anterior, quando Elcione Bar-balho, ex-mulher de Jader, se digladiou com Cipriano Sabino, o candida-to de Jarbas Passarinho, e o azarão Edmilson veio numa fulminante arran-cada por fora, para ganhar o páreo.

Agora havia um típico quadro de 2º turno praticamente inevitável. Porisso era preciso considerar, também, uma possibilidade extrema: o risco deuma derrota acachapante, com Jader fora dele. Um desastre com alcancemuito além do Pará, para um político de expressão nacional: interlocutorfreqüente do governo federal, liderança forte dentro do PMDB, em plenotrabalho para conquistar a presidência do partido.

Mais um agravante: no caso do 2º turno mais provável – Almir X Jader– os votos de Ademir tinham uma tendência bem-definida de migrarem pa-ra o governador.

Aparentemente, tudo apontava para a não-candidatura. Ficar quieto emBrasília, olhando os outros se engalfinharem. Aproveitar os próximos qua-tro anos de mandato assegurado no Senado Federal, preparando um mo-mento melhor, para uma candidatura sem tantos perigos.

O nosso trabalho, entretanto, mostrou uma outra faceta da questão.Muitas das dificuldades, que agora apareciam, tinham como causa o dis-

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tanciamento que a população sentia. Jader fôra, por duas vezes, um gover-nador muito próximo do povo. Assim ele era visto. Com a permanênciaem Brasília criou-se um vácuo que começou a ser preenchido pelos adver-sários. As queixas estavam na boca do povo:

– Jader não dá mais bola para o Pará. Só se importa mesmo coma política nacional.

– Até para passar férias, agora vai para Fortaleza, onde tem casa.

– Enriqueceu no governo e agora vai gastar lá fora.

A verdade é que, nos últimos quatro anos, uma grande quantidade de in-trigas e acusações foram espalhadas no Estado e, por total descuido, nuncamereceram a devida atenção, a resposta adequada. O veneno dos inimigosproliferou livre de qualquer antídoto, fazendo com que o germe da descon-fiança se desenvolvesse. Estava em formação um quadro com característicasde rejeição ao político que, inconscientemente, tinha-se colocado acima dodia-a-dia do seu povo. A campanha ao governo poderia ser a oportunidadede reaproximação.

Essa era a situação. Apresentá-la com toda a crueza da realidade era mi-nha obrigação. Tomar a decisão final era com Jader Barbalho.

Sei que ele pensou muito sobre tudo isso. Em todas as alternativas, to-das as possibilidades. Algumas vezes me pediu novas informações, comple-mentação de dados. Alguns dos seus mais próximos assessores desaconse-lharam a candidatura, assustados com as agruras que certamente viriam nacampanha. O conforto do Planalto Central seria muito mais convenientedo que uma luta desigual na selva.

Na hora certa, no meio do ano, tomou a decisão:

– Serei candidato!

Numa primeira visão parecia ser a opção mais difícil, ainda mais para umhomem que jamais conhecera o gosto amargo da derrota, nas oito eleiçõesdas quais participara. Mas também era a mais corajosa. Carregava a com-preensão de um político preocupado com seu futuro e a partir do entendi-

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mento de que era hora de jogar um lance de espera, no imenso xadrez dapolítica nacional. Uma jogada de longo prazo: Jader não mais podia ficardistanciado da sua base, longe do Pará. Afinal, em qualquer circunstância,será sempre nas margens das águas barrentas da foz do rio Amazonas e dosseus afluentes que terá de saciar-se de votos, com cheiro e gosto de povo.

Uma derrota programada dentro de condições normais não afetaria osplanos globais. Mas traria o político de volta, resgatando seu prestígio jun-to ao eleitor local que, em última instância, tem fundamental importância,já que terá de ser chamado outras vezes, para manifestar sua opinião.

O desafio era muito grande; as condições operacionais e os recursos,muito pequenos.

Cinco fiéis colaboradores cuidavam de toda a mobilização, agenda do can-didato, contatos políticos. Uma pequena agência de propaganda local (três sa-las, quatro funcionários) fazia a criação. A produção de rádio e TV foi mon-tada em três salas nos fundos do prédio da RBA – Rede Bandeirantes daAmazônia, de propriedade do candidato, com quinze profissionais contrata-dos para essa tarefa. Tínhamos duas equipes de externa e uma câmera no es-túdio. Uma ilha, que é um conjunto de máquinas de finalização e uma de edi-ção – tudo Super VHS, equipamento de qualidade e de recursos limitados.Nossa área de pesquisa tinha agora o comando de Fátima Pacheco Jordão*,com mais uma pesquisadora. O Comitê Central da campanha não tinha umlocal fixo. Era flutuante, bem de acordo com as águas da região: ora no jornalDiário do Povo (também de propriedade do candidato), ora na TV RBA, orana própria casa de Jader. Somando tudo, estávamos muito próximos do mí-nimo indispensável.

Contra nós, tudo o que se poderia exigir de mais moderno em tecnologiade comunicação, com equipamentos de última geração, operados pela finaflor dos profissionais locais e outros vindos de fora, sem limites humanos nemtécnicos. Para se contrapor ao jornal e à TV de propriedade de Jader (alcancelimitado à área metropolitana da capital), o governador contava com o apoioescancarado do grupo O Liberal, com o jornal de maior circulação em todo o

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* FÁTIMA PACHECO JORDÃO é socióloga, formada pela USP. Diretora da FPJ – Fato, Pesquisa e Jornalismo, empresa depesquisa de opinião, consultoria e assessoria de comunicação.Tem vários trabalhos publicados. Realizou pesqui-sas para jornais, revistas, empresas privadas e órgãos da administração pública. Principais pesquisas na área po-lítica: 90 – eleição estadual no PA; 92 – campanhas municipais em SP e BA; 94 – campanhas estaduais em SPe SE; 96 – campanhas municipais em SP e PA; 98 – campanhas estaduais em PI, PA, MS e SP. Sindicato dos Me-talúrgicos de Volta Redonda: 94, 96 e 98.

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Estado, mais a TV retransmissora da Rede Globo. Verdadeiros canhões, con-tra espingardas de chumbinho.

Com a figura da reeleição aprovada, o grupo ligado ao governador tinhacomeçado a campanha com muitos meses de antecedência: não havia buracono Pará que não fosse ornado por uma placa anunciando obras do governoAlmir Gabriel. A cooptação de lideranças no interior era impressionante: pre-feito que não aderisse via as verbas da sua cidade minguarem. Favores e no-meações eram distribuídos em quantidade só inferior a de cestas-básicas e ou-tros tantos brindes e presentes doados à população, conforme denúncia einvestigação feita pela própria Polícia Federal. Cartazes, folhetos e mexericosapócrifos inundavam as cidades.

Jamais assisti a um uso da máquina tão caudaloso.Não podíamos deixar correr solto. Fomos obrigados a partir fortemen-

te para o ataque, denunciando os abusos, as placas sem obra, as deficiên-cias graves que a onipresente propaganda oficial mascarava. Com muitocuidado, para não parecer agressão e acabar despertando o “efeito Ademir”:dois candidatos se engalfinham em agressões desmedidas, a população seirrita, um terceiro candidato, ausente da briga, fica livre para crescer.

Paralelamente foi sendo reconstruído o perfil trabalhador de Jader,resgatando as obras que ele deixara nos seus governos anteriores. E, porúltimo, conseguimos empatar a questão do apoio de FHC. Nesse últimoaspecto a situação era exatamente o oposto daquela que enfrentávamosem Goiás.

Ocorre que, num Estado carente como o Pará, o aporte de verbas fede-rais é de fundamental importância. Todos sabem disso. Tanto que o gover-nador, por ser do mesmo partido do presidente, tentou capitalizar essa si-tuação em proveito próprio. Nesse ponto valeu a Jader a força do políticode expressão nacional, capaz de exigir essa ajuda. FHC ficou distante daproblemática local e não apoiou ninguém abertamente. O quesito ficou nozero a zero.

No meio do processo, mais um ruído perigoso: marcou-se a eleição pa-ra a presidência do PMDB e Jader foi eleito. Essa grande vitória nacionalpodia ser vista, no nível local, como uma confirmação do distanciamentodo líder. E os adversários, é claro, tentaram usar isso.

– Agora é que o Barbalho fica de vez em Brasília.

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Tivemos que mostrar que o cargo é mais político do que executivo.Uma honra, jamais um desserviço, para o Pará.

A campanha governista ainda tentou um lance derradeiro, trabalhandointensamente para conseguir alguns poucos votos que garantiriam a vitó-ria, já no 1º turno. Mas o resultado da votação desfez o risco:

O resultado ficou exatamente dentro da melhor hipótese da previsãofeita oito meses antes. Já havia algo a comemorar e o candidato expressouseu sentimento:

– Fizemos a primeira parte do milagre. Vamos tentar a segunda.

Mas o milagre agora era muito mais difícil. A começar porque a apura-ção no Pará demorou mais do que em todos os outros Estados. Andava nomesmo passo das tartarugas, que muita gente comia ensopadas, no jantar,apesar da caça proibida.

Pela lei, a propaganda do 2º turno só pode começar após a proclama-ção oficial do resultado. Essa situação favorece quem está na frente, quequer manter o status quo. Não há propaganda, não há movimentação dacampanha, não há mudança nas intenções de voto.

Nós tínhamos pressa, os adversários não. Sabíamos que a populaçãopercebera a desigualdade de forças e não estava gostando. Sabíamos que asituação se invertera, agora era Jader quem ganhava alento, para crescer. Acaça ganhava ares de caçador.

No Brasil inteiro os programas do horário político já estavam no ar enós ali, imobilizados, esperando urnas lá dos cafundós chegarem trazidaspor sonolentas barcaças. O Pará foi o último Estado brasileiro a entrar coma propaganda gratuita, no 2º turno – esse é o fato. Apregoou-se que a Jus-tiça Eleitoral local foi lenta intencionalmente, o que é impossível provar.

Jader começou a crescer, muito além da melhor expectativa inicial. E oúltimo movimento da campanha também pesou a nosso favor: no debate,

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Almir Gabriel 44,5%*

Jader Barbalho 36,3%

Ademir Andrade 17,0%* Números oficiais do TRE.

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dois dias antes da votação, ficou nítida a superioridade do senador, que nãose deixou levar por provocações e apresentou um plano muito consistentepara governar o Estado. Foi essa a conclusão da pesquisa que fizemos, eraisso que se comentava nas ruas.

Com mais tempo de campanha, provavelmente o resultado final pode-ria ter sido melhor.

Jader foi quem mais cresceu, proporcionalmente. A vitória não foi aca-chapante – como os adversários esperavam – minorando o peso da derro-ta anunciada com antecedência de oito meses.

Almir Gabriel ganhou mais quatro anos à frente do governo. Mas, co-nhecendo toda a história desde o início, tenho convicção de que, na verda-de, foi uma eleição com dois vitoriosos.

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Almir Gabriel 53,8%*

Jader Barbalho 46,1%* Números oficiais do TRE.

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capítulo 3

Do amadorismode 76 a um modelo de propaganda

eleitoral, com Covas e Quércia

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Minha história com Orestes Quércia é uma dessas bem-acabadasobras do destino. Não era sequer para eu ter participado da campa-

nha dele ao governo do estado de São Paulo, em 86, que acabou consoli-dando a ligação. Aliás, por uma dessas incríveis ironias da vida, no inícioestive muito mais perto de trabalhar exatamente com o seu adversário maisimportante.

Rua Sergipe, 401, bairro de Higienópolis, São Paulo: em um grande so-brado funcionava o escritório eleitoral de Olavo Setúbal, presidente do Ban-co Itaú, que tentava se viabilizar como candidato ao governo do Estado.

Estávamos ainda no primeiro semestre de 1986, e o quadro eleitoralmostrava-se totalmente indefinido, com a quase certa candidatura de Pau-lo Maluf pelo PDS; o PT decidindo entre Lula e Suplicy; e o PMDB divi-dido entre a candidatura do vice-governador Orestes Quércia e um grupo(que depois viria a fundar o PSDB) reunido em torno do governador Fran-co Montoro, que ainda não tinha declarado apoio a um candidato especí-fico. Eles só não queriam a candidatura do vice.

Claudio Lembo, fiel escudeiro de Setúbal, advogado de múltiplas ap-tidões, chamou o jornalista Luiz Fernando Mercadante* para montar a es-trutura de comunicação da campanha. E este me chamou para coordenaro setor de rádio e televisão que, já se imaginava, deveria ser muito impor-tante. O horário político gratuito, agora bem definido pela lei, ocupariaum grande espaço em pleno horário nobre das emissoras de televisão, quejá atingiam audiências maciças em todas as faixas da população.

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* LUIZ FERNANDO MERCADANTE é jornalista. Foi repórter dos principais jornais e revistas do Brasil (54/70). Recebeuo Prêmio ESSO pela matéria “Brasileiros Go Home”, número 1 da revista Realidade. Editor–chefe de Cláudia,Playboy e Realidade; correspondente de Veja em Nova York (70/76). Diretor de Jornalismo da TV-Globo (SP eRio – local), diretor da Abril Vídeo (76/84). Coordenador de Comunicação das secretarias da Educação (92/93)e da Cultura (94) do Estado de SP. marketing político: 62 – assessoria de imprensa de Jânio Quadros; 85 – as-sessoria ao deputado Rubem Medina – Rio; 86 – direção da campanha de Olavo Setúbal e diretor de comuni-cação da campanha de Orestes Quércia; campanhas de televisão de João Leiva (88), Ulysses Guimarães (89),Almino Affonso (90), Presidencialismo (93), Orestes Quércia (94), Gilberto Mestrinho (96).

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Mas Setúbal era um banqueiro grande demais para encontrar um espaçoequivalente no meio político. Sua candidatura se inviabilizou e teve que abrirmão em favor do empresário Antônio Ermírio de Moraes, que trazia consi-go o PTB e, principalmente, a intenção de muitos peemedebistas – algunscom considerável peso político – que pretendiam fazer o partido apoiá-lo.

Num fim de tarde Ermírio foi receber a casa da rua Sergipe, que Setú-bal estava “doando” para a campanha. Chegou acompanhado do coorde-nador-geral, o ex-ministro Roberto Gusmão, e do novo coordenador decomunicação, o publicitário Mauro Salles.

Tínhamos sido consultados por Lembo se aceitaríamos continuar tra-balhando na nova campanha que se iniciava e até manifestamos um préviointeresse, desde que as condições nos conviessem, claro.

Mas não houve acordo, simplesmente porque o novo grupo não mani-festou nenhum interesse em ter-nos consigo. Vistoriaram o prédio, passa-ram pelas nossas mesas como se não existíssemos. Quando saíram nos olha-mos desconsolados... e saímos também, para não mais voltar.

A grande ironia: dois meses depois Quércia estava com a sua candida-tura aparentemente consolidada e convidou o Mercadante e a mim paramontarmos o seu programa de televisão. Exatamente o veículo que foi pe-ça fundamental para determinar sua esmagadora vitória sobre Suplicy, Ma-luf e o próprio Antônio Ermírio.

Eis um exemplo de como são as coisas: se nós tivéssemos permanecido,o programa de tevê do dono da Votorantim certamente teria sido diferen-te do que foi – e não estou fazendo um julgamento de qualidade, mas ape-nas uma constatação sobre diferenças de estilo. Pelas mesmas razões, o pro-grama de Quércia também seria diferente, já que seria feito por outrosprofissionais. Assim chega-se a um curioso e intrigante exercício de adivi-nhação: essa hipótese teria mudado o resultado eleitoral ? Um enigma quejamais será decifrado.

Conheci Quércia logo após a eleição para o Senado, em 1974. Eu eraeditor executivo da revista Nova, da Editora Abril, e aquele jovem senador,36 anos, solteiro, charmoso para os padrões femininos da época, era um te-ma de total adequação. Interessei-me em fazer o trabalho pessoalmente.Larguei a redação por uns dias e fui entrevistá-lo, conviver com ele, procu-rar revelar quem era aquela nova personagem que, vindo do interior de SãoPaulo, entrava com toda força na política brasileira.

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Escrevi um perfil – revista Nova nº 17, fevereiro de 75 – que naqueleano foi escolhido pelo júri do Prêmio Abril como um dos “Destaques doAno”. (Essa premiação era conferida aos melhores textos, fotos e ilustraçõeseditados nas revistas da editora.) O trabalho, relido agora, 25 anos depois,mostra-se de certo modo premonitório e esclarece alguns pontos da biogra-fia política e pessoal de Quércia.

SUPER-QUÉRCIA

Chegou com o paletó e a gravata na mão, desabotoando a camisa.Sentou-se no sofá de plástico amarelado, tirou os sapatos e as meias e des-cansou os pés sobre a mesinha do centro da sala. A presença de um estra-nho, observando a simplicidade franciscana do seu apartamento em SãoPaulo não incomodou em nada. Afinal, era apenas o contato inicial commais um repórter que queria escrever a sua história.

Mas eu, que esperava os formalismos de um primeiro encontro, nãopude deixar de me espantar. E achei que a reportagem começava a to-mar uma direção: Orestes Quércia, o rude, o bruto, o simplório.

No dia seguinte, a caminho de Campinas, terra onde ele se fez homem...e político, eu não conseguia encaixar aquela figura de pés descalços, cabelosdesalinhados, costeletas grossas, fora de moda, nos 4 milhões e 600 mil vo-tos que ele tinha recebido – a maior votação de um senador brasileiro, emtodos os tempos – contra 1 milhão e 700 mil do seu adversário, então sena-dor, ex-governador, homem com fama de bom e honesto administrador.

Junte-se a isso que, quando a candidatura Orestes Quércia fôralançada, poucos meses antes, ele não passava de um desconhecido não-ilustre, que podia contar com apenas 7% do eleitorado: pouco mais de500.000 votos. O crescimento da sua candidatura tinha sido verda-deiramente espantoso, fazendo nascer, em São Paulo e no Brasil, umnovo ídolo político, depois de muitos anos.

E outra coisa: para mim, os senadores sempre foram senhores de certa ida-de, pais, avós, vestidos de terno preto risca-de-giz, colete inclusive. Nunca ummoço como aquele, o senador mais jovem do Brasil, em todos os tempos.

Meu trabalho também poderia ir por outro caminho: Orestes Quér-cia, o ídolo, o recordista. Mas quando cheguei na sua casa em Campinas,percebi que muitas outras coisas deveriam ser descobertas. E confirmadas.

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Para quem tinha sido prefeito durante quatro anos dessa cidade, a 16ªdo Brasil em população, maior que Goiânia e Niterói, por exemplo, suacasa era absolutamente modesta. Mais parecia a casa de um simples fun-cionário da prefeitura, com sua entrada de cimento, com seu portão de fer-ro com trinco quebrado, sua cor azul-anil forte, seus móveis velhos, enver-nizados, seu despojamento completo. Com a cozinheira preta e magra,espontânea, que contava os gostos do patrão com imenso sorriso de dentesbrancos à mostra: feijão, arroz, bife e salada – “comida simples e muitobem feitinha”. Feijão, todos os dias, mesmo os de festa e os domingos.

“O senhor quer saber mesmo? Pois olhe, um dia o doutor telefonouconvidando seu Orésti para almoçar uma peixada. Pois para aceitar, eleperguntou se tinha feijão. Não tinha, mas também não foi problema: eumesma enchi uma cumbuquinha com feijão, que seu Orésti levou paracomer na casa do amigo.”

Aproveitei sua ausência para xeretar, conhecer todos os detalhes pos-síveis. Em toda a casa, o único toque um pouquinho mais sofisticado eraa presença de uma espécie de secretária particular, que cuidava da arru-mação geral, tomando todas as providências normais para a vida deuma casa; atendia o telefone que não parava de tocar um só instante;respondia às cartas; atendia as visitas na primeira saleta, uma espécie deescritório, com uma mesa e uma estante repleta de livros.

Tudo estava na mais perfeita ordem, tudo nos lugares certos: a mesade fórmica e as cadeiras de ferro e plástico na copa, os armários brancosda cozinha, as duas poltronas e o sofá da sala sem tapete, o cheirinhobom de comida se espalhando por todo o ambiente, a hospitalidade tí-pica das casas do interior. (Só pararam de me oferecer café quando, fi-nalmente, aceitei.)

E a simplicidade continuava no quarto do dono da casa, na cama desolteiro, coberta com uma colcha de chenile amarela; na escrivaninha pe-quena, em desordem como todas as escrivaninhas; no relógio marcado pa-ra despertar às 8 e meia; no livro – Incidente em Antares, de Érico Veríssi-mo – largado sobre a mesinha de cabeceira, marcado na página 202; emmais uma estante cheia de livros.

No guarda-roupa encontrei uma dúzia de paletós e calças que decidi-damente não poderiam ser considerados “na moda”, camisas, a maior par-te esporte, e uma meia dúzia de pares de botinas, dessas de couro com um

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elástico no lado. Mas o que me chamou mais atenção foram os dois violõese o violino, encostados num canto, junto com as roupas. Ali se confirma-vam duas informações que os jornais já tinham explorado com grandes le-tras: o gosto pelas serestas (testado sempre nas festinhas em casa de amigos,para agrado geral) e pelas botinas e a falta de gosto, ou seria uma manei-ra de ser, de viver com simplicidade todos os detalhes? A simplicidade esta-va comprovada naquela casa sem nenhuma demonstração de ostentação.E mais: havia em tudo um forte sintoma de autenticidade, de um homemque não tinha mudado sua vida, depois da chegada do sucesso.

Ele tinha combinado se encontrar comigo ali e já estava atrasado. Po-dia ter se esquecido, ter me deixado esperando, não ter dado importân-cia a mais um repórter que vasculhava a sua vida. Mas fez questão detelefonar avisando.

Então, eu teria tempo para novas descobertas. Como teria sido oOrestes Quércia, prefeito? Como era o seu Orésti, patrão?

Numa rápida pesquisa, feita no centro da cidade, as pessoas comquem conversei foram unânimes em dizer que ele tinha sido um grandeprefeito. Sua principal obra? “Rasgou a cidade com grandes avenidas, via-dutos, preocupou-se com o bem-estar do povo”.

“O segredo do sucesso alcançado é que ele sempre trabalhou com umaequipe. E trabalhou muito...” Era o dr. Oscar, médico jovem, velho ami-go, contando que Orestes Quércia tem “uma grande força de liderança,uma inteligência acima do normal, uma excepcional capacidade de ou-vir todos os detalhes e depois tomar uma decisão, que pode até mesmo sermudada, se ele perceber que está errado”. E mais: também foi um razoá-vel zagueiro central no time de futebol dos funcionários da prefeitura.

O dr. Plínio, que há muitos anos trabalha na prefeitura e até pensaem escrever um livro sobre os prefeitos que a cidade teve, confirma agrande capacidade de trabalho que viu bem de perto naquele prefeito doqual era chefe de gabinete: “Seu ritmo de trabalho era impressionante,coisa de dezoito horas por dia. E nós, que trabalhávamos com ele, tínha-mos que acompanhar”. Para ilustrar, conta que teve que pedir dispensade freqüência das reuniões do Rotary Clube, às 8 horas da noite, poissempre chegava atrasado, ou não ia. E o prefeito ainda achava um tem-po para estudar inglês, num grupo do qual faziam parte seus assessoresprincipais, às 8 horas da manhã, na Prefeitura.

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Ouvindo aqueles dois homens falarem, senti a admiração e o respei-to profundos que tinham pelo seu líder. Principalmente quando eles es-clareciam que faziam isso espontaneamente, sem que nunca OrestesQuércia tivesse pedido qualquer coisa.

Defeitos? O maior, provavelmente, um reconhecido excesso de pater-nalismo que ele, aos poucos, vai tentando minimizar. O que há, sem dú-vida, é um estranho carisma, uma grande força de atração pessoal. E éexatamente isso que se costuma chamar de “liderança”.

Naquele dia, à tarde, acompanhei Orestes Quércia a uma reunião,no seu escritório no centro de Campinas. Estavam ali dez outros homens.

Eram funcionários públicos, comerciantes, que junto com suas ativi-dades normais, trabalham para ele, sem ganhar mais do que palavras deincentivo. No fim de semana deixam suas casas, suas famílias e viajaminterior afora, num trabalho permanente para manter o nome do sena-dor em evidência e também para criar pontos de apoio para as campa-nhas eleitorais.

A justificativa desses homens é muito simples: “Gostamos dele, somosseus amigos”.

Percebi também que ele cultiva essas amizades com dedicação e natura-lidade. Tanto que um desses colaboradores me disse: “Orestes não é de dei-xar amigo nenhum na estrada”. Outro estranhou a minha curiosidade,aliada a uma certa incapacidade de compreensão, explicou, como se isso fos-se a coisa mais normal do mundo: “Aqui está cheio de gente capaz de dara vida por um pedido do Orestes”.

Fiquei de longe assistindo à reunião naquele escritório ainda cheio decartazes da campanha, vendo as suas secretárias se movimentando deum lado para o outro, para atender todas aquelas pessoas que iam alipedir desde um prato de comida, até “um emprego para o primo que che-gou do norte”, e que nunca saíam dali sem levar, “pelo menos, uma pa-lavrinha de carinho”.

Meus olhos constantemente voltavam para aquela figura calada, aum canto, vendo tudo, ouvindo tudo, falando pouco, mas esse pouco commuita decisão. Um verdadeiro Don Corleone acaboclado, entre sua gen-te – pensei.

A todos esse amigos que agora se preocupam porque ele vai para longe,Brasília, enfrentar uma tarefa bastante difícil, principalmente para quem

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“é muito mais um homem de execução do que de fazer leis”, ele diz sem-pre a mesma frase: “Podem ficar tranqüilos: eu serei um grande senador!”.

Para eles, que conhecem bem de perto sua capacidade de adaptaçãopara vencer obstáculos, não resta dúvida nenhuma.

Para mim, a reportagem estava ganhando um novo rumo: OrestesQuércia, o líder, o chefão.

Quando voltamos para a sua casa – na rua, nunca uma moça bo-nita consegue passar perto dele sem ser bem, muito bem admirada – asecretária lhe entregou a correspondência. Ele foi abrindo envelope porenvelope e devolvendo a ela com instruções: “Responda... arquive” etc.

Uma das cartas, num papel rosa decorado com florezinhas, não foidevolvida, provocando uma reação simpática da moça: “essa não querque eu responda?”.

“Essa não. Pode deixar que eu cuido pessoalmente do caso”, disse en-quanto guardava a carta no bolso da jaqueta. Era mais uma, entre asmuitas cartas diárias das admiradoras. Eu quis saber mais: porque esseinteresse pessoal, no caso?

“Porque ela trabalha no Consulado americano e lá eles só aceitammoças bonitas”.

É... estava ali mais uma característica sua: a predileção por mulhe-res bonitas, já quase transformada em lenda, depois dos sucessivos namo-ros com misses – três pelo menos.

A verdade é que, com 36 anos, solteiro, tido como bonitão, ele muitomais é procurado do que procura. Reconhece que gosta de mulheres sofis-ticadas, bonitas, inteligentes e bem vestidas, mas diz que só vai casar comalguém que também seja muito simples e não queira apenas se aprovei-tar da sua posição. Aliás, é isso que tem atrapalhado muitos dos seus na-moros. Reconhece também que precisa casar, não fosse por outras razões,até políticas, porque se considera um homem que gosta de ficar em casa“e é melhor fazer isso acompanhado, não acha?”.

Eu estava achando que, se o assunto já não tivesse sido tão explorado,até com manchetes sensacionalistas do tipo “Quércia procura uma noiva”,esta reportagem poderia enveredar por outra linha: Orestes, o charmoso, oconquistador.

No dia seguinte saímos cedo, no seu Dogde Dart branco, com esto-famento preto, para uma viagem de quase quatro horas. Destino: Pe-

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dregulho, a cidade natal querida, no norte do Estado, quase divisacom Minas. Finalmente seria possível conversar tranqüilamente comaquele homem que, até então, estava sempre rodeado de gente por to-dos os lados. Mal entramos na estrada, depois de passar por uma gran-de avenida que ele mostrou, dizendo com muito orgulho, “fui eu quefiz”, um dos ponteiros do painel marcou calor excessivo no motor.

Tranqüilamente, sem uma palavra de reclamação, parou o carro noacostamento, abriu a tampa do cofre e foi verificar o que acontecia: o ra-diador não tinha água. Antes que eu, ou o fotógrafo que nos acompa-nhava, pudesse dizer, ou fazer qualquer coisa, ele atravessou um capin-zal e pediu um balde de água numa casa. Cinco minutos depois,estávamos viajando outra vez.

Ele assobiando, batucando os dedos na direção, cantando: “Beijan-do teus lindos cabelos...”.

Já que ele cantava, poderíamos conversar sobre música, sobre a suafama de bom seresteiro. Mas ele me surpreendeu, contando a história deVivaldi e falando dos clássicos com uma desenvoltura inesperada: gostade Beethoven, “pela sua firmeza”, não gosta de Chopin “porque ele émuito triste”, nem de Bach, “porque é sempre igual, é música ambiente,para quem trabalha em escritório”.

Contou dos quatro anos em que aprendeu violino, com um tio quetem “alma de artista”, dos 10 aos 14 anos. “Quer ver uma música queeu tocava?” Mas antes que eu respondesse ele já estava assobiando.

Passar dos músicos para os escritores foi muito fácil, natural. Confes-sou-se leitor assíduo de ficção, e para pôr à prova suas palavras falei a res-peito de vários livros: ele tinha lido todos. Estava justificando o grandenúmero de volumes existentes nas estantes de sua casa. “No momento es-tou vidrado em De Gaulle. Esta é a terceira biografia dele que leio”, dis-se, me mostrando um volume, sua única bagagem na viagem.

Por fim confessou, com um pouco de amargura e muito de confor-mismo, que agora quase não tinha tempo e precisava se dedicar a obrassobre política e economia: “É chato, mas o que posso fazer? Preciso ler,então vou ler...”

Em matéria de cinema declarou-se apaixonado pelos “filmes neorealis-tas, franceses e italianos”. Um filme recente do qual tenha gostado muito?“Blow-up!”

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Este lado eu realmente não esperava encontrar: Orestes Quércia, oerudito.

Mas, da mesma forma que falava em discos, filmes e livros, tambémdizia acreditar em horóscopo: “No tradicional, meu signo é Leão, dina-mismo, autoconfiança. No horóscopo chinês sou Tigre, mesma coisa. Sãodois signos terríveis que quando se juntam, dá nisso”. (O seu dedo indi-cador apontava para o próprio peito.) “Está dando tudo certo comigo.Você sabia que este ano, 1974, é o ano do Leão e do Tigre? Veja só: tu-do veio de um vez só...”

Eu não sabia também que uma das características desses signos é “sem-pre atirar no alvo certo”. Pensei que o assunto tinha mudado para tiro.Acontece que, saindo da linguagem figurada, ele também é um bom ati-rador. Contou até que, uma vez, matou um gavião voando, com um ti-ro de Winchester. Mas pediu: “Não coloque isso na revista...” Novamen-te cantarolando – “Não chore ainda não, que eu tenho um violão...” – efalando com um sorriso maroto, talvez uma certa pontinha de inveja, so-bre Hugh Hefner, o dono do Playboy, “que tem duas mil coelhinhas à suadisposição”. E quando pensei que a viagem ainda ia em meio, estávamoschegando em Pedregulho, primeira vez que ele ia lá, depois das eleições.

Passou pelo posto de gasolina na entrada da cidadezinha, onde umgrupo de dez, quinze pessoas veio cumprimentar o filho ilustre, que vol-tava, coroado de êxito.

Mas em seguida, a caminho da fazenda do pai, comentava com desa-grado que “as pessoas tinham mudado... estavam ressabiadas”. E afinal, se-gundo ele, não havia razão nenhuma para aquilo. Ele é que não ia mu-dar, coisa nenhuma. Bem... tinha que ter paciência, esperar “que todapoeira baixasse, para tudo voltar a ser como antes”.

Ali estava o mesmo Orésti de sempre, conversando com o pai sobre ogado, a lavoura de café, o pasto recém-plantado, dormitando no sofá dasala despojado de luxo, à espera do jantar farto da fazenda.

Nada de preocupações, nem com a cadeira conquistada no Senado,nem com as duas imobiliárias em Campinas, que lhe garantem o suficien-te para viver bem, nem com 400 alqueires de terra boa, administrados pe-lo pai, nem com a chuva que não lhe permitia percorrer o cafezal a cava-lo. Talvez apenas um pouco assustado por ter agora uma vida tão pública,logo ele que preferia muito mais a vida simples do Orésti, menino quieto,

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de poucas brincadeiras, tão conhecido daquelas mesmas pessoas que fica-ram “ressabiadas” com a chegada do senador.

À noite, na festa de despedida de solteiro de um velho companheiro detravessuras, tudo voltou ao normal. Era a visão que provavelmente ele gos-taria de dar à reportagem: Orestes Quércia, o calmo, o tranqüilo filho deseu Octavio, de quem aprendeu o gosto pela honradez e pela política.

De madrugada, voltando para São Paulo, eu recordava aqueles três diascom a certeza de haver conhecido um homem que, se dissesse uma palavramágica e saísse voando para cumprir uma missão, ninguém estranharia,fosse em São Paulo, Campinas ou Pedregulho. O trabalho estava encerra-do: Orestes Quércia, o super-homem. Mas logo me dei conta que essa trans-formação jamais poderia ocorrer com ele, um super-homem de nascença.

Nos doze anos que se seguiram tivemos encontros fortuitos, ele na con-dição de senador, depois vice-governador. Eu dirigindo áreas de jornalismona Editora Abril, depois na TV Globo e, por fim, na Abril Vídeo, até mon-tar a minha própria empresa, em 83.

Nesse período também tive minha primeira experiência de montar e di-rigir uma campanha política. Foi na eleição municipal de 76, em Resende,Estado do Rio. Lá eu tinha uma chácara para passar fins de semana, depoistransformada em hotel. E tinha um vizinho, o maravilhoso anarco-publi-citário Frederico Carvalho que, por sua vez, tinha um sobrinho.

Era um jovem de 28 anos, neófito em política, que resolveu se candida-tar para enfrentar três candidatos da Arena, com suas votações somadas gra-ças à figura da sublegenda que vigorava naquele artificial sistema de bi-partidarismo imposto pela ditadura. No MDB, dois candidatos: Noelde Oliveira, político já conhecido, ex-deputado estadual; e o meu amigo,cúmulo dos cúmulos, também chamado Noel. Noel de Carvalho.

Tudo muito complicado: três arenistas, sendo dois ex-prefeitos e um co-ronel-professor; mais um político muito conhecido e chamado pelo mesmonome de Noel. Tudo isso tendo como cenário de fundo a Academia Militardas Agulhas Negras, em pleno regime militar. Detalhe: como toda a guarni-ção da Academia votava, inclusive os cadetes, estimava-se que o coronel-pro-fessor saía com uma frente de pelo menos 10%. Tudo complicadíssimo.

Com alguns estudantes universitários, arrebanhados na Faculdade deDireito, montei algo parecido com um Grupo de Pesquisa, sob orientação

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a distância da pesquisadora Neysa Furgler, minha colega de trabalho naEditora Abril. O primeiro resultado foi aterrador: Noel de Carvalho emdestacado último lugar, com 0,7% das intenções de voto.

Na criação dos materiais de comunicação contei com o talento do dire-tor de criação Zecca Freitas*,que na época trabalhava na agência Blase/DeCarli. E também com a ajuda esporádica do jornalista resendense MacedoMiranda Fº, diretor de redação de um novo programa no qual a Rede Glo-bo depositava alguma esperança: Fantástico, o Show da Vida.

Como a famigerada Lei Falcão proibia que os candidatos usassem o rádioe a TV, tivemos que inventar mídias alternativas. Foi aí que criamos um gran-de instrumento de comunicação, decisivo para a virada que iria acontecer.

Uma importadora trouxe dos Estados Unidos um projetor de filme Super-8, chamado “Fairchild”. A novidade é que era portátil, acondicionado numamaleta de 50 X 30 cm. Ao abri-la, surgia uma tela que mostrava as imagensgeradas por um retro-projetor. Um equipamento de operação muito simples.

Complicado foi fazer o filme, sem recursos, com o próprio Zecca ope-rando a câmera, com imagens da cidade que o Macedinho conseguiu sabeDeus onde. Para fazer legendas, o texto era pregado numa porta envidra-çada de correr, movimentada manualmente, a câmera fixa num tripé. O es-túdio era a varanda do apartamento de Zecca. Nunca mais pude repetir umamadorismo tão competente.

Noel era incansável, pela primeira vez me provando que uma boa cam-panha começa com um bom candidato. As três “Fairchild” alugadas roda-vam sem parar. Resultado: a cidade inteira assistiu aquele filminho de 10minutos, driblando os rigores da Lei Falcão. Foi a primeira campanha ele-trônica de TV, da qual tenho notícia, no Brasil.

Nossas pesquisas foram apontando um crescimento lento e gradual, se-melhante à abertura política que se anunciava no horizonte. Um cresci-mento firme até que, nas vésperas da eleição pude anunciar:

– O novo prefeito de Resende se chamará Noel.

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* ZECCA FREITAS (José Carlos Corrêa de Freitas) nasceu em Catanduva-SP, em 1945. É publicitário. Foi redator daNorton, diretor de criação da De Carli-Blase/Publicitas, e da Propeg-CP, diretor da revista Ponte Aérea, coor-denador de marketing do caderno Dipo na Publicidade (Diário Popular). Atuou nas campanhas de Noel deCarvalho-76 (Resende-RJ), Fleury-90 (Estado de S.Paulo), Sevilha-91 (Espanha), Carlos Dabdoub-91, Nilo Coe-lho-94 (Bahia), Célia Leão-96, Ricardo Bacha-98. Em 99 assumiu a vice-presidência executiva da ContextoPropaganda, atendendo várias contas do governo do Estado de São Paulo.

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Qual deles, só daria para saber ao final da apuração. Mas as nossas pesquisasjá anunciavam que a soma dos votos dos candidatos do MDB seria maior doque a soma dos candidatos da Arena. O resultado final da eleição confirmou:

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A apuração foi um sufoco extraordinário, voto a voto, com o Oliveirasempre na frente. Só na última urna, Noel de Carvalho, o “nosso Noel”,passou à frente, livrando uma vantagem de 22 votos. Na recontagem adiferença aumentou para 143 votos.

De todo modo, sofridos 22 votos, num universo de 36.976 eleitores, po-rém suficientes para começar uma bem-sucedida carreira política: foi prefei-to de novo, deputado estadual e federal, secretário da Agricultura e depoisda Educação nos governos Brizola, no Rio de Janeiro.

Foi em Resende que o telefonema de Orestes Quércia me en-controu:

– Quero que você venha fazer parte da equipe que vai produzir acampanha do PMDB.

No final de agosto vim para São Paulo, para a primeira reunião de tra-balho. Missão: estruturar e dirigir os programas de rádio e TV. Parei nabanca da Praça Villaboim para comprar o jornal Folha de S.Paulo, que co-mentava a eleição paulista, mostrando que Antônio Ermírio estava dispa-rado em primeiro, com Maluf em segundo, e Quércia muito distanciado,em terceiro lugar.

Para usar a expressão do jornalista Boris Casoy, que assinou matéria-ba-lanço sobre aquelas eleições, no início do horário da propaganda eleitoralgratuita, Quércia “batia no fundo do poço” (Folha de S.Paulo, 16/11/86):

MDB 15.951*

Arena 13.456* Números oficiais do TRE.

Antônio Ermírio 39%

Maluf 20%

Quércia 12%

Suplicy 7%

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Fui para o escritório do vice-governador, onde encontrei Mercadante.Ficamos conversando e, num canto da mesa, a Folha com aquela situaçãodesanimadora, fazendo pensar. Ele apontou para o jornal:

– Vai ser muito difícil reverter esse quadro.

Procurei animar:

– Vai, sim. Mas tenho certeza de que vamos fazer um trabalho pro-fissional, limpo, de bom nível e isso pelo menos é um confortá-vel consolo.

Mas Quércia chegou, sem nenhum abatimento.

– Vocês viram o noticiário, não é? (Segurou meu braço e o apertoufortemente. Olhava-me nos olhos, decidido.) Pois contra tudo econtra todos, nós vamos é ganhar essa eleição! Pode escrever aí.

Só ele conseguia acreditar nesse verdadeiro milagre, já que as condiçõeseram totalmente desfavoráveis. A começar pela crise interna do partido,com vários e importantes setores apoiando o adversário. Uns veladamen-te, outros escancarando portas de pseudos “comitês suprapartidários”.

Os recursos também eram muito pequenos, principalmente em compa-ração com os outros dois candidatos mais fortes, poderosos em quantida-de de dinheiro e de apoios. A verdade é que muitos caciques e liderançasdo partido estavam prontos para apoiar Antônio Ermírio. Não queriamQuércia candidato, de jeito nenhum.

Mas a tenacidade dele não tinha limites. Havia corrido todo o Estadoestruturando as bases do partido, que agora obedeciam ao seu comando.Não se dispunha a sequer conversar sobre uma possível desistência. Aocontrário, cuidava com afinco de montar uma engenharia política, acredi-tando que iria crescer na intenção de voto e aí os recalcitrantes viriam, porforça da gravidade.

O próprio governador Franco Montoro, de quem Quércia era vice, nãose mostrava disposto a arregaçar as mangas para entrar a fundo na campa-nha. Ele estava terminando um governo reconhecido como muito sério,

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mas pouco operoso, de acordo com as pesquisas do Instituto Gallup. Suapresença não era fundamental para o sucesso da empreitada.

O programa de TV teve que ser loteado para acomodar a todas as fac-ções: o vice Almino Affonso tinha direito a 1 minuto e trinta, os candida-tos ao Senado a 2 minutos cada, deputados federais a 4, estaduais mais 4.Sobravam 6 ou 7 minutos para as vinhetas, clipes musicais, reportagens efalas do candidato. Sobrava também o desafio de fazer um programa comalguma unidade, no meio daquele assustador balaio de gatos de todos osmatizes e raivas. Um programa que se destacasse no meio de um horáriopolítico com uma hora de duração, durante 60 dias seguidos. E não havia2º turno...

Oque aconteceu na campanha dos senadores é exemplar para mostrara situação insólita que vivíamos.

Elegiam-se dois em cada Estado. Em São Paulo, o grande favorito eraexatamente Fernando Henrique Cardoso, com 58% das preferências, can-didato à reeleição e recém-saído da campanha pela prefeitura. Em segundolugar, Mário Covas, com 49%. Os dois do PMDB, com a eleição pratica-mente assegurada.

A certeza da vitória era tão grande, que os estrategistas de Antônio Er-mírio optaram pelo lançamento de candidatos ao Senado desconhecidos esem chance, na esperança de que, inviabilizando-se a candidatura de Quér-cia ao governo do Estado, por falta de apoio popular, a chapa Ermírio –FHC – Covas virasse a opção natural da maioria, contra o malufismo, quenessa época ainda era o inimigo público nº 1, o mal maior a ser evitado aqualquer preço.

Até que ponto os dois candidatos ao Senado pactuavam com isso é di-fícil mensurar. Naquela época foram aventados sérios indícios de que, pelomenos um deles, jogava algumas fichas nessa alternativa.

Covas tinha uma campanha franciscana, apelidada pela nossa equipe de“Campanha PG” – pouca gente e pouca grana – fazendo também um tro-cadilho com a abreviatura da expressão “pago”. Os recursos eram tão dimi-nutos e gastava-se tão pouco, que tudo estava pago, de antemão.

Assim sendo, ele veio pedir a nossa ajuda para estruturar e produzir osdois minutos a que teria direito todos os dias na televisão. Como não ha-via condições para gravações externas, ele foi encaixado dentro da estrutu-

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ra geral do programa usando uma parte do cenário – um grande PMDBconstruído em tijolos aparentes, no fundo do estúdio da Abril Vídeo, alu-gado por nós. Afinal, eram tempos em que o partido era forte como a maissólida das construções. E com uma vantagem adicional: o custo era zero.As gravações internas estavam incluídas no valor total do programa.

Naquele canto ele começou a contar “histórias” com simplicidade e des-pojamento: de como tinha sido cassado; do diretório que subsistia por con-ta própria nos fundos de uma farmácia, do semanário na pequena vila dointerior que fazia editoriais apaixonados contra a ditadura; da moça que ti-nha falado com ele na rua; das suas experiências como prefeito, emociona-do por ver o pessoal trabalhando em mutirão, em pleno domingo. Parábo-las que sempre terminavam fixando a imagem do grande político, íntegroe eficiente, capaz de representar São Paulo com total competência.

A descoberta: ele era um magnífico contador de histórias.Fernando Henrique, ao contrário, contratou uma outra produtora de

vídeo, a Miksom Vídeo. Seus programetes eram produzidos em segredo, afita só chegava em minhas mãos em cima da hora de mandar o material pa-ra a TV geradora. Por mais competente que fosse a produção, o fato é queaqueles dois minutos ficavam totalmente desentrosados do espírito leve esolto do programa.

O candidato, sentado numa cadeira de espaldar alto, falava empolado,desfilava por entre pilhas de livros de uma biblioteca de móveis ingleses, pa-recendo ser um deles. Nas tomadas externas não passava credibilidade ne-nhuma. Só como exemplo, dá para pensar na sua figura na Basílica de Nos-sa Senhora Aparecida, tentando mostrar que agora não era mais ateu, comotinha afirmado na infeliz declaração da eleição anterior.

O pior de tudo: suas aparições eram precedidas e encerradas por umavinheta própria, que nada tinha a ver com o visual do nosso programa.Eram dois braços que se entrelaçavam e se davam as mãos – algo seme-lhante a uma logomarca de algum sindicato de trabalhadores. Ou seja: na-da a ver com a figura de intelectual que ele passava. Talvez uma simbolo-gia, aguardando a sagração de Antônio Ermírio, com quem se daria aunião final.

A intenção dos seus marqueteiros era clara: ter um programa especial,próprio e isolado, dentro do programa partidário geral. Separar-se de Quér-cia. E estar com a mão pronta para apertar novas mãos.

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Era demais. Por isso resolvi cortar fora as vinhetas. E aí começou o queficou conhecido internamente como a “guerra da vinheta”.

Os assessores de Fernando Henrique mandavam colocar. E eu manda-va cortar. Quércia foi consultado e adotou a minha posição, mas, para evi-tar ainda mais problemas, pediu que isso não fosse colocado como postu-ra dele. Seria simplesmente uma decisão editorial do diretor do programa.

De todo modo, o coloca-corta, corta-coloca, durou apenas o tempo deQuércia começar a subir nas pesquisas, quando se aceitou que a participa-ção do senador ficasse definitivamente sem vinheta. Até porque a preocu-pação dele e da sua equipe voltava-se para um problema maior, que já apa-recia e ameaçava se tornar muito sério: uma sintomática e continuadaqueda nas pesquisas de intenção de voto.

Para mim, o que estava para acontecer era evidente. Numa das con-versas diárias com Covas, para a preparação e montagem das falas dele(esta na presença de sua esposa, D. Lila) dei-lhes um grande susto comesta previsão:

– Mário, você vai ser o senador mais votado de toda a história das eleiçõesno Brasil.

– Mas... e o Fernando? Ele está disparado na frente.Covas disse isso com aquele seu vozeirão inconfundível, naquele mo-

mento com certa incredulidade, e ficou me olhando pensativo. Completeimeu raciocínio:

– O Fernando está bem na frente, mas se mantiver essa postura pro-fessoral certamente irá crescer menos. E a sua intenção de voto já passaa dele.

Para seu próprio azar, FHC manteve-se daquela mesma forma quaseaté o fim da campanha. Só nos últimos dez dias, quando a vitória deQuércia já era insofismável, ele apareceu no nosso estúdio pela primeiravez, para gravar cenas e falas junto com os outros candidatos, inclusivecom o futuro governador.

Já era tarde demais, como comprovou o resultado final da eleição parasenador:

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Mário Covas 7.785.667 votos*

Fernando Henrique 6.223.995 votos* Números oficiais do TRE.

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Até hoje nenhum candidato ao Senado conseguiu a proeza de ultrapas-sar essa votação do ex-governador de São Paulo. E, naquela eleição, os ou-tros candidatos ficaram muito abaixo dessa marca: Hélio Bicudo (PT) e Jo-sé Maria Marin (PFL) na casa dos 2 milhões, e os candidatos da chapa deAntonio Ermírio, ainda mais abaixo.

Apesar de todas as dificuldades (e talvez um pouco por causa delas)esse programa de TV do PMDB em São Paulo criou, nessa eleição

de 86, uma escola, um verdadeiro e acabado modelo de propagandaeleitoral.

Éramos um grupo muito pequeno – dez pessoas –, aglomerados emtrês salas e um estúdio alugados da Abril Vídeo, no bairro de Pinheiros.Contávamos com recursos e condições reduzidas – duas câmeras e duasilhas de edição U-Matic, onde também eram feitos os trabalhos normaisda produtora.

Ao coordenador da redação, jornalista Edson Higo do Prado*, entregueiuma lista com doze indicações de programas de governo, ainda mal-alinha-vadas, para serem transformadas em reportagens e programas. Era umamissão gigantesca para as nossas precárias condições de trabalho, iniciadoquinze dias antes da estréia da programação.

Ao se iniciar o horário político, no início de setembro, a situação do nos-so candidato não era nada confortável. E como não havia 2º turno, tínhamosque dar um salto duplo para passar os dois primeiros:

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A. Ermírio 34%*

Maluf 24%

Quércia 17%

Suplicy 9%

Simões 3%* Pesquisa Ibope, realizada entre 4 e 11 de setembro.

* EDSON HIGO DO PRADO é jornalista e consultor de Comunicação e Marketing. Trabalhou em importantes empre-sas de comunicação, como O Estado de S.Paulo (Jornal da Tarde), Editora Abril (revistas Escola e Quatro Ro-das) Rede Globo de Televisão e Sistema Brasileiro de Televisão. Foi sócio-diretor de produtora de vídeo e deagência de propaganda. Atua em consultoria para empresas privadas e públicas; entidades das áreas sindi-cal, de classe, Saúde e Saneamento Básico. Participou de campanhas políticas municipais (São Paulo, Campi-nas, Jundiaí e Paulínia), estaduais (São Paulo e Pernambuco), presidenciais (Ulysses-89, Quércia-94 e Fernan-do Henrique Cardoso-98) e do Plebiscito de 93 (Presidencialismo).

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Uma das grandes armas foi tirar proveito de um candidato com ex-celente presença na televisão. Na época, a jornalista Alice Maria, pode-rosa diretora dos telejornais da Rede Globo, passando por São Paulo,assistiu a alguns programas eleitorais e, numa frase bem-humorada,observou:

– Se ele não ganhar a eleição, eu o contrato para ser apresentadordo Jornal Nacional.

A boa atuação televisiva de Quércia fortalecia a difusão de algumasidéias básicas que se corporificaram num programa que, antes de tudo, eramuito gostoso de se ver. E de fazer. E que atendia com extrema força às li-nhas estratégicas traçadas e aos objetivos que se queria alcançar:

1. CARACTERIZAÇÃO DE QUÉRCIA COMO CANDIDATO DOS POBRES, ENQUANTO OS ADVERSÁRIOS ERAM OS CANDIDATOS DOS RICOS.

A partir da constatação de que, tanto Antônio Ermírio quanto Maluferam ricos, capitães de indústria e até provinham de famílias abastadas,pudemos estabelecer a diferença que seria muito importante para ajudarnosso candidato a conquistar votos entre a população mais pobre – exata-mente a maioria –, com sutileza: mostrando-o na frente da modestíssimacasa em que nascera, no interior do Estado; falando dos seus sonhos decriança pobre que, com muito esforço, tinha conseguido subir na vida –sonho da maior parte dos telespectadores.

Ou com total falta de sutileza: mostrando que os outros dois eram “fa-rinhas do mesmo saco”, mas sem ataques pessoais que poderiam compro-meter a estratégia. E assim, de um só golpe, conseguíamos atingir e abalara credibilidade de ambos os adversários que precisavam ser ultrapassados,pois a eleição era num só turno.

Fez muito sucesso uma série de esquetes do programa que mostravamduas pessoas sempre com aparência muito rica, discutindo num ambien-te também muito chique. Uma era partidária do Maluf, dizendo que eleiria ajudar os mais ricos; a outra divergia, afirmando que Antônio Ermí-rio é quem faria isso. Pela porta entreaberta dois empregados(as) espiavam

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a conversa e concluíam com jeitão humilde, pronunciando o nome docandidato como o povão falava, sem o “u” tremado:

– É por causa disso que eu sou mais Quércia...

2. TRABALHAR COM PROPRIEDADE OS TRÊS CONCEITOS PRIMÁRIOS –PASSADO, PRESENTE E FUTURO – QUE PERSONALIZAM UM CANDIDATO.

Mostramos Quércia revisitando sua infância, a base da sua vida, toma-do de forte e verdadeira emoção, aliás, a única emoção que existia em to-do o horário eleitoral; seu crescimento como homem, empresário e polí-tico em Campinas, onde acabara prefeito de incontáveis obras; suacombativa atuação como jovem senador da República. Em seguida, apa-recia o jovem e audacioso candidato, carregando uma bandeira de espe-rança, numa campanha cívica para levar São Paulo ao seu melhor destino.Tudo isso embasado num Programa de Governo factível, com sua óticanitidamente voltada para a população mais pobre.

Um fato econômico de momento veio nos dar o gancho indispensá-vel para levantarmos um tema de forte apelo popular. Em algumas re-giões, o inverno que terminava tinha sido muito seco e de muita geada.As pastagens estavam esturricadas, o gado emagrecido. Os jornais noti-ciavam a crise no abastecimento de carne que vinha tendo um brutal au-mento de preços, ameaçando o plano de estabilidade econômica que ogoverno Sarney lutava para manter em pé. Um simples bife tinha vira-do artigo de luxo, “só acessível aos ricos”. Quércia passou a denunciarque isso não passava de lockout dos produtores e que existia muito “boigordo” nos pastos. E ele, o Indiana Jones cabloco, iria confiscar essesbois, onde quer que estivessem. O Paladino da Justiça X Os Sonegado-res da Carne.

A discussão virou o grande assunto da eleição. E a grande preocupaçãodos adversários. Quando veio a denúncia de que, na fazenda do nosso can-didato, no norte do Estado, também havia boi gordo, tivemos que mostrarque era mentira. O que havia no local eram vacas. A atriz Bete Mendes,candidata a deputada, assistiu a uma ordenha, pegou um copo de leite e obrandiu para a câmera:

– Isto aqui é leite, “seu” Maluf. Leite de vaca, não de boi gordo.

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Bebia o líquido gostosamente, deixando no ar a gozação com um can-didato que não saberia nem identificar o sexo dos animais. Em casa, o pú-blico delirava... e fazia aumentar cada vez mais a intenção de voto emQuércia.

O tema foi tão forte que se tornou expressão comum, significandoencontrar um mote para a campanha. Em eleições posteriores, em vá-rias regiões do Brasil, ouvi o pedido:

– Precisamos encontrar o nosso “boi gordo”.

O problema é que esse tipo de ação não deve ser inventado. Não é cartatirada da manga, num passe de mágica. Se houver uma situação real, paraser explorada na campanha, ótimo. Se não houver, é melhor procurar ou-tros caminhos e não se perder rastreando uma falsa trilha de gado no pasto.

3. MARCAR COM EXTREMA FIRMEZA TODOS OS PASSOS DADOS NA

CAMPANHA DO PRINCIPAL ADVERSÁRIO.

E era marcação dura, homem a homem. Para desqualificar o programade Antônio Ermírio, que se chamava “Novo São Paulo”, criamos o quadro“Velho São Paulo”, onde antigas posições controvertidas do empresárioeram relembradas com humor cáustico. Tentaram pregar nele o rótulo de“bom patrão”, um conceito muito positivo. Tivemos que reagir mostrandoproblemas que a rigor muitas grandes empresas têm, mas que naquela cir-cunstância desmentiam a afirmação.

Um outro fato fortuito veio nos ajudar a expandir o antídoto, ou seja,o conceito negativo. Numa das fábricas do grupo empresarial comandadopor Antônio Ermírio, em Itapessuma, Pernambuco, foram constatadosvários problemas de poluição, afetando a saúde das pessoas. A ecologia co-meçava a ser debatida na mídia; afrontá-la não era postura condizentecom um “bom patrão”.

Nossa reportagem esteve no local e trouxe imagens e testemunhos demuito impacto. Tanto, que resolvemos colocar uma advertência, antece-dendo a exibição do material:

“Tirem as crianças da sala, pois agora seremos obrigados a apresentarcenas muito fortes”.

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Mais do que aos pais, a advertência atingiu ao juiz eleitoral de plantão,na emissora que estava gerando os programas eleitorais.

Naquela época a censura era feita ao vivo: se o juiz identificasse algoque julgasse impróprio, tirava o programa do ar no ato.

Aquela atitude só serviu para despertar muita curiosidade sobre o ma-terial que, num julgamento posterior, acabou definitivamente vetado nohorário político.

Na verdade, o que a imaginação das pessoas criou, diante da tela cen-surada, era muito mais terrível do que as imagens captadas na fábrica. Oestrago feito pela tela preta foi muito maior do que teria sido, com a exi-bição das imagens.

Completando a ação, nada nos impedia de fazer cópias e espalhar a repor-tagem pelo Estado, exibindo em sessões privadas em sindicatos, associações etc.

No nosso programa de TV passávamos as repercussões: o escritor e can-didato a deputado Fernando Morais, por exemplo, entre soluços, dizendo-se horrorizado com o que tinha visto na fábrica de um homem que preten-dia governar São Paulo.

O “boi gordo” e Itapessuma se transformaram no grande sucesso daque-la temporada eleitoral. Embalando a cena como música de fundo, uma me-lodia de fácil memorização, com versos de extrema simplicidade, criação doautor teatral e de novelas Benedito Ruy Barbosa e do seu irmão, Eli Barbosa:

O sol nasceu pra todosPara mim, para você

Vote em Quércia, Vote em QuérciaP – M – D – B.

Com o crescimento da candidatura, logo Quércia se igualou e ultrapas-sou Maluf que, como as pesquisas de intenção de voto mostravam, estavaficando fora do páreo. Deveríamos ignorá-lo e ir em busca da liderança,claro. É... mas as nossas pesquisas qualitativas, conduzidas pelo Carlos Ma-theus, do Instituto Gallup, apontaram uma demanda popular para que ata-cássemos os dois, indistintamente.

As pessoas exigiam que a gente também “descesse o cacete no Maluf”. En-tão, mesmo com a certeza de que ele não era o inimigo a ser combatido,montamos um quadro que desmontava o principal mote da campanha dele:

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“Maluf faz, faz, faz...” Ao qual acrescentamos o refrão: “a gente andar pra trás,trás, trás...” E a imagem vinha em marcha a ré, enquanto o texto lembravade problemas e processos que o ex-governador vinha enfrentando.

A campanha empolgou. E como em geral não se ganha eleição sozinho,também neste caso fomos ajudados pelos erros dos adversários. Maluf comuma campanha asséptica, sem emoção, insistindo em mostrar obras. Antô-nio Ermírio, dentro de um estúdio, mal-enquadrado, mal-iluminado, comum quadro-negro na frente, professoral, falando de forma incompreensívelpara a grande massa da população. A duas semanas da eleição mostramos,no ar, o naufrágio dessa candidatura, com a imagem do Titanic afundan-do, “apesar de carregar um bando de milionários”.

E o golpe de misericórdia veio com as imagens de Brasília, com Quérciarecebendo o apoio explícito de Sarney, que nadava de braçada em grandio-so apoio popular, a bordo do Plano Cruzado. Acabara com a inflação e de-ra ao País uma nova moeda, além de um mar de esperança. (Anos mais tar-de, em outra eleição e com outro presidente, os marqueteiros de Malufcopiaram essa mesma cena de apoio e o resultado foi negativo, com o tirosaindo pela culatra. Mas essa é uma história a ser contada mais adiante.)

O resultado final não deixou dúvidas:

Posteriormente, o apoio do presidente chegou a ser chamado de “estelio-nato eleitoral”, já que o Plano Cruzado teve que sofrer correções posteriorese acabou fracassando. De minha parte, não posso acreditar em algum tipode má-fé, pois estive presente em todo o processo e testemunhei, inclusive,a conversa de Quércia e Sarney em Brasília. Na campanha, em nenhum mo-mento se imaginava que o plano corresse qualquer risco de não dar certo.

O título da matéria-balanço da Folha de S.Paulo indicou o responsávelpela espetacular virada: “No horário gratuito, a guinada da campanhapaulista”.

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Quércia 36,1%*

Antonio Ermírio 23,7%

Maluf 17,2%

Suplicy 9,7%

Simões 1,6%* Números oficiais do TRE.

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capítulo 4

Dr. Ulysses,o candidato certo, na hora errada.

Collor, o vice-versa.

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Fiquei pasmado quando o então governador Orestes Quércia me comu-nicou, em maio de 1989, que iria dar todo o apoio ao dr. Ulysses Gui-

marães, nas primeiras eleições presidenciais diretas, após a redemocratiza-ção. Mais: queria que eu comandasse a comunicação da campanha.

Na época eu prestava uma consultoria independente, participando di-retamente da elaboração de toda a propaganda do governo do Estado deSão Paulo. O governador atingia o auge do seu prestígio, gozando de umamajoritária aprovação popular. Minha opinião era que ele próprio deviaser o candidato. E muitos líderes importantes do PMDB também pensa-vam assim. Havia um movimento crescente, apelos, conversas de pé deouvido. Mas sempre que o assunto era levantado vinha uma reação commuita ênfase:

– Não sou candidato!

Claro que ninguém do círculo mais próximo – nem eu – acreditava.Deveria ser jogo de cena, aguardando a hora certa para o lançamento dacandidatura. Ele retorquia:

– Não é hora de ser candidato. Estou construindo uma obra que vaimudar a face do estado. Quero terminá-la.

Ele tinha justificativas para provar que o momento não era adequado.Teria que renunciar ao governo de São Paulo, mas duvidava da lealdadedo vice Almino Afonso, que assumiria em seu lugar. Não era uma eleiçãogarantida: havia muitos riscos, o quadro eleitoral certamente seria muitocompetitivo. E, para completar, mesmo que tudo desse certo na eleição, opresidente eleito, ao ser empossado, estaria às voltas com um país destro-çado na liqüidação do governo Sarney, com a inflação batendo recordeshistóricos.

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Na sua avaliação, não sendo candidato agora, terminaria o governo compouco mais de 50 anos de idade, consagrado como administrador e conso-lidado como líder nacional. Nas eleições seguintes seria uma barbada.

– Chego lá, mas não será agora...

Meu espanto foi entender que não havia nenhuma cortina de fumaça. Aargumentação era verdadeira e sincera. E quem era eu para duvidar daque-le raciocínio, partindo de alguém com a carreira impecável de Quércia? Seiseleições vitoriosas seguidas: vereador, deputado estadual, prefeito de Campi-nas-SP, senador, vice-governador, governador. Como duvidar daquele lancede um jogador reconhecido como grande mestre do tabuleiro político?

Só o passar do tempo acabou me mostrando que aquela decisão foi ape-nas o primeiro grande erro, de uma série.

No dia anterior tinha havido uma reunião dos principais cardeais dopartido, na casa do dr. Ulysses, em São Paulo. A rua Campo Verde,

no Jardim Paulistano, ficou congestionada, conforme noticiou a imprensano dia seguinte. O objetivo da maioria daquelas pessoas era fazer com queo grande líder continuasse dirigindo o PMDB, mas desistisse da candidatu-ra. Esperava-se apenas um sinal, talvez o assentimento de Quércia, para quea insurreição fosse deflagrada. Mas, de tudo o que pude observar, ele nãomexeu uma palha nesse sentido. Pelo contrário, respirou aliviado depois queD. Mora fez um discurso emocionado, defendendo e sacramentando a can-didatura do marido. O partido inteiro teve que aceitar, resignado.

Minha primeira providência prática foi encomendar uma grande pes-quisa qualitativa nacional, para que se pudesse entender as expectativas dapopulação e de como o candidato se inseria naquele momento político. Otrabalho foi coordenado pelo pesquisador Orjan Olsen, que tinha saído doIbope para montar, com outro sócios, sua própria empresa, a CBPM –Companhia Brasileira de Pesquisa de Mercado.

O resultado veio devastador. O dr. Ulysses não só era identificado como governo Sarney como, mais que isso, era compreendido como o políti-co que mais mandava no País, governo e presidente incluídos. A rejeiçãode ambos era assombrosa, beirando os 80%, índice semelhante ao da in-flação mensal. O descrédito popular era absoluto. Tão forte que não dava

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para vislumbrar alguma mínima possibilidade de recuperação. Um horrorcompleto.

O homem que tinha enfrentado os cães da ditadura, o Sr. Diretas Já, oartífice da Constituinte... toda a fantástica biografia do dr. Ulysses nada va-lia naquele momento, como moeda eleitoral. Quércia telefonou, queria sa-ber o que tinha acontecido na pesquisa. Resumi numa frase:

– O dr. Ulysses é tudo o que a população não quer.

O que a população queria? Renovação. O perfil que se pretendia parao presidente a ser eleito coincidia exatamente com a imagem de Quércia,naquele momento. Certamente ele teria sido um candidato muito com-petitivo. E entre os candidatos já postos ajustava-se, com perfeição, à fan-tasia que vinha sendo construída por Collor.

– É preciso fazer alguma coisa, governador.

– É claro que vamos fazer. Vamos fazer uma belíssima campanhapara o dr. Ulysses tentar reverter esse quadro. Pode providenciartudo o que for necessário.

E assim foi feito. Não faltaram recursos, pois Quércia usou o peso do seucargo para convencer doadores. Pude montar uma das melhores e mais com-pletas equipes que qualquer campanha possa ter tido. Alugamos escritórios eestúdios da TV Manchete, com equipamentos de última geração – tinhamsido comprados no Japão e o único trabalho anterior fôra a cobertura daOlimpíada de Seul. Tínhamos sede em Brasília, sub-sede em São Paulo e cor-respondentes espalhados por todo o Brasil, prontos para entrar em ação. Ne-nhum dos candidatos tinha uma estrutura nacional tão bem montada.

Os editores, redatores, repórteres, cinegrafistas eram o que de melhorexistia na televisão brasileira. Demo-nos ao luxo de ter a encantadora Síl-via Poppovic como apresentadora dos programas da tarde e a grande atrizElizabeth Savalla dando forte dose de emoção aos textos que interpretava.

Só faltava um candidato adequado.Num convívio de três meses, com extrema proximidade, descobri na es-

sência daquele homem muito mais do que um político experiente. Ele tinha

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atingido algo como se fosse um grau de santidade. Não tinha maldades, nãotinha ódios, parecia pairar docemente acima da pequenez mundana.

Nunca tinha participado de uma campanha majoritária real. Foi an-ti-candidato a presidente em 73, sem chances de se eleger, apenas paramarcar posição contra a ditadura que elegia apenas com o voto dosquartéis. Era deputado federal quase vitalício, elegendo-se com votosde todos os rincões do Estado, puro reconhecimento à sua atuação po-lítica desassombrada.

Agora acreditava piamente que o peso da sua história seria suficiente pa-ra elegê-lo presidente da República. Longe de ser uma atitude arrogante,era mais uma espécie de conformação com os desígnios do destino. Tinhacerteza que o Brasil precisava de estabilidade, ou seja, precisava dele e nin-guém tiraria a sua vez. Todos tinham que saber disso e, mais cedo ou maistarde, acabariam caindo em si.

Podia até ser verdade, mas o problema é que o Brasil não sabia e nãoqueria saber disso. Os brasileiros estavam muito mais propensos a experi-mentar algo novo. Collor vinha na frente, fazendo crer que caçaria os ma-rajás. Guilherme Afif Domingos, do PL, ameaçou crescer, levando espe-ranças para a pequena e média empresa. Covas teve seu momento debrilho, pregando o choque do capitalismo. Lula veio forte, carregando abandeira de medidas socializantes, com Brizola por perto, correndo namesma raia.

Em nenhum momento a candidatura do dr. Ulysses deu qualquer sinal devida eleitoral. Mostramos a história da sua vida, a coerência, a dedicação, oequilíbrio, a liderança, todas as qualidades essenciais de um presidente. Lem-bramos que grandes líderes mundiais – Churchill, Roosevelt, Mao-Tse-Tung,De Gaulle – foram chamados a agir em momentos críticos da história dos seuspaíses, tendo já uma idade avançada, mais que os 73 anos do dr. Ulysses.

Tentamos desvincular sua imagem de Sarney, apresentando reportagenssobre os desacertos do governo. Apresentamos um competente programade governo, coordenado pelo economista Luciano Coutinho. Aliviamos aseriedade editorial, assumindo a inevitável idade do candidato, através deuma música singela, de fácil memorização: “Bote fé no velhinho / o velhi-nho é demais / Bote fé no velhinho/ que ele sabe o que faz...”

Nada adiantava. Nossas pesquisas mostravam que o programa era bemaceito, todos respeitavam sua figura política, gostavam dele, acreditavam

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nele, a música era muito gostosa, mas... Sempre havia um “mas” criandoum bloqueio intransponível no inconsciente coletivo que não deixava quese considerasse sequer a hipótese de opção por aquele candidato.

Com a candidatura estagnada, lá pelo meio da campanha, começaramas pressões para que o dr. Ulysses desistisse em favor de um candidato quepudesse enfrentar Collor, “unindo as esquerdas”, aquela ladainha de sem-pre. A essa altura, o ex-governador de Alagoas já estava consolidado comoparticipante quase certo do 2º turno.

Um dos principais defensores da tese da “união” era exatamente WaldirPires, ex-governador da Bahia, que tinha renunciado para ser candidato avice, na chapa do PMDB. Lá pelo meio da campanha ele decidiu exporsuas razões dentro do nosso programa de TV e eu tive que vetar até que odr. Ulysses voltasse de viagem, dois dias depois.

Geraldo Walter, o competente marqueteiro baiano que assessorava Wal-dir, armou um grande circo, espalhou todos os boatos possíveis e a impren-sa chegou a noticiar a minha demissão. Estaria assim aberto o caminho pa-ra o enfraquecimento final da candidatura e até da capitulação, com umapossível desistência. Mas não era isso o que o dr. Ulysses queria. Eu sabiaexatamente qual seu pensamento e estava sendo apenas o porta-voz. Na suavolta o veto foi mantido, mas tive que suportar o ônus da decisão sozinho,pois o candidato já não tinha forças para tomar atitudes definitivas.

Dava impressão de estar ausente de todo o processo, simplesmente es-perando o milagre em que só ele acreditava. Era impressionante o seu iso-lamento. Numa segunda-feira telefonei para o ex-ministro Renato Archer,coordenador geral da campanha, para saber a programação daquela sema-na. Pois a semana estava começando e não havia programação nenhuma.

Os poucos amigos desapareceram, limitavam-se a telefonemas conspi-ratórios, sem nenhuma ajuda efetiva. Cheguei à conclusão que a famosa“turma do poire”, os amigos que se reuniam para discutir os problemas bra-sileiros e tomavam o digestivo após as refeições, foi um grupo presenteprincipalmente nas várias oportunidades em que o poder passava pelasmãos do dr. Ulysses.

Ele, no entanto, passava por tudo aquilo com uma altivez de lorde inglês,mas sem nenhum traço de prepotência. Às vezes me dava a impressão de queele não conhecia, de fato, toda a extensão da realidade em que estávamosatolados.

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Todas as noites me telefonava para saber o que tínhamos preparado pa-ra o programa do dia seguinte. Nessa conversa, resolvíamos a linha básicadas suas falas. Eu insistia que ele tivesse uma participação mais efetiva nasdecisões sobre os rumos do marketing e da propaganda, mas pouquíssimasvezes teve algo a acrescentar, ou mudar.

Levantava-se bem cedo e escrevia os textos respectivos. Todas as ma-nhãs, por volta das 9 horas, o fiel assessor Oswaldo Manicardi chegavana produtora com uma ou duas folhas de papel-carta preenchidas pelaletra miúda do dr. Ulysses. Belos textos quando lidos no papel. Um pou-co gongóricos para serem falados na televisão. Copidescava-os pessoal-mente, colocava no “teleprompter” e ficava aguardando sua chegada pa-ra gravar.

No dia do último programa, o texto atrasou. Liguei para saber o queacontecia e Oswaldo me informou que o candidato ainda estava escre-vendo. Tinha acordado de madrugada, estava debruçado sobre o papelhá horas.

O tempo foi passando, a preocupação aumentando, pois tínhamos ho-rário para entregar a fita gravada e editada na TV Nacional, em Brasília. Derepente, vou indo pelo corredor acompanhado do jornalista Luiz Fernan-do Mercadante, quando a porta de entrada se abre e entra o dr. Ulysses comtrês folhas manuscritas na mão. Entrega-me a papelada, solene, mais sériodo que nunca:

– Aqui está, Santa Maria. Com este pronunciamento vamos viraresta eleição.

Na sua quase ingênua santidade, ele acreditava piamente que isso seriapossível.

Fui para o estúdio dirigir a gravação com um nó na garganta. Era o fimde um estreito relacionamento de três meses, nos quais esqueci os óbicesiniciais e mergulhei de cabeça. Tínhamos estabelecido uma grande cumpli-cidade que, para mim, se coroava num misto de respeito, admiração e atéagradecimento pela confiança depositada.

Vontade de chorar. E não era pela troca involuntária de nomes que elefizera, trocando as santas – Rita por Maria – nada disso.

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O “pronunciamento” era belíssimo. Vale a pena lembrar alguns trechosdele, verdadeiro hino de amor à Pátria:

Vizinho das eleições, consagra-se um vitorioso: o povo brasileiro. Mo-bilizou-se e encheu praças e ruas com gritos, aclamações, cantos e braçoserguidos. Ganhou a democracia, iluminada pela esperança, aquecida pe-la fé de que as coisas vão melhorar.

A caminhada do MDB, atual PMDB, foi para chegar a esse dia.Durante mais de 20 anos foi a Nação, como sua voz de liberdade, anteo terror, não se aterrorizou, não se sujou como cúmplice da didatura, nãomamou nas tetas assassinas da opressão. (...)

Alguns agora nos jogam pedras. Confirma-se a dolorosa regra daprecária conduta dos homens: o dia do benefício é a véspera da ingra-tidão. Não importa. Fizemos. Falamos de novo: a paz da família bra-sileira supera qualquer ressentimento. (...)

Na campanha e nesse programa, durante 60 dias, conversamos comvocê. Não injuriamos sua inteligência com a demagogia, não menti-mos, não induzimos sermos os melhores, insultando os adversários comoos piores. Quem julga é o povo, é você. Não somos nós, suspeitos por ser-mos concorrentes.

Não fui sequer difamado, ou caluniado. Pelo menos esse respeito tri-butaram à minha vida pública. Não perturbamos qualquer reunião empalanque: a liberdade de falar e de ser ouvido é um dos principais di-reitos da democracia. Quem não respeita isso nos comícios, acabará comisso no governo. (...)

Última advertência: é tarde, mas ainda é tempo. Aos dissidentes, quevieram da frondosa árvore peemedebista, impõe-se o reencontro do velhoe honrado solar paterno, para a construção do novo Brasil. Por derradei-ro, espero que os patriotas ouçam a súplica de um veterano combatente daliberdade, que juntos conquistamos e que, separados, não podemos perder.

Não votem para a Presidência da República nos que, como cúmplices,conspiraram contra a República. Não votem nos reacionários do conser-vadorismo, que querem conservar a podridão da miséria, das desigualda-des, da corrupção, dos privilégios. Não votem no estourado, no arrebata-do, no imprevidente. A Presidência da República exige experiência,coragem e decisão. (...)

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Até logo homens, mulheres, jovens do Brasil. Vamos nos encontrar nas ur-nas. Espero em Deus que não nos arrependamos de tanto lutar e esperar por elas.

Da fé fiz companheira, da esperança, conselheira, do amor, uma canção.

O Brasil não estava pronto para entender aquele “pronunciamento”.Não ia perceber a oportunidade que estava deixando passar. Apesar do rogoa Deus, ia se arrepender, sim, do resultado daquela eleição.

Com meu candidato fora do 2º turno, assistia a programação eleitoralpor simples dever de ofício. Mesmo de longe, dava para perceber cla-

ramente o recuo de Collor e os avanços de Lula, sustentado por uma cam-panha bem-estruturada.

No dia 6 de dezembro, estávamos a menos de duas semanas da primeiraeleição direta, após a redemocratização. Acompanhei o horário eleitoral gratui-to ainda no escritório. Ao terminar, peguei minha pasta e fui saindo. Já estavatrancando a porta quando soou o telefone. Parei por um momento, pensandoaté em não atender, esperando que parasse de tocar. Era perto das 9 horas danoite, pensei, “boa coisa não deve ser”. O telefone insistiu, resolvi atender.

– Alô, aqui é o Leopoldo Collor, tudo bem?

Já o conhecia da época em que trabalhamos na Rede Globo. Ele estava emBrasília, vindo para São Paulo, queria conversar comigo ainda naquela noite.

– Hoje não posso, Leopoldo. Estou indo para casa buscar minhamulher e uma prima dela para assistirmos ao show da DionneWarwick no Teatro Olympia.

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Collor 28,52%*

Lula 16,08%

Brizola 15,45%

Covas 10,78%

Maluf 8,28%

Afif 4,53%

Dr.Ulysses 4,43%* Números oficiais do TSE – 1º turno.

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Mas a situação era grave. Ele me adiantou que queria conversar sobre apossibilidade de fazer um convite para eu assumir a direção da campanhado irmão imediatamente, pois havia uma grande crise em gestação, prontapara explodir. Não era possível passar aquela noite sem solução. Estava noaeroporto, ia tomar um jatinho, hora e meia de vôo, em duas horas preci-sava me ver. Rendido, fiquei de ir encontrá-lo na casa dele, no Morumbi.

Cheguei lá, no mesmo momento em que o dono da casa também che-gava. Já nos esperavam o publicitário Raul Dória e os irmãos Carlos e JoséFrancisco Ortali, os três proprietários da Mikson Video. O convite foi fei-to rapidamente: eu assumiria a direção dos programas de TV, em Brasília;a produtora me daria todo o apoio técnico em São Paulo, para a realizaçãodos materiais de vídeo necessários. Era pegar ou largar.

Ficamos de conversar depois sobre o valor do meu trabalho e tambémdas pessoas que eu precisaria para tocar a campanha. Naquele instante nãohavia elementos suficientes que me permitissem quantificar o tamanhoexato da encrenca. Pedi tempo para pensar. Seria uma brutal luta contra orelógio que, aliás, nesse momento passava um pouco das dez e meia da noi-te. Leopoldo concordou, completando:

– Tudo bem, desde que a resposta seja ainda no dia de hoje.

Cheguei ao Olympia a ponto de assistir às duas últimas músicas do es-petáculo. Dionne cantava um dos seus sucessos: Always something there toremind me.

Realmente, a partir dali haveriam muitas coisas das quais eu sempre melembraria.

Naquele momento só conversei com Angela, minha mulher, e comCarlos Rayel. A imprensa chegou a especular que eu teria entrado na cam-panha cumprindo determinações de Quércia. Não tem o menor fundo deverdade. Rayel era secretário de Comunicação do governo de São Paulo,mas foi ouvido como meu amigo particular. O então governador estava nointerior e sequer foi consultado.

Às sete e meia da manhã seguinte eu entrava num jatinho, em vôo di-reto para Brasília. Do aeroporto direto para a Casa da Dinda, onde Collorme esperava acompanhado do cunhado, o embaixador Marcos Coimbra,um dos principais comandantes da campanha.

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“Grave” foi um adjetivo moderado que Leopoldo usara, talvez para nãome assustar demais. A situação era verdadeiramente dramática. Segundome contaram, no dia anterior tinha havido uma discussão muito séria coma jornalista Belisa Ribeiro, que comandava a comunicação. Havia divergên-cias com relação à linha editorial que vinha sendo seguida. O comando dacampanha reclamava, por exemplo, de que o primeiro debate não tinha si-do corretamente editado no programa de TV e passara para o público a im-pressão que Lula fora vitorioso.

Ela havia sido dispensada e pegara um avião de volta para o Rio, ondemorava. Toda a equipe de criação também tinha ido embora, em solidarie-dade. Na produtora, alugada ao Sistema Salesiano de Vídeo, ficara apenas opessoal técnico e não estava pronto sequer o programa de tevê que deveriaser entregue naquela tarde de sábado, para ir ao ar naquela mesma noite.Um caos que poderia ser fatal – já pensaram essa história passada para a im-prensa? Já pensaram como ficaria a moral da tropa arrebanhada por todo oBrasil, exatamente no momento da batalha final?

A causa mais profunda de toda a problemática estava nos resultados daspesquisas do Ibope e do DataFolha, que indicavam queda na intenção devoto de Collor e crescimento na de Lula. Descobri que não era uma simplesqueda que pudesse ser controlada facilmente: se alguma coisa importantenão fosse feita, as curvas acabariam se cruzando nas vésperas da eleição, comchance muito grande de o PT eleger o presidente. Marcos Coimbra, filhodo embaixador, sócio da Vox Populi e guru das pesquisas naquela eleição, te-ria chegado a essa conclusão assustadora.

– Como eu estava vendo a situação?

Após a pergunta fez-se um grande silêncio na sala.A propaganda de Collor tinha começado com mensagens muito fortes

e de grande apelo popular, com uma presença marcante do candidato novídeo, expondo um discurso arrebatador. No transcorrer da campanha, porum processo natural de estiolamento, aquele contexto foi se deteriorando.A campanha tinha sido muito longa e certamente tinha exigido muito daspessoas. Toda a equipe deveria estar estafada.

Ficaram no ar brincadeiras de colorir as pessoas que passam na rua, tren-zinhos de computação gráfica, vinhetas em profusão, música demais, um

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belíssimo acabamento, vazio de conteúdo. A questão do primeiro debaterealizado no início de dezembro foi típica: ao terminar, a equipe de Lulacorreu para a ilha de edição, para trabalhar; a equipe de Collor foi para umaboate, comemorar. Instituíra-se o infernal “já ganhou!”.

– Sabe quanto tempo você, a sua presença, a sua imagem esteve noar, no programa de ontem à noite?, perguntei ao candidato.

Nem ele, nem qualquer outro membro do comando da campanha sabia.

– Não mais que um minuto e meio, talvez dois minutos. Umquinto ou um sexto do tempo total, completei.

O candidato nem estava assistindo aos programas, preocupado em viajarpor todo o País. Mais uma vez, numa campanha, o indispensável vinha sen-do substituído pelo acessório. A pergunta seguinte era óbvia e Collor a fez:

– O que fazer?

Não dava para traçar, ainda, uma linha estratégica que contemplasse to-do o período que faltava. Havia uma emergência crucial: um programa aser feito em cinco horas, para ser assistido pelo Brasil inteiro naquela mes-ma noite.

Na produtora encontrei-me com Orlando Pacheco, irmão do publicitá-rio Agnelo, que escrevia textos e discursos do candidato, desde a campanhapara o governo de Alagoas. Com a ajuda dele montei uma fala que chameide “Retomada de Posição”, onde resgatávamos toda a mensagem que se per-dera pelo meio do caminho. A viagem do dia foi cancelada e Collor veio pa-ra o estúdio gravar, sob minha direção. Estava pronto o programa do dia,totalmente ocupado por ele e pelas suas propostas. Uma fala forte, nenhu-ma vinheta, nenhum brilhareco. Apenas uma grande bordoada.

Mas era pouco. Havia a fazer o programa do dia seguinte, do outro... edo outro... Dez programas ao todo. E não seria conveniente dar uma over-dose de discursos do Collor, que isso ninguém agüenta.

Leopoldo me disse que uma tal Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula,se propunha a gravar um depoimento contando peripécias daquela relação.

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Já tinha lido declarações dela publicadas anteriormente no Jornal do Brasil.Pelo sim, pelo não, mandei gravar.

Para me ajudar, trouxe de São Paulo duas produtoras chefiadas por Ca-cá Colonese*, jornalista e editor com larga experiência em marketing polí-tico. A solução caseira foi o que deu para montar de um dia para outro.

O jatinho que os conduzia fez escala no Rio, para receber também Be-lisa Ribeiro, que vinha de volta para a campanha, com o simples e únicoobjetivo de evitar que a crise se alastrasse de forma incontrolável. Os jor-nalistas já haviam percebido que algo não estava indo bem no âmago dacampanha Collor. Boatos não-confirmados davam conta que eu assumiraa chefia da comunicação. Era evidente que algo muito estranho estavaacontecendo – não dava mais para tapar o sol com a peneira.

Foi o próprio Collor quem pediu a volta de Belisa, argumentando comela, por telefone, que não se devia estragar, por um simples capricho, todoo excelente trabalho que tinha sido feito até então. Ela voltaria como se na-da tivesse acontecido, mas passaria a trabalhar na organização dos dados ena coleta de elementos para o último debate.

Ela chegou em segredo e, para efeito externo, fui com Leopoldo e Beli-sa ao encontro dos jornalistas, que faziam plantão permanente na entradada produtora. Minha presença foi apresentada apenas como um reforço,um simples colaborador para ajudar a enfrentar as agruras da reta final. Eassim a crise foi completamente abafada.

Era público que o apresentador Ferreira Neto estava engajado na campa-nha. Por isso, quando convidou os dois candidatos para o seu programa deentrevistas, Lula recusou, temendo ser vítima de alguma armadilha. Em seulugar foi um assessor desastrado e isso pegou mal. Mas Collor compareceu edeu uma entrevista muito forte, dentro da linha de resgatar as mensagens ori-ginais. As imagens que inicialmente ficariam restritas à diminuta audiência daTV Record, foram amplificadas no horário político, em rede nacional.

Um dos pontos altos do programa do PT era a música “Lula-lá” cantada porum coral com dezenas de artistas famosos, todos muito conhecidos. Músicaboa, arranjo ótimo, interpretação magistral: nós precisávamos de um antídoto.

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* CARLOS “CACÁ” COLONNESE nasceu em São Paulo, em 1955. É jornalista. Atuou em campanhas para governosestaduais – Fleury-90 (SP), Carlos Dabdoub-91 (Bolívia), Antonio Britto-94 (RS), Cristovam Buarque-2º turno-98 (DF) e para prefeituras – Aloysio Nunes-92 (São Paulo), José Serra-96 (São Paulo). Foi editor nas campa-nhas de Ulysses Guimarães-89 à presidência e do Presidencialismo-93. Coordenou as campanhas de AlfredoNascimento-2º turno-96 (Manaus-AM), Eduardo Braga-98 (Amazonas) e Caldini Crespo-2000 (Sorocaba).

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A solução veio em uma criação coletiva, gravada e editada pela Miksonem tempo recorde. Um coral com o mesmo formato, só que formado porpessoas típicas da população. Era o povo, cantando a música tema de Collor.No final, um letreiro informava que “nossos verdadeiros artistas são vocês, asofrida população brasileira...”.

O programa de TV readquiriu seriedade, e passou a mostrar um candi-dato seguro, habilitado contra um outro, despreparado.

A informação das pesquisas não era propriedade nossa. Certamente osadversários também sabiam da maré favorável em que estavam. E aí foi avez deles perderem as estribeiras: não perceberem as mudanças que se pro-cessavam do nosso lado e entraram por um imobilizante “já ganhou!” queos fez não reagir adequadamente às nossas provocações.

Os erros se sucediam, para nos ajudar: colocaram no ar um quadro hu-morístico, tipo Casseta e Planeta, mostrando que o adversário tinha nadado,nadado... mas agora estava “morrendo na praia”. Não se deram conta queaquilo não tinha nenhum efeito prático para a população. Ninguém iria vo-tar no Lula só porque o programa de TV mostrava um esquete engraçadi-nho. Do nosso lado, porém, a gozação despertava a raiva que se transforma-va em garra para o pessoal que trabalhava no campo, na mobilização das ruas.

Silenciosamente as rédeas da campanha foram voltando para nossas mãos.Difícil mesmo estava sendo segurar o candidato, visivelmente nervoso e

agitado. Tratava os subalternos aos gritos, sem nenhum respeito. Às vezes pa-recia ensandecido. No fundo fazia jus à brincadeira do PT, desesperando-secom a possibilidade de morrer na praia. Um trio, formado pela amiga-atrizCláudia Raia, pela mulher Rosane e pelo apresentador Ferreira Neto cuidavade acalmá-lo.

Na segunda-feira começava a semana final, com a eleição marcada parao domingo. Logo pela manhã Collor passou pela produtora, bastante apres-sado, antes de viajar para participar de eventos e comícios Brasil afora. En-tregou-me uma fita de vídeo com a ordem:

– Quero estas imagens no programa de hoje à noite.

Tranquei-me na ilha de edição e assisti ao material. Era uma seqüênciacom cerca de um minuto e meio de duração. Três prisioneiros tinham seusolhos vendados junto a um paredão.

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Na frente deles um pelotão de fuzilamento recebia ordens de um co-mandante, em espanhol. Todos vestidos com a farda típica dos guerrilhei-ros de Sierra Maestra, em Cuba. Lula, com a barba hirsuta de tempos atrás,assistia a tudo, passivamente. Os fuzis atiravam e os três caiam. A câmerase aproximava do rosto de Lula, que dava um sorriso maroto.

Inacreditável!Passei a fita mais uma dezena de vezes. Em velocidade normal, em slow

motion, de trás pra frente, parando as cenas quadro a quadro. As imagensnão me convenceram, tive a nítida sensação que algo estava errado. Assal-tou-me uma desconfiança séria: parecia ser uma montagem. Até porque,nos meus escaninhos de memória histórica não havia nenhum registro deque Lula tivesse assistido a um fuzilamento.

Para confirmar, chamei o engenheiro que nos prestava assistência técni-ca em áudio e vídeo. Mostrei a fita, ele foi direto ao ponto que comprovavaa fraude: o jogo de luz e sombras gravados na imagem. A luz no rosto dobrasileiro e a sombra que seu corpo projetava no chão eram ligeiramente di-ferentes da iluminação e das projeções dos outros participantes das cenas.Diferenças de textura e de ângulo da sombra, com relação ao corpo. O con-torno das barbas dos cubanos também era levemente diferente do contornoda barba de Lula. Explicou-me que essas diferenças eram muito difíceis deserem igualadas em vídeo. Não tinha nenhuma dúvida:

– Trata-se de uma montagem. A imagem de Lula foi superpostana imagem básica do fuzilamento.

Tentei falar com o candidato, mas ele estava completamente fora dealcance. Uma decisão precisava ser tomada, pois dali a poucas horas a fi-ta tinha que ser entregue na geradora. Por isso chamei os participantes docomando da campanha que estavam ali, naquele momento: o deputadoRenan Calheiros, a economista Zélia Cardoso de Melo, o publicitário Jo-sé Francisco Ortali e Leopoldo Collor. Tranquei a porta da ilha de ediçãoe narrei o ocorrido. A ordem imperial do candidato, a descoberta da fal-sificação, a minha decisão:

– Não coloco esse material no ar. Em primeiríssimo lugar porque éuma fraude e não posso pactuar com ela. Além de tudo, a men-

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tira será facilmente desmistificada e vai jogar por água abaixo to-do o esforço de recuperação que estamos fazendo.

Mostrei a fita, seguiu-se um longo silêncio na sala. Ponderei para que fi-cassem à vontade. Se a decisão fosse colocar o material no ar, eu iria embo-ra sem nenhum problema. A Belisa estava por ali mesmo, preparando o de-bate, podia reassumir a qualquer momento. E mais: para não criar umescândalo de última hora, eu poderia até ir embora da produtora sem falarcom a imprensa.

Saí da sala para tomar um copo d’água. Na volta, Renan falou por todos:

– Achamos que você está certo, não dá para colocar esse filme no ar.Fique tranqüilo, que hoje à noite ponderaremos isso com o Fer-nando, quando ele chegar de viagem.

Mandei para a emissora o programa que estava previamente feito e fui pa-ra uma outra ilha onde Cacá estava assistindo uma fita recém-chegada de SãoPaulo. Era o depoimento-entrevista de Miriam Cordeiro. Ele foi efusivo:

– Isto aqui é ouro puro.

Não participei diretamente da negociação, nem nunca estive pessoal-mente, ou falei por telefone, com essa mulher. O que soube é que a ex-na-morada tinha procurado a campanha espontaneamente, alguns meses atrás.Julgou-se que não havia interesse. Agora, depois da gravação feita, resolverapedir ajuda em dinheiro e proteção, pois tinha medo de uma vingança.

A fita que recebemos tinha 45 minutos sem cortes, fôra gravada no pá-tio do prédio da Mikson Vídeo. Uma voz fazia as perguntas de longe (o áu-dio é deficiente) e sem aparecer no vídeo. Disseram-me que era de Egber-to Baptista, que também tem o sobrenome Miranda e é irmão doex-senador Gilberto Miranda. Miriam, vestida de amarelo, estava encosta-da numa parede clara. Aparentava muita tranqüilidade, nunca se atrapalha-va nas respostas, mostrava segurança e coerência no que dizia. A essênciadas suas palavras já tinha sido publicada no Jornal do Brasil, oito meses an-tes, sem nenhum estardalhaço. Na televisão, o depoimento tornava-se mui-to mais forte, pungente.

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A apresentação da fita precisava de um profissional de voz poderosa. Li-guei para Wellington de Oliveira*, em São Paulo:

– Tome o primeiro avião para Brasília. Há um texto que vai ao arhoje, para ser gravado.

A edição final ficou com dois minutos e meio, juntando quatro trechosda longa fala, sem nenhum truque de montagem. O texto que foi ao ar fi-cou assim:

Eu não posso, em momento algum, apoiar um homem que acaboucom a minha vida. Como eu posso apoiar um homem que me ofere-ceu dinheiro quando soube que eu estava grávida de um filho dele? Eleofereceu dinheiro para mim abortar. Que confiança eu posso ter nessehomem, o que ele pode fazer por esse Brasil?

Ele foi no hospital no dia em que a nenê nasceu, à tarde. Ela nasceude manhã e ele foi à tarde. Mas não foi no quarto, ele só foi no berçá-rio. No dia seguinte ele foi no quarto e eu estava com amigas e a madri-nha da Lurian no quarto. Ele chegou com um amigo, aí eu pedi prá quetodos saíssem do quarto. Eu quis ficar com ele sozinha, um minuto. E aLurian estava no quarto comigo, eu peguei ela e coloquei no colo dele efalei: agora você mata, porque quando ela estava na minha barriga eunão permiti.

Depois de 4 anos de vida ela foi conhecê-lo no Sindicato. Ele, saben-do que ela estava doente pela ausência dele, ele se negou a visitá-la.

O catolicismo, que está numa campanha contra o aborto, seráque eles estão apoiando o homem certo? E, outra coisa: o Lula sem-pre foi um homem racista, ele nunca suportou negro. Em nosso tem-po de namoro ele dizia que detestava negro. Apareciam artistas ne-gros na televisão, ou apareciam negras, ele ficava nervoso. Como éque fica hoje?*

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* WELLINGTON DE OLIVEIRA nasceu em Muzambinho-MG, em 1951. É jornalista e radialista. Foi apresentador de te-lejornais na TV Globo (SP/TV e Globo Rural), TV Manchete,TV Record e Rede SESC/Senac, em São Paulo.Traba-lhou nas campanhas estaduais de Quércia (86) e Fleury (90); campanhas presidenciais de dr. Ulysses (89), Col-lor (89) e Quércia (94), além de um grande número de campanhas municipais.

* A fita completa foi doada à Unicamp – Arquivo Edgard Leuenroth –, em outubro de 2001.

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Tínhamos em mãos uma peça poderosa pela força da sua autenticida-de. Os adversários poderiam dizer o que quisessem, menos que o depoi-mento era falso ou mentiroso.

E o momento era crucial. Várias pesquisas já davam um empate técni-co entre os concorrentes:

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Levantou-se a possibilidade de a população não gostar de ver tal assuntose tornando público. Era um risco, claro. Mas já não havia tempo para fa-zer um pré-teste, através de uma pesquisa qualitativa. E, na minha avaliação,a questão seria entendida simplesmente como uma revelação de detalhes davida de um homem público, não como uma agressão ou uma ofensa. Tí-nhamos que arriscar, baseados apenas na minha sensibilidade.

Quando Collor chegou, o assunto “fuzilamento” já estava completa-mente superado. A aprovação foi imediata: colocar Miriam Cordeiro noar, no próximo programa.

Foi um petardo que desarvorou os adversários a cinco dias da eleição. Aresposta que o programa do PT deu, no dia seguinte, deixou muito a de-sejar. Um Lula tenso apareceu na TV, com a mão no ombro de uma Lu-rian desenxabida. Não desmentiu o depoimento da ex-namorada, limitou-se a minimizar, dizendo que era uma tentativa de denegrir a sua imagem eo que lhe importava não era o que os outros pensavam, mas sim o que afilha, que estava ali, pudesse pensar.

Devo concordar que, à primeira vista, parecia admirável e edificante. Masnada eficiente nas vésperas de uma eleição como aquela. Também nesse caso,a impressão que ficou foi a de que o comando da campanha adversária menos-prezou o episódio. Não foi fundo na resposta, achando que a eleição estavarealmente ganha, mais uma vez sem perceber que o quadro estava mudando.

A operação para o estancamento da sangria de votos tinha obtido ple-no sucesso. Colocar a fala de Miriam Cordeiro no ar não era desespero deperdedor, era a penúltima garantia de uma campanha vencedora.

A garantia final viria com o debate transmitido em rede nacional de TV,dois dias depois. Collor era a imagem da auto-confiança. Lula veio descon-

Collor 46%*

Lula 45%* Pesquisa DataFolha, realizada em 12 e 13/dez/89.

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centrado, abatido pelos revezes dos últimos dias: estivera a um passo da gló-ria e agora a via se esvair por entre os dedos.

Esse debate acabou virando tema de muitas discussões, menos pelos te-mas debatidos, muito mais pelas posteriores acusações de favorecimento. Aedição do Jornal Nacional do dia seguinte teria sido feita para ajudar Collor.A bem da verdade, Alberico Souza Cruz, o diretor dos telejornais da Cen-tral Globo de Jornalismo, tinha uma grau de intimidade bastante acentua-do com o ex-governador de Alagoas. Falavam-se amiúde, e Alberico era sem-pre citado intramuros como uma pessoa “disposta a ajudar”.

Se houve, ou não, disposição explícita para ajudar é impossível sabercom certeza. Mas, de todo o modo, é público e notório que o futuro pre-sidente teve, realmente, um desempenho melhor no segundo debate. To-dos viram, muitos petistas reconheceram, vários jornalistas se renderam àevidência dos fatos.

O Instituto Vox Populi ouviu telespectadores por telefone e concluiuque Collor venceu o debate na proporção de 44% contra 32%. Se ele ven-ceu e a Globo mostrou que ele venceu, o resto é choro de quem perdeu. Oresultado final da eleição veio dois dias depois:

Após a eleição estive com Leopoldo. Ele queria que eu assumisse a coor-denação da publicidade no governo do irmão. Recusei. Fui lá apenas paraacertar contas que ficaram pendentes, referentes aos cachês dos meus cola-boradores. Quanto a mim, resolvi nada cobrar pelo meu trabalho, pois en-tendi que não havia a possibilidade de se determinar um preço justo e queme satisfizesse e correspondesse à importância do trabalho executado.

Quanto tinha valido aquele trabalho? Dez mil... cem mil... um milhão?Confesso que não consegui quantificar. O valor não tinha sido acertado an-tes, agora tinha se tornado impossível acertá-lo. Como compensação, talvezno governo Collor minha produtora de vídeo pudesse vir a prestar algum ti-po de serviço profissional... quem sabe? Nem precisava de protecionismo, jáque a TVT Produções era reconhecida como uma das mais competentes emais bem equipadas do Brasil.

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Collor 49,94%*

Lula 44,23%* Números oficiais do TSE.

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Aqueles dez dias vividos em Brasília tinham sido muito intensos. Aoapartamento do hotel só fui para tomar banho e trocar de roupa. Não ha-via tempo para dormir; cochilávamos espalhados pelos sofás da produtora.Era pouco o tempo, muitos os afazeres. Cheguei com a disposição de fazerum bom trabalho, para o candidato que eu acreditava ser o mais adequa-do, naquela circunstância. Fui me decepcionando a cada momento, desco-brindo naquele homem uma personalidade errática, muito diferente doideal em que a maioria dos brasileiros acreditou. Agressivo, perturbado, de-sumano. Capaz de tudo e de qualquer coisa para atingir suas metas. Cadaum de nós contribuiu a seu modo para a eleição dele. Pelo menos tive oprivilégio de ser um dos primeiros a deixar de ser enganado.

Dessa eleição sobrou, e se discute até hoje, a questão ética de se trazer aconhecimento público fatos relacionados à vida privada dos candidatos. Naminha visão, os eleitores têm o direito de saber tudo da vida daqueles quepostulam ser seus governantes. Ou seja: entendo que a vida do homem pú-blico é igualmente pública. Ele não pode ser um lobo no recesso do lar, tra-vestido de cordeirinho no palanque político.

Em democracias mais consolidadas essa prática não assusta, nem esti-mula discussões teóricas sobre princípios morais. Mas aquela era a primei-ra eleição presidencial após a redemocratização, os parâmetros éticos aindaeram motivos para exacerbadas controvérsias.

Por outro lado, sabe-se que o PT fez um profundo levantamento da vi-da pregressa do seu adversário. Um grande e completo dossiê. Sabe-se,também, que várias acusações chegaram a ser formuladas. Só não foramusadas na TV antes porque entenderam que não era preciso: a vitória deLula estava garantida.

Depois do aparecimento de Miriam Cordeiro não mais podiam usar,pois iria parecer retaliação defensiva de quem acusa para se livrar da acusa-ção que sofreu. A verdade é que o PT teve a chance e tinha a responsabili-dade de livrar o Brasil e os brasileiros dos anos Collor.

De minha parte também perdi, por espontânea vontade, a chance de re-ceber algum tipo de pagamento, afastando-me daquelas pessoas. Resulta-do: naqueles anos todos a produtora de TV que eu dirigia não fez um sócomercial, nenhum vídeo, absolutamente nenhuma produção para a secre-taria de Comunicação, ou para algum ministério, ou para qualquer das em-presas ligadas de alguma forma ao governo federal. Nenhum!

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Na eleição de 2000, quando o ex-presidente se candidatou à Prefeiturade São Paulo, o coordenador da campanha dele me convidou para dirigira comunicação. Foi apenas uma primeira conversa, na qual fui instado a“pensar no assunto” e, até por educação, concordei. Surpreendi-me três diasdepois com uma notícia “plantada” no Painel da Folha de S.Paulo:

Parceiros antigosEstá avançada a negociação para Chico Santa Rita cuidar da cam-

panha de TV de Collor à prefeitura de São Paulo. O marketeiro se en-controu recentemente com Fantauzzi, chefe da pré-campanha e LevyFidélix, dono do minúsculo PRTB.

Fantauzzi telefonou em seguida, tentando marcar um encontro com ocandidato, quando “seria feita uma proposta irrecusável”. Mas, para mim,qualquer acordo seria impossível. E aquela notícia à minha revelia me desa-gradara tanto que nem quis ouvir a proposta. Respondi pelo próprio jornal:

Uma vez bastaChico Santa Rita recusou a sondagem de Fernando Fantauzzi, coor-

denador da pré-campanha de Collor à Prefeitura de São Paulo, para cui-dar do programa de TV. “Quem conhece Collor não trabalha paraCollor”, declara o marketeiro.

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capítulo 5

Fleury:a minuciosa construção de um

candidato biônico.

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Aprincípio não era nem para Luiz Antônio Fleury Filho ser candidatoa governador. Ele nunca tinha exercido um mandato e, ao deixar a se-

cretaria de Segurança, pretendia modestamente começar carreira políticanuma função legislativa. Já estava em plena campanha, tinha alugado atéuma casa no bairro dos Jardins para sediar seu escritório eleitoral. Na por-ta uma faixa informava: “Fleury – Deputado Federal”.

Quércia terminava o mandato de governador de São Paulo com grandeapoio popular – o enxame de denúncias ainda não tinha voado com seuefeito devastador. Por isso havia um doce mel a adoçar os lábios das abelhasqüercistas. Uma delas seria ungida como abelha-rainha, a sucessora. A in-dicação do governador era soberana no partido e, quem quer que fosse oescolhido, imaginava-se, deveria ter alguma chance na eleição. Eram qua-tro os pré-candidatos a governador, pelo PMDB:

– Almino Affonso, advogado, ministro do Trabalho no governodo presidente João Goulart (61/64), secretário dos NegóciosMetropolitanos no governo Montoro (82/86), vice-governadorem exercício.

– João Oswaldo Leiva, engenheiro, secretário de Obras no gover-no anterior e de Energia e Saneamento no atual. Dois anos an-tes tinha sido o candidato do governador a prefeito da capital.

– José Aristodemo Pinotti, médico, professor universitário, ex-rei-tor da Unicamp, secretário da Educação e depois da Saúde no go-verno Quércia.

– José Machado de Campos Filho, advogado, secretário da Fazen-da, homem de confiança e muito ligado ao governador, desde ostempos de Campinas. Comentava-se que ele seria o candidato inpectori, o preferido.

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Uma turma de peso, conforme pode-se ver. Todos trabalhando firme-mente para conseguirem se viabilizar: qualquer meio ponto de crescimen-to numa pesquisa era motivo para comemoração.

Mas o quadro eleitoral geral também não era brincadeira. Muito pelocontrário. Além do candidato do PT, que deveria ser Plínio de Arruda Sam-paio, que iria, no mínimo, absorver a votação partidária, já estavam emcampanha duas outras lideranças fortes da política paulista: Covas e Maluf.Ambos se alternavam na liderança das pesquisas quantitativas, sempre comintenções de voto acima dos 30%.

Paulo Maluf tinha sido prefeito da capital e governador, candidato denovo a esses cargos e, por último, candidato a presidente. Já vinha fazendoum bom trabalho de higienização da sua imagem, devastada por denúnciasde mau uso do dinheiro público. Dava para sentir que a sua hora estavachegando.

Mário Covas também tinha sido prefeito da capital, tornou-se senadorcom a maior votação de todos os tempos, um ano antes fôra candidato apresidente, com desempenho bastante razoável.

Uma turma peso-pesado.Quércia queria coroar sua administração elegendo o sucessor. Afinal, an-

tes do advento da reeleição, esse era o mais importante termômetro para semedir o sucesso, ou o fracasso, de um governo. Mas quem escolher entreaqueles quatro postulantes? Todos apresentavam uma força partidária equi-valente. E todos também tinham uma fraqueza semelhante: a baixa densi-dade eleitoral. Imaginava-se, também, que só o apoio puro e simples do go-vernador não seria suficiente; o candidato deveria ter algo mais, para sesomar a esse apoio.

Num final de tarde, já próximo do meio do ano, perto do prazo limi-te para lançamento da candidatura, sou chamado para uma reunião noPalácio dos Bandeirantes. Imaginei que devia ser alguma conversa de ro-tina, sobre os anúncios do governo que eu e minha equipe criávamos eproduzíamos. Não era.

Na sala também estava Carlos Matheus, do Instituto Gallup, guru deQuércia para pesquisas desde os tempos da Prefeitura de Campinas, vinteanos atrás. E o governador logo deixou claro que queria conversar sobre asucessão. Queria algum trabalho técnico que o ajudasse a encontrar o me-lhor candidato. Como “melhor” entenda-se aquele com maiores condi-

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ções de empolgar, de ser aceito pela população. Talvez, na sua decantadasagacidade, já imaginasse o que iria sair daquela reunião de Matheus co-migo: uma pesquisa feita através de um vídeo, ou seja, através da análisedo desempenho de cada um na TV. Pois não era assim que a populaçãoiria escolher?

Combinamos que eu editaria rapidamente uma amostra da atuação te-levisiva de cada um. Cerca de um minuto, com enquadramentos semelhan-tes, falas sobre o mesmo assunto e sem beneficiar ninguém. Não era difícil,pois todos tinham comparecido a longas entrevistas no Canal Livre, progra-ma da TV Cultura, que vinha apresentando os candidatos ao governo.

O cenário era o mesmo, assim como as angulações de câmera.Com as quatro fitas na mão, os pesquisadores do Gallup reuniriam pes-

soas para assisti-las, discutindo e analisando as impressões que os políticospassavam – focus group, típica pesquisa qualitativa. Tudo feito no maior se-gredo. Em uma semana teríamos o resultado e, a partir dele, o candidato dopartido seria definido.

Já estávamos de pé, nas despedidas, quando Quércia interveio:

– Para não ficarem só os quatro, que tal colocar mais um nome?

Claro... não tinha importância... mas quem?

– O Fleury!

O susto foi de arrepiar. Eu não conseguiria dizer qual seria o escolhidoentre os quatro pré-candidatos iniciais. Pois, de verdade, todos se equiva-liam, também, na falta de traquejo frente às câmeras. Algum mais, outro me-nos, nenhum deles podia, a rigor, receber o qualificativo de comunicador.Uma condição, aliás, que é inata. O desempenho pode ser melhorado, cla-ro. Pode e deve ser trabalhado. Mas é muito difícil ser totalmente acrescen-tado no perfil de alguém que não tem aquele toque a mais, de nascença.

Com a entrada do quinto elemento, porém, a charada estava decifradae não tive dúvidas sobre o resultado. Cara limpa, bem falante, convincen-te, sério, imagem nova... Pensei alto:

– Vai dar Fleury.

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Quércia e Matheus não tinham essa certeza. Mas a pesquisa veio con-firmar a minha previsão. As pessoas acreditavam nas suas palavras, gosta-vam do seu jeitão meio gordinho, meio interiorano; ele despertava um mis-to de simpatia e carinho. O candidato sob medida para aquele momento.Quércia rendeu-se às evidências, abandonou até a preferência pessoal, paraoptar pela solução técnica mais viável.

Mesmo considerando que o ponto de largada era diminuto, como seviu logo depois da candidatura ter sido confirmada, na primeira pesquisade intenção de voto.

É... havia tudo para se fazer. Por onde começar?Na primeira reunião de trabalho para estruturação da campanha,

Quércia interpelou Matheus com uma questão intrigante. Ele era bemavaliado como governador, sabia-se. Deveria ter uma certa capacidade detransferência dessa imagem para o candidato, certo? Mas a sua perguntaera bem mais objetiva:

– Quanto por cento o meu apoio acrescenta?

Matheus não tinha a resposta com a mesma objetividade. Aliás, ninguémtem, nenhum pesquisador sabe precisar isso. A transferência de votos é umdos maiores mistérios do marketing político. Juntam-se duas ou mais per-sonalidades diferentes, unem-se fatores favoráveis, mas também se unem re-jeições. Como fica quem gosta de um e não gosta do outro? Não há cálcu-lo matemático possível de se fazer nessa circunstância em que podemacontecer as coisas mais esdrúxulas. Vale até lembrar um dito popular:

– Juntar homem com homem, pode virar lobisomem.

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Covas 46%*

Maluf 34%

Afif Domingos 7%

Plínio 2%

Fleury 2%* Pesquisa DataFolha publicada em 19/março/90. Afif acabou sendo

candidato ao Senado.

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E quando há uma eleição no meio, aí é que pode mesmo. Já vi muitoscasos em que o apoio virou negativo, não só não acrescentou votos comotirou alguns.

Naquele caso tinha-se consciência de que o apóio era positivo, já que apersonalidade política do candidato ainda precisava ser construída, entãonão haveria possibilidade de choque com a forte figura do apoiador. Fleurypoderia se beneficiar só do positivo.

Mas quanto? A discussão dispersiva cresceu com palpites que variavam de6% até 15%, até que o governador interrompeu com um soco na mesa. So-co mesmo, de mão fechada, daqueles que fazem todo mundo calar. Ele falou:

– Oito por cento! O Fleury já tem dois, com os oito que eu passa-rei ele fica com 10%. É um belo começo.

Levantou-se e, com os dois braços esticados para a frente, as mãos fe-chadas como se segurasse um boneco, completou:

– Até começar a propaganda na TV eu vou carregar o Fleury. De-pois é com vocês.

No dia seguinte, o governador, com a mão enfaixada por conta do socodo dia anterior, começou a correr o Estado, com seu candidato a tiracolo. Ci-dade por cidade, inauguração por inauguração. Quando o horário políticocomeçou, no dia 2 de agosto, a intenção de voto em Fleury já tinha crescido,mas o quadro ainda era muito adverso. Nesse dia a Folha de S.Paulo saiu comuma manchete preocupante: “Maluf dispara e abre 17 pontos sobre Covas”.Todos imaginavam que a eleição seria decidida por esses dois candidatos. Oresultado da pesquisa feita nos últimos dias de julho apontava:

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Maluf 46%*

Covas 29%

Fleury 4%

Plínio 3%

Almino 1%* Pesquisa DataFolha. O vice Almino tinha se desligado do PMDB e

era candidato pelo PDT.

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Nos números não tinha alcançado os 10% pretendidos, mas nasnossas pesquisas qualitativas mostrava, sem dúvida alguma, um grandepotencial de crescimento.

ra a nossa hora e a nossa vez. O slogan escolhido – Novo Tempo – mostrava que não seria uma con-

tinuidade pura e simples. Acrescentava-se uma esperança. A continuação dogoverno Quércia estava até melhor representada na marca escolhida: um cata--vento. O símbolo do governo que se findava era a superposição de 4 ma-pas do Estado de São Paulo, um para cada ano da administração. O artistagráfico Elifas Andreato* fez com os mapas um exercício de dobradura e ostransformou na simpática figura do cata-vento. Com a vantagem de que ga-nhávamos, também, um elemento lúdico, fácil de ser feito, facílimo de serassimilado.

A marca e o slogan delimitavam bem a linha estratégica que seguiría-mos. A eles só se acrescentavam alguns elementos que moldariam a perso-nalidade do candidato: honestidade, um homem com fortes ligações popu-lares, sensibilidade e capacidade administrativa.

O programa de governo foi coordenado pelo economista EduardoMaia, ligado à Unicamp, e que mais tarde viria a ser secretário da Fazenda.O trabalho da equipe dele foi um pouco facilitado porque todos conhe-ciam, de cor e salteado, o funcionamento da máquina estadual. De todomodo, o texto final era de altíssimo nível. Metas que, se fossem alcançadas,elevariam São Paulo a uma posição ainda mais privilegiada entre os Esta-dos brasileiros.

Tudo isso era transformado em comunicação por uma equipe de cria-ção onde só havia fera. Além do pessoal fixo da minha equipe, contrata-mos temporariamente uma redação inteira do Globo Repórter, com trêseditoras de primeiro time. Câmeras, editores, produtores, diretores de fa-

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* ELIFAS ANDREATO, artista gráfico, cenógrafo e jornalista, começou sua carreira aos 14 anos de idade, pintandopainéis para salão de baile. De 67 a 70 trabalhou no departamento de arte de inúmeras revistas e fascículos:Cláudia, Manequim, Quatro Rodas, Realidade, Placar, Bom Apetite, Mãos de Ouro, História da Música Popu-lar Brasileira. Foi co-fundador dos jornais Opinião, Movimento e Argumento. A partir de 74 trabalhou comoprogramador visual em dezenas de peças de teatro. Cenografou e dirigiu dezenas de espetáculos musicaisdos principais artistas brasileiros. Em 78 reestruturou graficamente a revista Veja. Criou incontáveis capas dediscos para Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Toquinho e muitos outros. Desde 99 é editor-chefe da revistaAlmanaque Brasil de Cultura Popular, publicação mensal que circula a bordo dos aviões da TAM.

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zer inveja a qualquer rede brasileira de TV, a Globo inclusive. Uma gran-de redação!

Três pesquisas nos davam, todos os dias, o balizamento para definir-mos as ações a serem desenvolvidas e os acertos e correções da linha es-tratégica. O Gallup fazia a qualitativa diária, acompanhando a aceitaçãodos programas de TV. Do nosso e dos adversários. O prof. Kirsten faziaquantitativas semanais aprofundadas, para verificar a oscilação percentualdas intenções de voto, mostrando as causas e tendências para crescimen-tos e/ou quedas.

Com essas informações na mão tínhamos o diagnóstico necessário paradecidir uma aceleração na crítica a um adversário, ou a explicação mais de-talhada de um tema que ficara incompreendido, ou o esclarecimento a umadúvida comum da população. Foi assim que identificamos, por exemplo,que Fleury crescia com mais facilidade na população masculina. Haviauma certa dificuldade de ser aceito pelas mulheres. Entre várias alternati-vas, optamos por ampliar a presença da sua esposa, D. Ika, na campanha,e o problema se resolveu de imediato.

A terceira pesquisa era uma novidade trazida dos Estados Unidos pelopesquisador Orjan Olsen, que resolvemos testar: o viewfinder.

Tratava-se de um pequeno teclado com cinco botões, cada um correspon-dendo a um nível de aceitação do telespectador. No grau mais alto, “gostomuito” do que estou vendo, em seguida “gosto um pouco”, depois “não seise gosto”, a seguir “não gosto” e, no grau mais baixo, “detesto”. Cerca de vin-te pessoas eram reunidas numa sala para assistirem ao Programa do HorárioEleitoral e, com o teclado na mão, iam definindo, em tempo real, o quantoestavam gostando, ou não, daquilo que viam. A informação era transmitidapara uma central que montava um gráfico instantâneo. E assim podia-semensurar o quanto cada cena da TV tinha agradado ou desagradado.

À primeira vista parecia importante, pois, pela primeira vez, iríamosmedir, objetivamente, as sensações subjetivas das pessoas. Mas, comparan-do os resultados com as outras aferições que tínhamos, descobri logo quehavia uma grave falha no sistema. É que o imediatismo dessas sensações fa-zia com que elas se tornassem muito frágeis. E, portanto, mutáveis. Ou se-ja: aquilo que de imediato se apresentava como bom, depois de digeridopelo raciocínio lógico podia ficar melhor. Ou pior. De qualquer modo, po-dia mudar. E, mais grave, isso acontecia com muita freqüência.

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Passei a olhar com desconfiança e a desconsiderar aquelas conclusões.Um adversário que também tinha comprado o equipamento acabou sen-do induzido a um erro grave, como se verá mais adiante.

Outro setor que teve um desempenho fundamental foi a assessoria ju-rídica. Era uma campanha muito aguerrida, por isso os advogados Arnal-do Malheiros Filho e Ricardo Camargo Lima vinham diariamente à pro-dutora, onde assistiam à programação eleitoral ao lado de toda a equipe.Em seguida decidíamos quais os procedimentos para o dia seguinte, já queo TRE vinha sendo muito rigoroso ao julgar ofensas e outras atitudes des-respeitosas.

A lei eleitoral em vigor era muito aberta, deixava margem para inter-pretações variadas.

Os advogados chegaram a montar um glossário dos termos e expressõesque eram punidos e daqueles que já tinham jurisprudência liberando. Ti-po: “ladrão” não pode; “leviano” pode; “sumiu com o dinheiro público”não pode; “malbaratou verbas” pode; “mentira” não pode; “inverdade” po-de. Isso nos ajudou a ganhar muitos direitos de resposta e a perder poucos.

Na retaguarda de toda essa estrutura, duas pessoas – Ana Maria Tebar*e Aloysio Nunes Ferreira – tiveram uma participação essencial, dando o in-dispensável suporte de visão política, sem a qual qualquer criatividade, pormais bonitinha que seja, vai para o ralo comum das inutilidades.

Ana Maria, espécie de Chefe de Gabinete e secretária particular do go-vernador, afastou-se do Palácio e, com seu profundo conhecimento dasparticularidades do Estado, passou a ser uma espécie de consciência crítica,nos alertando e ajudando quando a linha estratégica era ameaçada por dis-torções de qualquer tipo.

Funcionava também como aparadora de conflitos entre o comando po-lítico e a área de comunicação.

Teve que segurar até a explosão temperamental de Quércia, quando sesentiu prejudicado por ver suas participações na TV diminuírem. Aconte-

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* ANA MARIA TEBAR é advogada formada pela USP. Exerceu a advocacia e ingressou na Unicamp em 70. Em 82participou da primeira eleição direta para governador (campanha Montoro-PMDB), atuando na região deCampinas. Em 83 afastou-se da Unicamp e tornou-se assessora política do recém-eleito vice-governadorOrestes Quércia. Estruturou a Associação Paulista de Municípios e as campanhas municipalistas do período83/86, pela reforma tributária. Foi fundadora da Frente Municipalista Nacional. Tornou-se secretária particu-lar do governador Quércia durante seu mandato (87/90). É consultora na área de Internet, com foco em Tec-nologia da Educação, EAD e Direito na Internet.

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ce que, nos primeiros dias da programação eleitoral, ainda estávamos nacorreta “estratégia do soco na mesa”: ele aparecia todos os dias fazendo aapresentação do Fleury e mostrando a necessidade de ter continuidade pa-ra sua obra, em todo o Estado. Essas aparições foram sendo espaçadas,pois, com o passar do tempo, começamos a sentir a necessidade de o can-didato estabelecer e consolidar uma personalidade própria, para não virarum simples fantoche.

A gota d’água foi a presença forte de D. Ika, desgostando também a pri-meira dama D. Alaíde, que reagiu. Além de estarmos tirando o marido doar, também privilegiávamos a mulher do outro. Era demais.

Para apagar a fogueira de vaidades que se instalava, Ana Maria teve queexplicar que aquilo era uma simples e banal correção da linha estratégica,baseada nos informes das pesquisas que recebíamos. Nada feito por acasoe nada pessoal. Afinal, a meta não era ganhar a eleição? Pois então...

Aloysio era a outra peça-chave. Deputado estadual em segundomandato, compunha a chapa, como candidato a vice-governador. Ex-exilado, cassado, político experiente, acrescentava doses diárias de equi-líbrio e segurança, no meio daquele vendaval de emoções em que está-vamos mergulhados. Sua visão política nos trouxe uma contribuiçãoúnica, indispensável.

Quando percebemos que Covas, em queda livre, já estava sendo ultra-passado, o seu papel cresceu ainda mais, transformando-se no aríete quediariamente cutucava os portões da fortaleza malufista. E com que autori-dade ele fazia isso:

– Ô “seu” Maluf... o senhor não toma jeito mesmo. Ontem no seuprograma disse mais uma inverdade... Mais uma...

E por aí ia. Falava com calma, até com certa delicadeza, como se puxas-se a orelha daquele menino maroto, que tinha acabado de fazer algumamalcriação.

Era marcação homem a homem. As promessas do candidato doPDS eram desqualificadas com a expressão “promessa vazia”, parodian-do a “denúncia vazia” que estava na moda, usada para despejar inqui-linos indesejáveis. Maluf aparecia dizendo que iria continuar as obrasque Quércia deixaria inacabadas. No dia seguinte, Aloysio dizia que, se

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era para terminar essas obras, ninguém melhor que Fleury. Nada fica-va sem resposta.

Mas jamais atacamos o símbolo escolhido por Maluf – um coração –mesmo sabendo que ele já tinha sido usado em outras campanhas na Bahia.Um símbolo que carrega uma carga emotiva muito forte é inatacável. Me-lhor desqualificar o candidato por caminhos racionais, do que bulir comemoções que podem virar incontroláveis.

Assim foi feito, por exemplo, quando as “pesquisas” de rua, apresenta-das pelo programa de Maluf, começaram a nos incomodar. Um “repórter”,microfone em punho, caminhava por uma rua com muitos pedestres, ouacompanhava uma fila de ônibus, e ia perguntando a cada um:

– Em quem você vai votar?

Dava Maluf de ponta a ponta, com um ou outro raro voto em alguémdiferente. Esses “flagrantes” estavam sendo entendidos pela população co-mo uma grande força eleitoral do candidato, fazendo parecer que a elei-ção estava ganha. Afinal, todo mundo estava propenso a votar nele.

Para combater essa estratégia, fomos com duas câmeras para a rua Con-selheiro Crispiniano, uma das principais ruas de pedestres do centro de SãoPaulo. Nosso “repórter” disse que estava ali para fazer uma demonstraçãoprovando que as intenções de voto que o adversário mostrava em seu pro-grama eram falsas. Para isso iria fazer uma pesquisa-flagrante com dois can-didatos fictícios – o Souza e o Silva. E saía pela rua perguntando, acompa-nhado por uma das câmeras:

– Em quem você vai votar?

Só dava Silva, um ou outro raro voto no Souza. Mas a segunda câme-ra, gravando de um ponto mais alto, revelava toda a trama. Havia um di-retor que gritava:

– Atenção... gravando!

Em perfeita marcação teatral, uma dúzia de “voluntários” colocadosem pontos estratégicos se moviam e iam sendo entrevistados, todos

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“eleitores” do Silva. Ao final todos se reuniam junto ao diretor, quesentenciava:

– Ainda não ficou bom. Vamos gravar mais uma vez.

E toda a cena se repetia. Assim foi devidamente enterrada a credibilida-de daquelas “pesquisas”. E assim o eleitor foi ficando cada vez mais esper-to, para não cair em enganações e para votar cada vez mais consciente.

As outras campanhas não incomodavam: eram um bem-acabado de-sastre. Plínio, que era muito desconhecido, continuou assim apesar

de aparecer diariamente na TV. Nenhuma emoção, nada que atingisse dealguma forma o eleitor.

Forte na chapa do PT era o candidato ao Senado, Eduardo Suplicy, ca-minhando sem muitos problemas para a sua primeira eleição. Concorriacom um envelhecido Franco Montoro do PSDB, com o jornalista estrean-te em política Ferreira Neto, do PDS, e com o empresário Guilherme AfifDomingos, do PFL.

Afif compunha a chapa do nosso candidato, mas optou por fazer cam-panha própria, em outra produtora, com outros profissionais. Sua propa-ganda era um corpo estranho, dentro da comunicação que fazíamos paraFleury. Não deu certo, é óbvio. E eu já tinha visto esse mesmo filme nacampanha de FHC ao Senado, em 86.

Quando me convidou para um almoço no restaurante Dinho’s Place epediu para que eu assumisse também a sua campanha, faltava menos deduas semanas para a eleição. Fui realista:

– Temo que já seja tarde demais.

Afif perdeu a oportunidade de estar junto a Fleury para se beneficiar doempuxo de crescimento dele que, exatamente naquele momento, ultrapas-sava Covas na intenção de voto.

Covas demonstrava estar desmotivado. Tinha como símbolo da campa-nha um apito, desses que juiz de futebol usa, não se entendia bem por quê.O seu programa de TV muitas vezes ficava perto da mediocridade. Nossaspesquisas mostravam que, em geral, ninguém se lembrava do que ele dis-

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sera. Quando começou a cair, atacou indiscriminadamente a todos. E to-da a população entendeu que era puro desespero.

O ponto alto da inadequação política e da propaganda contraditória foicolocar o grande ator Gianfrancesco Guarnieri junto a um pequeno altar,declamando um texto que criticava e ironizava a todos os outros candida-tos e, numa espécie de oração, pedia que se melhorasse o nível geral dacampanha, parando com as promessas impossíveis de serem cumpridas.Uma dramática peça teatral; uma cômica peça de comunicação política.

Nesse momento vislumbrei com nitidez o final daquela disputa.Fleury recebia apoios que iam do empresário Antônio Ermírio ao lí-

der sindical Luiz Antonio Medeiros. Corria o Estado todo, só passavapela produtora uma vez por dia, ou de manhã bem cedo, ou bem tar-de da noite, para gravar os textos que já encontrava prontos. Tinha en-tre todos o melhor desempenho na TV, segundo opiniões que recolhía-mos da população, nas nossas pesquisas qualitativas. Não tinha comodar errado.

Apesar de tudo, nos últimos dias da campanha no 1º turno, os adversá-rios apareceram com a possibilidade de Maluf ganhar direto. Os malufistasentraram em euforia. A apresentadora Hebe Camargo vinha diariamente pe-dir os votos finais. Toda a campanha foi direcionada para “escapar do 2º tur-no”. Não perceberam que é um grande perigo criar uma expectativa desse ti-po, sem ter certeza absoluta do sucesso, pois se ela se frustrar, a reversão queaparece em seguida pode ser destruidora, atrapalhando muito o desempenhoda campanha, mais à frente. É uma verdadeira bomba de efeito retardado.

Duda Mendonça, o marqueteiro que estreava em São Paulo, preparouum lance final, esperando que ele tivesse grande efeito.

O candidato, com toda a pompa e circunstância, foi a Brasília mostrarseu programa de governo a Collor. Exatamente o que Quércia fizera qua-tro anos antes, com o presidente Sarney.

A cena, muito bem ensaiada e marcada, foi apresentada na TV como ogrande momento de união e entrosamento entre o governo federal e o esta-dual. Luzes, espocar de flashes, Maluf se curva reverencioso, solene (jeitão depolítico japonês) e entrega o documento ao presidente.

As curvas do viewfinder atingiram o ponto mais alto em toda a campa-nha. À primeira vista parecia uma unanimidade, um gol de placa, daque-les que decidem o campeonato.

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Nos nossos cruzamentos de pesquisa, porém, apareceram traços de insa-tisfação com aquele presidente “que tinha confiscado o dinheiro do pobre”e continuava ameaçando a todos com “a perspectiva de arrocho salarial e deuma forte recessão”. Eram as primeiras fissuras abalando a criptonita daque-le presidente que se fantasiara de Superman.

Concluí que a forte impressão deixada pelo resultado do viewfinder erafalsa e preparei um grande pronunciamento para Fleury, defendendo a teseda independência de São Paulo, um Estado que, pela sua importância, nãose podia curvar (a expressão foi usada insistentemente), não podia abaixar acabeça fosse para quem fosse, até mesmo para o poder central. Uma fala quebeirava as raias da xenofobia, mas que dava a Fleury a oportunidade de em-punhar uma bandeira e dar um murro na mesa – agora era a vez dele, coma vantagem de não precisar ferir a mão. E consolidava uma presença de es-tadista, e não apenas de um “pau mandado do governador”.

Os estrategistas de Maluf cometeram o erro seqüencial de repetir a cenade Brasília no dia seguinte, provavelmente influenciados pelo aparente“bom resultado” do viewfinder. Com a fala poderosa do nosso candidato en-trando em seguida criou-se ainda mais visibilidade para o confronto. Era oprimeiro grande embate direto entre os dois. E o tiro deles tinha saído pelaculatra: em vez de contribuir para a eleição acabar no 1º turno, trouxe maisalguns votos para Fleury confirmar presença no 2º turno.

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Maluf 34,3%*

Fleury 22,2%

Covas 12,0%

Plínio 9,6%* Números oficiais do TRE.

No dia seguinte à votação fizemos uma reunião com todo o comando dacampanha, para avaliar os resultados e começar a montagem do 2º turno.Resolvi não fazer nenhuma alteração substancial, apenas pedi sugestões pa-ra a contratação de uma dupla de criação publicitária, que trabalharia dire-tamente comigo, contrabalançando a equipe com perfil mais jornalísticoque vinha atuando até então. E isso porque os adversários tinham, por for-mação, um viés mais publicitário. Tudo combinado, o cansaço era brutal,

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viajei para descansar três dias: o que iríamos enfrentar seria dureza... mas eunem imaginava quanto.

Por telefone fui consultado pelo escritor Fernando Morais, secretárioEstadual de Cultura, se aceitaria a presença do publicitário Nizan Gua-

naes na equipe.– É claro que sim!Um profissional como ele é imprescindível em qualquer situação. De

pronto recomendei que ele, como primeira missão, revisasse as músicas dacampanha, procurando dar-lhes uma roupagem nova, dinâmica.

Mas quando voltei de viagem encontrei minha equipe em polvorosa.Diziam que o primeiro programa do 2º turno já estava pronto. E mais: ti-nha sido aprovado pelo candidato, à minha revelia.

Era verdade e o “script” me foi entregue para providenciar a produção.Tratava-se de um texto violentíssimo, de ataque frontal e direto a Maluf.Pedi explicações a Nizan, seu autor, e ele me apresentou nossa primeira pes-quisa interna, pós-eleição:

Estava absolutamente convencido de que o tempo de propaganda na te-levisão seria muito pequeno – 18 dias – e que só tiraríamos a diferença de4 pontos atacando fortemente o adversário que, aliás, tinha muitos flancospara serem atacados.

– Temos que ir prá cima!Nizan estava chegando, não tinha acompanhado em profundidade o

trabalho feito durante os meses anteriores. Se visto isoladamente haviauma certa coerência no seu pensamento. Mas, para mim, essa forma deação se chocaria com o andamento da construção da personalidade polí-tica do candidato. Não pude concordar com a estratégia, muito menoscom o fato de ela ter sido apresentada na minha ausência. Para esta haviauma justificativa:

– Foi o Fleury quem pediu para ver o texto.O candidato estava em compreensível ebulição, tentando se apegar em

tudo que passasse à sua frente. Já tinha ido longe demais, o Palácio do Go-

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Maluf 42,2%

Fleury 38,4%

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verno do mais importante estado brasileiro estava à vista. Seu irmão Lilico,ex-capitão da PM, era assessor da campanha e mal disfarçava a excitaçãocom a oportunidade que se abria à frente. Ele era um dos mais fortes in-centivadores da presença de Nizan.

Quanto à linha estratégica proposta, se ela fosse correta, eu não teria ne-nhum prurido em aprová-la. Inclusive, foi o que fiz com as músicas, cujosnovos arranjos ficaram excelentes. A presença do cantor e sanfoneiro Do-minguinhos, interpretando o tema principal, trouxe uma emoção e um en-riquecimento melódicos de arrepiar.

Porém, nos dois dias em que andei pelas areias claras de Mar Del Plata, ti-nha concebido uma estratégia exatamente oposta: comer pelas beiradas. For-talecer a imagem de bom moço, grande administrador, honesto e sincero.Correr atrás de conquistar os “indecisos, brancos e nulos” que ainda erammuitos. Para mim, a intenção de voto em Maluf estava muito consolidada.Crescera pouco na transição do 1º para o 2º turno, a metade do crescimentode Fleury, mas era um crescimento muito firme. Para atenuar essa desvanta-gem, lançaríamos acenos aos petistas e covistas empunhando, agora com ex-clusividade, a bandeira do anti-malufismo. Devagar e sempre.

Criado o impasse das diferentes estratégias, tive de levar a questão pa-ra o governador decidir com qual delas ficar. Ele ouviu as alternativas,chamou o candidato para uma conversa a portas fechadas e, no fim datarde, telefonou:

– A campanha fica como está.

Mais uma vez estava eu assumindo a imensa e solitária responsabilida-de pela definição de uma linha estratégica que poderia levar a uma grandevitória, ou a uma retumbante derrota. O terrível em situações como essa éque fica sempre a dúvida: “e se tivéssemos ido pelo outro caminho?” Pode-ria ter sido melhor. Ou poderia ter sido pior. É aquele velho enigma quejamais será decifrado.

O alívio inicial veio com as primeiras qualitativas: havia uma tendênciade migração de votos mais pronunciada na direção de Fleury. O Prof. Kirs-ten chegou a prever, num de seus estudos, que, se a eleição fosse naquelemomento, dois dias antes de se iniciar a propaganda na TV, um cenárioprovável para o resultado seria uma vitória com diferença muito pequena.

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Com o horário político gratuito, mais um alívio: Maluf começou a errar.A tranqüilidade que ele vinha transmitindo virou arrogância, autoritarismo. Acalma virou agressividade. E, junto, vieram as incoerências. Ele, que apregoa-va querer continuar as obras de Quércia, passou ao ataque, justificando que“tinha que dar pau no que está errado”. Inventou um “governo de pequenasobras” que só serviu para ressaltar a imagem das “grandes obras” do governoque findava. Grudavam nele as críticas que fazíamos à política econômica dogoverno federal, capitalizando um nascente sentimento anti-Collor.

O crescimento de Fleury foi inevitável e atingiu o auge faltando dezdias para a eleição:

Para mim, todavia, esses nove pontos de vantagem não traziam nenhumatranqüilidade: ainda havia duas questões cruciais a serem resolvidas. Questõesgraves, dessas que podem fazer uma eleição virar em cima da hora.

O governador Quércia, antevendo a vitória e pego de surpresa por umrepórter de TV, fez declarações que pareciam menosprezar ou, no mínimo,não valorizar o voto dos petistas que tinham vindo para Fleury no 2º tur-no. As imagens eram fortes e os adversários se aproveitaram delas.

Mais grave ainda: havia um debate em rede de televisão, marcado parao último dia da propaganda e muito esperado pelos eleitores.

Maluf, que até então não tinha ido a nenhum debate, agora via a opor-tunidade de jogar todo o cacife para, num só lance, ganhar a dura peleja.Era sua chance derradeira. Além do mais, é reconhecida sua matreirice,seu raciocínio rápido, sua habilidade verbal. Melhor que o adversário emtodos os quesitos. Ele entendeu a oportunidade e começou a desafiar ooponente.

Tínhamos bem fundadas dúvidas sobre como seria o desempenho deFleury. Nos debates do primeiro turno ele não tinha se comprometido, mastambém não tinha sido brilhante. Se fugisse da raia certamente perderia aeleição. Se enfrentasse Maluf corria o risco de sair destroçado. Ele própriotinha tanta insegurança, que não conseguia decidir sua dúvida shakespea-riana: ir ou não ir?

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Fleury 46%*

Maluf 37%* Pesquisa DataFolha.

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Numa madrugada, já bem perto do prazo fatal para a decisão, Fleurychegou de uma série de comícios no interior e passou pela produtora paraver se tudo estava em ordem, saber das novidades. Tranquei a porta da mi-nha sala e disse-lhe que não podíamos mais esperar pela decisão. Tinha queser tomada ali e agora. Seus lábios tremiam e ele balbuciava:

– Não sei... não sei... não sei...

Quando se recompôs disse que estava estafado, física e mentalmente,cansado demais com os rigores daquela campanha doida, Quércia e eu quedecidíssemos pelo mais adequado, que ele cumpriria a determinação. Demanhã bem cedo liguei para o governador:

– Fleury não tem condições de ir ao debate.

A primeira providência foi colocar no programa daquele mesmo diauma chamada desafiando Maluf e dizendo que Fleury iria, sim, ao debate.Sabíamos que essa questão poderia significar uma grande perda de votos.Nossa tentativa foi de minimizar ao máximo a sangria que, de outra forma,poderia ser uma hemorragia fatal, no caso de uma atuação calamitosa aovivo e em cores, com todo o estado assistindo.

No dia seguinte uma reportagem mostrava que, quem tinha fugido dosdebates do 1º turno era o próprio Maluf, nas palavras dos próprios apre-sentadores desses debates, Marília Gabriela e Marco Antônio Rocha:

– O candidato Paulo Maluf, convidado para este debate, nãocompareceu.

Uma providência corriqueira, tomada nos debates anteriores, nos deu aferramenta que usávamos agora. Tínhamos exigido que os apresentadoresexplicitassem, inclusive citando o nome, a ausência de qualquer dos candi-datos. Por outro lado, continuava no ar a enfática “chamada” dizendo queFleury iria, sim, ao debate. Dessa forma começávamos a neutralizar a ten-tativa malufista de pregar nele o perigoso epíteto de “fujão”.

Paralelamente Quércia despachou o secretário de Comunicação CarlosRayel para negociar com o pool de emissoras. Como elas já não estavam se

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entendendo, o debate acabou sendo cancelado em cima da hora. Pelasemissoras. E a gritaria final de Maluf foi entendida pelas pessoas como“desespero de quem vai perder a eleição”.

Essas agressões foram subindo de tom, à medida que o tempo se esgo-tava. Foram dez direitos de resposta que a Justiça Eleitoral nos concedeu,só no 2º turno. Com um coroamento inesperado: como Maluf agrediuFleury no último programa, tivemos um direito de resposta extra, em ho-rário nobre das televisões, isolados no dia seguinte, dentro da programaçãonormal. Foi o tiro de misericórdia para chegarmos à vitória, por uma dife-rença muito pequena:

É importante notar que Maluf cresceu apenas 20% em relação aos vo-tos obtidos no 1º turno, enquanto Fleury recebeu praticamente o dobro.

Com um detalhe curioso: eu mesmo acabei não votando na criaturaque ajudara a construir, pois logo depois de dirigir a gravação daquele últi-mo e solitário direito de resposta passei mal e acabei internado na UTI doIncor – Hospital das Clínicas – com uma crise coronariana aguda. Ao read-quirir a consciência por completo, quatro dias depois, São Paulo tinha umnovo governador.

Anos mais tarde, analisando o desempenho bisonho daquele governo,sobreveio um pensamento fugaz, brincalhão: quem sabe o risco de per-der a vida, pelo qual passei, tivesse sido uma vingança antecipada dosdeuses?…

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Fleury 43,8%*

Maluf 40,8%* Números oficiais do TRE.

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capítulo 6

Maior vitória:o velho presidencialismo se

renova no Plebiscito.

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Osenador Marco Maciel acabara de assumir a presidência da Frente Pre-sidencialista, um dos três agrupamentos que se formavam para influir

no Plebiscito de 21 de abril de 1993. Os outros dois eram formados por de-fensores do parlamentarismo e da monarquia. É que, por determinação danova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, o povo deveriaescolher a forma e o sistema de governo que seriam implantados no País.

A Frente era um verdadeiro balaio de gatos, sem nenhum apoio partidárioefetivo, contando com personalidades que olhavam muito mais para interesseseleitorais imediatos do que para os grandes desígnios nacionais. Os principais:

– Brizola – tinha tido um bom desempenho na eleição presidencial an-terior, quando ficou em 3º lugar, muito próximo de Lula; na próximaseria sua última oportunidade real e ele se considerava a bola da vez;

– Marco Maciel – representando um grupo de conservadores doPFL, auxiliado pelo fiel escudeiro Cláudio Lembo e pelo deputadobaiano Prisco Vianna; era o presidente da Frente Presidencialista.

– Lula e o PT – o partido tinha oficialmente dado apoio em plebis-cito interno de 14 de março, mas a rigor estava dividido; lideran-ças expressivas, como José Genoíno, Aloizio Mercadante e JoséDirceu, estavam com o parlamentarismo; o fato de Lula liderar aspesquisas de intenção de voto para presidente, apresentando-se co-mo a alternativa ao fracasso do governo anterior pesava favoravel-mente, apesar de ele próprio não se manifestar com clareza;

– Quércia – era presidente do PMDB, chamuscava-se com váriasdenúncias de irregularidades praticadas quando governador, nun-ca tinha sido derrotado numa eleição e agora sonhava com o Pa-lácio do Planalto.

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Fui escolhido para comandar a comunicação da Frente numa reuniãocom Maciel, Quércia, o deputado carioca Vivaldo Barbosa representandoBrizola, Prisco Vianna representando Antonio Carlos Magalhães, os deputa-dos Jacques Vagner (Bahia) e Wladimir Palmeira (Rio de Janeiro) represen-tando o PT. Ana Maria Tebar faria a ligação entre essas forças, uma espéciede amálgama juntando elementos de naturezas completamente diferentes.

O encontro terminou tarde da noite, e acabei perdendo o sono assom-brado com as dificuldades que teria de enfrentar dali para a frente.

Dentro de um ano aconteceriam novas eleições para presidente. Seriaum presidente com toda a autoridade nas suas mãos? Ou seria uma figurameramente decorativa, com o poder verdadeiro nas mãos de um primeiro-ministro? E, de contrapeso, ainda se podia aventar a possibilidade de ter-mos um rei de verdade, além de Pelé e de Roberto Carlos...

Esta seria uma campanha muito diferente das outras. Sem cara, sem pa-lanque, sem carreatas. E sem a personalização que caracteriza as campanhaseleitorais neste País de partidos com pouca, quase nenhuma presença ins-titucional. Resolvemos que não mostraríamos nenhum político, nenhumdiscurso. Seria uma disputa entre idéias. Nisso havia, pelo menos, uma van-tagem: seria a única campanha em que o “candidato”, posteriormente, nãoteria nenhum risco de me decepcionar, como alguns que, depois de eleitos,mostram a verdadeira face da incompetência ou, o que é ainda pior, domau-caratismo.

À primeira análise, o presidencialismo levava nítida desvantagem. Estavaem vigor há mais de 100 anos, desde a Proclamação da República em 1889,uma ou outra ditadura à parte e com o ditador de plantão ainda sendo cha-mado de “presidente”. Um sistema velho e desgastado e, portanto, arcaico.Pronto para ser inculpado como o maior responsável por todos os desacer-tos e desgovernos que sempre vigoraram. Já tinha sido testado e reprovado.

Com a última experiência desastrosa ainda muito presente na memóriade todos: Collor acabara de ser defenestrado, num momento de extremopessimismo nacional, deslustrando ainda mais a tão surrada faixa presiden-cial. Tínhamos um vice, em quem ninguém tinha votado, ocupando a pre-sidência: Itamar Franco.

Na certa o parlamentarismo viria como a grande novidade, capaz deconsertar todos os males centenários que nos afligiam. Um sistema de go-verno mais ágil, dinâmico, moderno. Com ele não seriam possíveis as cri-

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ses institucionais, como no governo João Goulart. Baniríamos as crises po-líticas, como o final do governo Sarney. Não repetiríamos aventuras comoCollor. E seríamos felizes para sempre.

A madrugada me encontrou vagueando por entre esses pensares. Esta-va nas minhas mãos um momento de decisão histórica, uma rara oportu-nidade de mexer com a história do Brasil. Não podia desperdiçá-la.

No dia seguinte duas más notícias desabaram, trazendo ainda maisapreensão:

– nosso orçamento para a execução do trabalho tinha que ser reduzi-do a um quarto do valor proposto; os presidencialistas não tinhamrecursos, fariam uma divisão de arrecadação entre os quatro caciques,algo somado em torno de US$ 600.000,00 – valor estimado parauma campanha de prefeito, em qualquer cidade de médio porte, ja-mais para uma de alcance nacional e com aquela responsabilidade;

– os parlamentaristas anunciavam a contratação do publicitário Du-da Mendonça para dirigir sua campanha o que, por si só, represen-tava uma intenção séria de contarem com soluções competentes; edavam a entender claramente que não faltariam recursos para isso.

A Folha de S.Paulo de 5 de fevereiro chegou a estimar que os parlamentaris-tas se preparavam para gastar US$ 22 milhões, citando declarações do tesourei-ro da frente: “há bem mais de mil pessoas e empresas dispostas a colaborarem”.

O grupo parlamentarista, na verdade, era um outro saco de gatos, mascontava com governadores, ministros, prefeitos e senadores no exercíciodos cargos e, portanto, com imensa capacidade de conseguirem “doações”.Chegaram a anunciar o apoio de 270 deputados federais e 48 senadores.Os principais líderes:

– José Richa – senador, ex-governador do Paraná e presidente daFrente Parlamentarista;

– Fernando Henrique – senador, ministro das Relações Exterioresdo governo Itamar, que ainda se imaginava mais próximo de serprimeiro-ministro do que presidente;

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– Fleury – o governador de São Paulo, dava o primeiro grito ex-plícito de independência, separando-se da coluna quercista;

– Mário Covas – senador, parlamentarista convicto;

– Antônio Britto – ministro da Previdência;

– Paulo Maluf – o prefeito de São Paulo parecia um peixe forad’água, talvez levado pela correnteza do publicitário que o ajuda-ra a redimir-se na eleição municipal anterior;

– Tasso Jereissati – ex-governador do Ceará.

– Ciro Gomes – governador do Ceará.

Mais Montoro, Erundina, Jair Meneghelli (presidente da CUT) e até oapoio silencioso do então presidente Itamar Franco.

Eles eram os portadores de uma coisa nova, uma idéia moderna, pro-gressista. Isso lhes dava uma auréola de “superiores”. Mas Marco Maciel de-finiu bem a divisão social de apoios entre os dois grupos:

– As elites estão com o parlamentarismo.

Ao que Cláudio Lembo emendou com seu humor cáustico:

– É o golpe dos brancos contra os neguinhos.

Esse apoio das elites podia ser claramente comprovado no noticiário da im-prensa, indisfarçavelmente favorável. Mas não era só isso: a primeira pesquisade intenção de voto, feita pelo Ibope e publicada pelo Jornal do Brasil, a cincomeses do plebiscito, não deixava dúvidas sobre as dificuldades que iríamos en-frentar: o parlamentarismo já largava de um patamar muito alto, mesmo nãotendo sido devidamente apresentado e divulgado para a população:

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Parlamentarismo 28%

Presidencialismo 21%

Sem opinião formada 41%

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Também o Instituto Gallup dava, em novembro de 92, uma vantagemde 41,7% contra 36,3%. E a pesquisa DataFolha, realizada entre os dias 15e 16 de dezembro de 92 apresentava o seguinte resultado:

Pelo menos havia um alento: todos aqueles que ainda não tinham se de-finido, nem tinham opinião formada, podiam ser trabalhados por ambosos lados. E aí, salve-se quem puder.

Um dos mais fortes argumentos contra o parlamentarismo – o problemada distorção na representatividade no Congresso – não podia ser usado, poislevantaria uma questão delicada que poderia soar bem aos ouvidos de umaparte da população mas, por outro lado, seria muito mal visto na parte res-tante. O “Estadão” de 18 de janeiro de 93 mostrou que “os parlamentares dasregiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste constituem 54,28% da composiçãodo Congresso Nacional e representam apenas 37,48% dos eleitores do País”.Ou seja, com o sistema de votação no parlamento, o governante máximo po-deria ser eleito pelos representantes de uma minoria da população.

Quando tudo parecia conspirar contra, a pesquisa qualitativa que enco-mendei – primeira e única, pois não havia verba para outras – trouxe umaimensa esperança, embutida numa série de constatações óbvias, dando con-ta de um baixo astral generalizado. Nas entrelinhas descobri uma verdade in-sofismável, que gritei baixinho, entre as quatro paredes da minha sala:

– O brasileiro é presidencialista!!!

O brasileiro é assim no fundo da sua alma, bem no fundo do seu co-ração. A grande massa é presidencialista, intrinsecamente.

– Fiquem com as elites que eu vou ficar com o povão! – murmu-rei, batendo uma mão contra a outra, na frente do rosto.

A população está acostumada, não quer nem pensar no assunto. Nãotem preparo nem elaboração intelectual para visualizar uma outra forma.

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Parlamentarismo 38%

Presidencialismo 33%

Indecisos 25%

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Precisa de uma espécie de proteção paternal, que não encontra nas formasque dividem o poder. E, para completar, não coloca a culpa pelos vícios nosistema, mas sim nas pessoas, nos políticos.

Pouco tempo antes o Ibope tinha feito entrevistas em quase 100 muni-cípios com a pergunta: “O(a) sr(a) confia ou não confia nos deputados esenadores?” Resposta:

Estava aí, no conjunto desse raciocínio, a poderosa chave da questão. Mui-to simples e direta. Em cima dela iria ser traçada toda a linha estratégica.

Mas essa informação, em poder dos adversários, traria um grande peri-go. Iríamos colocar todos os ovos numa única cesta, o que a tornava mui-to frágil, muito fácil de ser atacada.

Tive que me valer, na prática, de uma máxima popular: “segredo é umacoisa que eu sei e não conto para ninguém”. Nenhum dos meus colabora-dores ficou sabendo, por inteiro, do caminho que estava sendo traçado.Contei pedaços, passei uma informação aqui, outra ali, mas em nenhummomento pude revelar a estratégia completa.

A estratégia em formato erudito: se o brasileiro já é presidencialista denascença e por convicção íntima, então não preciso convencê-lo a adotar opresidencialismo. Preciso apenas estimular, fazer despertar esse sentimentolatente, da dormência atávica em que está mergulhado.

Em linguagem popular: botar pra fora.A linha estratégica era de uma simplicidade franciscana, daí a sua fragi-

lidade, caso fosse descoberta. Paradoxalmente, essa mesma qualidade seriauma força fantástica, caso permanecesse incógnita. É fácil trabalhar comsentimentos que a gente conhece, para aumentar ou diminuir sua intensi-dade – era o meu caso. É complicadíssimo trabalhar com aqueles que per-manecem ocultos e/ou camuflados – seria o caso dos nossos adversários.Por isso o segredo exacerbado.

Com essa definição básica, as táticas fluíram naturalmente, criadas poruma equipe acostumada a trabalhar comigo e que, o que tinha de peque-na, tinha o correspondente contrário em eficiência e competência. Na exe-

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Não confia 58%

Confia 30%

Não sabe 12%

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cução dos programas se alternavam os jornalistas José Maria Braga e CacáColonese.

A propaganda eleitoral começou a ser veiculada em fevereiro, em ple-no período de Carnaval. Mostrou-se aí a primeira grande diferença, poisnós não caímos na opção fácil de colocar no ar comerciais ambientadosna festividade, como fizeram os parlamentaristas. Nossos anúncios eramsérios, fortes, fazendo o pessoal pensar... apesar dos feriados, do verão edos desfiles das escolas de samba. Entre cenas de mulheres com poucaroupa vinham imagens da Campanha das Diretas, emoção, acordes len-tos, voz grave:

– Lutamos muito para poder eleger o presidente. Agora queremnos tirar esse direito...

Queríamos um apresentador com grande identificação popular. Fomosbuscar o ator Milton Gonçalves e tivemos que vencer o veto do PDT, repre-sentado pelo deputado Vivaldo Barbosa:

– Ele fez campanha contra a gente, no Rio.

Não aceitamos a discriminação regionalista e o ator acabou sendo ogrande arauto do presidencialismo. Milton rodou o Brasil inteiro, a partirdo Carnaval, repetindo um bordão:

– Eu não abro mão do meu voto!

Dizia isso de todas as formas possíveis, usando as mais variadas justifi-cativas, em textos primorosos, interpretados com a maestria do grande ator.Olhava para a câmera, com ar desconfiado, e desafiava na pergunta:

– Você vai abrir mão do seu direito de escolher o presidente?

O fundo musical era de arrepiar, feito para comover até o mais empe-dernido dos corações. Qual? Já que pretendíamos despertar um senti-mento de nacionalidade latente, nada melhor do que o próprio... HinoNacional.

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O músico e compositor Sérgio Hinds* fez arranjos da música em todosos estilos e formatos possíveis: orquestrado, em solos de flauta, guitarra, sa-xofone, em ritmo de samba, marchinha e baião. Um festival.

Alguém, em algum lugar, já ouviu o Hino Nacional sem se emocionar?Pode a vida estar dura, o salário baixo, o emprego difícil. Podem os políti-cos e os governantes estarem desacreditados. Pode o País estar quebrado.Tocou o Hino, faz-se um respeitoso silêncio, mão espalmada no peito e osolhos se enchem de lágrimas.

Pois era essa a nossa música-tema. Sempre que alguém aparecia comuma nova melodia, “composta especialmente” para a ocasião, eu parodiavao “Samba de uma nota só” da bossa nova:

– Esta é uma campanha de um hino só.

E com a vantagem adicional para um trabalho com recursos muito re-duzidos como aquele: o Hino Nacional é obra de domínio público, não sepaga direito autoral para executá-lo.

Mas a grande novidade na campanha do Plebiscito foi que, além doprograma eleitoral fixo, também era permitida a veiculação de comerciaisdurante a programação. E esse acabou sendo um dos pontos de grandediferencial.

Os adversários contavam com os trabalhos de duas agências de propa-ganda poderosas: DPZ e Salles Interamericana. Nós tínhamos inicial-mente a assessoria da Almap, representada nas reuniões pelo seu diretor,Alex Periscinoto. Mais tarde veio também a Denison, indicada pelos re-presentantes do PT. A agência, na época dirigida pelo publicitário SérgioAmado, tendo Raul Cruz Lima como diretor de criação, trabalhou dire-tamente na elaboração dos anúncios de TV, em perfeita sintonia comigoe com a minha equipe.

Grandes comerciais saíram desse convívio. Peças fortes e eficientes, to-das com um custo de produção muito baixo, dirigidas magistralmente por

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* SÉRGIO HINDS nasceu no Rio de Janeiro em 1948. É músico e publicitário, vocalista e guitarrista da banda derock progressivo “O Terço” e diretor da Hinds Produções Artísticas. Foi diretor musical da Miksom Vídeo, di-retor de conta da MPM Propaganda. Desde 94 cria e produz trilhas, vinhetas e aberturas de programas paraa TV Gazeta. Montou trilhas e jingles para dezenas de filmes publicitários. Coordenou a parte de musical decampanhas políticas: Fernando Henrique (89), Aloysio Nunes (92), Presidencialismo (93), Amazonino Mendes(94) e Orestes Quércia (94).

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Fernando Waisberg*, ex-TV Globo. Duas historiadoras nos davam o su-porte com a precisa interpretação e cronologia dos fatos. O jornalista Ed-son Higo do Prado se encarregava de coordenar a produção. Não mais queum ator em cena, sempre batendo na mesma tecla:

– Lutei mais de 20 anos para ter de volta o direito de votar. Agoraquerem me tirar esse direito...

– No presidencialismo você escolhe quem vai dirigir a Nação.(Mostra uma cena do Congresso, em Brasília.) No Parlamenta-rismo são eles...

– Não deixe ninguém roubar o seu voto. É você mesmo quemconduz o seu destino.

E até as cinzas do governo Collor que poderiam ser um “ponto devenda” negativo, acabaram sendo usadas a favor, com o argumento deque ele foi posto na presidência pelo povo, mas também foi tirado de lápela pressão popular:

– No presidencialismo é você quem põe. E, se precisar, também évocê quem tira.

Nós éramos os únicos que podíamos dizer as coisas de maneira direta,sem enrolar, sem precisarmos nos esconder atrás de longas explicações.

A maior estrela da temporada, todavia, foi mesmo a renascida campa-nha das “Diretas Já!”. Trouxemos de volta velhas imagens dos comícios,carregadas de maciças doses de emoção. Tinha sido uma luta importantedemais para cair no ostracismo, “trocada pela aventura parlamentarista”.Foi desse mesmo mote que veio a inspiração para o extraordinário sloganque, em duas palavras precisas, sintetizava o objetivo geral:

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* FERNANDO WAISBERG é jornalista e engenheiro eletrônico. Entrou na Rede Globo em 71, passou pela CGE (Cen-tral Globo de Engenharia) e foi editor, produtor e diretor de eventos jornalísticos da CGJ (Central Globo deJornalismo) até 83. Foi diretor de operações da Abril Vídeo até 85 e diretor geral até 88. Desde então foi di-retor de empresas de produção e finalização de vídeos, tendo executado a edição e computação gráfica das1.200 aulas do Telecurso 2000. Trabalhou em campanhas eleitorais pela TV, como o Presidencialismo, a Ree-leição de FHC e a campanha Tuma prefeito.

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DIRETAS SEMPRE

Contaram-nos que, quando o comando de marketing da campanha par-lamentarista viu esse primeiro comercial no ar, houve um consenso imediato:

– Estamos fritos!...

Para piorar, a campanha parlamentarista tentava explicar, mas acabavase embaralhando em definições confusas, aprofundando as dúvidas já exis-tentes e ainda criando novas. Na população, quem se declarava parlamen-tarista, em geral, colocava sua opinião sob algum condicionante.

– Sou parlamentarista, mas...

– Sou parlamentarista, desde que...

– Sou parlamentarista, se...

Os princípios do Parlamentarismo não ficavam claros para ninguém,enquanto o Presidencialismo era claríssimo, para todo mundo.

Realmente, o efeito das duas campanhas no ar foi fulminante. Jamaisassisti a um crescimento de intenção de voto tão grande como o que acon-teceu com o presidencialismo, invertendo a situação em apenas duas sema-nas, conforme mostrou a Folha de S.Paulo de 21 de março:

O Gallup também confirmou o brutal crescimento: 51,8% a 25,2%.Praticamente conseguimos conquistar todos os indecisos de uma vez só. Aestratégia estava dando certo: o Presidencialismo latente tinha aflorado vio-lentamente. Ana Maria Tebar explicou o fenômeno:

– Nós soubemos ler o sentimento das ruas de uma maneira muitosutil. Mexemos com alguma coisa que estava lá dentro, talvez o in-

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Presidencialismo 61%*

Parlamentarismo 25%* Pesquisa DataFolha realizada em 16 de março.

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consciente coletivo. Esperança misturada com crescimento indivi-dual. Aconteceu nas Diretas, depois no Plano Cruzado, as pessoasse sentindo cidadãs. E nós as colocamos novamente como cidadãs,com o presidencialismo.

Nem o estranho penduricalho existente no nosso programa conseguiureduzir seu forte impacto. O tempo original que tínhamos era de 10 minu-tos por período, mas Brizola decidiu que não faria parte do corpo do pro-grama. Exigiu que o tempo que teoricamente pertenceria ao PDT fosse usa-do só e tão somente por ele próprio. Conclusão: tínhamos esse apêndice deum minuto e meio, com o ex-governador fazendo seu discurso anacrônicode sempre. Passei a colocar a fala após o “encerramento” do nosso programae com o tempo percebemos que ela era inócua: ninguém prestava atenção,ninguém entendia direito o que aquilo representava. Um popular conver-sando com Milton Gonçalves resumiu com acuidade:

– Não sou monarquia, nem parlamentarismo, nem Brizola. Soumesmo é presidencialista!

Os parlamentaristas, mesmo podendo contar com um minuto e meio amais, em momento algum conseguiram dar um tom equilibrado para a cam-panha. Ora vinham com uma postura didática, tentando ensinar as vantagensdo sistema, ora vinham mostrar que a tão desenvolvida Europa tinha esse ti-po de governo na maioria dos países, ora vinham para o ataque, mostrandomazelas e vícios do presidencialismo. Bateram cabeça sem nenhum eixo bemdefinido. Minha avaliação foi publicada pelos jornais na época: “É o maiorconjunto de erros que vi em toda a minha vida”.

No fundo, os dois “produtos” tinham similaridades intrínsecas. A dife-rença foi que, apesar do nosso ser cheio de defeitos, conseguimos fazer pre-valecer as vantagens dele.

Até a campanha da Monarquia, apesar de sua tese excêntrica na origem, ti-nha mais coerência. Soube beneficiar-se do absurdo de poder contar com umespaço específico, enquanto a República não teve esse mesmo tratamento.

É importante lembrar que se votaria duas vezes: na “Forma de Governo”(Monarquia ou República) e no “Sistema de Governo” (Parlamentarismo

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ou Presidencialismo). Eram quatro temas, mas a lei privilegiava só três naprogramação gratuita de rádio e TV.

Como os parlamentaristas matreiramente se omitiram e ninguém fa-lava na esquecida República, que também não tinha um espaço pró-prio, nos últimos quinze dias tivemos que colocá-la a reboque em nos-sa comunicação:

– Diretas sempre! Vote República e Presidencialismo!

Com isso, a intenção de voto para a República, que vinha em queda li-vre, passou em um mês de 54,7% para 67,9%, segundo o Gallup. E tam-bém contribuíamos para evitar um resultado final extravagante, porém viá-vel dentro da forma como foi montada a votação. Já pensaram como seacomodaria o governo brasileiro com a vitória simultânea da Monarquia edo Presidencialismo? Pois era possível...

Maluquices à parte, o efeito do que colocávamos no ar era tão forte que,nas últimas semanas da campanha, tivemos que atenuar a dose, para que obordão não ficasse chato, repetitivo, intragável. E, com isso, criasse um efeitoreverso na população.

Fizemos uma experiência com magníficos bonecos do Gepp &Maia, caricaturizando os políticos do outro lado – os “parla-padores” –que só falavam e nada resolviam. Mas tivemos que tirar do ar pois, napercepção das pessoas, a sátira quebrava o efeito da profunda seriedadedo momento.

Procuramos outras alternativas: para se alternar com Milton Gonçalves,como apresentador, e dar um descanso à sua imagem marcante, contrata-mos a atriz Joana Fomm, e os dois formaram um casal brasileiríssimo nasúltimas duas semanas da campanha.

Por fim, até Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a campanha to-da evitando aparecer, veio ao estúdio gravar uma mensagem favorá-vel ao Presidencialismo. Nesse caso a presença era importante, paraaclarar definitivamente a posição dúbia que o PT manteve durantealgum tempo.

Como já não havia mais o que dizer, encerramos a campanha com umasérie de anúncios alegres, divertidos e descompromissados, aqui com oacompanhamento do Hino Nacional já em ritmo de batucada:

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“Ser brasileiro é...... jogar um futebol, tomar chope no fim da tarde, casar de véu e gri-nalda... e votar pra presidente;... gostar de pescaria, trabalhar de sol a sol, consultar a cartomante...e votar pra presidente;... tomar um cafezinho, bater na madeira contra o azar, assistir ao jogoda seleção... e votar pra presidente!!.

Apesar da grande bateria de ataques dos parlamentaristas, o resultado fi-nal foi avassalador:

Feitas as contas, no final, chegou-se à conclusão que os parlamentaristasgastaram realmente muito mais do que nós gastamos. Soube-se que sóFleury conseguiu captar R$ 4,5 milhões. A Folha de S.Paulo, que circulouno dia da votação, registrou minha declaração:

– O nosso foi o custo por voto mais baixo de todos os tempos.

Mas o mais importante é que foi uma grande lição que o povo deu nospolíticos. O voto no Presidencialismo, que inicialmente parecia conter umapostura reacionária, acabou sendo um voto revolucionário.

E a suprema ironia foi que, quando os repórteres me questionaram sobrea minha posição pessoal, perante os dois sistemas de governo, tive de admitir:

– Sou parlamentarista.

E sou mesmo, intrinsecamente. Na sua essência – e na teoria – trata-sede um regime político mais democrático e mais eficiente, já testado e apro-

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Formas de Governo

República 66%*

Monarquia 10%

Sistema de Governo

Presidencialismo 55%

Parlamentarismo 24%* Números oficiais do TSE.

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vado em diferentes situações, na maioria dos países do primeiro mundo,como França, Itália, Japão e Inglaterra. Porém, também tenho que admitirque, para que o sistema seja corretamente aplicado, há condicionantes queo nosso País ainda não reúne:

INSTITUIÇÕES FORTES – as nossas, em geral, ainda são muito frágeis,estão em fase de amadurecimento: da polícia à Igreja, dos sindi-catos aos organismos empresariais, do Congresso ao Judiciário,passando pelo Poder Executivo.

REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA – no Parlamento, que é onde está ocerne do sistema, não há uma representatividade equilibrada dapopulação. Há estados privilegiados e outros relegados a segundoplano na ordem política, apesar de terem número maior de habi-tantes e uma participação economicamente mais importante.

PARTIDOS POLÍTICOS BEM-DEFINIDOS – os nossos não são clara-mente caracterizados, muitas vezes não passam de frentes querecebem políticos de vários matizes. Isso quando não se trans-formam em simples legendas de aluguel.

LEIS DEFINITIVAS – as leis brasileiras são mutáveis: podem “pegar”ounão. Temos uma Constituição, mas também temos medidas pro-visórias. E a nossa Lei Eleitoral não passa de uma colcha de reta-lhos para acobertar casuísmos, como a figura da reeleição.

EDUCAÇÃO E POLITIZAÇÃO DO POVO – ainda formamos uma maioriade iletrados, semi-alfabetizados, sem acesso à cultura e à educação.Sem acesso, muitas vezes, às necessidades básicas para a vida do serhumano. Como exigir que esses cidadãos de segunda classe se po-litizem e participem?

No dia em que essas premissas estiverem satisfeitas possivelmente far-se-á um novo Plebiscito. Torço para que seja logo e me coloco, desde já, à dis-posição para dirigir, desta vez, a campanha do Parlamentarismo.

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capítulo 7

O Real substituio carisma e engana as pesquisas

para eleger um presidente.

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Vinte e cinco de junho de l994: faltam exatos cem dias para a eleiçãopresidencial. A última pesquisa do Ibope, realizada no início do mês,

dá uma ampla vantagem ao candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva, quetem 40 pontos, contra 18 do seu adversário mais próximo, o senador e ex-ministro Fernando Henrique Cardoso. A pesquisa DataFolha, concluídapouco depois, confirma os números:

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Lula 41%*

FHC 19%* Pesquisa DataFolha realizada entre 9 e 13 de junho.

Faltam cem dias para a eleição e a nova moeda – o Real – começará acircular dentro de uma semana.

Quércia também pretendia entrar no páreo. Mas, como as denúncias jácomeçavam a deteriorar sua imagem pública, eu tinha sugerido que ele secandidatasse a deputado federal, disputando uma eleição sem riscos. Faría-mos uma grande campanha, ele sairia certamente com uma votação espeta-cular e iria para Brasília montar uma influente bancada própria. Assim co-mo os evangélicos, os ruralistas, os carlistas, também teríamos os quercistas.Seria um lance de espera, ganhando tempo para que seu nome fosse resga-tado da série de acusações que apareciam de todos os lados.

Na minha pré-avaliação, ser candidato a presidente agora seria o segundogrande erro da sua carreira política. Um erro complementar daquele cometi-do cinco anos antes, quando não quis ser candidato, abrindo espaço para odr. Ulysses.

Minha opinião não foi aceita e, para informar oficialmente sobre suacandidatura aos principais colaboradores, ele convocou uma reunião no seuescritório particular. Presentes: a super-secretária Ana Maria Tebar; o diretordo Instituto Gallup, Carlos Matheus; o escritor Fernando Morais; o asses-sor de imprensa Nemércio Nogueira; o diretor da Rádio Antena 1, Orlan-do Negrão, e eu. Aquele encontro encerrava o assunto definitivamente.

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Nessa ocasião Matheus nos apresentou uma pesquisa qualitativa encomen-dada para identificar como a população estava se sentindo e quais eram suasexpectativas com relação ao futuro presidente da República. O resultado:

– havia uma depressão generalizada, um sentimento de inferioridadecom relação ao mundo, um pouco até de vergonha causada pelo de-senlace do caso Collor, pelo escândalo dos anões do orçamento, pe-la deterioração generalizada do País; tudo isso agravado por umagrande tristeza residual provocada pela morte do piloto Ayrton Sen-na – o único ídolo que nos restara e que desaparecera tragicamentepouco antes;

– o presidente Itamar Franco era considerado um governantefraco, sem ação, sem condições de renovar as esperanças e detrazer um novo ânimo para a população.

Por conta disso, todos esperavam poder escolher um novo presidentecom alguns predicados bem-definidos:

– experiência administrativa comprovada de alguém que já tenhaexercido algum cargo executivo com sucesso;

– autoridade própria, para jamais ceder às pressões dos políticose dos poderosos e com capacidade e energia para se impor pe-rante eles;

– sensibilidade com os mais pobres para poder compreender eatender às suas necessidades;

– capacidade de comando, firmeza e determinação de quem sa-be, junto com o povo, aonde todos querem chegar (assim comoo piloto de um avião que conhece a rota pretendida e vai saberaterrissar); um anti-Itamar Franco;

– seriedade sem promessas, sem iludir uma população cansa-da de enganações e de farsantes.

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Personificando-se uma síntese dessa pesquisa qualitativa, o que o povoqueria é aquilo que se imaginou que Collor fosse.

Onde é que o povo iria encontrar esse presidente?Na televisão, ora. A resposta dos pesquisados era quase unânime: quando

chegar a hora haverá o horário eleitoral, os candidatos se mostrarão, apresen-tarão as suas propostas e aí um deles será escolhido. É assim, aliás, que temacontecido nas eleições, desde que elas foram restabelecidas após a ditadura.

Decididamente, a análise do quadro eleitoral, que se desenhava, mostravaque a população queria um novo presidente com um perfil muito mais pró-ximo de Quércia do que de Lula, o líder das pesquisas de intenção de voto.

Na verdade, essa intenção de voto era ainda muito frágil, representavasimplesmente um maior nível de conhecimento, reflexos da eleição anterior,quando Lula perdeu para um presidente mais tarde arrancado do posto.

Mas já dava para ver que o candidato do PT estava nadando contra a cor-rente, mais uma vez. Com a agravante de que os petistas estavam excessiva-mente confiantes, divididos apenas entre os que achavam que ganhariam noprimeiro turno e outros que achavam que ganhariam num provável segun-do turno, fosse quem fosse o adversário.

Matheus tinha ainda um argumento final irresistível: o País ansiava porum grande projeto de desenvolvimento, que viesse nos redimir do imobi-lismo de Sarney, dos vexames de Collor, das debilidades de Itamar. Nin-guém melhor do que Quércia para empunhar essa bandeira e emocionar atodos, mostrando que o sol, símbolo do PMDB, viria iluminar as trevas,em resplandecente alvorecer.

Esse projeto de desenvolvimento foi estudado e montado em forma deprograma de governo durante meses, sob a coordenação dos economistasJoão Manuel Cardoso de Melo, Luiz Gonzaga Belluzzo e Luciano Couti-nho. Era muito bem estruturado, completo, coerente até com a capacida-de financeira do País. Sem falsidades, sem oportunismos eleitoreiros. Davagosto trabalhar com ele, disparado o melhor programa de governo que viem toda a minha vida.

Nada a ver com o projeto feito em cima da hora para FHC. Tão vazioe oportunista que, segundo denúncias da imprensa, as páginas do volumeapresentado na TV estavam em branco.

Mas eleição é assim mesmo. Faltavam menos de cem dias quando o Real,a nova moeda, começou a circular, trazendo uma aura de esperança, aneste-

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siando os anseios e demandas anteriores e empurrando a candidatura de Fer-nando Henrique Cardoso para a frente. Ele disparou e venceu até com cer-ta facilidade. Apesar de tudo.

Apesar de não ter nenhuma experiência administrativa comprovada nu-ma prefeitura ou num governo estadual. Apesar de ter a sua autoridade com-prometida por estar cercado de políticos e poderosos por todos os lados.Apesar de sempre se colocar num pedestal de intelectualidade que lhe dásensibilidade caolha para ver a população mais pobre como um fato socio-lógico ou como um simples número estatístico.

Apesar de ter uma firmeza e uma capacidade de comando típicos dequem era reconhecido pela indecisão, por estar sempre estrategicamentecolocado em cima do muro. Apesar de durante a campanha ter feito umaquantidade incrível de promessas absolutamente impossíveis de cumprir.Apesar de não personificar o anti-Collor, muito menos o anti-Itamar.

De Collor tinha se aproximado, tinha negociado, quis e esteve próximode assumir um ministério. Isso só não aconteceu por causa da reação de al-guns integrantes do seu partido: uns julgaram ser pouco aquilo que o go-verno lhe oferecia; outros, como Mário Covas, julgaram uma traição aosprincípios éticos. Como disse na ocasião o governador da Bahia, AntônioCarlos Magalhães, “eles tiraram a roupa e não fizeram amor”. E, para com-pletar, FHC era ministro de Itamar, representava a continuidade de um go-verno até então condenado.

Pois apesar de tudo ele ganhou. Como se explica?De acordo com o fatalismo expressado anos antes pelo ex-senador Lino

de Mattos, Fernando Henrique “ganhou porque tinha de ganhar” (veja ca-pítulo 10, pág 231). O fato é que as condições em que se deu essa vitóriaforam criadas com inegável competência.

Havia dois gênios no direcionamento da campanha: Sérgio Motta, comsua extraordinária visão política, e Geraldo Walter, o Geraldão, competen-tíssimo misto de marqueteiro e coordenador de comunicação, um dos me-lhores que o Brasil já teve. (Fatalidade: ambos morreram três anos depois.)

Chegou-se a dizer que eles tinham armado um grande complô e progra-maram, fato a fato, todos os episódios que levariam o candidato à vitória.Não posso acreditar.

Nenhum iluminado do marketing político, nacional ou importado, teriaa maquiavélica capacidade para planejar e executar uma tarefa tão grandiosa.

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Ainda mais se considerarmos que Fernando Henrique é um candidato de di-fícil aceitação popular, conforme se provou quando ele concorreu à prefeiturade São Paulo, em 85, e depois ao Senado, em 86.

Aquela eleição presidencial também não foi um simples acerto entre aselites, como querem fazer crer alguns ressentidos esquerdistas. Aliás, como Real na sua mão, na mão do ministro Rubens Ricúpero que o sucedeupor indicação direta e, principalmente, com o Real na mão de toda a po-pulação, o candidato não precisaria ter feito qualquer tipo de acerto, comninguém.

O que ocorreu foi uma formidável conjugação de elementos favoráveis.Fatos que vieram no tempo certo. Coincidências fantásticas. Acertos inten-cionais, ocasionais e até fortuitos. Mais a presença marcante da televisão, como apoio escancarado das principais emissoras de um lado, e de outro com aprogramação do horário gratuito, desfigurada por uma lei eleitoral estúpidae confusa. Tudo isso tendo o Plano Real como grande pólo agregador.

Naquele dia 25 de junho, quando Matheus, o diretor do Gallup, ter-minou sua explanação, uma forte sensação de confiança no futuro fi-

cou consolidada entre todos os integrantes do comando da campanha. Co-gitei seriamente de que a minha avaliação contra a candidatura pudesseestar errada. Afinal, as expectativas da população não excluíam o candida-to. Pelo contrário, em muitos pontos até o indicavam.

As acusações veiculadas por alguns órgãos da imprensa para atingir aintegridade moral do ex-governador não estavam, aparentemente, sendolevadas em conta. E, mais importante que tudo, a população se mostravadisposta, mais uma vez, a ir procurar seu candidato ideal no confronto quese travaria no horário político do rádio e da TV – chamado até de “guiaeleitoral” em muitas regiões do Brasil.

Nada mal para ele, que sempre foi reconhecido como bom comuni-cador no rádio e, principalmente, “bom de televisão”. Tanto Lula comoFernando Henrique não tinham a mesma intimidade com o veículo. Semdúvida, Quércia parecia ter uma certa vantagem sobre seus adversáriosnesse item.

Já na eleição de 74, quando candidato ao Senado, tinha se beneficiado,é óbvio, da maré oposicionista que elegeu 16 entre 22 senadores. Mas háque se reconhecer, também, que os comerciais e as aparições do candidato

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na TV foram ágeis, inovadoras, dinâmicas, contrastando com o tom mo-nocórdio e discursivo do adversário.

Tanto foi assim que a ditadura impôs a famigerada Lei Falcão para inibirum novo crescimento da oposição, nas eleições seguintes.

Depois veio a candidatura ao governo de São Paulo, em 86, quando umbem-estruturado programa de TV, com o desempenho impecável de Quér-cia, o carregou de um distanciado 3º lugar para a vitória, a despeito de to-das as dificuldades, de todas as traições que o candidato enfrentava dentrodo seu próprio partido, o PMDB.

Para completar, também tinha sido pela força da televisão que eletransformara um obscuro e desconhecido Fleury no seu sucessor no go-verno paulista.

Havia o senso comum que a televisão iria resolver o problema. Pois eraassim que vinha acontecendo nas últimas eleições: a batalha definitiva ésempre travada entre luzes e câmeras. E o próprio Quércia pretendia, no-vamente, jogar todos os seus trunfos nessa alternativa, com a indisfarçávelaprovação de todos os companheiros.

Ao final da reunião, deixei no ar uma advertência: a eleição será regidapor uma nova legislação eleitoral, aprovada pelo Congresso num dessesmomentos críticos em que o vencimento do prazo impõe uma definiçãoapressada. Não dava para avaliar, ainda, que decorrências viriam disso.

Vários especialistas com quem eu tinha conversado não entendiam di-reito aquela lei. A imprensa dava interpretações desencontradas e até esta-pafúrdias. O fato era que o Tribunal Superior Eleitoral ainda não havia re-gulamentado a lei.

Meus temores se baseavam na possibilidade de que a televisão viesse ater menos força do que teve em eleições anteriores, e isso pudesse nos criarsérios problemas, na medida em que a estratégia de campanha de Quérciaseria montada com base na forte presença do candidato na TV.

Curiosamente a lei nasceu em ninho tucano, sem que ninguém suspeitas-se que ela viria a ser de grande valia para os candidatos do partido, puxadospara cima pela campanha maior, a de Presidente da República. Nem mesmose pode afirmar que tenha havido qualquer tipo de intenção, ou de conspi-ração norteando a elaboração da lei. Pura coincidência. Seu autor, o deputa-do e economista José Serra, estava muito mais preocupado com os aspectosfinanceiros das campanhas do que com a propaganda no rádio e na TV. A

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intenção primeira era coibir abusos nas doações para os partidos e candida-tos. Atirou no que viu e no que entendia, acertou no que não conhecia.

Em primeiro lugar porque orgia financeira igual à ocorrida em 94 talvezsó tenha paralelo nos tempos em que os “colloridos” embolsaram os “restosda campanha”. E depois, porque os principais e mais nefastos efeitos da leise fizeram sentir na área da propaganda eleitoral propriamente dita.

A primeira interpretação indicava que os programas do horário políticovoltariam a ser mais políticos, voltariam a dar mais importância às idéias eaos candidatos do que aos efeitos e às vinhetas dos computadores gráficos.Voltariam a apresentar o humano, em vez do eletrônico. Os programas dohorário político voltariam a estar justificados pelo próprio nome. Por issofui uma das raríssimas vozes que inicialmente se levantaram a favor da lei,contra uma quase unanimidade de publicitários e marqueteiros políticos.Ledo engano.

A Lei Eleitoral fôra aprovada e sancionada um ano antes, em cima doprazo fatal previsto pela Constituição. Ficaram faltando as instruções enormatizações do TSE, que precisavam esclarecer dezenas de pontos obs-curos, de artigos e parágrafos que permitiam duplas, triplas, variadas in-terpretações.

O capítulo mais crítico, menos inteligível, era exatamente o que regu-lamentava a “Propaganda Eleitoral no Rádio e na Televisão”. Para compli-car ainda mais, o Tribunal demorou muito a prestar os esclarecimentosque todos os coordenadores de campanha precisavam para estruturar seusprogramas eleitorais. E quando tentaram esclarecer, aí é que a catástrofemostrou todo o seu verdadeiro tamanho.

O presidente do TSE, Sepúlveda Pertence, convocou todos os interessadosa participarem de uma rede de TV Executiva. Acompanhado do CorregedorEleitoral, ministro Carlos Velloso, responderiam a perguntas vindas de todo oBrasil, diretamente das salas da Embratel, lotadas por marqueteiros de todosos matizes. Foi um desastre.

Os ministros revelaram, simplesmente, que não tinham nenhuma fami-liaridade com a lei que iria reger aquelas eleições. Pior: nada compreendiamsobre o funcionamento de rádios e TV e sobre as maneiras de confeccionaruma programação. Pela insegurança mostravam que estavam sendo pessi-mamente assessorados. Confundiam artigos e parágrafos que discorriam so-bre a forma como a programação normal das emissoras devia se conduzir,

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com outros que tratavam especificamente da programação de responsabili-dade dos candidatos e dos partidos, no horário eleitoral. Fizeram uma ver-dadeira salada mista tentando definir efeitos de vídeo, trucagens, monta-gens, estúdio, transmissão etc.

O ponto alto da desinformação ocorreu quando um marqueteiro pergun-tou se poderia colocar slides no ar e o ministro respondeu, com segurança:

– Sim, desde que não tenha movimento.

Respirei aliviado nesse momento, pois seria difícil para a nossa equipede vídeo produzir slides com movimento. A gargalhada foi geral no audi-tório da Embratel em São Paulo. Na verdade era um riso nervoso, pois to-dos saíram dali mais confusos do que estavam quando chegaram.

Enfim, faltavam apenas quarenta dias para o inícío da propaganda gratui-ta quando o TSE regulamentou a lei aprovada quase um ano antes. Mas asincertezas continuaram, desesperando candidatos e responsáveis por campa-nhas. Muitos optaram pela vã tentativa de tentar esclarecer os pontos dúbios,por meio de consultas ao Tribunal. Mas, a cada consulta que algum partidoou candidato fazia, novas proibições vinham do TSE. Na dúvida, proibia-se.

Por fim, acabamos numa quase reedição da famigerada “Lei Falcão”:

– os candidatos só podem aparecer no estúdio;

– cenas externas estão vetadas; só podem aparecer fotos e slides(sem movimento, claro);

– proibidas as montagens e efeitos de computação gráfica;

– os candidatos a presidente só podem aparecer três vezes por se-mana, nos programas das segundas, quartas e sextas.

Como as imagens em movimento não eram permitidas, e congelar umaimagem, para apresentá-la como fotografia, poderia ser considerada umaafronta à lei, contratamos às pressas um fotógrafo para correr todo o Esta-do, fotografando as obras do governo Quércia. Obras essas que tínhamos to-das no nosso arquivo, em vídeo.

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Em casos extremos nos permitimos fazer fotos de um filme, como porexemplo, para mostrar a casinha em que Quércia nascera em Igaçaba, inte-rior do estado de São Paulo, e que nos últimos anos fora descaracterizadapor uma reforma. Veja-se o tamanho do contra-senso: tenho que pegar umvídeo, congelar a imagem, fotografá-la, gravar a imagem da fotografia paraaí poder colocá-la no ar. É a mais pura negação de todos os avanços que aTV e o mundo moderno nos oferecem. Beira a estupidez mais absoluta quese pode imaginar.

Só na última semana revelou-se que os candidatos a cargos majoritáriosnão poderiam aparecer diretamente nos programas dos candidatos a cargosproporcionais, apesar da lei estipular, no artigo 73, parágrafo 3º:

Às terças, quintas e sábados, o horário definido... será inteira-mente destinado à divulgação das propostas partidárias, ou (o grifoé nosso) de candidatos quanto à atuação na Câmara dos Deputa-dos, nas Assembléias Legislativas e na Câmara Legislativa.

Nosso “conselho jurídico” (e haja trabalho para os advogados!) tinha in-terpretado que os candidatos a governador e a presidente poderiam apare-cer naqueles programas, desde que viessem para divulgar as propostas par-tidárias. O TSE achou que não, e a decisão do Tribunal é irrecorrível. Comisso jogamos fora uma bem-montada estrutura nacional para mostrar ocandidato nos programas regionais.

Com a coordenação geral do jornalista Edson Higo do Prado, tínhamosmontado, pela primeira vez em uma campanha eleitoral, uma rede nacio-nal interligada on-line, por intermédio da BBS (Bulletin Board System),um aparato de comunicação por computador que está na pré-história daInternet. Com isso monitorávamos as campanhas e informações de 26 Es-tados e do Distrito Federal.

Os advogados da campanha em Brasília e São Paulo, por exemplo, aces-savam os boletins na BBS especial (uma intranet caipira) e sabiam se, nosprogramas da manhã e da noite, tinha havido algum tipo de agressão ao can-didato. Podiam ler as transcrições dos programas e, avaliando se houve in-fração, acionavam os advogados regionais para que entrassem no TRE cor-respondente com o pedido de direito de resposta. Era um sistema pioneiroque lamentavelmente foi subutilizado, já que a candidatura não decolou.

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No conjunto, pressionados pela incerteza, tomamos uma decisão que semostrou absolutamente errada: cumprir a lei! Faríamos um programa com-pletamente sem efeitos de TV, sem nenhum tipo de truque (mesmo os im-perceptíveis), tendo apenas a presença do candidato dentro do estúdio.

Quércia aparecia o tempo todo num ambiente composto por cinco setsde gravação, com o visual projetado pelo artista plástico Elifas Andreato.Esses sets tinham nomes correspondentes à função para qual tinham sidoprojetados.

MINHA VIDA – Numa sala de casa do interior o candidato falava da suavida, contava sua história e a da sua família. Atrás, um janelão aber-to revelava uma paisagem bucólica. O local era importante porqueuma pesquisa revelara que cerca de 60% do eleitorado conheciamuito pouco da sua história pessoal.

CENA BRASILEIRA – O cenário era uma imensa tela de 25 metrosquadrados, pintada em estilo primitivo, que mostrava retratosdo Brasil: o Corcovado, o bumba-meu-boi, a floresta, o elevadorLacerda de Salvador etc. Aqui, Quércia comentava a situação doPaís, apresentando saídas para a crise.

NOSSO POVO – Tendo ao fundo um grupo de imagens “marmori-zadas” de pessoas (inspiradas na obra do escultor Victor Breche-ret), esculpidas em espuma de nylon e pintadas com tinta imitan-do mármore, ficava mais fácil dar recados carregados de emoçãoe humanismo.

PARLATÓRIO – Uma tribuna, como essas que presidente americanosempre usa, destinada aos editoriais, às falas mais duras, mais se-veras, mais sérias.

PROGRAMA DE GOVERNO – Dois mapas do Brasil, cada um com doismetros de altura moviam-se sobre trilhos, levando as informaçõesdos assuntos que estavam sendo tratados no dia: malha de trans-portes, rios, regiões de desenvolvimento etc. Quatro grandes to-tens da altura do candidato recebiam fotos, gráficos, quadros

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comparativos nas suas três faces e giravam sobre um eixo, mano-brados pelo próprio apresentador-candidato, que ali apresentavaseus planos para retomar o desenvolvimento em todo o País.

Cheguei ao requinte de mostrar a passagem do candidato de um set pa-ra outro, dando continuidade à cena e revelando a total inexistência de tru-ques, ou de qualquer tipo de montagem.

No primeiro dia em que a programação foi ao ar viu-se que o progra-ma de Fernando Henrique trazia todas as montagens, trucagens e

efeitos especiais que, segundo a interpretação dos nossos advogados, nãopodiam ser usados. O programa de Lula, que nesse dia veio correto, aderiurapidamente àquela liberação iniciada pelos tucanos. E ambos passaram acolocar no ar, cada vez mais, uma série de recursos televisivos que, teorica-mente, afrontariam a lei.

Nossos advogados reclamaram daquela situação, através de uma repre-sentação enviada ao TSE, em Brasília. O fato é que a decisão do Tribunaldemorou quase um mês, tempo em que ficamos no ar com um programamais “pobre” do que os nossos adversários principais. A essa altura eles jáusavam até a proibidíssima computação gráfica com total descaramento.

Como tínhamos apelado para que a Justiça restabelecesse o cumprimen-to da lei, não podíamos nós mesmos passar a descumpri-la. Quando final-mente veio a decisão, mostrou mais uma vez que os ilustríssimos juízes en-tendem de uma forma muito particular aquilo que estão julgando: todas astransgressões foram validadas.

Mas é necessário reconhecer que não foi essa a questão determinantepara a derrota de Quércia, ou para a vitória de Fernando Henrique. Osproblemas maiores que estávamos enfrentando já não eram mais com-preendidos por uma simples liberalização da forma.

O primeiro grande nó que tínhamos de desatar agora era o total desin-teresse que o horário político vinha despertando entre os telespectadores.Situação desesperadora para quem jogava todas as suas esperanças na efi-ciência dele.

A população, que antes esperava os programas de TV para escolher ofuturo presidente, começou a ver um imenso desfilar de baboseiras nosdias destinados aos deputados: terças, quintas e sábados. Entre 60 e 80

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candidatos, muitos deles totalmente despreparados, atropelando as sílabase as idéias. Falando, falando, falando...

No dia seguinte entravam os presidenciáveis na primeira meia hora, oscandidatos aos governos estaduais e ao Senado (2 em cada partido, em ca-da Estado) na meia hora final.

No outro dia voltava o quixotesco desfile dos proporcionais. Uma pa-rafernália em que ninguém conseguia identificar que dia é dia do quê,quem está falando é candidato a quê, tem-se que aguentar essa gente porquê? Enfim, uma barafunda que não dava gosto assistir.

Tudo porque os deputados, ao fazerem a lei, reservaram para si própriosum grande pedaço da programação gratuita no rádio e na TV: três dias in-teiros, só para eles satisfazerem sua vaidade.

O resultado da bagunça generalizada foi que, em 94, a audiência dosprogramas políticos caiu assustadoramente.

O Ibope comprovou essa afirmativa através dos números que mostrama média da audiência no horário eleitoral gratuito noturno, na Grande SãoPaulo. Nas cinco eleições que ocorreram entre 86 e 92, o índice médio deaparelhos ligados esteve sempre acima de 50%, no primeiro turno. Chegoua beirar os 60% em 89, na eleição presidencial anterior.

Em 94, o índice médio de aparelhos ligados despencou para 45%. E “apa-relhos ligados” não quer dizer que existam assistentes atentos na frente deles,o que aumenta a tragédia a números desconhecidos, certamente muito altos.A grande verdade é que, em nenhum momento, o horário eleitoral conse-guiu empolgar e as idéias apresentadas ali não foram discutidas, nem mesmonotadas pela população.

Outra prova disso é que a eleição para os governos estaduais, no primeiroturno, transcorreu sem nenhuma grande mudança, nenhuma alteração sig-nificativa nas intenções de voto já previamente definidas pelos eleitores. Foiuma eleição estratificada, onde ganhou quem saiu na frente, ganhou, mais doque nunca, quem tinha que ganhar. Um caso como o do Paraná, em que Jai-me Lerner passou à frente de Álvaro Dias era absolutamente previsível e de-tectável em pesquisas qualitativas mais aprofundadas e bem-feitas.

Ao final do primeiro mês de propaganda na TV, uma pesquisa DataFolhainformou que, nesse período, 61% dos eleitores ainda não haviam assistido aalgum programa do horário político. Os candidatos estavam, simplesmente,falando para as paredes de uma sala vazia de pessoas e, pior, de atenção.

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Quer dizer, a TV nunca influiu tão pouco. Nenhum candidato estavasendo visto, nenhuma proposta era discutida, ninguém se sobressaía, ne-nhum... Engano!

A TV nunca influiu tanto. Só que agora não era só o horário eleitoralque trazia as mensagens eleitorais. A propaganda estava disseminada em to-da a programação. Todos os telejornais e demais programas jornalísticos detodas as emissoras massacravam os telespectadores com as incríveis aventu-ras do Real que, como num passe de mágica, trouxe a paz e a alegria paratodo o sofrido povo brasileiro.

Depois de assistir ao Jornal Nacional com suas inúmeras reportagensmostrando como agora os preços estavam fixos, como o mesmo saláriocompra mais, como a inflação foi derrotada e como tudo isso e muitomais foi feito pelo então ministro, agora candidato, FHC, o que adiantavavir o programa eleitoral falar de um plano eleitoreiro, de aumentos de pre-ços abusivos feitos pouco antes do lançamento da nova moeda? O queadiantava o próprio ministro substituto Rubens Ricúpero confessar clara-mente que participava de uma trama para eleger FHC, sem nenhum es-crúpulo, escondendo da opinião pública os problemas que o Plano apre-sentava? O que adiantava mostrar as contradições de uma candidaturaapoiada pelo que havia de mais retrógrado na política brasileira?

Melhor não ver. Nada conseguiu conter a avassaladora onda de esperan-ça que, entrando pela fenda do bolso, acabou se instalando em todas asmentes e corações. O povo se satisfez com o Real... e pronto!

A campanha do PT ficou sem discurso e Lula desabou nas pesquisassem perceber a extraordinária força em que o inimigo estava montado. Ojornalista Antônio Britto, na época candidato ao governo no Rio Grandedo Sul, observou com precisão o que ocorreu:

– O maior erro de marketing desta campanha foi cometido pe-lo assessor do PT que aconselhou Lula a criticar o Real.

Por outro lado, não há como negar que, em maior ou menor grau, to-da a mídia brasileira esteve claramente ao lado do candidato do governo.Desta vez até as famosas e criticadas “redações petistas” tiveram que se ren-der aos desígnios patronais. Alguns apoios disfarçados, envergonhados.Outros escancarados.

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Para dar um só exemplo, a revista Exame, editada pela EditoraAbril, na edição imediatamente anterior à eleição, perpetrou uma capano mínimo brilhante. Foto em close do rosto do candidato, com umtítulo em letras maiúsculas: “POR QUE FERNANDO HENRIQUEÉ MELHOR”. Brilhante como anti-jornalismo. Brilhante como parti-darismo declarado. Nem o house-organ da campanha conseguiria sermais brilhante.

É claro que a reprodução da capa ampliada virou cartaz espalhadopelas bancas de revistas, numa verdadeira ação de marketing eleitoralburladora da legislação que, àquela altura, não permitia esse tipo depromoção.

Bem diferente, por exemplo, da análise feita pelo L’Espresso, impor-tante revista semanal de informação italiana (edição nº 24, ano XL, de17 de junho de 94), que fez uma análise da carreira política de FHC. Apublicação mostra que ele, um importante intelectual de esquerda, queescrevia libelos contra o capitalismo selvagem que nos oprimia, agora ti-nha se passado para o outro lado e trazia para sua candidatura o apoiodos grandes industriais e dos latifundiários, com a sustentação de par-tidos políticos de direita. O título, por si só, dá o tom da análise: “Vo-tatemi, sono il vostro voltagabbana”. Ou seja: “Vote em mim, eu sou oseu vira-casaca”.

Nas publicações brasileiras de certa importância não se conseguiráencontrar comentários como esse. E o apoio indiscriminado (principal-mente da televisão) certamente foi um dos fatores que marcaram a elei-ção geral de 94, determinando a rápida e surpreendente vitória deFHC. Certamente também está aí a explicação para a total falta deemoção que se viu.

A verdade é que foi uma das mais frias eleições que aconteceram noPaís, desde muitos anos. Mais parecia aqueles antigos referendos, emque o Congresso dizia “sim” à escolha feita intramuros dos quartéis.Não houve empolgação, nenhuma participação popular, ninguém can-tou as músicas-tema, ninguém dançou nas praças, contrariando umatradição bem brasileira de comemorar os grandes momentos. Um pou-co disso porque foi uma eleição confusa, onde se votava em muita coi-sa, em muitos nomes. Mas também porque foi um pleito morno, qua-se sem disputa.

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Acabou no 1º turno, com um resultado que fala por si só:

Bem diferente da eleição presidencial anterior, quando Collor derrotouLula no photochart. Está certo que era a primeira vez que se votava para pre-sidente nos últimos 30 anos e, naquele ano, era um voto único, exclusivo– só se votava para presidente. Mas também houve uma disputa acirrada,com a população participante e consciente da importância do momentoque vivia.

Diga-se de passagem que Collor, com todo o apoio recebido, nem beirouuma parte do apoio dado a FHC. Quando os petistas denunciaram a TVGlobo por ter, supostamente, editado o debate final com Lula, de modo a fa-vorecer Collor, se esqueceram de um pequeno detalhe: naquele dia o “favo-recido” realmente se apresentou melhor. Ou seja: numa análise fria, foi o cris-talino vencedor do debate.

Na eleição de 94 Quércia tinha todas as condicionantes para obter umbom resultado: o partido melhor estruturado em todo o País, o me-

lhor programa de governo, as pesquisas mais favoráveis, a melhor presençano vídeo, com bom tempo de TV, equipe e recursos suficientes. Então, porque teve um desempenho tão pífio?

Deixando de lado o fenômeno do furacão “Real”, dois fatores anterio-res se interligavam e foram determinantes para que essa candidatura jamaisdecolasse.

PRIMEIRO: as denúncias de roubalheira, mesmo que não provadas,criaram uma espécie de muro, um escudo impermeável. De umlado ficava Quércia com seu maravilhoso projeto de desenvolvi-mento. Do outro lado ficava a população, que não estava interes-

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Fernando Henrique 54,3%*

Lula 27,0%

Eneas Carneiro 7,3%

Quércia 4,3%

Brizola 3,1%

Espiridião Amin 2,7%* Números oficiais do TSE.

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sada em ouvir aquilo que era dito. O candidato estava sob suspei-ta, tanto que dependia de uma definição em julgamento do Su-perior Tribunal de Justiça para saber se responderia a processo ounão. E, mesmo tendo sido “absolvido” por 16 a 3 votos, isso nãoeliminava a suspeição, na cabeça das pessoas.

SEGUNDO: as pesquisas que Matheus nos apresentava eram zarolhas,só viam um dos lados da questão. Claro que havia uma deman-da da população por uma arrancada desenvolvimentista. Mastambém era claro que não seria Quércia o escolhido para lideraressa marcha que, no final, acabou sendo cadenciada pelo tilintarda moeda. Não foi a primeira, nem a última vez, que vi pesqui-sas serem interpretadas erroneamente.

Talvez tentando encontrar uma saída que justificasse o empacamento dacampanha, o diretor do Gallup começou a tentar interferir na comunica-ção e chegou a trazer textos para serem lidos pelo candidato, na TV. Tam-bém não foi a primeira, nem a última vez, que vi pesquisador querendo setravestir de marqueteiro. Para essas ocasiões tenho uma proposta de acordona ponta da língua:

– Você não se mete na minha comunicação e eu não me meto nasua pesquisa, certo?

É certo, também, que me reservo o direito e a obrigação profissional deacreditar, ou de desacreditar em determinada pesquisa e, principalmente,de interpretá-la a meu modo. Em geral, aqueles que detêm a forma de bus-car a informação básica – a opinião popular – não sabem traduzi-la em co-municação, para melhor transmitir, para a população, conceitos advindosdaí. São temperos de naturezas diferentes, não se misturam, mas precisamestar juntos para dar o sabor correto à salada.

Enfim, esse foi o último trabalho por mim realizado diretamente pa-ra Orestes Quércia. Nos dois anos seguintes ainda produzi alguns vídeosepisódicos para o PMDB, mas a relação já estava esgarçada. Na verdade,percebi mais tarde que já nem deveria ter dirigido essa campanha presi-dencial, em que eu não acreditava. Até porque isso só fez reforçar uma

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imagem de “quercista” com que tentaram me estigmatizar, ignorandoque minhas relações naquele momento – como de resto em todos os tra-balhos que faço – sempre são regidas por um comportamento estrita-mente profissional.

Na eleição presidencial de 98 novamente os números das pesquisasiludiram muita gente. Com a emenda da reeleição já aprovada, as

quantitativas pareciam apontar firmemente na direção de mudanças ra-dicais. O candidato do PT crescia continuadamente, dando a impressãode que agora seria sua vez.

No final de maio a pesquisa DataFolha apontou “empate técnico” entreFHC e Lula, tanto na pesquisa espontânea como na estimulada. Tanto naeleição do 1º turno como na do 2º. Só que o primeiro vinha em curva des-cendente, e o segundo vinha subindo sempre. Também estava diminuindoa percentagem de “expectativa de vitória” do presidente, enquanto crescia ado seu opositor.

O governo vivia uma espécie de inferno astral, com uma acentuada que-da de popularidade, enquanto a oposição bradava aos céus pelo fim do de-semprego e pela implantação de políticas sociais pertinentes.

Alguns analistas se apressaram em anunciar o fim do governo tucanocomo favas contadas, pois, diziam, “estava escrito nas pesquisas”. Como eupercebi que isso não iria acontecer, escrevi um artigo publicado pelo jornalO Globo, em 24 de junho, prevendo que o governo, como um todo, eFHC, em particular, tinham tudo para iniciarem um grande processo derecuperação.

A ESTABILIDADE QUE FALTA ÀS PESQUISAS

O alarme disparado pelas pesquisas de intenção de voto soa forte, é sa-bido. Mas deve-se registrar que soou na hora certa. Há tempo suficiente pa-ra construir desvios, barragens e diques antes que a vazante de popularida-de do presidente FHC se transforme em corredeira. Deixe-se de lado, nestatarefa, a euforia que se vai assenhorando da oposição, a desorientação deanálises apressadas e a natural dificuldade em se mover, de quem está emxeque. Na linguagem do marketing político, o que se verifica agora são osefeitos de um hiato de comunicação. Mas vamos, primeiro, às causas.

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O marco inicial desse momento se estabeleceu com a morte, quaseque simultânea, dos principais auxiliares do presidente nos terrenos do“fazer acontecer” e do “contar o que aconteceu”. Sérgio Motta, contu-maz freqüentador das primeiras páginas dos jornais, implacável caça-dor de burocratas lentos e influente formulador de estratégias, morreuem 19 de abril. Nos meses que antecederam essa data, período em queesteve internado em hospitais dos Estados Unidos e do Brasil, o própriopresidente deve ter compreendido a gravidade de governar sem o prin-cipal general do seu exército. Para tentar substituí-lo escalou-se todoum pelotão, ainda sem domínio completo das armas da comunicação.

Semanas antes falecia o publicitário Geraldo Walter. Discretíssimo,Geraldão tinha sido um dos artífices da vitória em primeiro turno doentão candidato Fernando Henrique. Depois criou muitas das incursõespublicitárias eficazes do governo tucano e tinha seu próprio caminho daspedras, em que o presidente confiava, para mais uma vez chegar à vitó-ria. Nos bastidores, exercia um papel de articulador informal, freqüen-tador assíduo do principal gabinete do Ministério das Comunicações.Mesmo sem cargos no governo, detinha informações privilegiadas e sa-bia extrair delas o sumo para ser oferecido ao distinto público.

A situação se gravou ainda mais com a morte de Luís Eduardo Ma-galhães, principal articulador político do governo, interlocutor freqüen-te e ligadíssimo ao presidente. Tinha o faro de homem público que sa-be entender os fatos. Era capaz de perceber complicações antes mesmoque efetivamente acontecessem.

O efeito dessas ausências é o que se lê nas pesquisas. O governo temdemorado a agir, parou de se comunicar corretamente nos assuntos epi-sódicos e acabou perdendo as folgadas margens de aprovação popular deque sempre desfrutou no tempo em que esse trio histórico vivia. ComMotta e Luís Eduardo, certamente o governo teria percebido com maisrapidez desde o fogo em Rondônia até a seca do Nordeste. Com Walter,as ações que teriam sido desenvolvidas chegariam ao público em mensa-gens claras, diretas e, isso sim é o que importa, eficientes do ponto de vis-ta político e, portanto, eleitoral.

Não ficaram herdeiros. Dos pilares efetivos da comunicação governa-mental só restou a eficiência do porta-voz e, mesmo assim, tolhido pelaslimitações inerentes à liturgia do próprio cargo.

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O senador Antônio Carlos Magalhães tocou no ponto exato ao subli-nhar que esse momento de inferno astral do governo é um fruto típico deproblemas de comunicação. Divida-se neste instante a palavra comunica+ ação e poderemos ter a chave para quebrar a curva declinante das pes-quisas, embicá-la para o alto, recuperando seus patamares históricos. Só queé necessário inverter os fatores: a ação deve sempre preceder o comunica.

Hoje, o governo parece acuado com o discurso oposicionista de com-bate ao desemprego e de críticas às políticas sociais. Mas como se deixarimprensar nessa posição se o número de empregados é tão superior e senossos índices estão dentro das médias mundiais? O país está em fun-cionamento plenamente normal, a estabilidade financeira se mantémsem grandes sobressaltos e a população tem visto sua capacidade de con-sumo gradativamente ampliada. Os indicadores mostram que vemacontecendo uma progressiva mudança nas classes sociais, com contin-gentes de população passando de uma para outra, sempre no sentido debaixo para cima. Saúde e educação – duas demandas permanentes dopovo mais pobre – recebem tratamento preferencial nas ações do gover-no. A fome e o desalento ainda existem, mas são, cada vez mais, exce-ções que confirmam a regra.

Diferentemente da campanha passada, FHC não tem apenas a “esta-bilidade do real” para mostrar. A nação adquiriu, neste governo, um bemmuito mais valioso que se resume numa só palavra daquela expressão: e-s-t-a-b-i-l-i-d-a-d-e. Uma situação que todos querem, onde a moeda é ape-nas mais um componente que, aliás, já cumpriu o seu papel agregador.

Basta que se acerte a sintonia entre ações e atos de comunicá-las,que os sinais de recuperação de prestígio eleitoral virão, inevitavel-mente. Posso afirmar isso pois há um mês tive a chance de testar essafórmula na prática, num microcosmo com características bem seme-lhantes às existentes na eleição presidencial.

A história se passou em Volta Redonda, no Estado do Rio, onde fui cha-mado para restabelecer os conceitos de comunicação de uma chapa queconcorria à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos local, um dos mais im-portantes do Brasil. A pesquisa do Ibope, a oito dias da eleição, dava am-pla maioria para a chapa da CUT, contra a da situação, ligada à ForçaSindical. Esta, por sua vez, tinha sido razoavelmente competente no exer-cício do mandato, ajudando a manter empregos, salários e conquistas trta-

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balhistas na difícil fase de transição da estatal CSN, agora privatizada.Mas a CUT prometia conseguir mais vantagens, mesmo que para isso ti-vesse de partir para o confronto.

Com certa dose de bom senso, pude ajudar a mostrar aos metalúrgicosque o momento atual não é apropriado a grandes arroubos reivindicató-rios, mas é para manter e consolidar o conquistado, antes ainda de partirpara conquistas novas e impetuosas. E foi assim, com uma forte pregaçãopela estabilidade, que os números viraram e a Força Sindical ganhou.

O alarme soou, mas o tempo conta a favor de FH. Por mais que asperdas pessoais tenham sido graves é preciso tirar o luto e retomar a comu-nicação abalada. Não é difícil, já que a ação, premissa básica, existe.

A previsão se confirmou plenamente, mais uma vez mostrando que é aexperiência que ensina a ler e interpretar as pesquisas, sempre procurandoencontrar o óbvio, muitas vezes escondido atrás de falsas aparências.

Um ano depois, Fernando Henrique novamente ganhou no 1º turno:

O quadro descrito no artigo parece se repetir ao se avizinhar a eleição pre-sidencial de 2002. Cuidado! Quatro anos terão passado e os momentos po-líticos dificilmente se repetem. Cada eleição tem uma história diferente dasoutras.

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FHC 53,0%*

Lula 31,7%

Ciro Gomes 10,9%* Números oficiais do TSE.

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capítulo 8

Estratégias corretas produzem grandes vitórias

em pequenas campanhas.

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Qualquer campanha, em qualquer lugar, de qualquer tamanho, temque partir de uma premissa básica: o respeito às características lo-

cais e regionais. A partir disso, trabalhar no norte ou no sul, no leste ouno oeste, para mim, é a mesma coisa. Aplico em todos os casos os precei-tos que aprendi e copilei nesses anos todos, individualizando cada traba-lho. Acrescentando a cada um deles um pouco da experiência acumula-da, mas também observando e absorvendo as novas práticas que vãosurgindo todos os dias.

Aqui estão reunidas algumas dessas batalhas. Não são todas. São apenascasos exemplares, onde a definição de linhas estratégicas claras e o acompa-nhamento meticuloso da sua aplicação foi fundamental para se alcançarum bom resultado final. São vitórias construídas cada uma de um jeito, ca-da uma trilhando uma estrada bem diferente, cada uma cuidadosamenteapropriada ao momento político no qual esteve inserida.

ampo Grande-MS – 1996/2000.No primeiro semestre de 96 fui a Campo Grande como participante de

um seminário de marketing político. Depois da minha palestra fui convi-dado por Giovane Favieri, diretor da VBC – Vídeo Brasil Central, a maiorprodutora local, a dar uma consultoria para a campanha de AndréPucinelli, que começava a ser estruturada.

De qualquer ponto de vista, a parada era duríssima. A começar pelapesquisa de intenção de voto, feita por pesquisadores locais, que me foimostrada:

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Levy Dias 33%

Nelson Trad 24%

Zeca do PT 15%

André Pucinelli 12%

C

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O candidato representava o continuísmo de administrações sem brilhodo PMDB. No Estado, o dr. Wilson Martins encerrava a carreira aos 80anos, com um governo de poucos recursos e poucas obras. Na Prefeitura, Ju-vêncio da Fonseca não chegava a comprometer, mas não era reconhecidopela população como um grande administrador e, por isso, também não eraum cabo eleitoral de peso.

Para completar, André nem era de Campo Grande, nem era do MatoGrosso do Sul... nem era brasileiro. Tinha nascido em Andrea, na Itália,viera pequeno para o Brasil, estudou no Paraná e, só depois de formadomédico cardiologista, viera tentar a sorte em Fátima do Sul, pequena cida-de do interior. Ali casou e teve dois filhos.

Ali fez carreira profissional e acabou na política, candidato a prefei-to. Ganhou no número de votos individualmente, mas perdeu na so-ma das sub-legendas. Tornou-se o deputado estadual mais votado (86),reeleito quatro anos depois. Em seguida, deputado federal (94), com amaior votação do Estado. Estava começando a consolidar o seu espa-ço no momento de renovação das lideranças no Estado. André só veiomorar na capital em 92, quando o governador o fez secretário estadualda Saúde.

Nesta eleição iria enfrentar uma turma de peso: Levy, senador, ex-pre-feito, Trad e Zeca do PT, várias vezes deputados; os três políticos de nomee de história.

Uma boa história sempre é um bom começo, e André também tinha asua. Para completar o conceito de “bom candidato” acrescentava uma de-terminação e uma força de trabalho poucas vezes vista. Seis da manhã iapra rua, cabalar votos, e só voltava pra casa depois da meia-noite. Cami-nhava durante o dia todo, incansavelmente.

A estratégia que me foi apresentada pelo comando da campanha pre-via uma disputa renhida com o senador Levy Dias, o líder na intenção devotos. Esses números teriam que ser fortemente abaixados. E pensava-seque, saindo dele, os votos viriam automaticamente para o candidato doPMDB. Havia uma unanimidade:

– De alguma forma, vamos ter de “bater” no Levy.

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Pedi tempo para pensar, enquanto Iracema Rezende trabalhava numapesquisa qualitativa.

Com os resultados na mão firmei minha visão daquele momento elei-toral com um encaminhamento surpreendente. Fui esperar o candidatoem sua casa, madrugada correndo. Ele estava tão cansado quanto ansio-so. Fui direto ao ponto:

– Trago-lhe uma bela surpresa. Seu inimigo não é o Levy, muitomenos é o Trad. Seu inimigo é o Zeca!

André me questionou profundamente: como tinha chegado àquelaconclusão, afirmando que a decisão seria entre o terceiro e o quarto colo-cados? Como seria possível tirar fora o primeiro e o segundo?

Não foi difícil explicar. Naquele momento a intenção de votonão era consistente; era apenas representativa do nível de conheci-mento que a população tinha dos candidatos; por isso é que os doismais antigos na política eram os preferidos. Mas havia um sentimen-to latente muito forte de cansaço com esses velhos políticos, sempreos mesmos.

A possibilidade de consolidação dos votos e do crescimento deLevy era baixíssima; a de Trad, nula. O povo exigia mudanças radicaise o quadro eleitoral tinha dois candidatos que encarnavam essa dispo-sição com muita propriedade, então seria entre eles que se daria a ba-talha final.

André afundou no sofá e fez o último questionamento:

– Tem certeza?

Eu tinha. Depois de um longo silêncio, cabeça abaixada entre as mãos,ele olhou para o coordenador-geral da campanha, deputado WaldemirMoka. Este falou baixinho, quase sussurrando:

– Hoje, um amigo nosso doou duas kombis e dois mil litros de ga-solina para a campanha de Zeca.

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Pensava-se que o candidato do PT, por ter um estilo agressivo e até rai-voso, jogaria as bombas que detonariam o castelo de votos de Levy. Nós oajudaríamos por baixo do pano e André correria por fora, beneficiando-seda briga entre os dois. Parecia muito fácil. Mas seria um engano mortal,conforme demonstrei:

– A isso se chama “alimentar a cobra que vai picá-los”.

E a picada seria verdadeiramente fatal, já que o PT veio com umacampanha muito arrumada, com uma estratégia correta, a começardo slogan: “Muda Campo Grande”. Com um candidato asséptico,passando uma imagem que chamei de CCC: com calma e competên-cia conserta-se o que está errado. “CCC” também no sentido de afu-gentar o “perigo comunista”, perante uma sociedade conservadorapor princípios. (Lembram-se do famigerado Comando de Caça aosComunistas?)

A nossa estratégia era semelhante, acrescentando dois outros elemen-tos: emoção e competência. E já que o PT tinha se apossado do sloganmais adequado, preferi personalizar e sintetizei nossos objetivos num slo-gan inusitado:

ANDRÉAmor, Trabalho e Fé.

As três palavras com significados muito especiais: o “Amor” vinhado símbolo apropriado para um médico cardiologista, já usado nassuas outras campanhas – o coração; o “Trabalho” vinha sendo reco-nhecido por todos na atuação daquele verdadeiro workaholic; e a“Fé”, além da rima, colocava um toque de esperança em melhoresdias, uma maneira sutil de falar em “mudança”, este sim, o grande te-ma da eleição.

Não deu outra: o crescimento da intenção de voto no André e no Ze-ca era parelho e diário, assim como as quedas de Trad e Levy, tudo cuida-dosamente monitorado pelas nossas pesquisas bem-administradas pelo

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Osmar Jerônimo, autodidata, grande conhecedor dos meandros de umacampanha.

No meio da correria, entretanto, uma interferência fez com o can-didato do PT ganhasse um espaço maior. O prefeito Juvêncio exigiuaparecer no programa do André, para se “defender” de críticas que vi-nha sofrendo dos adversários. Sabíamos, através das pesquisas, que apresença dele não era conveniente naquele momento: nada acrescenta-va de positivo e ainda tirava do André a independência e a distância quemantinha dos “velhos políticos” – uma clara exigência da população.Nada pessoal contra o prefeito; uma simples questão de oportunidadeeleitoral.

As exigências partidárias acabaram prevalecendo e o resultado finalda votação no 1º turno ficou um pouco aquém das nossas expectativas:

O importante é que se confirmava o 2º turno anunciado, com a quedados dois primeiros e o crescimento dos dois últimos.

A questão da “mudança” tinha prevalecido soberana, e o slogan petis-ta – “Muda Campo Grande” – tinha revelado uma extraordinária eficiên-cia. Agora a briga era voto a voto, pois, com a saída dos outros candida-tos, ocorreu um empate técnico entre os dois que ficaram, mas com Zecasempre um pouquinho à frente. Ganharia quem se demonstrasse mais ca-paz de implementar a tal “mudança”.

Reordenei toda a estratégia nessa direção, acrescentando também umaexpressão muito forte, praticamente um novo slogan:

ANDRÉ – a mudança certa!

O “amor, trabalho e fé” é que traria a “mudança certa”, uma mu-dança qualificada. Não a mudança simplista do PT. Deu certo. O em-

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Zeca do PT 34%*

André Pucinelli 26%

Levy Dias 17%

Nelson Trad 8%* Resultados oficiais do TRE.

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pate tornou-se evidente, numa das eleições mais disputadas de que setem notícia.

Nos últimos dias o PT ainda tentou um golpe final, apresentando oapoio do senador Levy Dias ao seu candidato. Muita gente do nosso la-do se assustou achando que aquilo nos derrotaria. Foi um pandemônio,queriam declarações, reações, tomadas de posições denunciando aqueleoportunismo.

Tranqüilizei a todos, mostrando que esse apoio era uma faca de dois gu-mes: traria uns poucos votos de eleitores fechados com o senador, é claro.Mas seriam poucos, pois ele não era desses políticos que mantém lideran-ças inabaláveis, sobre pessoas apaixonadas. Por outro lado, espantaria elei-tores que estranhariam a aliança entre o mais extremado “candidato da di-reita” com o idem “candidato das esquerdas”.

Digo sempre que essa questão dos apoios é, para mim, o grande mis-tério do marketing político. Neste caso algo me dizia que era inócuo. Porisso nossa única reação foi uma fala tranqüila do André, reforçando a es-tranheza daquela “ligação espúria”.

O que nos apavorava de verdade era aquele rigoroso empate, que apa-recia em todas as pesquisas, tão irritante quanto persistente.

Terminado o período de propaganda, a dois dias da eleição, a direçãoda campanha tomou uma última e sábia providência: mandou dobrar onúmero de pessoas envolvidas na fiscalização e na movimentação de rua, jáque o trabalho de boca de urna estava proibido. O resultado final mostrouum equilíbrio impressionante:

Uma diferença de 0,1%, míseros 411 votos que levaram a turma do PT àloucura. Vieram denúncias de compra de votos e de abuso do poder econô-mico, ninguém se conformava. Mas nada se comprovou, e o fato é que nos-sas pesquisas apontavam essa igualdade absoluta, que permaneceu intocávelnos últimos dias de campanha. Sabíamos na véspera que se podia esperarqualquer resultado. O que se fez, para neutralizar a grande força de mobili-zação que o PT sempre mostra, foi trabalhar tanto, ou mais, do que eles.

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André 131.124 votos 45,8*

Zeca 130.713 votos 45,7* Números oficiais do TRE.

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Empossado como prefeito, André seguiu rigorosamente os ditames doslogan de campanha: começou a trabalhar febrilmente, mostrando um

grande amor pela cidade e pelos seus habitantes, com fé e esperança no fu-turo. Obras por todos os lados, melhoria da qualidade de vida, uma admi-nistração honesta e realizadora.

Era a mudança pela qual todos ansiavam. Isso acabou dando a eleuma das maiores aprovações populares entre todos os prefeitos das ca-pitais brasileiras, com índices sempre por volta dos 70%. O caminhopara a reeleição em 2000 estava aberto, sem os pesadelos de quatroanos antes.

Por isso mesmo André não queria gastar tempo com inovações. Cha-mou os dois coordenadores locais da comunicação – Maranhão Viegas eEcilda Stefanello – e foi enfático: tínhamos que usar a mesma estratégia,o mesmo slogan, a mesma música, o mesmo formato, tudo igual à eleiçãoanterior. Pois não tinha dado certo?

Foi uma complicação convencê-lo que as eleições não se repetem, o mo-mento político era outro, tínhamos obrigação de renovar, oferecer outracampanha à população, até por um dever de apresentar novidades, soluçõescriativas, desde que pertinentes, é óbvio.

Mário Sérgio, secretário de Finanças e um dos mais destacados colabo-radores de André, tinha visto a campanha de reeleição de José Maria Ar-naz, primeiro-ministro espanhol, com características muito semelhantesao que acontecia no microcosmo de Campo Grande. O mote usado poreles tinha sido “Vamos a más!”.

Não ouso recusar nada que seja bom pelo simples fato de não ter sidocriado por mim ou pela minha equipe. Uma boa idéia, venha de onde vier,é absoluta. E essa era ótima. Adaptando-se à nossa realidade tínhamos oslogan perfeito para a campanha de reeleição de um prefeito conhecido pe-las suas realizações, pelas suas obras, por ter feito muito:

VAMOS FAZER MAIS!

Mas a idéia foi vetada integralmente pelo André, com um argumen-to forte:

– Nessa próxima administração não conseguirei fazer mais.

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Ele imaginava que, assumindo esse compromisso, estaria obrigado a entre-gar mais salas de aula do que tinha entregue no primeiro mandato, mais ruas as-faltadas, mais postos de saúde... e assim por diante. Isso seria impossível, pois osequipamentos da cidade estavam completos, nem seria necessário “fazer mais”salas de aula ou postos. O objetivo do segundo mandato era melhorar o nível daeducação, do atendimento nos postos de saúde... e assim por diante.

Foi difícil, mas consegui convencê-lo de que a expressão “Vamos fazermais!” podia ser trabalhada para ser qualificadora, e não quantificadora. Ou se-ja: vamos fazer mais pela educação, pelo transporte, pela saúde. Não quer di-zer, por exemplo, que precise fazer um número maior de construções, mas simmelhorar a qualidade do ensino, informatizando, treinando professores etc.

O PT agora tinha Zeca no governo do Estado e, como candidato a pre-feito, Ben Hur Ferreira, o deputado federal mais votado em todo o Estadona eleição anterior. Mas nada conseguiu abalar, em momento nenhum, agrande diferença de intenção de votos que acompanhou toda a eleição. An-dré esteve todo o tempo disparado na frente.

Ainda por cima os petistas cometeram um erro grave. Desta vez forameles que tentaram fazer o contraponto com o nosso slogan. Já que prome-tíamos “fazer mais”, eles lançaram o “Vamos fazer melhor!” À primeira vis-ta teriam um ganho de qualidade. Mas a população entendeu de formacompletamente diferente:

– era uma promessa vazia;

– Ben Hur não tinha gabarito, nem experiência comprovada, para fa-zer tal afirmativa;

– o “mais” do nosso slogan não só era percebido na função qualifica-tiva, como absorvia o “melhor”.

A eleição acabou no 1º turno, de forma insofismável, com a terceiramaior votação proporcional alcançada nas capitais brasileiras:

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André 68,1%*

Ben Hur 21,2%* Números oficiais do TRE.

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A diferença só não foi maior porque, no final, André decidiu reduzirdrasticamente todas as ações de campanha e, inclusive, parou completa-mente com toda a movimentação de rua. A ordem para a militância foipara ficar em casa, não aceitar provocação, não dar ao PT nenhum mo-tivo para reclamação.

olta Redonda-RJ – 1997.A eleição do Sindicato dos Metalúrgicos é sempre de capital impor-

tância nesta cidade que vive em volta e em função da CSN – Com-panhia Siderúrgica Nacional. Historicamente, por todas as lutas que aliforam travadas. Comunitariamente, porque o Sindicato, além de repre-sentar os trabalhadores, tem uma atuação muito destacada na vida dapopulação.

Foi Fátima Pacheco Jordão, que fazia trabalhos de pesquisa na cida-de, quem me indicou para os coordenadores da chapa da Força Sindi-cal. A pesquisadora tinha detectado uma situação desesperadora, muitopróxima de uma derrota fragorosa. É que o mesmo grupo de sindicalis-tas estava no poder há oito anos e agora, apresentando um candidato ou-tra vez, sofria o desgaste natural por esse período. Por outro lado, a CSNhavia sido privatizada recentemente e, imaginava-se, as negociações en-tre patrões e empregados fossem se tornar muito mais complicadas. Ummomento político-eleitoral super apropriado para o crescimento da cha-pa da CUT.

No dia 6 de maio cheguei à cidade com uma equipe que cabia den-tro de um carro: uma dupla de criação e dois produtores. Faltava umasemana, uma única semana, para se iniciarem os três dias de votação. Ea problemática que encontramos estava perfeitamente estampada numapesquisa de intenção de voto, concluída pelo Ibope naquele mesmo dia:

Na realidade, esses números também espelhavam a rejeição a uma cam-panha sem rumo, completamente equivocada, que precisava ser acertada danoite para o dia.

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CUT 44%

Força Sindical 27%

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A estratégia geral estava errada. Perrut, o candidato, falava da “necessi-dade de se fazer a reforma da Previdência”, de trabalhar para “acabar comos marajás” e outras verdades afins. Por mais verdadeiras e corretas que fos-sem, eram ações distantes do dia-a-dia do operário. E, ainda por cima,com baixíssima credibilidade:

– Quem ele pensa que é, pra mexer com os tubarões de Brasília?

Nossa primeira providência foi trazer para a discussão um tema bem maispalpitante: a luta pela manutenção do emprego e dos benefícios conquistadospelos trabalhadores ao longo de muitos anos de luta. Havia um temor silen-cioso, também diagnosticado pela Fátima, de que houvessem demissões ouperda de direitos, agora que a empresa estava nas mãos da iniciativa privada.Com extrema agilidade redirecionamos toda a campanha nessa postura.

Em tempo: a campanha eleitoral no Sindicato de Volta Redonda é tãoimportante que os concorrentes usam até comerciais de TV para divulga-rem suas propostas.

Mas Perrut não tinha tarimba de vídeo, não podia ser chamado de “co-municador”. No entanto, nos anúncios que estavam no ar, era ele quemaparecia falando o tempo todo, num enquadramento que costumo chamarde “TV feijoada”, super-closes que acabam destacando pedaços da pessoa:a boca, o nariz, a orelha... Perguntei:

– Ele, que já é presidente do sindicato, não é conhecido por to-dos os colegas?

Era conhecidíssimo, claro. Então vamos tirá-lo do ar. E ele, que é bomna conversa pessoal, que vá para a porta da fábrica, espalhando o novo dis-curso no corpo-a-corpo.

Em 24 horas soltamos novos folhetos e um comercial de TV que aca-bou se tornando emblemático. Era de uma simplicidade franciscana. Aimagem mostrava mãos defolhando margaridas lentamente, numa espéciede bem-me-quer, mal-me-quer. O texto dava as alternativas: negociação(da Força Sindical) X agitação (da CUT); equilíbrio X confronto; sereni-dade X retrocesso. No final um vento varria as pétalas no chão, enquantoo locutor fazia a advertência final:

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– O futuro está em suas mãos. Não jogue por terra o que jáconquistamos.

A margarida acabou virando o símbolo da campanha, colocada sobrea antiga logomarca que pouco tinha a ver com aquela eleição. Era uma es-trada asfaltada em perspectiva, onde entrava o letreiro: “Perrut, no cami-nho certo”. Não havia tempo para criar, divulgar e consolidar um novosímbolo, por isso mantive aquele mesmo, apesar de entender que ele seriamais apropriado a uma eleição de sindicato de caminhoneiros. Por cimadessa imagem acrescentei a margarida da confrontação.

Outro comercial mostrava uma mulher, com um vaso de margaridas aolado, dando um novo alerta:

– Hoje você pode dormir tranqüilo porque quando acordar não es-tará com o seu emprego ameaçado...

Outro mais tinha um grupo de crianças de colo, engatinhando, brin-cando... com margaridas, é claro.

– Olhe bem para elas. O futuro dessas crianças está em suas mãos.Radicalização não leva a nada.

E o golpe final veio num testemunhal de Paulo Pereira da Silva, o Pauli-nho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, mostrandoque, por causa da agitação, mais nenhuma montadora de automóveis se ins-talara no ABCD paulista. E que outras indústrias estavam indo embora, as-sustadas com a presença da CUT.

CONCLUSÃO: para fazer terrorismo não é necessário esbravejar, segu-rando um porrete na mão. É muito mais eficiente quando feitocom voz mansa, segurando flores.

No dia 14 se encerrou a votação e as urnas foram levadas para um ginásiode esportes, para serem apuradas. Resultado:

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Força Sindical 54%

CUT 32%

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Foi emocionante ver a arquibancada lotada de metalúrgicos, cantan-do e dançando, cada um com suas mãos calejadas agitando ramos demargaridas.

anaus-AM – 1992.O senador Amazonino Mendes era candidato a prefeito de Manaus pe-

la coligação PDS-PDC. Líder destacado na intenção de votos, aparecia emtodas as pesquisas com índices sempre acima de 50%. Conhecidíssimo nacidade, já tinha sido até governador do Estado. Populista, criticado pelaburguesia, mas amado pela população mais pobre: situação ideal para umcandidato a cargo majoritário numa região de extrema pobreza.

Nenhum adversário de grande capacidade política concorria ao mesmocargo. Com todos os ventos soprando fortemente a favor, era eleição comtodas as características para ser definida, e com muita tranqüilidade, no pri-meiro turno.

Chamado para dar uma consultoria, montei a campanha em cima deum slogan óbvio, como gosto:

AMAZONINO – a força que vem do povo.

Na logomarca, acima do nome, havia quatro perfis desenhados, sinteti-zando a essência da mistura racial da população: índio, mulato, preto ebranco. Um grafismo moderno, mas de imediato entendimento por qual-quer um. E tudo amarrado dentro de uma idéia base de se fazer uma cam-panha com forte apelo popular.

Veio aí a primeira resistência do candidato, que queria utilizar o mesmosímbolo que usara como governador: uma simpática abelhinha que faziaevoluções pela tela, passando uma idéia de dinamismo e operosidade dogoverno. À primeira vista parecia coerente.

Mas eu tinha outra visão. E não era apenas porque a entrada em cenadaquele inseto quebrava a harmonia entre o slogan e a logomarca. É quea abelha lembrava, com força excessiva, de um tempo passado, que nemdeveria ser lembrado agora, a não ser como base para a construção de umtempo futuro. Era “velha”. E o candidato precisava de uma atualização, deum toque de modernidade. Um passo à frente.

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Claro que ela deveria estar presente na campanha, mas não como figuracentral. Por mais que o governo de Amazonino tivesse sido considerado bom,a unanimidade é quase impossível. E era só olhar para a cidade para ver a situa-ção de fato em que a população se encontrava. Ou seja: o símbolo da adminis-tração anterior podia ser atacado e até com certa facilidade. Era vulnerável.

Mas não houve argumento capaz de espantar a insistente abelhinha. Ea “força que vem do povo” acabou sobrevoada em volteios de personagemde desenho animado. Até aí a teimosia do candidato ainda tinha efeitos ne-gativos pequenos.

Em contrapartida, sua força eleitoral era tão grande que uma simples fer-roada não seria capaz de envenená-la. O veneno veio depois, e com muitomais força.

Recomendei uma estrutura de programa de televisão no qual Amazo-nino falaria insistentemente de programa de governo, de como fazer paramelhorar a situação do povo sofrido – aquela grande maioria onde ele ti-nha uma penetração natural. Rápidas pinceladas no passado, apenas paradar credibilidade às suas promessas de futuro.

Nada de aceitar provocações – e eu alertava desde muito antes que issoiria acontecer. Nada de bate-boca com ninguém. Nada de briga, nenhumconfronto. Mostrar-se superior à “pequenês” dos adversários. E tomemprograma de governo!

Conforme o previsto, ao outro lado só restava o caminho das provo-cações. E elas vieram com força e inteligência. O então governador Gil-berto Mestrinho, para preservar o seu candidato, o deputado federal Jo-sé Dutra, do PMDB, vinha à televisão e desancava o adversário com todasorte de agressões e até ofensas. Amazonino era ladrão, sem caráter, mauadministrador, corrupto... e tome cacete. Até um castelo na França arran-jaram para ele, comprado com o dinheiro do povo, é claro.

O prefeito que ia ser substituído, Artur Virgílio, tinha se aliado aMestrinho e também vinha para a televisão na maior agressividade... etome cacete.

Convenientemente trabalhadas, todas as acusações teriam fatalmen-te caído no vazio. Mais: podiam até virar contra os acusadores que, emvez de se preocuparem com os problemas da cidade, em vez de darematenção às necessidades do povo, cuidavam só de agredir o “pobre doAmazonino”.

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Mas não. O senador é homem apaixonado, impulsivo. Como levardesaforo para casa? Como agüentar que falem da sua honra? Comonão responder aos ferozes ataques à sua honestidade, à sua capacidadeadministrativa?

Amazonino mordeu a isca. Esqueceu do programa de governo e come-çou a responder a tudo, tim-tim por tim-tim.

A equipe local da agência de propaganda Oana telefonou para SãoPaulo, onde eu dirigia a campanha de Aloysio Nunes Ferreira, tambémcandidato a prefeito. Estavam preocupados, pois tudo o que eu plane-jara, referente aos ataques, estava sendo feito ao contrário. Pressinto operigo. O senador já começava a cair nas pesquisas, com José Dutracrescendo.

O vôo daquela noite me trouxe cópia do material. Numa rápida aná-lise das fitas dos programas que foram ao ar nos dias anteriores percebi asérie de erros crassos que vinham sendo cometidos. A cada ataque, umaresposta.

Por telefone expliquei a Amazonino que, dessa forma o ataque acabasendo amplificado. Quem não o assistiu no dia anterior, fica sabendo deleagora... e pela boca do próprio atacado. Se ele está tão nervoso, “onde háfumaça, bem que pode haver fogo”, não é mesmo?

É preciso considerar, também, que ninguém assiste a todos os programas,todos os dias. A não ser o comando da campanha e os profissionais que tra-balham na comunicação, que precisam ver por dever do ofício. O telespecta-dor não está ligado com essa intensidade. Por isso se deve transferir para elea atenção e os cacoetes que pertencem a quem vive o problema dia a dia, mi-nuto a minuto.

Além do mais, a briga contra Mestrinho e Artur Virgílio era inócua.Eles não tinham nada a perder, não eram candidatos a nada. Consegui-ram puxar Amazonino para o ringue, enquanto o candidato deles na-vegava tranqüilo nas águas escuras do Rio Negro. Estratégia e táticaperfeitas.

Além do mais, acusações feitas em campanha eleitoral não gozam de to-tal credibilidade perante os eleitores, que, atualmente, depois de assistirema tanta trama novelesca, sabem identificar com precisão que se trata de umaguerra, muitas vezes suja. A excessiva preocupação com denúncias e ataquesé que acaba lhes conferindo uma certa dose de credibilidade.

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Mas o senador estava transtornado:

– E a minha honra... como fica a minha honra?

Expliquei que campanha eleitoral que pretenda ser vitoriosa não é o localadequado para se lavar a honra. Para isso existe a possibilidade de tirar satis-fação e, principalmente, existe a Justiça.

Mais importante que tudo é ganhar. E, isto sim, ganhar é a maior vingança.Mas uma parte do estrago já estava feita e o senador, irredutível, preten-

dia continuar respondendo. Ainda bem que ele tinha intenções de voto desobra e podia até se dar ao luxo de perder alguns pontos. O sonho de fechara eleição no primeiro turno, que esteve tão perto de se tornar realidade, aca-bou se esvaindo no bate-boca generalizado.

Teríamos segundo turno: Amazonino X José Dutra. Um candidato depouca expressão e de quase nenhuma chance conseguiu chegar lá, montadoprincipalmente nos descuidos e nos erros do adversário.

Antes de começar a propaganda do 2º turno, o empresário GilbertoMiranda colocou à minha disposição um jatinho para que eu voasse a Ma-naus e prestasse um socorro de emergência à campanha ameaçada. Ele eragrande interessado, pois, como suplente de Amazonino, “ganharia” seisanos no Senado, se a atual candidatura fosse vitoriosa.

De volta a Manaus, tive que ser dramático:

– Senador, o senhor já perdeu uma parte, indo para o 2º turno.Agora só falta perder o resto...

Era uma das eleições mais ganhas que já tinha visto. A equipe toda reu-nida num salão do Hotel Tropical tremeu com a minha advertência:

– O senhor vai perder, porque está querendo perder. Está jogando forauma vitória anunciada, desde que anunciada foi a sua candidatura.

Felizmente as lições do primeiro turno tinham sido fortes demais.Quando a propaganda recomeçou, as acusações passaram a ser ignoradas,ou respondidas em bloco na oportunidade certa, com um tom sereno, ja-mais nervoso, jamais excessivamente preocupado em respondê-las.

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Nessas ocasiões é preciso assumir o mais puro ar de “quem não devenão teme”. E mesmo que deva um pouquinho, temer jamais. Porque emtermos políticos não creio que honra lavada dessa forma compense eleiçãoperdida. Não se deve confundir Justiça Civil e Criminal, com Justiça Elei-toral. E depois, a derrota acachapante será sempre uma nova nódoa, quepode se tornar menos lavável que as manchas anteriores.

Alvíssaras. O resultado do segundo turno trouxe uma expressiva vitória,com 57,6% dos votos válidos para Amazonino Mendes.

O episódio engraçado dessa história foi que, lá pelo meio da campanhado 2º turno, um assessor de José Dutra ligou para a Presidência do PMDB,na época exercida por Quércia, pedindo que fossem tomadas providênciasurgentes para retirar o “peemedebista” que estava em Manaus, ajudando aderrotar o candidato do partido no Estado. Era eu que, tendo feito única etão somente trabalhos profissionais, virava “correligionário” e membro dopartido, coisa que nunca fui.

residente Prudente-SP – 1996.Aqui também ocorreu fenômeno semelhante ao de Manaus, quando o

“criador” de um candidato vira detrator do adversário, para aplainar o ca-minho da sua criatura.

Agripino Lima, o prefeito em fim de mandato, era um homem pode-roso na região, misturando propriedades de fazendas de gado, de empresasde ônibus, de materiais de construção, de uma universidade e até da emis-sora de televisão local, geradora dos programas da TV Globo. De contra-peso, seu gosto pela política já o fizera prefeito em duas eleições, e seu fi-lho, Paulo Lima, deputado federal.

Muito respeitado, mais uma vez terminava o mandato com altos índi-ces de aprovação popular para a sua administração: segundo o Ibope, 63%de “ótima/boa”, contra 11% de “ruim/péssima”. Uma situação muitoconfortável para alavancar a eleição do sucessor, Chiquinho Galindo, nu-ma coligação PFL com PPB, apesar de ele ser estreante em política. Suaprincipal credencial era ter sido assessor graduado na prefeitura, nos últi-mos anos.

Do outro lado o advogado Mauro Bragato, deputado estadual doPSDB por duas legislaturas, encabeçando uma coligação com vários parti-

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dos de esquerda, o PT inclusive. Ele era bastante conhecido na cidade, masnão tinha nenhuma experiência administrativa.

Já na largada, antes da campanha propriamente dita começar, o Ibopeacusou empate técnico entre os dois.

Chamado pelo jornalista Marco Damiani*, que coordenava a comuni-cação da campanha tucana, fiz um primeiro “diagnóstico” com 12 itens.Na parte técnica tínhamos grande desvantagem, enfrentando os modernosequipamentos globais, com ultrapassadas e desgastadas máquinas U-Matic.Algo como um fusquinha correndo contra um Mercedes.

Mas o fusquinha, bem ou mal, ainda chega ao destino. O mais grave eraa questão estrutural. Só os três primeiros itens já davam uma idéia clara dosdesacertos:

1. A campanha em geral se mostra CONFUSA. Não se sabe bemonde se está pisando, não há uma definição clara de quem fazo quê, quem é o responsável por qual área, qual o rumo a sertomado.

2. Há muito palpite, muita opinião com muitas variações e até umcerto terrorismo. Passa-se de um pessimismo destruidor a um oti-mismo exagerado.

3. O adversário é o Chiquinho, mas só se pensa, só se dá importân-cia ao Agripino. Esse é o jogo deles, um jogo perigoso para nós.

Aí é que estava o grande nó. O prefeito vinha sendo o grande arauto dacandidatura. Tentava nitidamente desqualificar o adversário chamando-ode “candidato da mentira”, que ocultava seus companheiros esquerdistas edizia ter uma experiência que jamais fora comprovada.

Mesmo com resistências sérias no comando da campanha, clamando por“respostas indispensáveis”, resolvemos ignorar completamente os ataques.Agripino passou a inexistir. Em contrapartida aprofundamos a apresentação

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* MARCO DAMIANI nasceu em 1962. Em 79 já era jornalista, começando na grande imprensa pela Agência Folha.Foi repórter político do Jornal do Brasil e da TV Globo (Rio). Também foi editor das revistas Veja e IstoÉ e re-pórter de O Estado de S.Paulo. Dirigiu a campanha de Mauro Bragato e integrou a equipe da Propeg-CP. Noinício de 2001 tornou-se chefe da sucursal de Brasília da revista IstoÉ Dinheiro.

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do programa de governo, destacando a comparação direta Bragato X Chi-quinho. Inexperiência por inexperiência, nosso candidato tinha uma biogra-fia mais consistente e um governador de Estado do mesmo partido.

A disputa renhida terminou com uma vitória apertada:

Bem que Agripino tentou alterar esse resultado, no papel que lhe ca-bia desempenhar, mas a sua gritaria autoritária caiu no vazio. Se do ou-tro lado tivesse encontrado uma campanha desarvorada, talvez tivesseconseguido...

ourados-MS – 1996.A ligação com o governador do Estado pode ajudar em determinados

momentos, mas também pode virar um grande peso para a campanha.O ex-prefeito Braz Melo (PSDB/PMDB) tinha um vínculo umbilical

com o governo do Estado, pois era nada mais nada menos que o vice-go-vernador em exercício. Renunciara a esse cargo para poder se candidatar àprefeitura de novo. Só que a avaliação da administração estadual, como umtodo, era ruim no geral e péssima naquela cidade onde, dizia-se, “nada ti-nha sido feito, apesar do vice ser dali”.

Num primeiro momento optei por ignorar o fato, tentar passar batido.Se os adversários não tocassem no assunto, não seríamos nós quem levan-taríamos a lebre. Concentrei a estratégia e o esforço de comunicação mos-trando que ele já tinha sido prefeito, tinha comandado uma administraçãobem-avaliada, era sério e competente. Aproveitando, também, que os ou-tros concorrentes eram inexperientes, saiu o slogan:

BRAZ MELO – A competência garante o futuro.

Mas não deu para fingir-se de morto. Os adversários perceberam oponto vulnerável e atacaram diretamente ali: “o vice que não ajudou a ci-dade”. Se colasse seria uma pecha muito séria.

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Bragato 44%*

Chiquinho 39%* Números oficiais do TRE.

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Falaram uma vez, falaram duas. Maria Gorete, a coordenadora da cam-panha, me telefonou:

– Conforme sua previsão, aconteceu. E agora?

A primeira providência, para entrar no ar ainda naquela noite, foiuma fala do candidato dizendo que o governo é centralizador, vice nãomanda nada. Bem que ele tentou ter um espaço, mas não conseguiu. Tra-duzindo: para não explicitar que a culpa era do governador, dizer que aculpa era da estrutura de governo. Esbocei o texto e pedi que ela mostras-se ao Braz Melo. Não demorou muito veio ele próprio ao telefone:

– Não posso dizer isso. Seria uma traição ao dr. Wilson e eu nãofaço esse papel.

Lembrei a ele que o dr. Wilson Martins, o governador de quem ele eravice, era um político de extrema competência, um homem calejado emquase 80 anos de vida, mais da metade deles de vida pública. Tinha cer-teza que ele saberia, sim, entender aquele discurso. Afinal, nada havia deofensivo. Bastava apenas que fosse combinado antes. Por isso sugeri:

– Pegue seu carro agora, vá a Campo Grande, explique a situa-ção e dê o texto ao governador, com uma caneta junto, paraque ele altere o que quiser.

Claro que a fala voltou sem nenhuma vírgula mexida, foi ao ar naquelamesma noite. Braz Melo estava abandonando o poder na capital, para voltarà prefeitura e, aí sim, poder continuar trabalhando junto com seu povo. Comisso fazia-se uma correção da estratégia, iniciando-se a operação “o vice quedeixou de ser vice para ajudar a cidade”. Resultado:

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Braz Melo 48,9%*

José Elias 34,4%* Números oficiais do TRE.

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ampinas-SP – 1996.Com a instituição da eleição em dois turnos, a partir de 1989, tornou-se

possível tentar corrigir campanhas que cometeram erros que anteriormenteseriam fatais. Volta e meia sou chamado para encarar uma dessas “missões im-possíveis”, como neste caso.

Inicialmente eram oito candidatos. Quatro inexpressivos, fora do páreoa priori, três disputando o segundo lugar e uma favorita destacada, a depu-tada estadual Célia Leão. No dia 6 de maio, a Folha de S.Paulo divulgouuma pesquisa de intenção de voto:

Nos meses seguintes, até o início da propaganda eleitoral, a intençãode voto na deputada só cresceu, chegando sempre próximo dos 40% emvárias pesquisas diferentes.

Chamado pelo candidato Hélio de Oliveira, conhecido como dr. Hélio(que para mim estava na lista dos “inexpressivos”, nessa eleição), disse-lhe depronto que suas chances eram pequenas, mas aumentariam em razão diretada existência de dois fatores:

– fazer uma coligação para aumentar o tempo de TV, que seriamuito pequeno (cerca de 1 minuto e dez) se ele ficasse só com seupartido, o PDT;

– ter condições financeiras pelo menos razoáveis para poder serbem apresentado à população, já que era o mais desconhecidoentre todos.

No desenvolvimento da luta eleitoral, dr. Hélio acabou mostrando quepoderia ter alguma chance. Mas a coligação só saiu com o minúsculoPTN, que nada acrescentava em tempo de TV, e o tão esperado apoio fi-nanceiro também ficou na promessa. Para se ter uma idéia da penúria bas-

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Célia Leão 31%

Jacó Bittar 17%

Chico Amaral 15%

Toninho do PT 3%

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ta dizer que não havia pesquisa, não foi possível fazer um único outdoor,o grupo de mobilização era a família e a equipe de criação era compostaapenas por um redator e uma produtora.

Numa cidade com dimensões de muitas capitais brasileiras (pertode 600 mil eleitores) gastou-se cerca de R$ 700 mil, ao todo. Várias ve-zes adverti:

– Minha presença por si só não basta!

Conclusão: um candidato que tinha todos os pré-requisitos paraser muito bem-sucedido acabou não tendo condições mínimas para adecolagem.

Célia Leão, ao contrário, tinha tudo do bom e do melhor: grande equi-pe de criação e produção, os mais modernos equipamentos, pesquisas diá-rias, apoio do governador Mário Covas e do prefeito Edivaldo Orsi, am-bos do PSDB.

A sua campanha, no entanto, foi um desastre. O partido rachou emdisputas internas, três ou quatro lideranças locais tentando se apropriar doespólio político do maior líder da cidade, o falecido prefeito MagalhãesTeixeira. A propaganda na TV era tão linda, tecnicamente tão bem-feita,que Célia mais parecia candidata a rainha. Mas “esqueceram” de informarao distinto público que ela, não só é feita de carne e osso, como é paraplé-gica. Tinha sofrido um acidente de carro na juventude e isso aparecia nabiografia dela, porém sem explicitar claramente o que causara a imobili-zação da cintura para baixo.

Essa deficiência física não seria um qualificativo especial. Mas tambémnão seria um aspecto negativo, se fosse apresentada convenientemente. Afi-nal, ela não esmoreceu, não se entregou, pelo contrário. Estudou, formou-seadvogada, trabalhou, virou líder comunitária, vereadora e depois deputadaduas vezes. Casou, teve três filhos. De certa forma até ressaltaria a garra ex-traordinária daquela mulher lutadora, forte e rija. Pensando bem, um pontomuito positivo.

Camuflado, tornou-se uma mentira. Ela tinha “escondido” uma informa-ção essencial e a população, intimamente, não perdoa esse tipo de “traição”.Na campanha majoritária, concorrendo à prefeitura, a exposição do candida-to é total, absoluta, muito diferente das campanhas proporcionais, que o elei-

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tor encara de maneira mais superficial, não penetra a fundo na história dapessoa. Até porque são dezenas, centenas de concorrentes, nem dá tempo dese preocupar muito com eles.

Quando a candidatura de Chico Amaral começou a crescer, empurradapor um marketing competente, cometeu-se o erro derradeiro: o programa doPSDB colocou no ar uma reportagem muito agressiva, mostrando que ele eraum “velho” de 74 anos, já cansado, já sem forças suficientes para assumir umcargo com aquela importância. Com isso, a princezinha boazinha, daquelaimagem imaculada de candidata a rainha, se transformava em uma megeraperversa e mentirosa, atacando o grande homem que tinha uma vida inteirade serviços prestados à cidade.

A queda foi vertiginosa, como mostraram os números finais da votaçãono 1º turno, votos válidos:

Foi tão vertiginosa que, após a votação, ela continuou em queda livre. Émuito raro o caso de um candidato ir para o 2º turno e não somar nenhumaintenção de voto aos votos que trouxe do 1º turno. Eram oito candidatos, fi-caram só dois, o normal é que esses dois cresçam.

Toda a equipe que trabalhou no 1º turno foi dispensada e me chamarampara assumir o comando da operação da campanha do PSDB. Imediata-mente mandei fazer duas pesquisas: uma qualitativa e uma quantitativa. Oresultado desta foi assutador. Chico Amaral deu um grande salto e Célia caiumais um pouco:

No período entre as votações do 1º e do 2º turnos, outras pesquisas lo-cais chegaram a encontrar uma diferença ainda maior: 63% X 16%.

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Chico Amaral 39,4%*

Célia Leão 20,9%

Toninho 15,7%

Dr. Hélio 13,5%* Números oficiais do TRE.

Chico Amaral 61%

Célia Leão 18%

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Como tinha assistido ao debate, sofrendo a falta de condições da cam-panha do dr. Hélio, pude dar um diagnóstico rápido. Na reunião com acandidata e com seu marido afastei a possibilidade de um milagre:

– A eleição está perdida! Salvo um fator superveniente e inespera-do, que duvido existir, é praticamente impossível reverter essequadro.

Reconheço que é difícil aceitar uma constatação desse porte. Mui-to difícil. Mas eu não podia tapeá-los, deixando que acreditassem nummilagre que eu sabia impossível de acontecer. Em campanha a menti-ra tem pernas curtíssimas: a verdade prevalece no dia da eleição. Só ha-via uma saída:

– Vamos usar o espaço e o tempo do 2º turno para resgatar a ima-gem da candidata, que ficou muito arranhada. Se isso não forfeito, com certeza ela terá dificuldades na próxima eleição paradeputada.

Abri a campanha do 2º turno com a imagem dela num fundo infinito,sentada na sua cadeira de rodas, o corpo inteiro aparecendo. Um foco deluz em cima. Silêncio. Depois de alguns segundos ela começou a falar, pau-sada e firmemente, um discurso sintetizado numa frase:

– Não vou governar com as pernas, mas sim com a cabeça ecom o coração.

Essa também foi a síntese da estratégia usada. No estúdio, ela mostravaseus planos, através de um discurso forte, sem medo de enfrentar as adver-sidades. Afinal, já tinha enfrentado tantas... Na rua, movimentava-se numdinamismo que nem a cadeira de rodas conseguia frear.

Mas o 2º turno foi rápido, havia muito o que consertar em muito pou-co tempo. Apesar de todos – inclusive eu – chegarem a reacender uma rés-tia de esperança quando a candidatura começou a esboçar uma ligeira rea-ção, era claro que não daria para ganhar. Foi uma eleição em que, mais umavez, não consegui fazer um milagre, muito menos dois – um em cada tur-

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no. Praticamente só ela cresceu no 2º turno, mas deu apenas para não per-der de goleada, nos votos válidos:

E deu, principalmente, para ajudar a salvar carreiras. Dois anos de-pois, Célia Leão reelegeu-se deputada estadual com 73.265 votos, amaior votação da sua história. Na mesma eleição o dr. Hélio se elegeudeputado federal, com 48.157 votos.

berlândia-MG – 2000.Também aqui foi necessária uma intervenção do tipo pronto-socorro

eleitoral.Zaire Rezende, do PMDB, tivera todas as condições para ganhar a dis-

puta no 1º turno, transposto desde o início com índices de intenção de vo-to sempre acima dos 60%. Mas uma série de desacertos na sua campanhaacabou fazendo com que fosse gradativamente perdendo terreno. Um dosadversários cresceu e, em cima da hora, a queda do favorito trouxe-o para49%, confirmando a necessidade do 2º turno.

Foi o empresário Celson Martins, candidato a vice, quem resolveu mechamar. Ele tinha percebido que uma eleição que estivera ganha, iria cor-rer sérios riscos de ser definitivamente perdida. O crescimento do principaladversário, Luiz Humberto Carneiro, do PPB, era avassalador. Tinha co-meçado com quase nada, chegara ao final do 1º turno com 32% e conti-nuava a crescer perigosamente.

Ao chegar na cidade para a primeira reunião com o comando da cam-panha, trombei de cara com uma estranha visão. No caminho do aeropor-to até a produtora, onde era esperado, vi vários outdoors colocados nos diasimediatos antes da votação. O candidato aparecia de braços abertos, artriunfante, tendo ao lado a inscrição “A VITÓRIA É AGORA!” Depoissoube que a cidade havia sido inundada com esses cartazes.

De duas, uma: ou a certeza da vitória era tão grande que se permitiramuma comemoração antecipada; ou era tão pequena, que quiseram realçá-la.

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Chico Amaral 65%*

Célia Leão 35%* Números oficiais do TRE.

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No primeiro caso era autoritário e pretensioso; no segundo, descabido e arti-ficial. Em ambos, um erro grosseiro, brutalmente agravado pelo fato de nãoter acontecido a magistral “vitória”, cantada antes do tempo. Ao contrário, osimples fato de Zaire ter que disputar o 2º turno era uma derrota. Vergonha!para dizer o mínimo.

A primeira providência foi substituir esse outdoor numa verdadeira ope-ração de guerra. No dia seguinte todos eles estavam cobertos por uma ima-gem do candidato alegre e bonita, mas menos grandiloqüente, tendo ao la-do a legenda “ESSA VITÓRIA É DO POVO DE UBERLÂNDIA”.

Era um paliativo, assumindo a “vitória”, sim, mas por outra ótica: o fa-to de ter ido para o 2º turno já era uma vitória em si, tirando o ranço ufa-nista e, humildemente, entregando-a ao seu dono verdadeiro, o povo.

Passando os olhos pelos materiais impressos e eletrônicos usados no 1ºturno visualizava-se claramente as razões da queda: uma campanha confusa,sem ritmo e sem rumo. Os dados, elementos e componentes em geral eramótimos, porém usados desordenadamente. Era, principalmente, um trabalhoamador, uma campanha malredigida, mal-apresentada, sem uma estratégiabem-definida.

Quis conhecer o candidato nessa revisão da propaganda, mas não con-segui. A televisão não tinha mostrado sequer uma biografia completa, sen-do que ele tinha muito o que mostrar. Já tinha sido prefeito, deixando umaadministração reconhecida no mínimo como competente, vista por mui-tos até como revolucionária. Depois fôra deputado federal, com atuaçãomarcante. Enfim, um político sério, coerente com suas idéias e seus ideais.

Esse é um erro comum que os coordenadores de campanha cometem,partindo do princípio que as pessoas têm obrigação de conhecer o políticoque tantos serviços prestou à comunidade. Não é assim. A população es-quece, muda de opinião, nunca está atenta a essas informações latentes. Épreciso mostrar tudo de novo, repetir, repetir, repetir até que entre cabeçaa dentro.

Na arrumação geral para o 2º turno comecei contrapondo a consisten-te história do nosso candidato ao noviciado do adversário, que nunca tinhaexercido alguma função de peso, seja no executivo ou no legislativo.

Em seguida, simplificamos e priorizamos um programa de governo queera muito extenso e complexo. O candidato não é um “produto”, mas temque ter “produtos” bem-definidos e de fácil entendimento e aceitação. O

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adversário vinha usando essa tática com muita competência, batendo emduas idéias-força: “Emprego Já” e “PAS – Postos Avançados de Segurança”,exatamente as duas maiores demandas da população.

Entre mais de 30 itens escolhi cinco prioridades, para serem trabalha-das no rádio e na TV. Todo o resto virou material impresso para alguémconsultar, se necessário. As cinco escolhidas receberam definições curtas,nomes e logomarcas:

– Viver em Paz– Bolsa-Escola– SOS Saúde– Casa Fácil– Mais empregos

Os dois excelentes apresentadores, que no 1º turno batiam cabeça sesobrepondo e fazendo as mesmas coisas, receberam funções específicas:Patrícia virou a âncora, a apresentadora geral do programa. Neimar,com sua voz poderosa, virou um editorialista, com um aguerrido comentá-rio diário.

Na verdade, ele ficou encarregado de “brigar” contra o deputado federalOdelmo Leão e contra o prefeito Virgílio Galassi. Os dois eram os “patro-nos” da candidatura e davam sustentação ao inexperiente Luiz Humberto,em geral agredindo Zaire. Como eram agressões gratuitas, o candidato nãodava a mínima importância para elas. Continuava apresentando suas cincometas, falando de política municipal em alto nível. Enquanto isso, Neimarnão deixava uma vírgula sem resposta.

Essa atuação também corrigiu um dos fatores importantes para a que-da do 1º turno, que tinha sido um forte discurso do prefeito Galassi, le-vantando dúvidas sobre a capacidade administrativa de Zaire. O ataquenão foi respondido na hora e no modo certos, deixando que a acusação sedisseminasse.

Do ponto de vista político tivemos que segurar uma situação estranha,pois os candidatos do PT e o do PFL, derrotados no 1º turno, vieram darapoio. Já ouvi várias vezes uma máxima eleitoral muito conhecida:

– Apoio não se recusa.

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Pode até ser verdade, em termos. Pois também os apoios devem ser bemanalisados para que não contaminem, de alguma forma, o cerne da campa-nha. Neste caso, como a coligação se transformava numa estranha colcha deretalhos, optei por desconhecer esses acertos, na comunicação, que foi des-politizada. Por outro lado, os apoiadores receberam a recomendação de tra-balharem seus “adeptos” no boca-a-boca e com folhetos dirigidos. Commuita reclamação deles, é lógico, pois quem não quer pôr a carinha na TV?

O único susto foi quando o TRE local decidiu que o número de comer-ciais (18 minutos) dos adversários seria maior que o nosso (12 minutos), ale-gando uma proporcionalidade de tempo, de acordo com os tempos dos par-tidos que formavam cada grupo. Pura interpretação equivocada, das letrasde uma Lei Eleitoral atrapalhada. O recurso ao TSE em Brasília demorouvários dias para ser julgado, e a decisão corretora do absurdo chegou quasesem tempo de se fazer a correção. Na última semana tivemos que adminis-trar uma overdose de anúncios compensatórios. Mas aí a eleição já estava de-cidida, conforme mostrou o resultado final:

Na verdade a campanha do 2º turno foi feita exatamente com os mes-mos elementos físicos e o mesmo material humano utilizados no 1º turno.Com a solitária exceção de um redator publicitário que precisou ser subs-tituído: quando expliquei a forma como queria os textos, ele reagiu enfati-camente dizendo que era um profissional, sabia escrever muito bem, simsenhor, e discordava da minha orientação. Certamente ele preferia a cam-panha como estava no 1º turno, marchando para a derrota.

anta Cruz de La Sierra, Bolívia – 1991.O médico Carlos Dabdoub tinha morado em São Paulo por alguns me-

ses, quando fez sua especialização em neurocirurgia. O engenheiro OscarSerrate formou-se na USP.

No período em que moraram na cidade assistiram embevecidos à campanhaeleitoral de 1990, quando o azarão Fleury enfrentou o grande favorito Maluf.

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Zaire Rezende 59,3%*

Luiz Humberto 40,7%* Números oficiais do TRE.

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Agora ambos viviam uma situação semelhante, na Bolívia. Carlos, emsua primeira incursão política, candidatou-se a concejal, primeiro passo pa-ra chegar a alcalde de Santa Cruz de La Sierra. E, para coordenar a cam-panha, chamou o amigo Oscar.

O sistema político boliviano mistura atribuições municipais e estaduaisformando o departamento, uma espécie de cidade-estado. Para gerir a alcal-dia – espécie de super-prefeitura – é eleito um Concejo de 13 membros, osconcejales. O voto é dado da lista de candidatos apresentados pelo partido,ou coligação. Essa lista é encabeçada por um candidato principal, o que aca-ba personalizando a eleição. Ele vira o puxador de votos e candidato natu-ral a alcalde – o prefeito/governador – que é eleito depois de empossado noConcejo. É claro que, se um partido tiver eleito a maioria, automaticamenteelegerá o governante. Se isso não acontecer, haverá negociações e conchavospara definir a escolha.

A semelhança com a eleição de 90 vinha do fato de Carlos ser tão des-conhecido quanto Fleury e de estar largando com uma intenção de vototambém medíocre – 2% – com a dificílima missão de enfrentar o grandefavorito Percy Fernández do alto de patamares entre 65 e 75%, variando deacordo com a pesquisa.

Procurado como o “mágico” que pilotara o “milagre”, fui logo dizendoaos dois bolivianos que nessa atividade não existe mágica nem milagre. Sepor um lado havia a semelhança apontada, por outro havia uma grande di-ferença: na eleição paulista tínhamos Quércia num governo bem-avaliado,apoiando o candidato e dando o empurrão inicial.

Na eleição boliviana Carlos estava sozinho, candidato de si próprio.Quem estava no governo era exatamente Percy, seu principal adversário,que buscava a reeleição. Ou seja: a mágica e o milagre, se existissem, agorateriam que ser muito maiores.

Com o início do trabalho fui descobrir que não era só isso. Percy tinhaforte apelo popular, era um desses populistas bem-acabados, estilo a la Jâ-nio Quadros. Encerrava uma gestão de dois anos com aprovação pratica-mente unânime. Chegou-se a cogitar que ele poderia eleger entre 9 e 11dos 13 membros do Conselho. Também o seu partido, o MNR – Movi-miento Nacionalista Revolucionario – estava em franca ascensão, com apresença de um novo líder, Gonzalo Sánchez de Lozada, que já havia sidoministro do Planejamento e agora se destacava como figura importante na

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eleição presidencial que viria um ano e meio depois. (Acabou eleito presi-dente da Bolívia em 93.)

Carlos só era conhecido como médico. Jamais tivera algum cargo pú-blico. Chegaram a dizer que só saiu candidato porque outros pretenden-tes prováveis fugiram da derrota inevitável. Era apoiado pela coligação“Acuerdo Patriótico”, uma estranha colcha de retalhos oportunista quereuniu o partido direitista do general Hugo Banzer com a esquerda revo-lucionária de Jaime Paz Zamorra, atual presidente, ficando o general navez, para ser o próximo. Essa era a grande meta partidária: ninguém es-tava lá muito preocupado com a eleição departamental.

A região é importante em termos bolivianos, só perde para a grande LaPaz, reunindo a capital e as cidades em torno. Mas, para os nossos parâ-metros, é extremamente pobre, sem recursos nem condições.

Meu plano inicial era trabalhar com pesquisa, agência de propaganda eprodutora de áudio e vídeo locais. Mas não encontrei nada que me pudessegarantir a qualidade mínima necessária. A imprensa e a propaganda erammedíocres. Produtoras profissionais simplesmente não existiam.

As pesquisas eram um capítulo à parte. Logo no início me deram umtrabalho feito por uma empresa argentina. Tinha tantas incongruências econtradições que não pude acreditar em nada do que estava ali. Explica-ram-me que o povo boliviano é difícil de ser pesquisado:

– Jamais diz a verdade.

Não que ele seja mentiroso, não. Ao conversar com estranhos ele não seabre, não deixa que os assuntos se aprofundem. Enfim, é uma pessoa dissi-mulada. O Prof. Kirsten, experimentado pesquisador, chegou a montar umprojeto de pesquisa que não pôde ser implementado por falta de recursos.Não havia o que fazer, seria um vôo cego. Então decretei:

– É melhor não ter pesquisa do que ter uma pesquisa semcredibilidade.

Estávamos descobrindo um povo diferente, possuidor de uma certa in-dolência, uma maneira descansada de ver as coisas. Um pessoal que nãoesquenta a cabeça. A pessoa marca uma reunião, mas isso não é definiti-

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vo. Pode ser que ela venha no horário, ou atrase uma hora e meia, ou sim-plesmente não venha, sem maiores avisos. Ainda é um lugar onde o co-mércio fecha após o almoço, pois ninguém abre mão da siesta, uma dor-midinha e um descanso que podem durar duas horas.

Quando planejamos o lançamento da candidatura, uma grande festanum anfiteatro no centro da cidade, eu ainda não estava totalmente afina-do com a maneira local de ser. Então, em sucessivas reuniões com a “equi-pe” do candidato, deleguei as funções e tarefas, explicando a forma como euqueria: pregar as bandeiras, decorar o palco, som dentro e fora, telão para osque não conseguirem entrar, distribuição de distintivos e folhetos, chegadadas delegações, grito de guerra etc.

Quando cheguei no local, na hora da cerimônia, estava tudo feito... daforma como eles queriam! Poucas bandeiras, som, luz e TV deficientes, pes-soal sem uniforme, desorganização geral. Nada mais a fazer, fui para o barem frente e pedi um uísque duplo. Era enlouquecedor: ali mesmo resolvique tinha de levar profissionais brasileiros, com a finalidade maior de pre-servar minha saúde mental.

A campanha em geral era de um primarismo absoluto. Ainda bem quenão era só a nossa: os adversários também eram amadores em último grau.Fui informado que a prática habitual era produzir entre 3 e 6 comerciaistradicionais (30 segundos cada) para deixá-los rodando indiscriminada-mente nas TVs durante os 60 dias da campanha. Lá não havia horário elei-toral gratuito nos moldes brasileiros. A lei permitia que se comprasse, a pre-ços baixos, 15 minutos diários nas TVs, 5 minutos em cada período(manhã, tarde e noite) sub-divididos em anúncios.

Corria o mês de setembro e era um ano de entressafra eleitoral no Brasil.Assim, pude levar para a Bolívia o melhor da minha equipe – Cacá Colon-nese, Danilo Palásio, Zeca Freitas – convencido de que daríamos um choquede qualidade no marasmo, apresentando um conjunto de ações jamais vistonaquelas paragens:

– Nossa principal estratégia vai ser o profissionalismo!

Tivemos que ensinar tudo, desde o bê-a-bá daquilo que entendemos co-mo marketing político e eleitoral: elaboração do discurso e da postura docandidato, planejamento de reuniões, festas, visitas e corpo-a-corpo, forma-

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tação do programa de governo, produção de todas as peças de propaganda,definição de conteúdo e quantidade dos materiais de campanha. Foi preci-so até encomendar a confecção dos objetos promocionais em fornecedoresdo Brasil: camisetas, bandeiras, viseiras, leques, botons, adesivos etc.

O candidato queria ser chamado de dr. Dabdoub, que era como osclientes do seu consultório o conheciam. Foi convencido a usar o prenome– Carlos – para que a cidade toda o conhecesse mais facilmente, por umnome familiar.

Através de uma consulta popular definimos um símbolo para a campanha.Entre oito imagens possíveis foi escolhido o sol. É que Santa Cruz fica numaplanície e tem uma grande insolação diária. O sol é forte, muito presente e, noamanhecer e nos fins de tarde, vira uma bola de fogo no horizonte.

Esse símbolo, que é a representação do renascimento diário, se entendiamuito bem com o slogan, criado a partir da intenção do candidato de mo-dernizar a cidade e a região, transformar uma forma de administração an-tiquada num projeto arrojado, dar um salto para o futuro:

CARLOS – un nuevo tiempo.

Montamos um pequeno Centro de Criação de onde saíam anúncios, fo-lhetos e comerciais, com a participação indispensável de um “tradutor” paraque os textos ficassem dentro do linguajar local. Essas adaptações muitas ve-zes eram feitas pelo próprio Oscar Serrate, que se transformou numa espéciede faz-tudo na campanha. Aliás, ele era altamente dinâmico, provavelmenteuma influência dos anos em que estudou e viveu em São Paulo.

Junto da Criação implantamos um arremedo de produtora com equipamen-tos levados do Brasil, complementados por outros importados diretamente.

Introduzimos uma novidade para eles: o Plano de Mídia em campanhapolítica. E passamos a usar os horários na TV de forma dinâmica: juntandoou separando tempos, dando a devida importância ao horário nobre e nego-ciando e fiscalizando o cumprimento das determinações pelas emissoras.

Se queríamos mais freqüência (o candidato e sua mensagem aparecendomais vezes no vídeo) usávamos comerciais de 30 segundos; se tínhamos umamensagem mais consistente, de tamanho maior, eram comerciais de 1 mi-nuto; para dar impacto chegamos até a usar 2 e 3 minutos concentrados, empleno horário nobre.

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Podia? Ora, a lei era omissa, só previa 5 minutos por período. E nuncaninguém tinha imaginado fazer diferente dos tradicionais “comerciais de 30segundos”. Tentar não é proibido. E sempre procuro usar o que chamei de“princípio da borracha”. As limitações legais são como uma borracha, umgrande elástico esticado, demarcando o caminho. Pode-se andar pelo meioda estrada, observado rigorosamente os preceitos da lei. Mas também se po-de ir empurrando a borracha para os lados, conquistando espaços. Tendo ocuidado, é claro, de não forçá-la em demasia, arriscando que arrebente.

Enquanto o principal adversário mantinha dois comerciais malfeitos re-petindo-se no ar, nós entrávamos com comerciais institucionais mostrandoa história e os planos de Carlos, ou anúncios de oportunidade retratando oandamento da campanha e até fatos do momento.

Certo dia o motorista que nos atendia chegou muito atrasado para meapanhar no hotel. Desculpou-se dizendo que o bairro onde morava tinhaficado totalmente alagado com a chuva da madrugada. Era exatamenteuma região que Percy afirmava ter reurbanizado e recuperado com obrascontra as enchentes. À noite o assunto estava nos telejornais, como repor-tagem informativa, e, nos nossos comerciais, como denúncia.

O nosso dinamismo obrigou o adversário a reagir. Faltando três semanaspara a eleição, os anúncios repetitivos foram tirados do ar, substituídos por ou-tros de qualidade muito boa. Tivemos notícia que um grupo argentino tinhasido importado e passara a produzir toda a comunicação. Também a campa-nha de rua, até então praticamente estagnada, foi fortemente incrementada.Descobriram a tempo que a “eleição inevitável” estava correndo sérios riscos.

O resultado final mostrou isso: Carlos se elegeu, puxando mais três con-cejales consigo. Percy também se reelegeu, claro. Mas ficou com mais qua-tro concejales, a metade do número estimado inicialmente. (Os outro qua-tro membros do Concejos foram eleitos por pequenos partidos.)

Na festa de comemoração, o concejal Carlos Dabdoub puxou-me de la-do e afirmou que tínhamos chegado muito além daquilo que se esperava:

– Aqui nunca havia surpresa. Antes da eleição sempre se conhe-cia o resultado.

Mas Carlos ficou muito pouco tempo no Concejo: chamado pelo pre-sidente, virou ministro da Saúde. E Oscar Serrate virou embaixador daBolívia na ONU.

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capítulo 9

Aloysio, Leiva,Rossi e outras decepções inevitáveis.

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Já perdi eleições, é óbvio. Felizmente, em número menor que o das vitórias.E, depois, há derrotas e derrotas.Quem ganharia a eleição presidencial com o dr. Ulysses? Era uma can-

didatura derrotada a priori. Em outra ocasião, um candidato encontrouuma polarização indestrutível, tudo o que tentamos foi inútil e ele ficou pa-tinando no terceiro lugar, num labirinto sem saída. Houve casos de errospolíticos que, em meia hora, destruíram trabalhos de marketing construí-dos lentamente durante meses. Também trombei, algumas vezes, com a in-consciência e o despreparo do político brasileiro, em geral habituado ao im-proviso e ao imediatismo.

Decepção mesmo, a única grande vem do fato de ter perdido as duaseleições completas que disputei na cidade de São Paulo, trabalhando paraJoão Leiva e para Aloysio Nunes Ferreira, dois ótimos candidatos, que en-frentaram momentos eleitorais adversos. Também com Francisco Rossihouve a frustração por não poder mostrar uma excepcional campanha, to-talmente criada e amadurecida. O fato é que, assim como nunca perdieleição no Estado de São Paulo, nunca ganhei na capital.

Guardo comigo, todavia, um solitário consolo: jamais perdi por montarcampanhas equivocadas, jamais perdi por cometer erros estratégicos fatais.

Dessas derrotas, talvez até mais do que das vitórias, colhi grandes lições.Não só das que sofri (e a expressão representa com grande propriedade osentimento que fica) mas também das que vi acontecer, em geral motiva-das por erros estratégicos. É desse aprendizado que vou falar aqui.

eiva, 1988.O quadro inicial mostrava a candidatura sempre favorita de Paulo Ma-

luf pelo PDS, liderando com cerca de 40% de intenção de votos. De ou-tro lado, o PT, com a quase desconhecida Luiza Erundina apostando na ca-pacidade de mobilização do partido, sempre muito forte na capital.

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Imprensado no meio, o PMDB do governador Orestes Quércia, coligadocom o PFL para lançar o engenheiro João Leiva, ex-secretário de Obras doEstado. E, de contrapeso, os dissidentes que acabavam de montar o PSDBvinham com José Serra. Uma parada duríssima para nós.

Todavia, a pesquisa encomendada para detectar as expectativas da popu-lação mostrava que tudo naquele momento girava em torno de questões téc-nicas e administrativas: melhoria de transportes, abastecimento, casa pró-pria. Mais água, mais esgoto, mais luz. Conservação da cidade, para estancarsua deterioração. Abertura de frentes de trabalho para criar empregos.

Um prato cheio para um engenheiro, grande conhecedor da cidade edos seus problemas. O talhe da vestimenta era óbvio e entrava como luvano corpo do candidato.

Criamos para ele, como símbolo, uma pá de pedreiro sobre uma paredeem construção, com o nome de Leiva escrito em puro concreto aparente. Eum slogan que soava com absoluto sentido aos ouvidos e atendia a todas ascarências dos cidadãos paulistanos:

MÃOS À OBRA!

Leiva foi para a televisão, nos programas do horário gratuito, mostran-do a sua indiscutível capacidade de apresentar soluções rápidas e convin-centes para todos aqueles problemas. A cidade foi esquadrinhada na estra-tégia de dar soluções particularizadas num segmento chamado “NossoBairro”. Empunhava um teodolito, manejava-o com competência, mos-trava que sabia fazer o que precisava ser feito. Nada forçado, pois ele tinhaum total domínio daquilo que falava e fazia. Total segurança de quem co-nhecia aquela cidade, a partir do centro e das suas avenidas até os seusmais remotos desvãos.

Era o engenheiro, no seu hábitat. Só podia dar certo. E deu. Com um mêsde campanha Leiva avançou nas pesquisas de zero até um empate técnicocom Maluf que, dos 40% iniciais, caíra para cerca de 25%. Erundina, comuma campanha simples e limpa, estagnada naquilo que se convencionou cha-mar “os votos cativos do PT” – por volta dos 12%. E o tucano Serra que nãoconseguia alçar seu vôo além de 7%.

A revista IstoÉ de 26 de outubro (a 3 semanas da eleição) destacou “Aatropelada de Leiva”:

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Só um candidato pode tirar a vitória do PMDB: o ex-favorito e ho-je alvoroçado Maluf. (...) A conjunção favorável que uniu uma campa-nha inteligente de televisão – unanimemente considerada a melhor detodos os partidos –, e de um político que não é propriamente um políti-co, começa a explicar a rápida e fulminante mudança no quadro elei-toral de São Paulo. Da TV para cá, Leiva sobe e Maluf desce.

O espetacular crescimento veio um pouco cedo demais, já que é impos-sível controlar e direcionar esses movimentos da população. A personalida-de política de Leiva era frágil, ainda estava em construção. Perigo: haviamuito tempo para o contra-ataque dos adversários.

O apoio firme que vinha de Quércia (na época portador de uma boaaceitação popular graças ao trabalho desenvolvido no governo do Estado)foi inibido com uma decisão do TRE, entendendo que o governador es-tava fazendo propaganda da sua administração e de si mesmo.

Aparentemente alijado da disputa, o PT partiu para a utilização de mé-todos, digamos, menos ortodoxos. Uma greve dos funcionários da Cia. doMetrô implantou o caos e paralisou a cidade por vários dias. Não havia ne-gociação que fizesse os metroviários voltarem ao trabalho.

Mas não foi só isso. Os professores também entraram em greve e, empasseata, ameçavam chegar ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governodo Estado – que “apoiava” Leiva. A polícia não poderia deixar, claro. Nogoverno Montoro tinha havido a invasão dos jardins do Palácio, com asgrades arrebentadas pelos funcionários em fúria. O episódio acabou mar-cando o governador, não porque ele tenha tido uma atitude democrática,ao não reprimir a manifestação. Para alguns críticos houve uma falta de ati-tude, de energia, e até uma certa complacência com a bagunça.

Agora, perante a ameaça da repetição da cena, formou-se uma tropa depoliciais montados para impedir que a passeata desrespeitasse a sede do go-verno. Não houve como evitar o confronto, devidamente documentadopelas bem-posicionadas câmeras de gravação do PT.

À noite, a família paulistana teve que engolir, junto com o jantar, asimagens de professores espancados, responsabilizando o grande culpadopor toda aquela situação. Quem? O engenheiro Leiva, é claro.

Close de um rosto ensangüentado. Barulho de cavalaria atacando. Edi-ção perfeita, com os cavalos indo pra cima de indefesas professorinhas.Imagens e sons dramáticos:

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– Olha aí, Leiva, o que vocês estão fazendo conosco, pobres profes-sores que só queremos aumento de salário!

– Leiva assassino!

Adiantava tentar provar que agitadores, estranhos à classe dos profes-sores, tinham provocado e instigado os cavalos? Adiantava mostrar que atébolinhas de gude tinham sido jogadas no asfalto para fazer os animais es-corregarem? Adiantava tentar explicar que, em vista da extrema tensão quehouvera no local, até que o saldo de três ou quatro feridos leves não eratão grave?

Até que se tentou, mas pouco adiantava.O fato crucial era que, naquele momento, a campanha em geral tomava

um novo rumo, completamente diferente do anterior.Numa reunião que atravessou a madrugada, Leiva juntou seus princi-

pais colaboradores e assessores, inclusive alguns secretários de Estado, paraanalisarem a situação. Havia que decidir entre duas posições que indicavamcontinuidades diametralmente opostas.

A equipe de marketing e propaganda que eu comandava queria que ocandidato tirasse o macacão de obreiro/engenheiro, jogasse fora o teodoli-to, vestisse uma armadura de guerreiro e empunhasse uma espada; teria queir para os trilhos do metrô puxar trem na unha, para a frente do Palácio pa-rar agitador no peito e na raça.

Carlos Matheus, do Gallup, trazia uma pesquisa qualitativa mostrandoque a campanha estava certa e estava indo muito bem, obrigado; era umatemeridade mudar radicalmente, descaracterizando o candidato que estavasubindo porque agradava os eleitores, dando a eles as soluções para os pro-blemas que tanto os afligiam.

A pesquisa era corretíssima. E além do mais era corroborada por umaquantitativa do DataFolha, que virou título de página do jornal em 14 deoutubro: “Propaganda de Leiva na TV é a favorita do público”. Era consi-derada a “melhor propaganda” com muito destaque: 51% do entrevistados,contra 11% de Maluf, 6% de Serra e 5% de Erundina.

Só que as consultas populares mostravam uma radiografia do que estavaacontecendo somente naquele momento. A ousadia seria acreditar nas pro-váveis alterações que o quadro sofreria num futuro imediato.

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No final, a difícil decisão pendeu para a segunda hipótese. E tenho quereconhecer que era muito difícil não fazer isso. Naquela encruzilhada terrí-vel, como mexer, em sã consciência, num time que está ganhando e, aindapor cima, jogando bem?

Por outro lado, também devo admitir que a roupa de guerreiro não eratotalmente compatível com o perfil do candidato. Como então vesti-la semque a manga ficasse comprida de um lado, sem que o colarinho parecessedesproporcionado? Teríamos que fazer alterações que poderiam acabar des-caracterizando-a, para compor uma figura quixotesca.

O meu arrojo de propor que a campanha desse uma guinada de 180 grausera pura temeridade. Além do mais, naquela época não tínhamos condições deapontar direções com estudos científicos e, portanto, com margens de errosmuito pequenas, conforme conseguimos fazer alguns anos depois.

O que se viu foi que, a partir dali, Leiva começou a cair nas pesquisas,foi ultrapassado por Erundina que, nos últimos três dias, também ultra-passou Maluf e ganhou por pequena diferença.

Curiosidade: em toda a primeira parte da campanha – aqueles alegresdias de crescimento – o nome de Leiva, no logotipo feito em computaçãográfica, vinha escrito na descendente, de cima para baixo, “descendo omorro” – disseram na ocasião. Numa inclinação de 20 graus, o “L” ficavamais alto que o “A”, todo o nome escrito como se as letras tivessem sidoconstruídas com tijolos.

Dessa forma dava azar, afirmavam. Comecei a receber apelos para mu-dar o sentido do nome, escrevendo-o de baixo para cima, na ascendente.Assim daria sorte. As solicitações se tornaram intensas e culminaram coma visita da esposa do candidato, acompanhada da esposa do governador:

– Por favor, coloque o nome do Leiva para cima.

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Erundina 36,8%*

Maluf 30,1%

Leiva 17,4%

Serra 6,8%* Números oficiais do TRE.

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Quer saber de uma coisa – pensei – não é isso que vai resolver a questão,isso não é importante. Inverti o eixo do nome de uma forma que o telespec-tador normal nem percebeu: mesmo cenário, mesma tipologia, mesmosgrafismos. Resultado: enquanto o nome esteve escrito “para baixo” a candi-datura só andou para cima. A inversão foi completa: nome para cima, in-tenção de voto para baixo.

Foi uma demonstração de que muitas vezes as pessoas se preocupamcom o acessório, deixando de lado o principal. Não foi por isso que Leivacaiu. Caiu pelas contingências da eleição. Entretanto, seja na mudança derumo estratégico, seja na simples mudança de sentido no nome, há umapergunta que sempre fica: da outra forma teria sido melhor? Ou teria si-do ainda pior?

Mas ficou também uma afirmação inexorável: a televisão, pormais bem feita que seja, não é capaz de ganhar sozinha. Eleição se de-cide com a conjunção de um grande número de fatores. Um deles, atelevisão.

loysio, 1992.Na eleição municipal seguinte, em São Paulo, o governador era

Fleury, já meio às turras com Quércia. Mesmo enfraquecido e apesar denão ter nenhum nome de grande destaque, o PMDB optou por ter can-didato próprio, quase como obrigação do partido que estava no gover-no estadual.

O ex-deputado e então vice-governador Aloysio Nunes FerreiraFilho foi convocado para o “sacrifício” numa eleição que começavaabsolutamente polarizada. De um lado, Paulo Maluf, mais uma vezcandidato, tudo indicando que, depois de várias tentativas, sua horatinha chegado.

Do outro, Eduardo Suplicy pelo sempre ativo PT, que terminava a pri-meira experiência no governo municipal, com Luiza Erundina. Não tinhasido uma administração inesquecível, mas também não era totalmente re-jeitada pela população. E a máquina da Prefeitura sempre seria uma ajudaconsiderável.

Essa polarização era evidente em todas as pesquisas, como esta do Data-Folha publicada em 3 de maio:

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Havia também a possibilidade do dono do SBT, Silvio Santos, se viabi-lizar candidato pelo PFL. Ele chegou até a aparecer na televisão, anuncian-do a candidatura. Como era apenas uma tentativa, pedi um estudo quali-tativo sobre a migração dos votos dele, caso a candidatura não vingasse. Aconclusão foi que eles se dividiriam em partes praticamente iguais entre osdois primeiros, nada sobrando para os outros.

O que essa pesquisa também mostrava era um completo desconheci-mento sobre a figura pública do nosso candidato. Não era para menos: ti-nha feito a carreira como deputado estadual em São José do Rio Preto, seelegendo duas vezes, tendo transferido o título para ser candidato a prefeitoda capital. Tinha sido secretário dos Transportes por pouco tempo e era vi-ce-governador, sempre atuando mais nos bastidores do que sob a luz dos ho-lofotes. Bom sujeito, lutador, inteligente, cara e passado limpos. Mas semuma atuação marcante, que pudesse lhe dar um diferencial.

Pelo menos uma imagem virgem tem a vantagem de não ter grandes re-jeições a serem corrigidas. E pode até ser um fato positivo, quando há con-dições de se estruturar e desenvolver a personalidade política, com foco es-pecífico no momento eleitoral. Se a população estiver ansiosa por algonovo, vira um candidato competitivo.

Não era o caso. O foco da atenção popular estava claramente dividido:seriedade e honestidade do Suplicy X competência e experiência adminis-trativa do Maluf. E com nítida vantagem para este último.

Para tentar furar o bloqueio tivemos como estratégia mostrar que Aloy-sio reunia os dois atributos, e sintetizamos no slogan:

SÃO PAULO MELHOR

Junto, um chamamento, quase grito de guerra, indicava o condutorda proposta:

ALÔ, ALÔ, ALOYSIO!

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Maluf 36%

Suplicy 25%

Silvio Santos 18%

Ferreira Neto 3%

Aloysio 2%

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Para desgrudá-lo de Quércia, que já vinha sendo alvo de uma série deacusações, e também de Fleury, que fazia um governo sem brilho, resolve-mos ressaltar a história de vida de Aloysio, desde sua luta como líder estu-dantil até o exílio de onze anos na França, onde morou e trabalhou.

Quando disseram que esse período tinha sido uma espécie de viagemturística, docemente aproveitado às margens do Sena, fui com ele gravarno subúrbio de Paris onde tinha vivido, numa casinha bem despojada.Estávamos lá, fazendo imagens num fim de tarde, quando chegou o mo-rador da casa ao lado, pura coincidência. Estacionou seu veículo na rua,um enorme caminhão de entrega de carne, e pulou da boléia com natu-ralidade, fazendo festa para o vizinho sumido. Nem se tivesse ensaiadosairia tão bom.

Também havia um competente programa de governo. Porém, o mais im-portante é que Aloysio se revelou um hábil contador de histórias, o típico su-jeito bom de papo.

Tinha tudo para crescer nas estatísticas de intenção de voto – e até cres-ceu um pouco – mas não empolgou. Aliás, ninguém conseguiu empolgarninguém, a não ser os “caras-pintadas” que, na mesma época, estavam pelasruas gritando “Fora Collor!”.

Até isso serviu para desviar a atenção daquela eleição: o processo decassação do ex-presidente estava no auge da discussão no Congresso,só se falava disso. Collor acabou saindo da presidência a menos deuma semana da votação. Como ninguém estava atento a qualquer ou-tro fato, nem Maluf, que tinha todas as ligações possíveis com os “col-loridos”, Aloysio também foi atingido por respingos daquele lodaçalrevolvido.

Os mais importantes diretores de instituto de pesquisa já tinhamprevisto o desinteresse que aquela eleição suscitava. Augusto Montene-gro, do Ibope, disse que esse fenômeno provocaria uma forte abstenção,que poderia até atingir 50%. Marcos Coimbra, do Vox Populi, tambémconcordava:

– Tudo indica que serão eleições caracterizadas pelo desânimo epela pouca participação dos cidadãos.

Ambos estavam certos e não havia muito a fazer.

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Já nos últimos dias da campanha fui procurado por um técnico de sommineiro que pretendia vender uma fita de áudio com a gravação de Malufdizendo o famoso “estupra, mas não mata” ao público de um auditório emBelo Horizonte.

Mandei fazer um estudo fonológico para identificar se a voz e a gra-vação eram autênticas. Eram. Tudo aquilo que, diziam, alguém teria ou-vido, mas ninguém sabia precisar as palavras com exatidão, tudo aquiloestava gravado ali, com limpidez cristalina. Valia, sem dúvida, os cincomil dólares pedidos.

Pedi que o candidato viesse com urgência para o estúdio:

– Tenho nas mãos uma bomba!

Propus colocar o material imediatamente no ar. Afinal, só tínhamosmais dois dias de programas de rádio e TV. Aloysio ouviu, ouviu várias ve-zes, atentamente. Fechou-se no seu “camarim” por quase uma hora, até to-mar a decisão, de certa forma surpreendente:

– Não vamos usar esse material por três razões: não é ético usaruma frase pinçada de um contexto; não quero conspurcar acampanha limpa que fizemos até agora; e, por último, nem acre-dito que dê tempo de surtir algum efeito.

Realmente, ouvindo-se a fita* ficava claro que Maluf não fazia a apo-logia do estupro, de maneira chula, intencional. Pelo contrário, perce-bia-se que ele tinha dito a frase como uma preocupação com a violênciaque ia tomando conta das cidades, num ato falho verbal que muitas ve-zes acontece quando se fala de improviso. A rigor, não dava para imagi-nar que o candidato realmente defendesse aquilo que ele tinha dito, daboca pra fora. O sentido era mais contra a violência, que levava à mor-te, do que a favor da violência usada por alguém, para saciar seus instin-tos carnais.

Guardei a fita e a eleição veio confirmar o bloqueio intransponível quebeneficiou os dois líderes na intenção de voto: nada de novo aconteceu na

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* A fita completa com a fala de Paulo Maluf foi doada à Unicamp – Arquivo Edgard Leuenroth.

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campanha, tudo terminou exatamente da mesma forma que começou.Aloysio cresceu, mas foi insuficiente para alcançar os dois que disputariamo 2º turno:

Dois dias depois Aloysio me ligou perguntando se eu não cederia a gra-vação do “estupra mas não mata” para a campanha de Suplicy, a quem elepretendia ajudar. Concordei e encaminhei uma cópia aos petistas.

A pesquisadora Fátima Pacheco Jordão foi encarregada por eles de des-cobrir se o tema era relevante, se aquelas palavras tinham força para mexercom a população. Vários grupos de qualitativa depois, concluiu-se que,agora sim, era uma verdadeira bomba, que deixava os eleitores estarrecidos.As mulheres, principalmente.

Passado aquele 1º turno desinteressante, afastado Collor e seus ami-gos, a população descobriu, enfim, que precisava eleger seu prefeito. Eque não se sentia nada confortável elegendo alguém que pensava daque-la forma, pois tinha dito aquela frase, que eu sabia pinçada – dane-se ocontexto e a ética.

O fato é que toda a campanha de Suplicy foi armada com base na fita,que seria exibida à exaustão no rádio, na TV e em transcrições. Líderes fe-ministas reagindo, mulheres chorando, mães preocupadas com a filhas... umfilme de terror, apresentado já no primeiro programa do 2º turno.

Os malufistas também tinham pesquisas e devem ter percebido operigo, pois jogaram toda a sua força jurídica e política para que a fitafosse proibida, o que acabou acontecendo dois dias depois. Suplicyperdeu o mote e Maluf navegou tranqüilo para a vitória desenhadadesde o início.

Na ocasião comentei jocosamente o fato de que a “ética” do Aloysioera diferente da “ética” petista, lembrando também da permanente dis-cussão em torno do caso Miriam Cordeiro. Novamente se confirmavaque, em política, a ética trata do juízo dos valores morais que interessamno momento.

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Maluf 48,8%*

Suplicy 30,6%

Aloysio 12,9%* Números oficiais do TRE.

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ossi, 96, 98 e 2000.Foram três eleições, três tentativas e/ou convites para que eu fizesse cam-

panhas de Francisco Rossi, ex-prefeito de Osasco, cidade da Grande SãoPaulo e candidato permanente à prefeitura e ao governo do Estado. Foramtrês desencontros, em que acabei não assumindo o trabalho, e três derrotasdo candidato que sempre começava a temporada eleitoral liderando as pes-quisas de intenção de voto.

No primeiro semestre de 96 fui procurado por um grupo de empresáriosque encomendou um parecer sobre a sucessão municipal em São Paulo. Ma-luf iria terminar seu mandato com grande aprovação popular mas, comoainda não havia reeleição, o quadro sucessório estava completamente inde-finido. Fiz toda a análise em duas páginas e, nas conclusões, escrevi:

... Seja quem for o candidato apoiado pelo malufismo (Lair, Pitta, ou qual-quer outro) será um competidor muito forte. O PSDB só deve decidir em cimado laço – acho que virão de Serra – e vão disputar o páreo com rédea solta: temna mão o governo federal, o estadual e, por cima de tudo, a cabeça pensante eagente de Sérgio Motta, o que não é pouco, conforme expliquei acima.

O PT será sempre forte aqui na capital, mesmo com a provável candida-tura de Erundina, que não é a melhor opção neste momento.

O Rossi lidera em todas as pesquisas, é um candidato popularmente for-te, mas corre o risco de sua candidatura se esvair ao primeiro tiro dessa guer-ra imprevisível.

Conclusão final: o candidato de Maluf deve estar no 2º turno, forme-sea dupla com um dos outros três. Se tiver que apostar hoje, é melhor tirar a sor-te nos dados.

Não deu outra. Dois meses depois o PT confirmava Erundina, Pitta erainventado no laboratório malufista e o PSDB lançou Serra com grande es-tardalhaço, pois parecia candidatura a presidente. O PMDB, sem muitasopções, tentava repetir a candidatura do engenheiro João Leiva.

Rossi ainda liderava as pesquisas.Talvez pelo meu exercício de adivinhação ter dado certo, o porta-voz dos

empresários voltou a me procurar, e não era para comprar um novo parecer.Havia uma proposta objetiva:

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– Você aceita dirigir a campanha do Rossi?

Aceitei em princípio, dependendo de todos os acertos que deveriam serfeitos. Era um candidato competitivo, experiente, na prefeitura de Osascofôra aprovado em duas administrações. Ex-deputado federal com grande vo-tação. Candidato a governador na eleição anterior, tinha tido um desempe-nho razoável, chegando a disputar o 2º turno com Mário Covas. Agora semostrava um político de muita penetração exatamente nas classes mais po-bres, que é onde se ganharia uma eleição como aquela.

Para mim tinha um sabor especial: era minha única chance de traba-lhar naquela eleição na capital de São Paulo, já que os demais candidatostinham estruturas de marketing próprias.

Acertamos todos os detalhes para a contratação da minha equipe e fiqueiesperando apenas a formalização junto ao candidato, para dar início aos tra-balhos, oficialmente. Extraoficialmente, o simples ok dos empresários era asenha de que tudo estava certo. Minha cabeça começou a funcionar e fuimontando a campanha, mentalmente.

Acabei encontrando uma linha estratégica muito interessante, a partir daconstatação que todos os candidatos podiam ser caracterizados como sim-ples “bonecos”, devendo obediência a pessoas e/ou entidades:

– Pitta é Maluf;

– Erundina é PT;

– Leiva é Quércia;

– Serra é governo – estadual e federal.

Em síntese: paus mandados, rabos presos, farinhas do mesmo saco. Só Ros-si podia apresentar uma personalidade própria, guarnecida por um conjunto dequalificativos específicos dele. Nem o fato dele ser candidato pelo PDT poderialhe trazer a influência de Brizola, já que, em São Paulo, não existe brizolismo.

Em seguida, num exercício de imitação ao casal de bonecos criados pelaartista Kim Casali, na série “Amar é...” criei outra série onde cabiam todasas qualidades do candidato.

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Rossi é ... honesto, sério, trabalhador, competente, preparado, dinâmico, correto, empreendedor, administrador, experiente...

Era o encaminhamento para chegar ao slogan, que tinha algo de extra-vagante, de diferente, mas de muito apropriado para aquele momentoeleitoral:

ROSSI É ROSSIO prefeito certo!

Enquanto o encontro com Rossi não acontecia, cheguei a montar filmes-pilotos, nos quais troquei o nome do ex-prefeito pelo de Leiva, para que nin-guém da equipe desconfiasse das minhas verdadeiras intenções. Eu preten-dia soltar essa campanha como uma surpreendente bomba, que pegariatodos os adversários desprevenidos.

Com os empresários pressionando por uma decisão, Rossi finalmentemarcou uma conversa na sede da campanha, uma casa junto ao Parque doIbirapuera.

Olhando pela janela, o candidato falava ao telefone sem parar, mal mecumprimentou. Na sala não havia a televisão que eu pedira, pois, se a con-tratação se confirmasse, eu pretendia já mostrar a fita de vídeo com a cam-panha já alinhavada.

Depois de mais um telefonema para o pastor Não-Sei-Quem, Rossisentou-se à cabeceira. O empresário que estava na minha frente fez as apre-sentações, confirmando que estava tudo acertado comigo, mas foi inter-rompido pelo candidato que, segurando meu braço, falou:

– Olha, tenho todo o respeito pelo seu trabalho, mas também tenhoque ser franco: não acredito em marketing político! Anote o quevou lhe dizer, pois Deus sabe que estou certo: ganharei no 1º tur-no, passando como um trator por cima dessa gente.

Só tinha mesmo que anotar, pois fiquei mudo. O empresário ainda tentouargumentar, mas Rossi se despediu de mim e pediu que ele aguardasse. Guar-dei o filme na pasta e saí. Era um belíssimo entardecer de primavera. Atraves-

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sei a rua e fui andando pelas alamedas do parque, frustrado e triste por ver per-der-se a oportunidade de exibir uma das mais belas campanhas que criei.

Tempos depois soube que os empresários receberam a proposta de apli-car o dinheiro, que gastariam com a minha equipe, no aluguel de um he-licóptero para as movimentações do candidato.

Acabei ocupando meu tempo em outras campanhas mas, até por dever deofício, também acompanhei o que acontecia em São Paulo. Na sua primeirapeça de comunicação Rossi dizia que, se eleito prefeito, tinha uma grande me-ta a cumprir: em 100 dias tiraria todas as crianças das ruas de São Paulo. Fa-ria isso com a ajuda de Deus e, se não fizesse, renunciaria ao mandato.

Era muito erro para um anúncio só:

– priorizar um problema que, mesmo sendo grave, não é absoluta-mente essencial;

– Deus não é para ser misturado em coquetel eleitoral;

– renunciar por tão pouco?

Era um típico anúncio de quem não acredita em marketing político. E es-sa também deve ser a razão pela qual ele tinha começado a campanha lideran-do com 34% das intenções de voto e iria acabar em quarto lugar, com 11%.

* * *

Em 98, Rossi virou candidato favorito novamente, sempre pelo PDTe agora enfrentando adversários poderosos na disputa pelo governo doEstado: Covas tentando a reeleição, Maluf ainda sem o peso de Pitta, eMarta começando um forte processo de crescimento.

Rossi saiu na frente, mas foi perdendo terreno com uma campanha equi-vocada, ora agredindo gratuitamente outros candidatos, ora exagerando noapelo religioso, aproveitando-se da sua condição de líder evangélico.

É um grande erro achar que castas de qualquer tipo possam resolver elei-ções majoritárias. Resolvem, sim, eleições proporcionais com o seu voto decabresto, pregado nos púlpitos dos templos, ou nas reuniões de associaçõesde classe. E elegem deputados, vereadores e só. Numa campanha de gover-

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nador a questão tem que ser muito bem avaliada, pois a vantagem que vemde um lado pode se anular com a desvantagem que virá na outra ponta.

Tenho recomendado que esse tipo de apoio fique circunscrito ao âmbi-to do próprio grupo envolvido e não seja divulgado indiscriminadamente.

Enquanto os outros três cresciam e se estabilizavam, encontrando seusespaços, Rossi caía a cada nova pesquisa. Maluf acabou se consolidando nadianteira e a questão ficou saber quem disputaria com ele no 2º turno.

A dez dias da eleição fui procurado por Fernando Fantauzzi, advogadoe ex-delegado de polícia, que fazia a coordenação-geral da campanha deRossi. Ele estava insatisfeito com a propaganda do candidato, responsabi-lizando-a pela queda da intenção de voto, apesar do candidato ainda apa-recer em segundo lugar. Sua preocupação ficou ainda maior quando euafirmei, com segurança:

– Se nada for feito, seu candidato estará fora do 2º turno.

Como salvá-lo? Tratamento de choque: teríamos que reposicionartoda a campanha, montar uma estratégia final muito forte, alterar com-pletamente a comunicação. Tudo isso para consolidar uma intenção devoto muito fluida, passível de se movimentar para outros lados commuita facilidade.

Como as outras campanhas das quais eu participava estavam tranqüilas,tinha até tempo disponível para peitar o desafio. Minhas exigências eramnormais: assumir imediatamente, pois teria uma luta contra o tempo e tercarta branca para implementar as mudanças que achava necessárias.

Confiava tanto no sucesso da empreitada que aceitei receber a partemaior do meu cachê condicionada ao resultado eleitoral. Tinha certezaque um Rossi bem-administrado tinha tudo para passar pelo primeiroteste, indo para o 2º turno e terminar sendo o vitorioso final naquelaeleição.

Novamente só faltava a aprovação do candidato. No dia seguinte pelamanhã, Fantauzzi me telefonou desconsolado:

– Passei a noite toda tentando convencer o homem, mas ele estáabsolutamente certo de que vai ganhar e acha que uma mudan-ça agora vai desestabilizar a equipe.

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De fora, assisti o governador Covas ganhar a segunda vaga por pequenadiferença, com Marta Suplicy, em grande atropelada final, quase estragan-do a festa. Rossi ficou em quarto, numa previsível queda dos últimos dias.

No 2º turno Covas se reelegeu ajudado por uma campanha bem-arru-mada e também pelos erros que a campanha malufista cometeu seguida-mente. Um deles, anunciar com estardalhaço o apoio de Rossi que, no pri-meiro turno, havia sido um crítico ferino da moral do seu aliado de agora.É possível alguém pedir para o eleitor não votar em “ladrão” e, em segui-da, na mesma eleição, pedir votos para o acusado? É... Mas o eleitor temsabido dar o troco.

* * *

Um ano depois começam a se alinhar as forças para a eleição munici-pal de 2000. É uma nova possibilidade para Rossi ser candidato já que,mais uma vez, as pesquisas mostram que ele sai na frente.

Fernando Fantauzzi volta a me procurar, pois ficara impressionado coma confirmação total das previsões que viraram o desastre da eleição anterior.

– Desta vez vamos fazer tudo certinho. Topas?

Não tenho mágoas, muito menos ilusões. Sou profissional. Melhor éfazer essa pergunta para o candidato.

Segundo o coordenador, agora Rossi estava consciente de que tinha queprofissionalizar sua campanha. Faltava um ano para a eleição, o tempo cor-ria a nosso favor.

A primeira tarefa era definir um partido para abrigar a candidatura, poiso PDT tinha se tornado inviável depois do apoio pessoal a Maluf; Brizola nãoo perdoaria jamais. E não podia ser um partido nanico, sem prestígio e semtempo de TV. Eram duas as alternativas que estavam sendo trabalhadas: oPMDB e o PPB.

Mostrei que as duas possibilidades eram ruins. Os dois partidos tinham“donos” em São Paulo – Quércia e Maluf – e qualquer candidatura teria umapoio forte, mas também teria que carregar o peso das imagens negativasdesses políticos. A mistura disso com a imagem de Rossi podia originar onascimento de mais um “monstrengo político” de feições indefinidas.

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No caso do PPB era ainda pior, pois eu apostava que, apesar dosnegaceios, apesar do fator Pitta, era fatal que Maluf acabasse sendocandidato.

Lembrei de uma terceira alternativa: o PFL. A legenda, apesar da grandeforça nacional, nunca se firmara completamente em São Paulo. Nunca esti-vera diretamente no governo do Estado, ou em prefeituras importantes.Sempre atuava como linha auxiliar de alguém. Não tinha líderes de força ex-traordinária, mas também não tinha grandes rejeições. E, sabia-se, andavaprocurando formas para ampliar seu espaço.

Quando Fantauzzi me deu o sinal verde para trabalhar essa negocia-ção, faltavam só quatro dias para se encerrar o prazo de filiação partidá-ria. Peguei o primeiro vôo para Brasília, direto para o Senado, onde en-contrei com Fernando Barros, na ante-sala de Antônio Carlos Magalhães.Expus o plano no pouco tempo disponível que tínhamos, pois o publici-tário e marqueteiro iria viajar em seguida para Salvador, acompanhandoo presidente do Senado. Gostou muito da idéia e entrou, para falar como “chefe”.

Minutos depois saiu dizendo que ACM se interessou, em princípio, masqueria todos os detalhes. Estava atrasado, indo para o aeroporto, teria duashoras para conversar com ele, durante a viagem. À noite me ligaria para re-latar o ocorrido.

Foi o tempo de voltar para São Paulo e receber o entusiasmante relatode Fernando Barros: o poderoso cacique tinha abraçado o projeto, só pre-cisava do dia seguinte para fazer contatos com as lideranças paulistas doPFL. Ia conversar com todos, mostrar que o plano era viabilíssimo, con-vencê-los que tínhamos na mão a oportunidade de disputar a prefeitura dacapital com reais chances de vitória. Em 24 horas teríamos a resposta defi-nitiva, ainda dentro do prazo de filiação.

Telefonei para Fantauzzi, mas já era tarde da noite, o celular estavadesligado.

Dormi tranqüilo, mal imaginando que o pesadelo viria no café manhã.O naco de pão com manteiga enroscou na garganta com a notícia que ojornal estampava: “Rossi filiou-se ao partido de Maluf”.

Acordei Fernando Barros com a notícia, para que o esquema de consul-tas de ACM fosse desmobilizado. E pedi desculpas pela molecagem da qualparticipara, inadvertidamente.

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O candidato do PPB acabou sendo o próprio Maluf, é óbvio. E paraRossi só restou a pergunta que eu gostaria de fazer:

– O senhor já acredita em marketing político?

rruda, Bezerra, Hugo Napoleão – 1998.Três senadores, três candidaturas fracassadas, três momentos em que an-

tevi a tragédia e alertei os candidatos e suas equipes com muita veemência. O elo comum entre as três foi que, tendo consciência dos erros que se

cometiam, optei por abrir mão do trabalho. Não sou um simples execu-tor. Não posso trabalhar com uma candidatura quando discordo diame-tralmente de uma linha estratégica imposta pelo candidato e/ou pelo seuséquito. Prefiro ficar de fora, assistindo de camarote.

Pois jamais, em toda a minha vida profissional, assisti tamanha derro-cada de candidaturas que, a princípio, apresentavam total viabilidade.Não garanti – nem nunca posso garantir – a vitória de ninguém, mas dis-se a todos e com toda a clareza que poderiam disputar a eleição com chan-ces reais, desde que me deixassem montar a campanha com o profissiona-lismo que caracteriza os trabalhos em que me envolvo. Mas eles preferiramir por outros caminhos.

* * *

O senador José Roberto Arruda, então líder do governo FHC, tinhauma parada dura pela frente, é verdade. Enfrentaria a máquina do PT,envolvida na reeleição do governador Cristovam Buarque e, do outro la-do, o populismo do ex-governador Joaquim Roriz.

A princípio parecia uma polarização difícil de ser quebrada. Mas nãoera. Nossa pesquisa qualitativa inicial mostrava que ambos tinham fragili-dades. O resumo delas, na cabeça das pessoas, era que o atual governo ti-nha se preocupado com o social, esquecendo de tocar obras fundamentais;e o governo anterior tinha inchado a cidade e o seu entorno, doando lo-tes em excesso e facilitando a entrada de hordas de miseráveis, que vinham“poluir” a vida de primeiro mundo nos grandes espaços do Plano Piloto.

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Era nítido, também, que o provável choque entre as duas facções pos-sibilitaria o crescimento de uma terceira via. E Arruda já largava numaposição razoável, com cerca de 15% a 20% das intenções de voto, depen-dendo da pesquisa.

Montei o projeto da campanha, com a participação da Propeg. A agênciafoi minha sócia, durante um ano e meio, em projetos de marketing político,e tinha uma excelente estrutura de trabalho em Brasília.

A linha estratégica, composta com base nas pesquisas, iria apresentarum “candidato completo”: obreiro (já tinha sido secretário de Obras do go-verno, com boa atuação reconhecida) e, por outro lado, tinha um perfil detocador de obras sociais. Uma campanha de alto nível, propositiva, prepa-rando-se para a hora em que os outros dois inevitavelmente se engalfinha-riam. E a briga entre eles também seria alimentada por nós, com ações“guerrilheiras”, provocando ora um, ora outro.

Com o projeto (aparentemente) aprovado, reforçei a equipe com pro-fissionais de grande experiência e competência. Cila Schulman e eu ficá-vamos na supervisão-geral, ela responsável pela área operacional. Brasíliafuncionava como eixo nas nossas passagens, idas e vindas entre várias cam-panhas. Na minha ausência tudo andava perfeitamente nos trilhos, com asupervisão do diretor da Propeg local, Guilherme Sodré, tendo ainda delambuja o olhar atento de Fernando Barros para nos aconselhar.

Marcada a data dos primeiros testes de câmera, cheguei ao estúdio ondeseriam feitas as gravações, com o intuito de dirigi-las, acertar a imagem,compatibilizando-a com as falas. Isso feito, o diretor de TV e a diretora doprograma teriam um padrão para ser acompanhado daí para frente.

Surpresa: encontrei-me com Carlos Pedregal, que era para ser um consul-tor da campanha, transformado de repente em diretor-geral da programação.

Conhecia o sujeito desde a campanha do Fleury, em 90. Era um psi-cólogo espanhol que se auto-intitulava especializado em “movimentos damaioria silenciosa”: como trabalhar com os anseios e carências da popula-ção, como direcioná-los, como se aproveitar das suas nuances. Dizia-se ca-paz de produzir resultados inesperados e fora daquilo que entendemos co-mo “situações normais”. Por isso ganhara o apelido de “Bruxo”.

Contratei-o como consultor naquela ocasião, impressionado por umaidéia perigosa que ele apresentou a mim e que poderia ser muito proble-mática se apresentada e comprada pelos adversários.

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Ele apareceu com um ventilador de pilha e o colocou na minha fren-te, diante do símbolo da campanha de Fleury: um cata-vento montado apartir de mapas do estado de São Paulo. Ligou o ventilador:

– Este é Quércia.

O cata-vento rodou com força.

– Este é Fleury. Agora mira o que acontece quando Quércia pá-ra de funcionar.

O cata-vento parava, é claro. Apresentada daquela forma, a dependênciado candidato ficava muito evidente. Era uma parábola muito bem desenha-da. E muito perigosa naquela eleição tão disputada.

Contratei-o para que aquela composição infernal não fosse parar emmãos adversárias, porém logo descobri que, junto com uma idéia genial, eleparia dezenas e dezenas de outras que nada tinham a ver, ou que eram sim-plesmente ridículas, ou malucas.

Um exemplo: ele queria que eu colocasse no rádio e na TV um “bip”, umaespécie de apito sibilino, que soaria toda vez que se falasse no nome do candi-dato. No dia da eleição encheríamos o estado de São Paulo, junto aos locais devotação, com aquele mesmo ruído. Conclusão: as pessoas, cédula na mão, ou-vindo o “bip”, seriam impulsionadas inconscientemente a votar em Fleury. Eledizia que isso era “propaganda subliminar” e se intitulava especialista no tema.

Contaram-me que depois ele andou dando palpites na primeira eleiçãode FHC e agora se travestia de diretor do programa de Arruda, com a ir-restrita aprovação deste.

O candidato chegou para gravar, com a barba por fazer, uma recomendaçãodo “bruxo”. A camisa azul, que fora imaculadamente passada a ferro pela cama-reira, foi amassada com as mãos, ficando como se tivesse sido usada para dormir.

Toda a nossa equipe estava embasbacada, parecia brincadeira.Puxei Arruda de lado e lhe disse que estava tudo errado. Mas ele contra-

argumentou:

– O Pedregal quer que eu mostre uma imagem popular, pois écom o povo que ganharemos a eleição.

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Tentei argumentar que a premissa estava correta, com uma forma total-mente equivocada. Não fui atendido.

Mas o pior veio depois, quando me comunicaram que havia um sloganjá aprovado – “GOVERNO 24 HORAS”. E que a campanha seria desen-volvida em torno de um projeto de desenvolvimento agrícola, chamado“Terra da Gente”, uma espécie de reforma agrária do serrado, que assenta-ria 50 mil famílias em 200 agrovilas. Perguntei:

– Mas nós estamos em Brasília ou em Mato Grosso? Será que meenganei e desci do avião em Tocantins? Projeto de reforma agrá-ria... em Brasília?...

Resolvi escrever um documento mostrando as falhas gritantes que esta-vam sendo cometidas. Pedi uma reunião de emergência com Arruda e fuiaté a casa dele acompanhado por Guilherme Sodré e Cila Schulman. Li asduas folhas de papel, entreguei-lhe uma cópia e me propus discutir minhasponderações. Ele prometeu que as levaria em consideração, mas as folhasforam colocadas sobre uma mesinha de centro, junto a garrafas e coposd’água que estavam sendo usados.

Outros assuntos vieram à baila, no fim da noite minhas anotações es-tavam molhadas e simplesmente não foram discutidas. Ao sair, desabafeicom o Diretor da Propeg:

– Isso não vai dar certo e ainda serei responsabilizado pelofracasso.

Para resguardar minha integridade profissional, dias depois, ao chegar aSão Paulo, procurei um cartório para deixar registradas aquelas duas pági-nas. Este é o texto registrado em 24 de agosto, no 1º Oficial de Registro deTítulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, sob nº 2480971:

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMPANHAARRUDA-98 – GOVERNADOR

1. Não concordo com o slogan “GOVERNO 24 HORAS”. É aber-to demais, é frio, é demagógico, é de difícil entendimento. Para ser

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entendido precisa de uma explicação sobre a forma como vai fun-cionar. É um título correto para enunciar o programa de governodo candidato. Definitivamente, não me parece um bom slogan.

2. O projeto “TERRA DA GENTE” é um belo item do mesmo progra-ma de governo. Mas não tem fôlego para ser a grande âncora da cam-panha. Ele atinge e vai beneficiar um grupo reduzido de pessoas. Es-tá longe das demandas básicas dos brasilienses médios que, aliás, estãoindicadas nas pesquisas feitas recentemente pela própria campanha.Além do mais, diz a prudência, não se pode colocar todos os ovosnuma mesma cesta. Ainda mais numa cesta que não oferece ga-rantias reais de ter cerdas e amarração inquebráveis. Na minhaavaliação o tema não tem força suficiente para ser o fio condutorda campanha.

3. Também não posso concordar com a imagem que se tem dadoao candidato: roupa amassada, barba por fazer, voz estridente.O Arruda está passando algo de agressividade (que não é pró-pria dele) e muito de ansiedade, falsa segurança.Arruda que se vê nas primeiras gravações não é o Arruda da vi-da real, o Arruda que as pessoas conhecem. Está desempenhan-do uma personagem e, como não é ator, seu desempenho deixa adesejar. É verdade que as pessoas não querem um governador“mauricinho”. Mas duvido muito que queiram um “desarruma-do”. Além dos mais, ele é um senador, um líder do governo. Temque ter certa compostura, observar uma certa liturgia.E, além disso, na minha visão, o candidato tem que ser ele mes-mo. Aos marqueteiros compete tirar o melhor daquilo que ele é.Não acredito em invenções.

4. Fato semelhante acontece com o Augusto Carvalho, candidato aoSenado. É, nitidamente, pessoa de certa fragilidade, que não seveste bem no papel de “acusador”.

5. Muito desses desencontros se deve a uma certa desorganização eindefinição no comando executivo da campanha. Inicialmente,

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numa reunião na casa do candidato, foi dito a Cila e a mim, pe-lo próprio Arruda, que o sr. Pedregal seria um “consultor”. Nós se-ríamos os executivos, os tocadores.Na prática mostrou-se que ele seria, e acabou sendo, o responsável portoda a parte essencial da campanha: estratégia, imagem do candida-to, gravações e rumos gerais da campanha. Só que ele fica na sua re-sidência, as fitas são levadas para aprovação, acaba havendo umagrande descontinuidade, na medida em que o “chefe” verdadeiro nãochefia toda a operação, mas apenas algumas partes dela. Partes essasque temos tido que descobrir quais são. Há ainda a participação deFernando Lemos, nem sempre completamente entendida.A operação muitas vezes fica muito complicada: a criação não sabe bemo que criar porque não tem o briefing completo; a produção fica perdi-da; e a edição é atropelada, com necessidades e premências que surgem atodo momento. A bem da verdade, esses fatos foram atenuados nos últi-mos dias, mas também é verdade que a tensão ainda é muito grande.

Brasília, 18 de agosto de 1998.

Defini, em seguida, a minha saída e, em comum acordo com a Propeg,deixamos que a equipe de criação e produção continuasse trabalhando.Bons profissionais, mesmo contrariados, ficaram até o fim, na primeiracampanha de que se tem notícia dirigida por um “bruxo”.

Resultado das bruxarias:

Arruda terminou o 1º turno exatamente com a mesma intenção de vo-to com que começou. E no 2º turno Roriz ganhou com 3% de diferença.

* * *

O senador Carlos Bezerra era um ex-governador de Mato Grosso, decujas obras ninguém no Estado se lembrava. Foi um diagnóstico que fiz

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Cristovam Buarque 42,6%*

Joaquim Roriz 39,2%

José Roberto Arruda 17,8%* Números oficiais do TRE.

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quando, no início de 97, aceitei montar para ele uma estrutura de marke-ting político, tendo em vista a eleição estadual do ano seguinte.

Esse desconhecimento ficou mais evidente ainda quando fizemos umareunião com os seus antigos secretários e assessores, e cada um expôs sua vi-são. A ex-secretária de Educação, por exemplo, lembrou uma infinidade deobras e ações que tinham caído no esquecimento. Pior ainda: algumas ti-nham sido “reinauguradas” em governos subseqüentes. A razão?

– Tínhamos uma política de não fazer propaganda. Era intencionalnão gastar tempo e dinheiro divulgando...

Estava clara a razão. Animei-me com o projeto, pois começávamosquase dois anos antes. Finalmente via alguém que se preocupava em fazerum trabalho de fundo, e não simplesmente tentar recuperar o prejuízo nomomento eleitoral.

Montei uma pequena estrutura dirigida pelo publicitário João VicenteMiras*com três pessoas em Cuiabá, mais um jornalista junto ao gabinete,em Brasília, com dois objetivos bem-definidos para alicerçar a candidatura:

– montar uma memória, que não existia;

– consolidar a imagem do senador como homem público desdesempre atuante no processo de desenvolvimento estadual.

Ambos se transformariam em suportes para a ação puramente eleitoral,na hora aprazada.

O quadro estadual podia ser bem trabalhado, pois começava a apresentaraspectos muito favoráveis. O governador Dante de Oliveira fazia uma admi-nistração avaliada pela população como “deficiente” e, com poucos recursosque tinha, era improvável que conseguisse reverter esse quadro. Além disso, suaimagem como parlamentar era muito melhor do que como administrador.

O outro candidato era o também senador e ex-governador Júlio Campos,que liderava todas as pesquisas de intenção de voto. Mas já na primeira pes-

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* JOÃO VICENTE MIRAS nasceu em Jaú-SP, em 1962. É advogado e publicitário, especialista em Marketing Político.Dirigiu mais de 50 trabalhos de comunicação governamental (prefeituras de Campinas, Jaú, Santa Bárbarad’Oeste e Americana) e eleitoral nos Estados de São Paulo, Pernambuco e Mato Grosso.

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quisa qualitativa constatamos que essa intenção era muito frágil, fruto apenasde um grande conhecimento do político e da sua obra: ele, sim, tinha feitopropaganda adequadamente.

No final do ano de 1997 concluímos que os dois objetivos estavampraticamente cumpridos e encerramos a fase com o lançamento do livroMato Grosso, o futuro agora. Era uma coletânea de textos, discursos e idéiasde Carlos Bezerra, devidamente ordenados e copidescados, carregando notítulo uma mal-disfarçada intenção eleitoral.

Nas nossas pesquisas quantitativas também houve um belo crescimento,com a intenção de voto triplicando de 6 para 18%, já bem próxima do go-vernador, que ficava em torno dos 22%.

O Ibope, em pequisa de fevereiro de 98, confirmou o crescimento:

E assim ia o barco, se aproximando do porto eleitoral, quando sou con-vidado para um jantar em Brasília, dia 26 de junho, aniversário do sena-dor. No restaurante “Vecchia Cucina”, entre outros participantes, conhecipessoalmente o senador Júlio Campos, em apresentação feita com muitaênfase pelo próprio aniversariante. Ficamos conversando até que Campos,com ar maroto, me instigou:

– Você ainda vai acabar fazendo a minha campanha.

Respondi que a hipótese era viável... desde que Bezerra não fosse candi-dato, pois tinha um compromisso moral com ele, do qual não abria mão.

A brincadeira ficou latejando na minha cabeça, ouvi murmúrios sobre apossibilidade de negociação e fiquei tão apreensivo que acabei levando meustemores ao senador. Ele confirmou, confidenciando que não estava seguroem ser candidato, por isso cogitava a hipótese de levar seu partido, oPMDB, a apoiar a candidatura do PFL, colocando o vice e o candidato aoSenado na chapa.

Disse-lhe, com absoluta clareza e precisão, que aquela não me parecia umaboa composição. O partido tinha tudo para marchar com candidato próprio,

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Júlio Campos 38%

Dante de Oliveira 20%

Carlos Bezerra 14%

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tinha um bom candidato na agulha – ele próprio – que nada tinha a perder,pois tiraria licença do Senado e, caso fosse derrotado, poderia voltar para osquatro anos finais do mandato, tempo em que se prepararia com folga paraa eleição de 2002. Era para pensar e ele prometeu fazer isso.

Na convenção do partido, em Cuiabá, fiz uma palestra defendendo comveemência a candidatura própria, e a decisão parecia caminhar nesse senti-do, quando sou chamado para uma reunião a portas fechadas com Bezerra.A conclusão era ainda pior do que eu podia imaginar:

– Vamos fazer uma coligação: o Júlio para o Governo e eu para oSenado.

Mas como, se Bezerra era senador em exercício há quatro anos, portan-to, com mais quatro para cumprir?

Ele me explicou que era uma forma de terem uma chapa muito forte,avassaladora, para enfrentar a máquina do governo do Estado. Seria umachapa “imbatível”. Se somassem as intenções de voto, então, nem se fala...

De nada adiantaram minhas ponderações de que política e matemáticasão duas ciências diferentes, que não se misturam. Quando se juntam in-tenções de voto, também se juntam rejeições e o resultado pode ser sur-preendente. A transferência de votos – digo sempre – é um dos mais intrin-cados mistérios que o marketing político tenta, em geral sem sucesso,desvendar. Tentei ser dramático:

– Pense, como o povo verá a união de dois políticos que sempreforam inimigos radicais?

Respondi em seguida: como um lance de oportunismo eleitoral. Ficaráperplexo e poderá até achar que ambos estão com medo do governador. Efui mais longe:

– Temo que vocês tenham começado hoje o processo que os leva-rá a perder a eleição.

Não adiantou, o acerto estava sacramentado. Restou a Bezerra tentarum grande e sincero esforço para que eu fosse chamado para conduzir a

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campanha. Júlio Campos topou, desde que eu respondesse a um publici-tário local. Percebi logo que ele seria o verdadeiro comandante.

Nada contra os locais, pelo contrário. Tenho encontrado muita gentecompetente fora do eixo Rio-SP-Brasília-BH. Mas não posso obedecerordens de alguém, esteja onde estiver, que não tem estofo para isso e decujas opiniões eu discordo: tinha sido ele um dos artífices da estranhaunião que gerou um monstro eleitoral e resultaria na derrocada de doislíderes, de uma só vez.

A campanha de Júlio Campos, já pronta, era um modelo finalizado deincompetência, a começar do slogan – “Junto com você” – apropriado pa-ra qualquer candidato, a qualquer cargo, em qualquer lugar do País.

O símbolo ressuscitava um boneco esquemático, com bola no lugar dacabeça, e hastes como tronco e membros, usado por ele próprio oito anosantes, como se o mundo e o tempo tivessem parado nesse tempo.

Lamentei muito por conta da relação de carinho que construí com Bezer-ra, em todo o tempo que trabalhamos juntos.

Com a reeleição do governador Dante de Oliveira, levando também à vitóriao seu candidato ao Senado, ele terá pela frente um trabalho insano para recons-truir uma boa imagem política, abalada por uma péssima definição eleitoral.

Em vez de soma, Júlio Campos e ele conseguiram fazer uma grandiosasubtração.

* * *

O senador Hugo Napoleão era, no meu entender, um candidato muito difí-cil de ser derrotado na eleição estadual de 98, mesmo enfrentando o governadordo Piauí, candidato à reeleição. O Ibope, em julho, dava uma ampla margem:

Já conhecia o Estado, pois, quatro anos antes, tinha ajudado, com idéiase pessoas, na eleição do folclórico governador Francisco Mão Santa. Quatroanos depois, as nossas qualitativas apontavam mais firmemente para a possi-bilidade de consolidação do líder das pesquisas.

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Hugo Napoleão 49%

Mão Santa 29%

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Quando conheci o senador-candidato pessoalmente, convidado paracoordenar sua campanha, fiquei ainda mais certo disso. Tive excelente im-pressão pessoal dele, que me pareceu ter uma visão política de primeiromundo. (E não era por ter nascido nos Estados Unidos, simples contingên-cia para um filho de diplomata.) Um contraponto perfeito para o provincia-nismo em que o estado mergulhara.

Como o material humano disponível, que encontrei no local, era de qua-lidade discutível, levei toda a equipe de fora, com uma prevalência de publi-citários e jornalistas baianos com os quais já tinha trabalhado. Mais uma che-fe de redação ex-Globo e um diretor de fotografia consagrado na publicidade,em São Paulo. Posso garantir que era um time de primeiríssimo nível, capazde tocar qualquer campanha estadual, em qualquer local do Brasil.

A produtora estava sendo montada pela direção da campanha, com a moro-sidade típica da região, o que atrapalhava um tanto o andamento do processo.De qualquer forma, nossa equipe trabalhava, montando a linha estratégica ecriando as primeiras definições. As peças publicitárias que encontramos, feitasanteriormente, tratavam o candidato pelo seu nome completo. E ainda usavamo “o” do primeiro nome substituído por um coração, o símbolo da campanha.Ou seja, a leitura imediata era: HUG “AMA” NAPOLEÃO. Um horror.

Resolvemos abreviar, com a prevalência do nome HUGO, deixando oNapoleão escrito embaixo, com um tipo menor. E criamos um sloganmuito apropriado para o candidato. Testado nos grupos de qualitativa re-cebeu aprovação irrestrita:

PIAUÍ NO MEU CORAÇÃO

A operação era dirigida in loco por Guta (Maria Augusta Carvalho),uma profissional tarimbada, irmã do marqueteiro Geraldo Walter. Nas mi-nhas visitas semanais e nos telefonemas diários trocados com ela, percebiaque o trabalho vinha andando no tempo certo.

De repente, não mais que de repente, comecei a receber sintomas deque a esposa do candidato estava insatisfeita. Ela era uma mulher muitoautoritária, sem nenhum jogo de cintura para tratar com criativos “exila-dos” em Teresina. Cila Schulman, que participava de todo o trabalho,passou vários dias em Teresina, tentando pôr ordem na casa. Poucoadiantou. Tive que voar para lá, fazer reuniões com todos, da direção da

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campanha, candidato e esposa, aos meus subordinados diretos. Volteipensando ter acalmado a situação.

Mal cheguei de volta e Guta me comunica que a sra. Napoleão tinha exi-gido programas-piloto para o dia seguinte. Como atendê-la se nem o estú-dio tinha acabado de ser montado... por eles? Cila voltou ao Estado e eumesmo tentei resolver o problema em dois dias de dezenas de ligações tele-fônicas. Não deu certo. Finalmente fui avisado, por um preposto do casal,que havia uma exigência deles (era dela, na verdade) para que toda a equipefosse substituída.

Voei de volta e encontrei uma guerra armada. Também a minha equi-pe estava incompatibilizada, me esperando em assembléia geral no hotel.Conversei com os vinte componentes, muitos em particular, e percebique o problema grave realmente não se originara ali. Poderia ter havidouma ou outra falha da equipe, mas nada a ponto de comprometer. Poroutro lado, se não havia um clima favorável para continuar, também nãohavia uma disposição para parar, a doze dias da estréia da propaganda norádio e na TV. O profissionalismo falava mais alto. Com novo ânimo fuime encontrar com o candidato, mas ele estava irredutível numa propos-ta única:

– Ou você vem para cá dirigir pessoalmente a campanha, ou teráque trocar todos, pois concluímos que a equipe não tem condi-ções de nos atender.

Que juízo de valores tinha aquela gente para chegar a uma conclusãodessas? De minha parte, tinha certeza absoluta que era uma eleição paraser ganha sem maiores atropelos. Que irracionalidade era essa, capaz dedestruir tudo aquilo, colocando em risco até a própria candidatura?

A implicância partira da sra. Napoleão e era definitiva. Não havia argu-mento lógico que a fizesse mudar. Preferi sair – e toda a equipe veio junto– a me render a um capricho dessa ordem. Imaginem o que seria, no calorda campanha, agüentar imposições, ordens e implicâncias, no pior estilo docoronelismo matriarcal nordestino…

Só encontrei uma explicação meio arrevesada para tudo aquilo: já esta-va vencida uma segunda parcela do valor cobrado pelos serviços e eles nãotinham recursos para honrá-la – tanto que não o fizeram até hoje.

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Preferiram criar uma situação de conflito irreversível para, em seguida,contratarem uma equipe “barata”. Suficientemente barata a ponto de trans-formar uma provável vitória numa inevitável derrota. No 1º turno ainda deupara segurar:

Mas, no 2º turno, a derrota foi inevitável:

Soubemos depois que, quando o nosso trabalho foi irremediavelmenteabortado, houve festa entre os dirigentes da campanha de Mão Santa, tal-vez antevendo que a sua reeleição tinha ficado mais fácil.

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Hugo Napoleão 43,7%

Mão Santa 40,5%

Mão Santa 51%*

Hugo Napoleão 49%* Números oficiais do TRE.

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capítulo 10

A teoria que veio da prática:

ganha a eleição quem tem de ganhar

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No reinício da atividade eleitoral no País, logo após a ditadura, não sedava grande importância às técnicas de campanha. Era tudo empíri-

co, amadorístico. Um amigo cuidava da mobilização; a esposa, da propagan-da; o cunhado sociólogo, do programa de governo; um primo bancário fa-zia o caixa... e o candidato batia cabeça esperando por um milagre.

Este podia acontecer ou não, dependendo de fatores absolutamente forade controle: o impacto que o seu carisma natural causasse no eleitor, os errose a falta de carisma do adversário, o apoio daquele político mais importanteque nunca chegava, a ocorrência de um provável escândalo (aqueles chequessem fundo ou o filho natural lá dos cafundós).

Essa preocupação com a campanha só aparecia, para tapar buraco, nasvésperas da eleição – marketing eleitoral. Ninguém se preocupava comum trabalho mais aprofundado, de longo alcance, preparatório para a cam-panha propriamente dita – marketing político.

Enquanto isso, o eleitor também foi ficando mais exigente, muitomais sabido. Foi aprendendo a votar, a identificar candidatos e situações,a repudiar a propaganda enganosa. Seus parâmetros se fortaleceram ali-cerçados no extraordinário crescimento das comunicações ao alcance detodos.

Incorre em grave erro quem ainda considera que esse eleitor é um serpassivo, estúpido, capaz de aceitar qualquer coisa, engolir um sapo disfar-çado de coxinha de frango.

Na eleição de 90, entre o 1º e o 2º turnos, eu explicava a um jornalistado “Estadão” as imensas dificuldades que enfrentaríamos. Ele duvidava quefossem tão sérias assim e provocou:

– Você e a sua equipe são capazes de eleger um poste.

Não! Infelizmente não é assim. Uma boa campanha começa com umbom candidato. A pessoa certa, na hora certa.

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Em seguida, é preciso ter uma boa estrutura organizacional, contar comprofissionais competentes nas várias áreas de atuação. E, por fim, ter a capa-cidade de mostrar isso tudo nos eventos e na propaganda, principalmente norádio e na TV de modo a sensibilizar e convencer o eleitor que de forma ne-nhuma aceitaria um poste qualquer.

O eleitor não é bobo. Pode se enganar, como muitas vezes um ser hu-mano se engana, quando avalia outro. Porém, mesmo aquela pessoa declasse social mais baixa, mesmo a multidão de desinformados que existeno Brasil, todos vão cristalizando uma opinião a partir de sentimentos sin-gelos, que se condensam a partir de um gostar mais, achar simpático, irabrindo a guarda para receber e aceitar a mensagem.

Geralmente não sabem verbalizar essas sensações, não percebem clara-mente o que está acontecendo, não sabem sequer explicar suas opções.Mas terão dentro de si, inconscientemente, um inabalável sentimento de“gosto” ou de “não gosto” que, na hora apropriada, se transformará em vo-to. Para cá, ou para lá. Contra ou a favor, ou muito pelo contrário. Nessahora da verdade, na solidão diante da máquina de votação eletrônica,quem tiver feito por capitalizar essa percepção terá o reconhecimento. Evice-versa.

É aí que entra a extraordinária força da TV, com uma característicabásica: ela é uma potencializadora das emoções, dos predicados e dos de-feitos de quem aparece na tela. Quando nós estamos numa conversa comuma pessoa, ou com várias outras, a nossa visão periférica está funcionan-do em sua plenitude. Você não vê apenas o seu interlocutor, para quemestá olhando diretamente. Você também “vê” tudo o que acontece à suavolta, na periferia do seu olhar: a janela por onde entra um raio de sol, aplanta que se mexe com o vento, a porta que se abre etc. Tudo isso coma mesma iluminação difusa do ambiente e com uma mesma intensidade.

Quando você liga a televisão e se acendem os pontos luminosos que for-mam a imagem, cria-se um elemento com um fortíssimo foco de atração,a tal ponto que a visão periférica fica comprometida e tudo que aparece alidentro da telinha se ressalta enormemente.

A televisão aumenta: o que é bom fica ótimo. Mas, também, o que é ruimfica péssimo. Se a característica de quem está no vídeo for a de uma pessoa des-confiada, isso vai parecer uma superdesconfiança. Se for uma pessoa bondosa,vai aparecer uma bondade extraordinária.

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Por isso é que há pessoas (e candidatos) que passam melhor a sua mensa-gem. São comunicadores inatos, qualquer que seja a sua verdadeira ativida-de. A mensagem é rapidamente entendida e digerida pelos telespectadores.Há outros que têm dificuldade em criar essa ponte. Não é, simplesmente, ofato de se falar fácil e claro, ou de se falar rebuscado, com termos e expressõesde difícil entendimento. Estou me referindo ao poder de comunicação in-trínseco e específico de cada um.

Paulo Maluf levou anos para perder o ar de arrogância, de superiori-dade, que passava nos seus pronunciamentos. Parecia sempre estar falan-do para seres inferiores, repreendendo o comportamento deles. Um pou-co porque aprendeu, um pouco porque se esforçou para mudar, umpouco porque a população se acostumou com o seu jeito, a verdade é queo Maluf de hoje é diferente daquele prepotente, que perdeu cinco elei-ções seguidas.

Muita gente até hoje não entende a derrota de Fernando Henrique Car-doso para Jânio Quadros, na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 85.

Na época o prefeito que seria sucedido era Mário Covas, e eu prestavaserviços de assessoria em comunicação para a secretaria Municipal de Ha-bitação. A pedido do secretário Arnaldo Madeira, que vinha trabalhandointensamente para eleger FHC e estava preocupado com os rumos dacampanha, fiz uma análise da situação.

O jingle, o maravilhoso samba “Vai Passar”, com letra e música deChico Buarque, estava sendo usado inadequadamente. Enquanto a le-tra dizia “vai passar pela avenida um samba popular...” a imagem mos-trava um FHC anti-popular, autoritário, olhando de cima para baixo,marchando na avenida de peito empolado, com o povo só assistindo,de fora. Só faltavam as camisas pretas para parecer um verdadeiro des-file fascista. Pior: várias imagens do programa de TV mostravam o can-didato passando por populares sem se importar com eles, numa totalausência de calor humano.

Olhava para a câmera, não olhava para as pessoas. Muitas das suas falaseram herméticas, de difícil entendimento. E, para culminar, declarou quenão acreditava em Deus.

Podemos encontrar dezenas de razões para aquela derrota surpreendente.Mas, não tenho dúvida, grande parte delas vamos encontrar na atuação ne-gativa de FHC na TV, contraposta ao extremo carisma de Jânio Quadros –

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um grande comunicador – a bordo de uma campanha franciscana, humilde-mente sentado num cenário despojado.

O rádio atua de modo diferente, fala no ouvido das pessoas. Tem a sualinguagem própria, não se admite colocar nele o simples áudio tirado daTV, como muitas vezes se faz. Não é um canhão, pois não tem a força daimagem, mas é uma bela metralhadora de repetição. E numa guerra não sepode desprezar arma nenhuma...

Mas os comunicadores, por si só, também não são garantia de sucesso.Em Minas Gerais, na eleição de 94, o candidato Hélio Costa trazia para a po-lítica toda a sua experiência de uma carreira de sucesso como repórter na TVGlobo, culminando como apresentador do Fantástico. Era favoritíssimo, nãoganhou no 1º turno por meio ponto. E no 2º turno ainda enfrentou um po-lítico conhecido por uma certa timidez e introspecção – Eduardo Azeredo.

Ao pesquisar como a população estava vendo a propaganda eleitoral, oDataFolha encontrou uma avaliação de ótimo e bom com uma soma sur-preendentemente maior para Azeredo – 62% a 54% – antecipando o queseria o resultado final da eleição, com a confirmação da vitória do candi-dato tucano, uma das maiores surpresas daquele ano.

É assim que a população vem aprendendo a participar do processo de-mocrático. É assim que o voto de cabresto e o velho curral eleitoral cami-nham para a extinção. Claro que ainda há falhas e ruídos no processo. Naverdade, se por um lado ainda não temos uma situação ideal, por outrolado é inegável que andamos para a frente.

Não existe campanha bonita ou feia. Existe campanha eficiente. Ou não.Por todas essas razões, cuidar dos detalhes de uma campanha eleito-

ral é, cada vez mais, tarefa para profissionais. Cuidar da imagem de umpolítico, ou de um governo, é missão para especialistas.

Mas, afinal, quem é profisional, quem é especialista?A atividade é muito recente, no Brasil. Ainda não houve tempo para a

formação de quadros altamente especializados. Ainda há muitos curiosostentando se afirmar, encontrar um espaço. Ainda há muitos equívocos a se-rem dissipados, muitas contradições e incoerências a serem contestadas,muitos segredos a serem desvendados.

O ofício tem sido costumeiramente chamado de “marketing político”.Há profissionais que não gostam da expressão “marqueteiro”. Preferem serreconhecidos como “consultores políticos”. Não importa. A tentativa que

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faço aqui não é de um estudo etimológico, mas sim de me aprofundar naatividade em si. Nos erros, nos acertos e, principalmente, nas contribuiçõesacrescentadas ao processo político-eleitoral brasileiro.

Primeira constatação: o trabalho nada tem a ver com a publicidade tra-dicional – e aqui aparece um dos maiores equívocos existentes. Já vi publi-citários de certo renome afirmarem que “um candidato é um produto co-mo outro qualquer”. Ou seja: criar e produzir a campanha de propagandade um sabonete, um automóvel ou um serviço bancário seria semelhante acriar e produzir uma campanha eleitoral.

Discordo.Quando o consumidor (eleitor) vai ao supermercado e se vê diante de

uma gôndola cheia de ofertas, ele opta por um determinado produto porum impulso. São estímulos inconscientes, como o hábito de consumo, aindicação da vizinha, o comercial visto na novela da noite anterior etc.Da mesma forma, na próxima compra, ele pode mudar de marca para ex-perimentar, pode aceitar uma promoção, pode ser induzido por um ou-tro impulso.

Quando o eleitor (consumidor) vai à seção eleitoral e se vê diante da má-quina de votação, opta por um candidato por um mecanismo de conscien-tização ocorrido durante todo o processo da eleição. Sua escolha é fruto demuita meditação, de uma demorada alquimia cerebral. (É claro que estoume referindo ao eleitor comum, à maioria, e não ao aficionado que vota emqualquer um que seja indicado pelo seu partido ou pela sua igreja.)

Nessa viagem ele pode até mudar de um candidato para outro. Mas ja-mais com a instantaneidade com que se muda de um produto. Ele vai dei-xando de gostar de um político, acumulando o conhecimento de açõesque não lhe são gratas. Em seguida vai para uma espécie de limbo em que“ninguém presta, vou anular, vou votar em branco”. Para então começarum novo processo de aproximação com as idéias e a figura de outro can-didato. Desencadeia-se um novo processo de gostar, sem que ele tenha apercepção clara e consciente daquilo que está acontecendo. Em geral, é as-sim que acontece.

Dentro dessa linha de raciocínio tenho preferido os programas eleitoraisde rádio e TV que têm o JORNALISMO como ponto de apoio e de par-tida. Uma outra linha prefere ter esse ponto nos princípios da PROPA-GANDA. É que, no primeiro caso, fico com o pé mais fincado na realida-

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de, entrando, quando necessário, pelos veios da emoção e usando todos osrecursos que a televisão oferece.

É preciso compreender que os programas e comerciais do horário eleito-ral padecem cronicamente de uma certa falta de credibilidade. Se eu digo,num telejornal, que “esta ponte está com um defeito de construção e ameaçaruir”, o telespectador acredita por princípio e, no dia seguinte, duvido quepasse por cima dela. A mesma frase dita e a mesma imagem mostrada numprograma eleitoral são vistas com desconfiança.

Da mesma forma, num anúncio, num comercial de dentifrício, porexemplo: eu mostro uma boca infantil e digo que “esses dentes merecemmais cuidado”, com total credibilidade. A mesma afirmação num comercialde horário político provoca dúvida. O espectador pensa: não será apenas de-magogia e/ou oportunismo do candidato?

Para quebrar a desconfiança e a dúvida, tenho encontrado mais eficiên-cia nos caminhos que começam com o uso da razão, tendo as técnicas dojornalismo como instrumento-base.

Trabalhar com essas e tantas outras variáveis é uma ciência bem complexa.Engloba ferramentas da publicidade, é claro. Um pouco de técnicas teatrais,musicais, sensoriais. Uma pitada de show e de humor, por que não? Uma boadose de psicologia, certamente. Pesquisa, estatística e análise levadas às últimasconseqüências. Planejamento, método e organização. Tudo isso amarrado aum absoluto conhecimento e entendimento do ser humano – principalmen-te da imensa maioria silenciosa formada pela população mais pobre, em geralpessoas pouco letradas, despolitizadas. Suas carências e ansiedades, suas alegriase amarguras, suas vontades e seus sonhos. Sua alma.

Isso é tanto mais importante quando se entende esta premissa básica: omarketing político não faz milagres. Sabendo-se que uma boa campanha

começa com um bom candidato, é a partir dele e em torno dele que se de-senhará todo o complexo de ações.

Não há uma fórmula mágica para definir um bom candidato. Há, sim,um conjunto de fatores que podem compor essa figura:

– boa imagem política, capacidade de articulação;

– seriedade, honestidade e autoridade;

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– boa presença física;

– experiência, discurso consistente;

– bom programa de governo, respondendo aos anseios da população.

O mais importante é a síntese de todos esses fatores: a adequação docandidato ao momento político no qual a eleição está inserida e vai sedesenrolar.

Numa definição menos teórica, o bom candidato é aquele que orga-niza corretamente a sua campanha. Ouve todos, mas não dá importân-cia ao grupo de palpiteiros que sempre saberão fazer tudo melhor que osoutros. Monta uma boa equipe, acredita nela e deixa que esse grupo deprofissionais toque o trabalho. E, principalmente, vai cabalar votos, on-de quer que eles estejam. Minha recomendação é sempre a mesma:

– Lugar de candidato é na rua.

Essa postura serve, adicionalmente, para acalmar a pressão que existe emtoda a campanha. Se os números da pesquisa são altos, o nervosismo é por-que eles têm que ser mantidos assim. Se os números da pesquisa são bai-xos, a tensão é porque eles têm que crescer. E o candidato acaba sempre àbeira de um ataque de nervos. Fica ainda pior quando quer ver tudo, saberde tudo, fazer tudo. Atormenta a todos, pois ninguém consegue respondera pergunta silenciosa que paira no ar:

– Vai dar pra ganhar?

O ex-senador Lino de Mattos era um político de grande experiência.Veterano dos movimentos revolucionários de 24 e de 32, teve mais devinte anos de mandatos parlamentares, foi secretário da Educação do Es-tado, prefeito da capital de São Paulo e presidente do MDB paulista. Édele uma definição precisa sobre a incerteza (ou será a certeza?) do resul-tado eleitoral.

Nas eleições para o Senado, em 1974, ele era pré-candidato pelo partidoda oposição contra a poderosa Arena da ditadura militar, que já tinha como

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candidato o ex-governador Carvalho Pinto. A convenção que faria a escolhado candidato teria que optar entre ele, o ex-deputado Freitas Nobre e o ex-prefeito de Campinas, Orestes Quércia, que tinha feito um grande trabalhode filiação partidária e tinha o controle das bases do partido oposicionista.Por isso mesmo, a tendência era pela sua escolha.

Vendo que a sua indicação estava difícil, quase impossível, Lino pro-curou Quércia para fazer uma última tentativa de acordo. Ponderoucom ele que já era um político antigo, estava com 70 anos de idade e es-sa seria muito provavelmente a sua última chance. Quércia, ao contrá-rio, político jovem, promissor, tinha, com seus 36 anos, toda uma vidapela frente. Assim sendo, ele fazia um apelo para que o adversário desis-tisse da candidatura e esperasse uma nova chance que certamente virianas eleições futuras.

Como o acordo estava difícil, o velho senador ainda tentou mostrar quetinha mais nome, já era bem conhecido, certamente teria mais condições dederrotar o candidato adversário que aparecia com grande vantagem nas pes-quisas. Afinal, mais importante que tudo era a vitória emedebista.

Mas Quércia também acreditava nas suas possibilidades, explicou issoafirmando que não poderia renunciar, até em respeito aos companheirosque o apoiavam.

Lino de Mattos, na sua sabedoria de político experiente, conformou-se, mostrou que seu papel era tentar e por isso ele tinha tentado. Enviouuma carta ao partido renunciando à candidatura e dando total apoio aQuércia.

Dias depois, numa conversa de bastidores, reconheceu o direito doadversário:

– Vá em frente, Quércia, que você está certo. Não existe isso dealguém ter mais ou menos condições para derrotar um adversá-rio. ELEIÇÃO... GANHA QUEM TEM DE GANHAR!

Sábia definição: eleição é assim mesmo, concordo: “ganha quem temde ganhar”. Não, não é fatalismo, não. E também não é acomodação. Ga-nha uma eleição, assim como a perde, aquele que cria e desenvolve os fa-tores e as condições para isso. Condições ideais, que levam à vitória. Oucondições equivocadas, que conduzem à derrota.

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O grande problema é que muita gente só consegue descobrir quem ti-nha de ganhar quando a eleição já está ganha (ou perdida). O grande de-safio das campanhas políticas é descobrir isso antes, para poder criar emelhorar as condições que fazem com que a vitória aconteça.

Dentro da minha forma de trabalhar, tenho usado uma seqüência lógicapara a montagem e o desenvolvimento das campanhas:

1. DIAGNÓSTICO – É imprescindível conhecer profundamente aspersonagens, as armas e o terreno em que se desenvolverão as bata-lhas de cada guerra. Sempre que possível, o ideal é começar comuma pesquisa qualitativa que trace um retrato completo do mo-mento eleitoral:

– Como as pessoas estão vendo o encaminhar das suas vidas, naconvivência social?

– Como se situam diante da eleição?

– Quem são os participantes? Como eles são vistos? Quais suasqualidades e defeitos? Pontos fortes e vulnerabilidades?

– Quais são os anseios e demandas da população?

A pesquisa qualitativa aprofunda o estudo das sensações e dos sentimen-tos das pessoas. É como se observássemos um lago. Enquanto a quantitativanos diz o que se passa na superfície, neste momento, a qualitativa vai anali-sar o que está acontecendo no fundo. Ali pode estar começando a germinarum plancto que vai mudar toda a composição da água. Ali pode estar nas-cendo um movimento que vai mexer com a placidez do lago.

O importante não são os fatos em si (vistos pela quantitativa), mas aversão dos fatos (encontrada na qualitativa). Ou seja, a percepção, a formacomo eles são percebidos e entendidos pelas pessoas.

Sempre que faço uma análise dessas sinto-me um pouco como um mé-dico-cirurgião, examinando o paciente, antes da operação. Ouço os quei-xumes, apalpo, asculto, tiro a temperatura. Conheço os sintomas, pois já

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estive com dezenas de outros casos semelhantes na mesa de operação. Maspara fazer a incisão preciso de um exame aprofundado, um raio X, umatomografia. É bem assim que acontece quando se faz uma intervenção emuma campanha política.

É óbvio que o cirurgião-marqueteiro também precisa ter pulso firme esensibilidade, pois a pesquisa por si só não resolve todos os problemas. E suaimportância não pode ser maximizada, já que não adianta ter uma, por me-lhor que seja, nas mãos de quem não souber ler e interpretar. Muito menosadianta ter uma sem credibilidade. Neste caso é até melhor não ter, para nãoser induzido a cometer um erro que pode ser fatal.

Na eleição municipal de 96, em Campo Grande-MS, descobrimos atempo que o “inimigo” de André Pucinelli não era o candidato que lide-rava as pesquisas. Era aquele que estava em quarto lugar, mas que tinhatudo para crescer.

Com a análise das pesquisas, mais as conversas com o candidato e comsua equipe, mais o levantamento das ocorrências em eleições passadas, maisuma boa dose de bom senso e outra de perspicácia política e pronto. Estátraçado um diagnóstico bastante aprimorado, uma espécie de alicerce so-bre o qual edificaremos as colunas de sustentação da campanha.

2. PLANEJAMENTO – A campanha eleitoral moderna não pode serestringir a uma reunião de ações e eventos fortuitos, montadose realizados por mero acaso. Essas ações e eventos precisam serencadeados dentro de uma organização. É impossível tocar umprojeto dessa grandeza sem um grande plano geral: as pessoascertas nos lugares certos, a distribuição de atribuições, a seqüên-cia das atividades operacionais e das ações políticas.

Para começar é essencial ter um Programa de Governo, uma reuniãode idéias básicas que justifiquem a candidatura. Mas que não se perca asua verdadeira dimensão: esse programa será implementado apenas após avitória. Nesta fase, o plano tem que ser priorizado do ponto de vista elei-toral. É um grave erro e nada adianta começar a governar antes de ganhara eleição. Cada coisa a seu tempo.

Também é aqui que aparece a questão do dinheiro, que sempre existeem quantidade menor do que é necessário. Não adianta lamentar e não

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vejo outra saída: a campanha tem que ser dimensionada dentro das reaiscondições existentes. É claro que a meta é conseguir arrecadar o máximo,para, no final, ficar com o possível.

Freqüentemente sou abordado por candidatos que, já numa primeiraconversa, querem saber “quanto custará a campanha” Respondo invaria-velmente com uma outra pergunta:

– Qual campanha?

Essa questão do valor também é uma indagação que todo jornalistatraz na ponta da língua. Com eles tenho feito um outro exercício: digoque quero contratá-los como freelancers para que escrevam uma reporta-gem. E pergunto:

– Quanto custará o trabalho?

Ora, uma matéria jornalística pode ser uma entrevista simples, meio diade serviço. Mas também pode ser um trabalho complexo, cheio de pesquisa,investigação, viagem etc. Neste caso, bem mais difícil de mensurar.

A menos que entre pelo perigoso caminho do chute, é impossível quanti-ficar algo tão cheio de alternativas como uma campanha eleitoral, sem antesse aprofundar e estudá-la para poder definir o planejamento a ser seguido.

Muitas vezes, quando já existe uma razoável dose de confiança, prefiroaté inverter o processo: a partir dos recursos disponíveis definir a campa-nha viável, sem perder, é claro, a dimensão mínima para executar um tra-balho de qualidade.

Já fui obrigado a recusar trabalhos que não apresentavam essas condiçõesmínimas. Por exemplo: é indicado que, na fase preparatória, se conte comduas a três pesquisas qualitativas. Mas dá para fazer só com uma. É impos-sível fazer sem nenhuma. E a experiência mostra que sempre dá para fazercoisas inteligentes e acertadas, mesmo contando com orçamentos reduzidos.

Quando não há muito dinheiro, precisa-se compensar isso com muitacriatividade. É como disse o publicitário e marqueteiro Sérgio “Arapuã”de Andrade:

– A única coisa cara em política é a derrota.

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3. ESTRATÉGIA – Este é, para mim, o grande nó da questão. É fundamen-tal que o “achômetro” seja deixado de lado. É aí que começam osacertos (ou os desacertos) da eleição. É aí que se começa a ganhar. Ouse começa a perder. A montagem da linha estratégica que vai presi-dir todos os atos de campanha é a grande tarefa a ser desenvolvida.

Em primeiríssimo lugar é preciso definir a forma como a campanha seráposicionada:

– Quais idéias-força usaremos?

– Qual a nossa identidade?

– Quais conceitos queremos fazer prevalecer?

– Faremos uma campanha propositiva?

– Daremos explicações sobre nossas posturas, passadas e atuais?

– Atacaremos os adversários? Quando e em qual intensidade?

– Como reagiremos aos ataques contra nós?

De todo modo, essa Linha Estratégica não pode ser uma camisa deforça, determinação imutável, uma linha burra. No transcorrer do tra-balho precisa passar por avaliações permanentes para, em seguida, seremfeitas as necessárias correções de rota.

Também é importante não confundir com Tática, que é a forma queiremos utilizar para implementar as ações estratégicas.

Um exemplo: em determinado momento da campanha de Fleury ao go-verno de São Paulo, em 90, nossas pesquisas mostraram que o candidato es-tava sendo melhor aceito junto ao público masculino e apresentava dificul-dades de comunicação com o público feminino.

ESTRATÉGIA: Fleury precisa ser melhor aceito pelas mulheres.TÁTICA: Colocar D. Ika Fleury, sua esposa, em maior exposição nasações de campanha.

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Naquele momento houve quem defendesse que o candidato deve-ria acrescentar no programa de governo um compromisso de nomear4 ou 5 mulheres para o secretariado, caso fosse eleito. Seria uma outratática, que nem precisou ser testada, já que havia o risco de parecersimples promessa de campanha. Com o reforço da presença de D. Ikaem comícios e nos programas de rádio e TV resolveu-se o problema de-finitivamente.

Nessa campanha tínhamos usado uma estratégia composta, específicapara cada fase da campanha:

– o candidato sendo apresentado pelo governador Quércia;

– a criação da sua personalidade própria;

– a confirmação da sua capacidade para dirigir o estado;

– a proximidade com o povo, garantindo um governo popular.

Cada uma dessas fases, por sua vez, divididas em várias subestratégias –como essa da presença de D. Ika.

Já na campanha do Presidencialismo, no Plebiscito, usamos o tempotodo uma estratégia única, muito simples e muito direta: “Não abra mãodo seu voto!”. Foi suficiente.

De toda maneira, é a estratégia que deve comandar tudo. O grande pú-blico nem se apercebe e até alguns experts (graças a Deus!) não compreen-dem exatamente a importância dessa postura. É maravilhoso quando nãoencontramos uma estratégia bem-montada do lado dos nossos adversários.É garantia de que a campanha deles terá um desenvolvimento complicado,com idas e vindas. É a proximidade do fracasso. Pois, afinal, não se ganhauma eleição só com nossos acertos. Ganha-se, também, em cima dos errosdo inimigo.

Há dezenas de definições para estratégia. Mas isso não vem ao caso. Oimportante é aplicá-la. Matt Reese, um dos maiores consultores políticosamericanos, encontrou uma curiosa explicação: “Estratégia é como porno-grafia – difícil de definir, mas você saberá identificá-la quando se depararcom ela”. E vice-versa.

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4. DESENVOLVIMENTO – O que fazer, a partir daí, é notório – to-dos sabem, com as devidas variações: estruturar a comunicação,criar slogans e mensagens, montar mobilização e corpo-a-cor-po, marcar eventos e comícios, montar a estrutura de rádio eTV, colocar a campanha na rua.

O mais importante para executar bem essas tarefas: EQUIPE. Pessoas cer-tas, nos lugares certos. Profissionais capazes de formular, criar, produzir e exe-cutar todas as ações da campanha. Gente dedicada e envolvida. Estou nesseramo há tempo suficiente para entender a importância de poder contar comequipes que foram sendo formadas dentro dessas características. Profissionaisque me acompanham desde outras longínquas e profícuas batalhas, além detalentos recém-descobertos.

Isso explica porque consigo administrar duas ou três campanhas si-multaneamente. Não abro mão de ter, em cada local, pessoas da minhaequipe e da minha confiança gerenciando os comitês, a área de comuni-cação e vivendo o dia-a-dia da eleição. Com informações diárias vou pi-lotando pelo controle remoto. E quando chego no lugar, para o necessá-rio acompanhamento pessoal periódico, trago a cabeça suficientementefria para regular a temperatura ambiente que, geralmente, atinge níveiscalóricos de fornalha.

Como e quando fazer cada coisa, eis o ponto crucial para que as açõesdestaquem as boas qualidades e minimizem eventuais arestas do nossocandidato. Nunca se esquecendo de fazer exatamente o contrário com onosso adversário.

Este tem que ser “escolhido” a dedo entre todos os concorrentes.Não é recomendável atirar para todos os lados, gastando munição àtoa... e se desgastando. Como sabemos a quem temos que promover,também temos que definir a quem temos que combater. Um comba-te que em certas ocasiões deve ser franco e aberto, mas que, geralmen-te, terá tanta eficiência quanto for sua discrição. Aqui, a guerra é deguerrilha.

Uma imagem – a favor ou contra – não se constrói só com palavras. Nãoadianta apontar o dedo e gritar:

– Ele é desonesto!

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Como também não adianta bater no peito e dizer:

– Eu sou honesto!

É preciso mostrar, fundamentar e, principalmente, parecer honesto. Aimagem é construída com pequenos fatos: água mole em pedra dura, comsutilezas. E tem que ser sólida, baseada em elementos reais, indiscutíveis.

Uma campanha desmorona quando o adversário ataca um ponto básicoda imagem construída. Collor começou a cair quando se provou que, ao in-vés do prometido “caçador de marajás”, ele era o próprio Ali Babá.

E se essa imagem ainda estiver frágil, em fase de montagem e consoli-dação, o estrago feito pelo ataque é brutal. Na eleição de 2000, em São Jo-sé do Rio Preto-SP, a candidata Ivani Vaz de Lima tinha todas as condiçõespara ser a grande novidade.

Desconhecida, saíra de quinto lugar nas pesquisas, mostrando que tinhahistória de vida e fazia um importante trabalho social dirigindo uma ONGde preparação de mão-de-obra. Foi um susto. Em duas semanas pulou pa-ra segundo lugar com um discurso de atendimento popular, ancorado nu-ma campanha profissional. Parecia uma Evita Perón renascida no interiorpaulista. Ameaçado, o provinciano status quo local levantou-se inteiro con-tra ela numa bateria de ataques de grosso calibre. Meias-verdades e impre-cisões, nada de extraordinária gravidade. Mas foi suficiente para estancardefinitivamente seu crescimento.

O fato é que havia um fundo de verdade, até então desconhecido paranós que, caso contrário, poderíamos ter criado uma “vacina”. Sim, ela tra-balhava no gabinete do marido, deputado estadual. Trabalhava, dava duro,com muita honra – assim soaria dito por nós. Denunciado pelos adversá-rios pareceu um crime. Na próxima, Ivani já estará vacinada.

A lição que se reavivou: temos que surpreender, não podemos ser sur-preendidos. E esse “elemento surpresa” é de importância capital.

Campanha é como um veículo que roda em qualquer tipo de estra-da, sob qualquer condição de clima. Por isso precisa ter tração nas

quatro rodas 4 X 4. Cumpridas essas quatro etapas organizacionais bá-sicas – diagnóstico, planejamento, estratégia, desenvolvimento – acampanha política tem que ir para a rua, mostrar a síntese das suas pre-

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tensões. Mostrar a sua cara. Para isso precisa ter outros quatro atribu-tos fundamentais. (Para o bom entendimento deles não devemos nosater ao sentido primário das palavras, mas sim ampliá-lo em todas asdireções.)

1. SÍMBOLO – Uma imagem de fácil memorização, que sintetize ra-pidamente aquilo que se quer expor. É uma marca, o maior emais valioso patrimônio que uma empresa ou uma organizaçãopode ter.

2. SLOGAN – Uma frase, ou até mesmo uma palavra, que conceitueos seus objetivos políticos e o diferencie dos seus oponentes.

3. PROGRAMA – Um plano, um projeto, um indicador de que a vi-da da comunidade vai melhorar depois que o nosso candidatofor eleito.

4. DOUTRINA – Um princípio moral e ético, ou uma política ad-ministrativa, ou uma forma de governar que será seguida a qual-quer custo.

Esses atributos carecem de total credibilidade para que dêem ao elei-tor uma razão para a escolha. Carecem também de absoluta identificaçãocom o candidato. Nada adianta um gordinho sair por aí saltitando qualdançarino.

A televisão é implacável, vai mostrar tudo o que está acontecendo, debom e de ruim. Em geral, é aqui que vai se travar a batalha final, com aajuda do rádio.

Conhecendo essa importância, muita campanha exagera na dose, su-perdimensionando o uso da TV, desde o equipamento necessário até aquantidade e o tipo das mensagens que serão colocadas no ar.

Máquinas magníficas e ilhas de edição de última geração não ganhameleição. Por isso não se pode dar a elas uma importância que elas não têm.O computador gráfico ao alcance de todos facilitou o trabalho, sim. Masnão resolve colocá-lo na mão de um garoto curioso, que pode até produziruma vinheta bonitinha, mas dificilmente produzirá uma vinheta adequa-

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da. Ah, que bom seria se as máquinas pudessem criticar alguns incompe-tentes que as operam...

Para ser bem trabalhada e render tudo o que pode a TV precisa ser en-tendida na sua essência. Costumo dar esta definição aos novatos:

– A televisão é a arte da repetição.

O que é a novela, senão a apresentação da mesma lengalenga, cada diade forma diferente? O que são os programas humorísticos, senão a reprisedo mesmo bordão?

Na TV política potencializa-se a mesma coisa: bater insistentemente namesma tecla. Bater, bater, bater. E, depois, ninguém vê tudo o que acon-tece, todos os dias. E, mesmo quem já viu, não se importa de ver, ou ou-vir, uma coisa boa de novo.

A forma mais eficiente para se atingir toda essa massa de eleitores tem si-do por meio dos tão criticados programas e comerciais do horário políticogratuito – e obrigatório. Foi a partir da eleição de prefeitos, em 85, que essacomunicação se tornou cada vez mais importante.

Tenho sido persistente na defesa desse sistema, contrariando a todos queo acham uma perda de tempo, uma excrescência, ou até uma violência aodireito do cidadão de assistir àquilo que queira no rádio e na TV.

Ora, não somos nem franceses nem americanos, e por isso não temosainda uma democracia consolidada como a deles. Saímos de uma ditadu-ra, onde a força do fuzil valia mais do que a força do voto. Estamos rea-prendendo a exercer esse direito. E o horário político tem sido o maior“professor”. É ele que supre uma grande quantidade das nossas carênciaspolítico-institucionais e de cidadania.

Nossas instituições – da Imprensa à Justiça, da Igreja à Polícia, do Con-gresso ao Sindicalismo – vivem ainda um período de amadurecimento.Temos uma Constituição relativamente nova, que ainda carece de revisõese ajustes para poder vigorar em sua plenitude.

Nossa realidade cultural é vergonhosa. Segundo o próprio TSE, em se-tembro de 1998 tínhamos 106,1 milhões de eleitores aptos a votar. Entreeles encontrávamos 31,41% – cerca de um terço – de analfabetos e semi-alfabetizados. Apenas 3,28% tinham curso superior. Entre aquela massa eesta última minoria, uma multidão que vai dos iletrados (34,96% apre-

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sentavam primeiro grau incompleto), passando pelos pouco instruídos,até alcançar o topo dessa perversa pirâmide sociocultural.

Nossos livros atingem apenas uma diminuta casta intelectualizada. Nos-sas tiragens de jornais e de revistas, mesmo quando batem recordes, são ri-dículas se proporcionalizadas com a nossa população.

Nossos únicos veículos massificados de informação são o rádio e a tele-visão. A influência dos donos das redes nacionais e locais seria arrasadora senela não houvesse esse encrave que é o horário político gratuito.

Não tenho dúvidas em afirmar que ele foi e continua sendo um dosmais importantes instrumentos da redemocratização. Pois foi através deleque pequenos candidatos e pequenos partidos puderam alcançar grandesvitórias. Foi por causa dele que candidatos ricos puderam amargar vota-ções muito pobres. E vice-versa. É que, apesar de alguns vícios e proble-mas – que sempre são mais destacados que as suas qualidades e méritos –é o horário político que acada inibindo a ação indiscriminada do podereconômico e da ganância política.

Uma pesquisa realizada para nós pelo instituto DataKirsten, durantea campanha para a eleição de 90, mostrou que mais de 80% dos votan-tes pretendia escolher seu candidato por meio dos programas do horá-rio político.

Numa análise da pesquisa sobre o desempenho dos candidatos à eleiçãopresidencial de 94, o pesquisador Antônio Manuel Teixeira Mendes, dire-tor-executivo do DataFolha, concluiu:

– O horário gratuito será, em que pese todas as restrições im-postas aos candidatos, peça essencial na definição do voto.

Por tudo isso não posso fazer coro com os donos das emissoras, nem comuma minoria egoísta e despolitizada, que dá prioridade para a ficção da no-vela das oito e para o filme do Tubarão (ou dos tubarões) e se esquece deolhar para a realidade da história do Brasil, sob o manto protetor de umapretensa liberdade de escolha por autodeterminação pessoal.

Por essas mesmas razões me preocupa a campanha que alguns setores fa-zem contra o voto obrigatório. Se acabarem com ele vão transformar as elei-ções num festivo encontro dos “politizados” de plantão. A classe média acom-panhará as elites, excluindo a maioria, que é o povo, do processo decisório.

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A raiz do problema está num fato superveniente: não temos uma leieleitoral clara e definitiva. O próprio presidente do TSE – Tribunal Supe-rior Eleitoral – ministro Carlos Velloso, se dizia preocupado e reconheceuem entrevista à Folha de S.Paulo (6/fev/95) que estávamos vivendo uma si-tuação estruturalmente viciada a partir da sua base:

O sistema atual é praticamente de uma lei casuística para cada elei-ção. Isso, naturalmente, não é bom. Os tribunais constroem uma ju-risprudência em torno da lei. Daí em um ano temos outra lei casuís-tica. Então, começa tudo novamente da estaca zero. Uma lei definitivaseria o ideal.

A previsão do jurista confirmou-se: já vinha acontecendo e foi exata-mente o que aconteceu nos anos subseqüentes.

A Constituição de 88 é genérica, não se aprofunda no tema. O texto doCódigo Eleitoral Brasileiro de 1946, que ainda está em vigor, é vago e ar-caico. Assim sendo, é necessário que o Congresso regulamente a lei que re-gerá cada eleição. São leis complementares que vêm sendo feitas de formaatrapalhada, casuística e beneficiando interesses específicos dos própriosprotagonistas do processo político. A figura da reeleição foi incorporadapor esses meios. Na regulamentação anterior os deputados e senadores (quefazem a lei) definiram generosos espaços próprios nos programas eleitorais.

Neste caso, com um sério agravante: assim como a mídia eletrônica vemsendo de capital importância nas eleições majoritárias, ela tem se reveladobastante ineficiente nas eleições proporcionais. Fica aquele desfilar de no-mes, números e currículos abreviadíssimos, ninguém presta atenção, nin-guém absorve nada do que se fala. E pior: toda a programação eleitoral fi-ca contaminada por uma perda de interesse geral.

O candidato a cargo proporcional só se beneficia da força dos veículosquando ele controla um pequeno partido e praticamente “compra” o ho-rário só para si. Ou seja, acaba fazendo uma campanha como se fosse can-didato a cargo majoritário. É uma deformidade que tem acontecido fre-qüentemente. Na eleição para a Constituinte, em 86, o ex-presidenciávelAfif Domingos fez isso no Estado de São Paulo e, com um bom discursode proteção para a pequena e média empresa, acabou conseguindo umaexpressiva votação.

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No frigir dos ovos a Lei Eleitoral sai capenga do Congresso e acaba de-pendendo, em graus variados, da interpretação dos tribunais e dos juízes queas aplicam. No caso da lei que está em vigor, cujo maior vício é a falta declareza, tenho visto as interpretações mais diferenciadas, de juiz para juiz, deregião para região do Brasil.

Nas vésperas da eleição o TSE de Brasília emite as normas e os TREsestaduais as cumprem a seu gosto e jeito. Como se trata de matéria subje-tiva, as decisões ficam muito contaminadas por essa subjetividade.

Nas últimas eleições vivemos, Brasil afora, uma absurda dependênciaaté dos juizes municipais, tentando clarear o que os legisladores deixaramno lusco-fusco da imprecisão, procurando interpretações para suprir afalta de afirmações, cada qual colocando sua visão particular, humana-mente falível.

A área de propaganda é a que ocupa maior espaço dentro da lei. É cla-ro que os problemas têm sido correspondentes a esse tamanho. Com oagravante de que legisladores (na origem) e juristas (na prática) não têmfamiliaridade com o tema e suas particularidades. Como então decidircom a velocidade que a campanha política requer?

Ora permite-se que qualquer pessoa apareça nos programas partidáriosde rádio e TV, ora decidem que só pode aparecer quem for filiado ao par-tido. Ora permite-se o uso de imagem em movimento, ora decidem quesó vale usar o que for gravado em estúdio. Ora nem um nem outro. Sabe-se lá por quê, o uso de imagens externas está proibido nos comerciais deTV, que devem ser filmados somente em estúdio. Como classificar, então,as imagens captadas dentro de uma sala de aula, ou de um hospital, ou deum ginásio de esportes?

O juiz eleitoral de São José do Rio Preto-SP as aceitou como “inter-nas”, ou seja, permitidas. Já em Campo Grande-MS recebemos uma pu-nição por serem consideradas cenas “externas” – proibidas. Mas essasmesmas imagens podiam ser usadas indiscriminadamente nos programasdo horário político, lá como cá, e no Brasil inteiro, sob as bênçãos bene-volentes da lei, que trata as mesmas cenas de forma diferente, apesar deserem utilizadas na mesma TV e até em horários muito próximos. Bes-teira da grossa.

Na ocasião, ouvi e li afirmações de que “se tivesse uma semana de cam-panha a mais, Maluf poderia ultrapassar Marta”. Ele vinha crescendo dia

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após dia, enquanto ela estava estagnada. Pois é bom que se saiba que ocandidato poderia, sim, ter tido alguns dias de propaganda a mais.

Ocorre que, na capital de São Paulo, no 2º turno, os anúncios e progra-mas voltaram ao ar dia 13 de outubro, por decisão aleatória do juiz local.Em Uberlândia-MG, isso já vinha acontecendo desde o dia 9. Ou seja, a ci-dade mineira teve quatro dias de propaganda a mais. Estranhas variações dedatas, possíveis dentro da mesma lei eleitoral, na mesma eleição e dentro domesmo país.

É grave notar que uma decisão como essa pode ajudar ou prejudicarum candidato que precise aparecer mais, perante outro que está apenas es-perando os dias passarem, sentado sobre uma frente de votos difícil de serultrapassada. Se alguns dias de propaganda a mais seriam suficientes paraMaluf virar a eleição é problema de outra esfera.

Além de permitir que o juiz local defina o tempo de duração da pro-paganda, a lei também previa, nessa eleição, um espaço de tempo exíguoentre a votação do 1º e a do 2º turno – 20 dias. Em 89, quando se crioua eleição em dois turnos, o tempo entre um e outro era de 31 dias. Na elei-ção de 94 foi esticado para 42 dias.

Esse prazo de 20 dias, inventado junto da figura da reeleição, não écorreto, muito menos ideal:

– mal dá tempo de se fecharem os acordos partidários tendo emvista os novos apoiamentos, apesar disso estar na essência daexistência dos dois turnos;

– beneficia aquele que se saiu melhor na primeira votação, pois é umtempo pequeno para se montar e desenvolver uma reação, muitomenos uma reviravolta.

Se considerarmos que o 2º turno é, na prática, uma nova eleição, quetem que ser vista e trabalhada como tal, essa premência temporal vira umacompleta aberração.

Voltando aos exemplos de Uberlândia-MG, lá ocorreu um outro ab-surdo inusitado. O juiz determinou que os comerciais do 2º turno fos-sem divididos proporcionalmente ao tempo das coligações, de acordocom o cálculo utilizado no 1º turno. O adversário ficou com 18 minu-

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tos diários, contra 12 do nosso candidato, liqüidando-se numa só pena-da o princípio de igualdade. Pura interpretação equivocada das letras dalei atrapalhada. O recurso ao TSE demorou vários dias; a decisão corre-tora chegou quase sem tempo de se fazer a correção. De todo modo, umacorreção canhestra, já que tivemos de administrar uma overdose de co-merciais compensatórios.

Tem sido sempre assim. Em 90, a expressão “ladrão” usada em SãoPaulo acarretava punição pesada. No Amazonas, nosso candidato era mi-moseado diariamente com o xingamento, uma simples “qualificação” queum candidato podia fazer do seu adversário. E o ofendido que provassenunca ter roubado.

Em 94 assisti, na Bahia, a uma flagrante utilização da mídia (televisão,rádio e jornais) em favor dos candidatos apoiados por Antonio Carlos Ma-galhães, sem contar a intensa louvação dos feitos dele próprio, proprietáriodos mais importantes veículos de comunicação do Estado. Perguntei por-que os prejudicados não reclamavam na Justiça. A resposta veio com a iro-nia de outra pergunta:

– E adianta?...

Em todo o Brasil os caciques regionais usam e abusam do direito de fa-zer o que querem, a despeito da lei.

Mas os problemas da legislação eleitoral brasileira vão muito além dapropaganda. Há omissões graves, que deverão ser resolvidas em batalhasjudiciais, como o caso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Eleassumiu o governo substituindo Covas, nas eventualidades do primeiromandato: 94/98. Também assumiu nas eventualidades do segundo, a par-tir de 98, e em 2000 herdou o comando definitivamente. Pode ele ser can-didato à reeleição?

Qualquer que seja a decisão, o erro grave é que ela virá da subjetivida-de de um tribunal, quando deveria estar prevista nas letras da lei.

Também há verdadeiras injustiças, como esta: se um prefeito quiser con-correr ao Governo do Estado, em 2002, ele terá que renunciar ao seu man-dato em abril, seis meses antes da eleição. Mas o governador desse mesmoEstado, candidato à reeleição, poderá permanecer no cargo durante toda acampanha.

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E a Lei Eleitoral também é falha quando permite a proliferação de pe-quenos partidos, tão inexpressivos quanto inescrupulosos – verdadeirosbalcões para compra e venda de tempo nos horários políticos. É falhaquando permite as coligações em eleição proporcional – você vota no can-didato de um partido e pode acabar elegendo alguém de outro. É falhaquando não aprofunda a regulamentação dos financiamentos de campa-nha. É falha quando cerceia a liberdade de comunicação com regrinhas to-las. É muita falha!

Depois de escapar das garras da lei, outro grande complicador é o fatode que não existem duas campanhas eleitorais iguais. Os candidatos

e os adversários não se repetem. Os momentos políticos se diferenciam eevoluem. Os locais – estados e municípios – são tão variados quanto diver-sificada é a geopolítica desses inúmeros brasis. Num mesmo lugar, a eleiçãoseguinte é absolutamente diferente da anterior – até quando os candidatossão os mesmos. O trabalho exige uma constante renovação, mudança deatitude, adaptação a novas circunstâncias, versatilidade.

Pude comprovar seriamente isso em 89, na primeira eleição presidencialdireta, após o fim da ditadura. Participei duplamente desse momento; no1º turno, carregando o pesado fardo da candidatura eleitoralmente inviá-vel desse político magistral que foi Ulysses Guimarães; no 2º turno, com aresponsabilidade de ajudar a salvar a eleição de Fernando Collor que, nosúltimos dias da campanha, caminhava para o naufrágio.

Dr. Ulysses e Collor: duas figuras completamente díspares. Um era doce,gentil, generoso. O outro, arrebatado e impulsivo. Um trazia as cicatrizes daexperiência à flor da pele, impassível e histórico. O outro, a ânsia da desco-berta e da conquista, agressivo e oportunista.

Toda essa disparidade só me confirma a essência da campanha política,onde cada uma é cada uma. Uma diferente da outra. Situações diferentes,momentos diferentes, candidatos diferentes.

Por isso mesmo não posso acreditar em campanha prêt-à-porter, comouma roupa tecida, cortada e costurada em série. Para mim, campanha po-lítica é alta-costura. Com a escolha do pano correto, o corte sutil e delica-do, o ponto da agulha no seu próprio ponto, um depois do outro, o aca-bamento em detalhes precisos, o ferro que dará o alisamento final natemperatura mais adequada.

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Mas a campanha também é dinâmica. A cada dia está diferente, revela no-vas facetas, tem que ser entendida de pontos de vista específicos. O alfaiate tam-bém precisa estar capacitado para fazer reformas e readaptações constantes.

Um dos poucos ditados populares que se transformou nos tempos mo-dernos é aquele que diz: “O traje faz o homem”. Hoje a realidade puxa paraa negativa: “O traje não faz o homem”. Pois em política a verdade continuacontida na afirmação primitiva: “O traje faz o candidato”. Por isso muitas ve-zes compete ao modelista e ao costureiro a incumbência de providenciarem,com urgência, o desenho, o corte e a costura de um novo traje.

Na eleição para os governos estaduais, em 98, houve uma tentativa dese fazer marketing político por atacado, como se fosse uma simples fran-quia de lanchonete. Tipo da atitude que acaba conspurcando todo o sis-tema. Por isso denunciei a esperteza em artigo na Folha de S.Paulo de 28de outubro de 98:

O FRACASSO DA FRANQUIA ELEITOREIRA

O povo fez, o povo faz, o povo vai fazer muito mais. Parodiando obordão que circulou pelo País nestas eleições, foi o povo que, em sua sa-bedoria definitiva, sepultou o marketing político franqueado, derro-tando a maior parte dos seus usuários.

Estados tão diferentes como Pernambuco, Goiás e Rio Grande doSul foram tratados de forma igual, sendo possível montar o refrão ale-górico “Arraes fez, Iris faz, Britto vai fazer muito mais”. Ou “Azeredofez, Pedrossian faz, Maluf vai fazer muito mais”. Mas a população re-cusou-se a aceitar candidatos clonados a partir do figurino desenhadoem São Paulo, na última década. E o fracasso da franquia eleitoreiracomeçou exatamente pela casa matriz.

Os maus resultados desse esquema surgiram já no primeiro turno,quando políticos expressivos, como Arraes e Pedrossian, submeteram-se aosditames dessa espécie de fast-food do marketing político, que, segundo aimprensa, arrecadou mais de R$ 50 milhões. Ambos, sob a mesma cami-sa-de-força do obreirismo, deram vexame nos seus estados e encerraramsuas carreiras sem nada que lhes mantivesse e/ou acentuasse a identidadepessoal, as idéias e os projetos construídos durante suas vidas inteiras.Aceitaram ser xerox e viraram nada nessa eleição.

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No segundo turno, os resultados dos principais colégios eleitoraistrouxeram outra fragorosa derrota dessa estratégia malandra e pregui-çosa. Equalizar candidatos, unificar discursos e fazer peças publicitá-rias por quilo ou por metro rende um bom dinheiro e dá pouco traba-lho. Mas não funciona.

Iris, Azeredo, Britto e Maluf apostaram na troca de um passado político,construído com base na identidade dos eleitores, por uma fórmula mágica,capaz de transformá-los em sabonete. Viraram clones ensaboados. Tomaramum banho de Perillo, Itamar, Olívio e Covas – todos não-franqueados e coe-rentes com suas histórias e com os momentos políticos estaduais.

Vi claramente esses desacertos em duas campanhas nas quais atuei: Bacha(primeiro turno) contra Pedrossian e Perillo contra Iris. E tenho feito críticasseveras a esse marketing político desde que ele começou a se insinuar, na eleiçãode 92, quando surgiu um certo “kit candidato”, que pretendia atender postu-lantes a deputado de uma mesma forma, sob um mesmo enquadramento.

Depois, em 94, outro absurdo: num mesmo estúdio, em São Paulo,o candidato Barros Munhoz gravava o mesmo texto que depois seriaaproveitado por Jutahy Magalhães, como se os problemas da Educaçãoe da Saúde, em São Paulo e na Bahia, fossem iguais e pudessem ser re-solvidos da mesma forma.

Tenho insistido na tese de que marketing político não é roupa “prêt-à-porter”. É traje feito sob medida. Com muito cuidado, sem esquecer o per-fil do candidato e o momento político em que está inserido. Maluf errou– e perdeu – porque não acreditou em si mesmo. Foi procurar uma alian-ça esdrúxula com Rossi, copiou projetos mais adequados a Marta Suplicye, por último, passou a atacar Fernando Henrique, com quem flertou du-rante todo o primeiro turno. O povo não aceitou esses gestos contraditóriose migrou em massa para Covas, homem de um discurso e de uma cara só.

Mesmo em Brasília, onde Roriz ganhou apertado, a verdade é queele esteve em posição muito mais confortável antes da campanha. E, nofinal, ganhou pelo oportunismo de Cristovam Buarque, que foi buscaralianças com caciques do PFL e do PSDB, habituais sacos de pancadasdos petistas. Nesse caso, o sabor insosso de uma campanha padronizadafoi mais palatável do que o gosto travado da incoerência.

Numa eleição de muitas lições, o povo ensinou aos políticos que es-tá cada vez mais consciente e menos afeito a espertezas como as alian-

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ças impossíveis ou as franquias eleitoreiras. Não é o marketing políticoque está errado, mas a forma como ele foi empregado.

Essa maneira de fazer campanha, denunciada no artigo, privilegia a for-ma, em detrimento do conteúdo. É publicidade extremada, que parte deuma premissa incompleta:

– O anúncio é criativo? Está bonito, bem produzido? Entãopublique-se.

O que falta:

– Ele responde a uma necessidade estratégica bem-definida?

Em toda a minha experiência, todas as vezes que enfrentei diretamen-te esse marketing superficial e inconseqüente, acabei colhendo bons re-sultados. Foi assim com Fleury, que saiu do nada para ganhar a eleição deMaluf. Também com Ricardo Bacha, um desconhecido que surpreendeuPedro Pedrossian no Mato Grosso do Sul. Da mesma forma com o aza-rão Marconi Perillo contra Iris Rezende, até então considerado imbatívelem Goiás.

E, principalmente, no Plebiscito de 93, que considero o grande exemplo.Era uma eleição sem cara, despersonalizada. Era a simples e direta escolhade uma idéia, um conceito. E o desgastado Presidencialismo acabou renas-cendo por cima de um Parlamentarismo a princípio vigoroso, que se perdeupor entre equívocos publicitários.

É importante notar que todos esses derrotados eram, no início, candi-datos competitivos, com chances significativas de vitória. Bons candidatos,muitos largaram na liderança das pesquisas quantitativas.

O que se viu aqui e em inúmeros outros casos é que as campanhas apre-sentaram erros de origem: não foram corretamente organizadas, montadascom método, através de um correto encadeamento de ações.

Não precisa e não deve ser um encadeamento rígido como, aliás, fa-zem os profissionais norte-americanos – inventores do marketing e

das suas derivações.

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Ao longo desses anos tive alguns contatos com eles. Descobri que sãograndes teóricos, têm uma fórmula pronta para qualquer situação, masquebram a cara quando têm que enfrentar o jeitinho brasileiro de ser. Éimportante salientar que se repete aqui um fenômeno que já acontececom a propaganda brasileira, respeitada e reconhecida mundialmente pe-la sua excelência. Enquanto isso, o País, como um todo, amarga índicessociais de dar vergonha a muitos países do terceiro mundo, que já desfru-tam de condições melhores do que as nossas. Em propaganda já estamosdefinitivamente no primeiro mundo. Em marketing político, estamoschegando lá.

Em 92 participei de um debate na Assembléia Legislativa de SãoPaulo com o americano Rick Ridder, presidente da Associação Interna-cional dos Consultores Políticos. Na sua explanação apresentou o checklist das providências a serem tomadas para “montar uma campanhabem-sucedida”:

1. Não comece a campanha cedo demais.

2. Todas as campanhas começam na biblioteca.

3. O candidato tem que ter uma motivação forte; saber exata-mente por que está concorrendo.

4. Tem que ter à mão um cartão com quatro “palavras quentes” –idéias que sintetizem a campanha.

5. O jogo deve ser jogado no nosso próprio campo, jamais no ter-reno do adversário.

6. Não responder a perguntas hipotéticas.

7. Destacar os pontos-chaves, ter experiência, definir prioridades,ouvir as pessoas, ter respostas para os anseios da população.

Para mim, essa listagem é uma simples coleção de chavões e obviedades,que podem até se aplicar numa campanha em Connecticut ou no Arizona,

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mas que não servem integralmente para nós. Ao lado de cada item fui fazen-do observações:

1. Mas também não comece tarde demais. Cada campanha temque encontrar seu timing adequado.

2. Nossas bibliotecas, em geral, não guardam memórias políticasconsistentes. Depois, num país de iletrados como o nosso, as cam-panhas começam – e terminam – na televisão.

3. A motivação é inerente; é estranho alguém ser forçado a secandidatar.

4. É importante trabalhar com idéias fortes, sim. Mas elas não po-dem ser sacadas ao léu; ao contrário, devem estar contidas na es-tratégia geral traçada.

5. Trazer o jogo para o nosso campo é óbvio! Mas isso já foi com-binado com o adversário? E o que fazer quando esse adversáriojá trouxe o jogo para o seu próprio campo?

6. Também é óbvio que não se pode ficar falando sobre hipóteses.Mas essa atitude é apenas uma pequena parte de toda a formu-lação do discurso.

7. Finalmente algo mais consistente: é fundamental destacar osnossos pontos fortes. E esconder os pontos fracos.

Sempre me assustaram essas soluções simplistas que os americanostêm tendência a aplicar. Também foi assim em 94, quando Quérciatrouxe um “especialista” americano para lhe aconselhar no início dacampanha presidencial. Era um marqueteiro de origem venezuelana,vitorioso em campanhas, segundo disse, “em vários estados america-nos e com participação nas campanhas dos democratas”. A origem la-tina me fez esperar idéias mais versáteis. Qual o quê! A conversa foitão insignificante que nem registrei o nome dele. Uma reunião com

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nenhuma produtividade, muita conversa jogada fora e com uma con-clusão singela:

– Quércia é viável. Só precisa ser “absolvido” no julgamento doSTJ. Será prova de honestidade e, a partir daí se poderá desen-volver uma campanha vitoriosa.

O candidato tinha sido acusado de, quando governador, ter importa-do equipamentos superfaturados de Israel e o STJ ia julgar o caso exata-mente no início da campanha. Pois o Tribunal rejeitou a denúncia comfolga – 16 votos a 3 – decidindo que não havia elementos para uma açãopenal contra o ex-governador. Mas nem por isso se viabilizou.

Ocorre que, nos Estados Unidos, uma absolvição é decisão definitiva,reconhecida e acatada com respeito, prova inconteste de que o acusado nãocometeu o delito – e não se fala mais nisso. O peso dessa mesma decisão,no Brasil, é relativo. Sempre vai aparecer alguém para questionar:

– O que será que há por trás dela? Onde há fumaça, há fogo.

Encontrei-me novamente com marqueteiros americanos no início de2000, na pré-campanha de Paulo Maluf, que se preparava para disputara prefeitura de São Paulo.

Inicialmente o candidato me deu para ler uma pesquisa qualitativaprogramada e orientada por eles. Li, não gostei, justifiquei:

– É muito ruim, superficial e partidária, nitidamente operacionali-zada no Brasil por pesquisadores ligados ao candidato. E, sim-plesmente, não ajuda a desatar o grande nó que amarra esta cam-panha: o que fazer e como fazer para apartar Maluf de Pitta.

Três dias depois encontrei-me pessoalmente com os dois profissionaisamericanos – Paul Begala e Mark Weiner – apresentados como “braços di-reitos de James Carville”, marqueteiro de Bill Clinton, reverenciado comomaior entendido mundial no assunto. Foi uma manhã inteira de conver-sa sobre o quadro político paulistano. De quando em vez consultavam apesquisa que eu tinha execrado. Até que, fazendo jus à praticidade que os

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caracteriza (e que admiro na essência), foram conduzindo a reunião parauma conclusão final.

– Você concorda que a cidade de São Paulo tem que passar poruma grande mudança?

Concordei.

– Concorda também que a mudança é a grande demanda dapopulação?

Concordei novamente.

– Reconhece que Paulo Maluf é um político que reúne todas as con-dições para implementar essa mudança?

Reconheci.

– Concorda também que a população reconhece essas qualida-des de Maluf?

Mais uma vez concordei. Um sorriso vitorioso ornamentou a conclusão:

– Se mudança é a palavra-chave, então podemos ter, desde já,uma linha de ação e até um slogan: MALUF, O HOMEM DAMUDANÇA.

Dei um pulo, quase caí da cadeira. Aquilo não passava de um ridículosofisma. Como explicar a ele que todo o encadeamento do raciocínio es-tava correto, mas a conclusão era incorreta? O candidato podia ser carac-terizado de várias maneiras, jamais como uma novidade, capaz de empal-mar a bandeira das transformações, já de posse do PT.

A verdade é que temos muito pouco a aprender com os americanos.Nessa atividade cheia de sutilezas e subjetividades, mexendo com os senti-mentos e com a alma das pessoas, a criatividade brasileira tem se mostradomuito mais eficiente do que a rigidez teórica anglo-saxônica, aprimorada

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às últimas conseqüências nos Estados Unidos. Eles inventaram; aqui, nósfazemos melhor.

É por suas próprias qualidades que o marketing político caboclo temavançado em várias direções na América Latina, enriquecendo as arcaicasfórmulas locais e iniciando um processo de substituição dos indefectíveis“consultores que trabalham com Clinton, Bush” e companhia ilimitada,que andam por aí, captando dólares. Eles são muitos...

Em experiências que vivi na Argentina e na Bolívia pude constatar que há umamplo espaço para ser ocupado pelo nosso jeito de fazer campanhas políticas.

Mas há muito mais a ser conquistado, agora que o marketing político brasi-leiro começa a atingir sua maturidade. Principalmente aqui mesmo, no Brasil.

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Cardoso, Fernando Henrique, 22, 25, 34, 37,39, 40, 43, 45, 49, 68, 69,70,71, 111, 123,137, 139, 140, 141, 147, 149, 150, 141,153, 154, 155, 156, 210, 212, 227, 249

Carneiro, Eneas, 151Carneiro, Luis Humberto, 182, 185Carvalho, Augusto, 214Carvalho, Frederico, 64Carvalho, Maria Augusta, 220, 221Carvalho, Noel 64, 65,66Carville, James, 253Casoy, Boris, 66Clinton, Bill, 253 Coelho, Nilo, 65 Coimbra, Marcos, 87, 200Collor de Mello, Fernando, 45, 77, 81, 83, 86, 87,

88, 89, 90, 91, 94, 95, 96, 97, 98, 112, 122,128, 129,138, 139, 140, 151, 200, 202,239, 247

Colonese, Carlos (Cacá), 90, 93, 127, 188Collor, Leopoldo, 86, 88, 90, 92, 96Cordeiro, Miriam, 89, 93, 95, 97, 202Costa, Hélio, 228Coutinho, Luciano, 82, 139Covas, Mário, 17, 22, 53, 68, 70, 82, 86, 102,

104, 105, 109, 111, 113, 124, 140, 178,179, 204, 206, 208, 227, 246

CUT, 124, 155, 156, 167, 168,169

Dabdoub, Carlos, 65, 90, 185, 186, 189, 190Damiani, Marco, 175Dias, Álvaro, 148Dias, Levy, 159, 160, 161, 163, 164Dória, Raul, 87Dutra, José, 171, 172, 173, 174

Eid, Calim, 13Elias, José, 177 Erundina, Luiza, 16, 18, 19, 21, 24, 25, 35, 124,

193, 194, 196, 197, 198, 203, 204

Fantauzzi, Fernando, 98, 207, 208, 209Ferreira, Ben Hur, 166

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

Affonso, Almino, 55, 79, 101, 105Afif Domingos, Guilherme, 82, 86, 104, 111, 243Albernaz, Nion, 37, 40, 43Alckmin, Geraldo, 16, 20, 21, 24, 246Amado, Sérgio, 128 Amaral, Chico, 22, 178, 180, 182Amin, Espiridião, 15Andrade, Ademir, 46, 50Andrade, Sérgio de, 235Andreato, Elifas, 105, 146, Archer, Renato, 83Arena, 64, 66, 231Arraes, Miguel, 248Arruda, José Roberto, 210, 211, 212, 214, 215Azeredo, Eduardo, 228, 248, 249

Bacha, Ricardo, 31, 32, 36, 45, 65, 250 Balestra, Roberto, 36Banzer, Hugo, 187, 187Baptista, Egberto, 93Barbalho, Elcione, 46Barbalho, Jader, 27, 29, 40, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 Barbosa, Eli, 75 Barbosa, Benedito Ruy, 75 Barbosa, Vivaldo, 122Barros, Fernando, 29, 209, 211Begala, Paul, 253Belluzzo, Luiz Gonzaga, 139Bezerra, Carlos, 215, 216, 217Bicudo, Hélio, 71 Biondi, Nelson, 17, 18, 19Bismarck, Pedro, 38Bittar, Jacó, 178Braga, Eduardo, 90Braga, José Maria, 22, 127Bragato, Mauro, 174, 175, 176 Britto, Antonio, 90, 124, 149, 248, 249Brizola, Leonel, 66, 82, 86 , 121, 122, 131, 151,

204, 208Buarque, Cristovam, 40, 90, 210, 215, 249

Caiado, Ronaldo, 37Caldini Crespo, 90Calheiros, Renan, 92Campos Filho, José Machado de, 101Campos, Júlio, 216, 217, 218

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Maia, Eduardo, 105Malheiros Filho, Arnaldo, 108Maluf, Paulo Salim, 11, 13, 15, 16, 17,

18,19, 20, 21,24, 25, 35,45, 55, 56, 66,71,72, 73, 74, 75,76, 86, 102, 104,105, 109, 110, 112, 113, 114, 115,116, 118, 124, 185, 193, 194, 195,196, 197, 198, 199, 200, 201, 202,203, 204, 206, 208, 209, 227, 244,245, 248, 249, 250, 253, 254

Manicardi, Oswaldo, 84Mão Santa, Francisco, 219, 221Marin, José Maria, 71Martins, Celson, 182Martins, Wilson, 160, 177Matheus, Carlos, 75, 102, 103, 104, 137, 138,

141, 152, 196MDB, 64, 66, 85, 231Mattos, Lino de, 140, 231, 232Medeiros, Luis Antonio de, 112Medina, Rubem, 55Melo, Braz, 31, 176, 176 Melo, João Manuel Cardoso de, 139Melo, Zélia Cardoso de, 92Mendes, Amazonino, 128, 170, 171, 172, 173Mendes, Antônio Manuel Teixeira, 242Mendonça, Duda, 13, 33, 39, 112, 123Meneghelli, Jair, 124Mercadante, Luiz Fernando, 55, 56, 67, 84Mestrinho, Gilberto, 55, 171Miranda Filho, Macedo, 65 Miranda, Gilberto, 93, 173Miras, João Vicente, 216MNR, 186Moka, Waldemir, 161Montenegro, Augusto, 200Montoro, Franco, 67, 108, 111, 124, 195Moon, Reverendo, 33 Moraes, Antônio Ermírio de, 56, 66, 67, 68, 69,

71, 72, 74, 76, 112Morais, Fernando, 75, 114, 137Motta, Sérgio, 140, 154, 203

Napoleão, Hugo, 210, 219, 220, 222Nascimento, Alfredo, 90Negrão, Orlando, 137Nogueira, Nemércio, 137

Oliveira, Dante, 216, 219Oliveira, Hélio de, 178, 180, 181Oliveira, Wellington, 94Olsen, Orjan, 80, 107Ortali, Carlos, 87Ortali, José Francisco, 87, 92Orsi, Edvaldo, 179

Pacheco, Orlando, 89Palmeira, Wladimir, 122Palásio, Danilo, 188Passarinho, Jarbas, 46PDC, 170

Ferreira, Aloysio Nunes, 90, 109, 128, 172, 193,198, 199, 200, 201, 202

Ferreira Neto, 90, 91, 111, 199Fidélix, Levy, 98Fleury, Ika, 236, 237Fleury, Luis Antônio, 45, 65, 94, 99, 101, 103,

104, 105, 107, 108, 110, 111, 113, 114,115, 116, 117, 118, 124, 133, 142, 185,186, 200, 211, 212, 236, 250

Fonseca, Juvêncio da, 160, 163Franco, Itamar, 122, 123, 138, 139, 140Freitas Nobre, 232Freitas Zecca, 65, 188Furgler, Neíza, 65

Gabriel, Almir, 45, 46, 49, 50, 51Gabriel, Luiz Felipe, 43Galassi, Virgílio, 184Galindo, Chiquinho, 174, 175, 176Gamberini, Rodolfo, 43Gomes, Ciro, 124, 156Gorete, Maria, 177Goulart, João, 101, 123Guanaes, Nizan, 114, 115Guimarães, Ulysses, 45, 55, 71, 77, 79, 80, 81, 82,

83, 84, 86, 90, 94, 137, 193, 247Gusmão, Roberto, 56

Hernández, Percy, 186Hinds, Sérgio, 128

Jereissati, Tasso, 124Jerônimo, Osmar, 163Jordão, Fátima Pacheco, 48, 167, 168, 202

Leão, Célia, 178, 179, 180, 182 Leão, Odelmo, 184Leiva, João, 35, 55, 194, 195, 196, 197, 203,

204, 205 Lembo, Claudio, 55, 124Lemos, Fernando, 215Lerner, Jaime, 148Lima, Agripino, 174, 175, 176Lima, Ivani Vaz de, 239Lima, Paulo, 174Lima, Raul Cruz, 128Lima, Ricardo Camargo, 108Lozada, Gonzalo Sánches de, 186Lula da Silva, Luís Ignácio, 55, 82, 86, 88, 89, 90,

92, 95, 96, 121,137, 139, 141, 147, 149,151, 153, 156

Macedinho, 65 Maciel, Marco, 121, 122, 124Magalhães, Antônio Carlos, 29, 122, 140, 155,

209, 246Magalhães, Jutahy, 249 Magalhães, Luís Eduardo, 154Magalhães Teixeira, 179

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Sabino, Cipriano, 46Salles, Mauro, 56Sampaio, Plínio de Arruda, 102, 104, 105, 113Santillo, Henrique, 37, 41Santos, Silvio, 199Sarney, José, 73, 76, 79, 112, 123, 139Schulman, Cila, 30, 211, 213, 215, 220, 221 Sérgio, Mário, 165Serra, José, 90, 142, 194, 197, 203, 204Serrate, Oscar, 185, 186, 189, 190Setúbal, Olavo, 55, 56Silva, Paulo Pereira da, 169Simões, José, 71, 76Sodré, Guilherme, 211, 213 Souza Cruz, Alberico, 96Stefanello, Ecilda, 165Suplicy, Eduardo, 55, 56, 66, 71, 76, 110, 198,

199, 202Suplicy, Marta 16, 18, 19, 21, 24, 25, 35, 206,

208, 244, 249

Tebar, Ana Maria, 108, 109, 122, 130, 137Toninho do PT, 178, 180Tosto, Ricardo, 13, 17Trad, Nelson, 159, 160, 161, 162, 163Tuma, Romeu, 11,13, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 45, 129

Vagner, Jacques, 122Vânia, Lúcia, 36Velloso, Carlos, 143, 243Vianna, Prisco, 122Viegas, Maranhão, 165Vilela, Maguito, 38Virgílio, Artur, 171, 172

Waisberg, Fernando, 129Walter, Geraldo, 83, 140, 154, 220Weiner, Mark, 253

Zamorra, Jaime Paz, 187Zeca do PT, 31, 32, 33, 36, 45, 159, 160, 161,

162, 163, 164, 166

PDS, 55, 109, 111, 170, 193PDT, 105, 127, 131, 178, 204, 206Pedregal, Carlos, 211, 213Pedrossian, Pedro, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,

36, 248, 249, 250Pedrossian, Rosa 29, 30Perillo, Marconi, 27, 36, 37, 39, 40, 41, 44, 45,

249, 250 Periscinoto, Alex, 128Pertence, Sepúlveda, 143Perrut, Carlos, 168PFL, 20, 29, 30, 36, 111, 174, 184, 199, 209, 249Pinotti, José Aristodemo, 101Pinto, Carvalho, 232Pires, Waldir, 83Pitta, Celso, 15, 16, 19, 203, 204, 206, 209, 253PFL, 217PL, 82PMDB, 13, 20, 25, 31, 38, 46, 49, 55, 66, 68, 69,

71, 75, 79, 80, 83, 85, 101, 105, 121,139,142, 152, 160, 171, 174, 176, 182, 194,195, 198, 203, 208, 216

PPB, 36, 182, 208, 209, 210PPS, 36, 174Prado, Edson Higo do, 71, 129, 145PRTB, 98PSB, 46PSDB, 31, 36, 38, 43, 46, 55 , 111, 174, 176,

179, 203, 249PT, 20, 25, 31, 32, 34, 35, 46, 55, 91, 97, 102,

111, 121, 122, 128, 132, 137, 139, 149,153, 162, 163, 164, 166, 167, 175, 180,184, 193, 194, 195, 198, 203, 204, 210, 254

PTB, 29, PTB, 56PTN, 178Pucinelli, André, 31, 35, 36, 45, 159, 160, 162,

163, 164, 165, 166, 167, 234

Quadros, Jânio, 55, 186, 227Quércia, Orestes, 13, 22, 32, 45, 53, 55, 56, 57,

58, 59, 60, 61, 63, 64, 66, 67, 68, 69, 70,71, 72, 73, 75, 76, 79, 80, 81, 87, 94, 102,103, 104, 108, 109, 112, 116, 117, 121,122, 128, 139, 141, 142, 144, 145, 146,151, 152, 174, 186, 194, 195, 198, 200,204, 208, 212, 232

Rayel, Carlos, 32, 87, 117Recalde, Sandra, 35, 36Reese, Matt, 237Rezende, Iracema, 45, 161Rezende, Iris, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 248, 249, 250Rezende, Zaire, 182, 183, 184, 185Ribeiro, Belisa, 88, 90, 93Richa, José, 123Ricúpero, Rubens, 141, 149Ridder, Rick, 251Rodrigues, Edmilson, 46Roriz, Joaquim, 210, 215, 249Rossi, Francisco, 203, 204, 205, 206, 207,

208, 249

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