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1379 NOVELA: UM ESPAÇO PARA DISCUSSÃO DA POLÍTICA CORONELISTA Elisabete Zimmer Ferreira, Aluna do Mestrado Profissional em Historia / FURG [email protected] INTRODUÇÃO A televisão foi inventada em 1931, mas somente obteve sucesso após o fim da 2ª Guerra Mundial. Entre 1947 e 1952, a produção de aparelhos cresceu consideravelmente, possibilitando a seus investidores lucro excepcional, visto que as ações na bolsa referente ao aparelho elevaram-se em 134%. Com o crescimento da audiência televisiva, ela passou a ser utilizada como formadora de opinião (BURKE; BRIGGS, 2011). A televisão chegou ao Brasil em 1950 através de Assis Chateaubriand. Atualmente está presente em 95,7% dos domicílios (IBGE, 2010), sendo respaldada por lei como bem não penhorável, por ser entendida como instrumento de promoção de cultura(BRASIL, 1990). Dentre sua programação destacam-se as novelas, as quais se edificaram como um dos principais produtos da indústria midiática. A novela é extraordinariamente abrangente, pois não há distinção entre as classes sociais de seu público, a idade ou o gênero. Aborda temáticas presentes no cotidiano do telespectador promovendo a identificação destes com os personagens representados (TONON, 2006). Algumas novelas trazem uma história épica, portando-se como documentos que oportunizam uma reflexão do presente tendo por base a representação do passado. Deste modo, neste artigo objetivou-se analisar a política coronelista representada na telenovela “Cabocla”. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO Neste estudo foi adotado como referencial teórico a Teoria Social da Comunicação de Massa proposta por Thompson. Entende-se que a indústria midiática produz e distribui mensagens a indefinidos potenciais receptores. Estes receptores são envoltos por sua própria cultura decodificam a mensagem, reelaborando-a transmitindo a outros potenciais receptores. Nesse sentido a novela veicula mensagens que serão entendidas de forma particular por cada telespectador e discutidas a posteriore pela sociedade (THOMPSON, 2009). Como forma de compreender o conteúdo da mensagem veiculada na novela Cabocla foi utilizada a técnica da análise de conteúdo de Bardin. Esta técnica possui três etapas: 1)Pré-analise: preparação do arcabouço documental, momento em que foi

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NOVELA: UM ESPAÇO PARA DISCUSSÃO DA POLÍTICA CORONELISTAElisabete Zimmer Ferreira, Aluna do Mestrado Profissional em Historia /

[email protected]

INTRODUÇÃO

A televisão foi inventada em 1931, mas somente obteve sucesso após o fim da 2ª Guerra Mundial. Entre 1947 e 1952, a produção de aparelhos cresceu consideravelmente, possibilitando a seus investidores lucro excepcional, visto que as ações na bolsa referente ao aparelho elevaram-se em 134%. Com o crescimento da audiência televisiva, ela passou a ser utilizada como formadora de opinião (BURKE; BRIGGS, 2011).

A televisão chegou ao Brasil em 1950 através de Assis Chateaubriand. Atualmente está presente em 95,7% dos domicílios (IBGE, 2010), sendo respaldada por lei como bem não penhorável, por ser entendida como instrumento de promoção de cultura(BRASIL, 1990). Dentre sua programação destacam-se as novelas, as quais se edificaram como um dos principais produtos da indústria midiática.

A novela é extraordinariamente abrangente, pois não há distinção entre as classes sociais de seu público, a idade ou o gênero. Aborda temáticas presentes no cotidiano do telespectador promovendo a identificação destes com os personagens representados (TONON, 2006). Algumas novelas trazem uma história épica, portando-se como documentos que oportunizam uma reflexão do presente tendo por base a representação do passado. Deste modo, neste artigo objetivou-se analisar a política coronelista representada na telenovela “Cabocla”.

REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO

Neste estudo foi adotado como referencial teórico a Teoria Social da Comunicação de Massa proposta por Thompson. Entende-se que a indústria midiática produz e distribui mensagens a indefinidos potenciais receptores. Estes receptores são envoltos por sua própria cultura decodificam a mensagem, reelaborando-a transmitindo a outros potenciais receptores. Nesse sentido a novela veicula mensagens que serão entendidas de forma particular por cada telespectador e discutidas a posteriore pela sociedade (THOMPSON, 2009).

Como forma de compreender o conteúdo da mensagem veiculada na novela Cabocla foi utilizada a técnica da análise de conteúdo de Bardin. Esta técnica possui três etapas: 1)Pré-analise: preparação do arcabouço documental, momento em que foi

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selecionada a novela “Cabocla” como objeto de estudo; 2) Exploração do material, mediante a visualização das cenas da novela e do reconhecimento das unidades de análise e agrupamento das mesmas em categorias; 3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: interpretação das cenas selecionadas considerando o contexto que representam e o de sua produção (BARDIN, 2011).

RESULTADOS e DISCUSSÃO

Foram encontradas cinco categorias para análise: O coronel e sua gente; Formas de controle; Artimanhas eleitorais; Relações clientelísticas e Ruptura e reorganização das parentelas, as quais são discutidas na sequência.

O coronel e sua genteO coronelismo teve sua origem na posse de terras, sendo os grandes latifundiários

os primeiros coronéis. Todavia, com o passar do tempo, também se afirmaram como coronéis homens que não tinham atividade vinculada a terra. Alguns eram negociantes bem sucedidos, religiosos e intelectuais, que tinham seu poder e mando garantido pelas mesmas formas de relacionamento social estabelecidas com sua gente. Na trama de Cabocla a pequena região de Vila da Mata estava dividida entre a influência de dois latifundiários: o coronel Boanerges e o coronel Justino, ambos inimigos políticos, logo a população local se colocava de um lado ou do outro. No círculo de relações do Coronel Boanerges estavam: Emerenciana (esposa); Belinha, (filha) e Luiz Jerônimo(primo), compondo as relações familiares. Além destes destacaram-se o Coronel Macário, Dr. Telles médico da região, Seu Zé e Dona Bina, comerciantes e compadres do coronel Boanerges. Haviam ainda pessoas mais humildes como dona Generosa e Seu Felício, também compadres do coronel Boanerges; Tobias, afilhado do coronel e Ritinha e Nastácio, empregados da fazenda, todos representando as relações de amizade.

Semelhante a Boanerges, o coronel Justino também constituiu um grupo de simpatizantes a sua liderança. Entre eles estavam Neco (filho) e Mariquinha(filha) no grupo das relações familiares e o Sr. Xexéu, tabelião da cidade; Julieta, empregada da casa do coronel e finalmente Zaqueu, sócio do coronel na venda, situada na sua fazenda como figuras que compunham as relações de amizade. Na década de 1910 era comum os habitantes de determinadas localidades, sob a influência de uma pessoa de grande expressão nesta região, ao serem questionados sobre quem eram, responderem desta forma: “sou gente do coronel Fulano”, ou ainda, “sou gente do coronel sicrano”. No caso de “Cabocla”, percebemos que uma parte da

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população identifica-se como sendo gente do coronel Boanerges e outra como gente do coronel Justino.

O coronel era o líder local e tinha sob sua influência os habitantes de determinada região. Sua liderança era conquistada por seu carisma, por sua habilidade de liderança e por sua possibilidade de garantir a proteção de seus seguidores. Esses últimos se organizavam de forma hierárquica, ou seja, no topo da pirâmide aloca-se o coronel, logo abaixo seus familiares de sangue, abaixo sua parentela e na base desta pirâmide os clientes (QUEIRÓZ, 1987). É relevante explicar que as relações da parentela eram dadas sob a forma de alianças e sob as relações de compadrio. Quanto mais alto o local que a pessoa fosse inserida na pirâmide hierárquica, maior seria sua proximidade afetiva com o coronel. Posto isso, se torna fácil identificarmos a representação, na novela, de duas parentelas na região. No topo liderando toda a sua gente está o coronel, nesse caso representado por Boanerges, logo a baixo estão os familiares de sangue, representados pelos personagens de Emerenciana, Belinha e o Dr. Luiz, já na outra camada da pirâmide temos os amigos, coronel Macário, Dr. Telles, Sr. Zé da estação e sua esposa, representam esse núcelo e na base da pirâmide têm-se os sitiantes Feliciano e Generosa, os empregados Nastacio e Ritinha, representado os agregados. Do mesmo modo temos na parentela de Justino esta configuração: no topo da pirâmide Justino, logo abaixo seus familiares de sangue, Neco e Mariquinha, a seguir os amigos: Sr. Xexéu; e, na base, os empregados Julieta e Zaqueu com quem mantém sociedade.

Foi possível perceber que na região de Vila da Mata foram representadas duas parentelas distintas que disputavam a influência sobre a população local. Observamos que Boanerges exercia na trama maior influência, pois era o prefeito da pequena cidade. Justino, ao contrário estava com menor número de aliados e seu desejo era conquistar o lugar de Boanerges.

Ao estudarmos o fenômeno político do coronelismo é preciso que analisemos como se organiza a população local em relação aos seus influenciadores, ou seja, é importante entendermos quem são os mandões da região e como os habitantes se colocam em relação a eles, oferecendo sua fidelidade. Assim, poderemos perceber quais famílias dominam a região, se uma, duas ou mais para então estabelecermos se teremos uma região de domínio absoluto, ou de conflitos, o que pode gerar lutas violentas (QUEIRÓZ, 1987). Deste modo, em “Cabocla”, identificamos, a existência de duas parentelas em oposição e o conflito representado pela disputa de poder entre dois coronéis.

Formas de controle

É preciso destacar o personagem de Neco. Ele tinha postura diferente da de seu

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pai e dos demais coronéis da região, percebeu imediatamente a penúria do povo e passou a criticar a atitude dos mandões locais.

Na atitude diferenciada deste personagem percebe-se a crítica dos autores ao sistema político coronelístico estabelecido no Brasil na República Velha e com isso levanta-se a questão da questão atualidade do tema, pois a trama recebeu uma regravação em 2004. Existiria no Brasil ainda figuras que exerceriam o poder coronelístico? A crítica contundente de Neco a influência do pai e de Boanerges e a situação em que se encontravam as pessoas da região, nos levou a refletir que sim. Neco costumava freqüentar a venda de Zaqueu (sócio do coronel Justino), e lá comentou com os caboclos que eles tinham direito de receber seu pagamento em dinheiro e não mais em vales, fato que a princípio os peões não entenderam. Ele comentou que se os coronéis fossem justos com os trabalhadores, pagariam seus empregados em dinheiro e não em vales. Este comentário irritou o coronel Boanerges, que procurou tomar satisfações de Neco sobre suas acusações. Mesmo assim o jovem continuou a provocação e disse que Boanerges e estavam sendo desonestos com os empregados pagando-os em vales, porém os peões não entendiam a diferença de receber em dinheiro ou em vale. Diante disso, ele ofereceu seu relógio por uma pechincha a quem tivesse dinheiro para comprá-lo, mas avisou que somente aceitava dinheiro. Como os peões não tinham dinheiro não puderam aproveitar a oferta entenderam que receber em dinheiro era melhor, pois, poderiam barganhar preços porque disporiam de outros locais de compra além da venda do Zaqueu. Em outra cena da novela observamos que as orientações de Neco surtiram efeito na peonada, pois os empregados de Justino solicitaram ao patrão o pagamento em dinheiro e não mais em vales. O coronel negou, pois via nos vales a forma de manter os empregados ligados a fazenda impossibilitando-os de deixar o trabalho.

De outro modo agiu Boanerges. Ele reviu sua postura e passou a pagar os funcionários em dinheiro, ficando muito contente em ver a felicidade de seus empregados. No entanto, os peões não estavam acostumados a sua nova realidade, e decidiram ir beber na cidade e entraram numa briga com o pai de Luiz que acabava de chegar a cidade.Boanerges que estava na cidade para receber o primo foi notificado, sendo obrigado a intervir na briga, pois este era um ato inadmissível para sua gente. A maneira como o coronel se referiu aos peões de sua fazenda enfatiza a questão de parentela constituída, Boanerges se colocou como tutor dos empregados e responsável por suas ações, bem com de aplicar-lhes reprimendas. Ainda com relação à questão dos vales, notamos que os peões acreditavam que vales e dinheiro tinham o mesmo significado, somente entenderam o simbolismo de um ou de outro quando não puderem aproveitar a pechincha de Neco, pois para o rapaz o

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valor simbólico atribuído aos vales não era o mesmo que eles tinham identificado.Na relação produto e produtor se configura um valor para a obra, o valor simbólico.

No entanto, esse valor mudaria no momento que alguém com prestígio reconhecido avalizasse seu valor. Se tomarmos o exemplo as pinturas, veremos que elas têm um preço, no qual deve ser observado os gastos materiais para a produção e trabalho do produtor. Mas, na medida em que alguém com prestígio reconhecido, como o marchand, avaliza o produto, automaticamente a pintura passa ter outro valor, diferente do que o produtor lhe havia atribuído inicialmente. É o que chamamos de valor simbólico, o qual é compatível com um grupo que tem os mesmos interesses, no caso a arte (BOURDIEU, 2004). Ao pensar a questão dos vales de pagamento como pensou Bourdieu sobre a arte, veremos que os vales para os coronéis tem um valor, o simples pagamento dos empregados. Porém, para os peões eles tinham um valor inquestionável, visto que são avalizados pelos coronéis, os quais gozam de reconhecimento e prestígio mediante a população, logo os vales adquirem valor simbólico fora do alcance de qualquer questionamento. Pois, diante da vivência simples dos caboclos, os vales satisfaziam suas necessidades, na medida em que os trocavam por produtos na venda do Zaqueu, e, como o dono da venda aceitava os vales, acabava legitimando-os como moeda corrente. No entanto, quando Neco ofereceu o relógio por um valor irrisório, mas de antemão disse que só aceitava dinheiro como pagamento, os caboclos entenderam que nem todas as pessoas viam nos vales o mesmo valor simbólico que eles. Assim, acabaram por compreender o que Neco tentava explicar e passam a pedir para receber seu pagamento em dinheiro, pois este tem um valor simbólico reconhecido e legitimado igualmente por todos. Nessa passagem da novela que demonstrou o poder exercido pelos coronéis que chegava ao ponto de legitimar uma moeda paralela a nacional como corrente entre o comércio local, notamos que o próprio coronelismo se estabelecia apenas dentro de uma ótica de reconhecimento, ou seja, de trocas de bens simbólicos. O coronel tinha poder porque era reconhecido por sua gente como aquele que os protegia e lhes atenderia em momento de dificuldade. Assim, quanto maior fosse a capacidade de atendimento das necessidades do grupo ou da parentela, maior seria sua influência e reconhecimento de seu poder. É a própria troca de bens simbólicos, a gente do coronel lhe ofereceria sua fidelidade e reconhecimento e em troca o mesmo lhes conferiria proteção, porem seu poder se tornaria reconhecido localmente a partir da inserção do coronel na política.

Artimanhas eleitorais

Belinha retornou da capital formada professora e solicitou ao pai dar aulas as crianças da região. O coronel, orgulhoso da filha, tratou de comunicar aos habitantes que

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sua filha iria dar aulas. Porém, ao saber disso o rival político, entendeu a ação de Belinha como uma artimanha eleitoral. Então, Justino passou a dizer à população que as aulas de Belinha não passavam de um artifício para conquistar votos em favor de seu pai nas eleições vindouras. Como resultado disso, apenas quatro pessoas se escreveram para as aulas e Belinha teve que desistir de seu projeto educacional de candidatos ao letramento.

Mas, a questão da implantação da escola na zona rural não teve fim neste instante. Pois, Justino tomou a idéia para si e colocou Mariquinha (sua filha) como professora na escola que construiu em sua fazenda. Ao saber da existência da escola na propriedade de Justino, Boanerges reagiu contra a idéia e proibindo seus empregados de assistirem as aulas de Mariquinha. Diante disso, Luiz interferiu com Boanerges na contenda da escola, fazendo com que o primo percebesse que ele só estaria lesando a população, e seria melhor ganhar a confiança que o seu temor.

Justino ficou muito satisfeito ao ver que as crianças retornaram as aulas. Entretanto, um aluno, filho de um empregado de Boanerges, contou que as crianças somente retornaram as aulas devido as ordens deste coronel. Este fato evidencia, mais uma vez, a influência e o domínio que o coronel tinha em sobre sua parentela.

É importante salientar que para vencer a eleição valia tudo, ou quase tudo. Neco sempre falou contra as atitudes dos coronéis, criticando o modo como eles usavam a população. Contudo ele próprio em sua campanha política, usou a escola para expor suas ideias de campanha, fato que foi completamente contrário a sua postura inicial, demonstrando que seus ideais haviam sido corrompidos pelo sistema.

Após o acontecimento da República, extinguiu-se o voto censitário nos moldes do império. Contudo, na República somente poderiam votar aqueles que fossem alfabetizados, determinação que excluía a grande maioria da população, pois apenas 5% da população era alfabetizada e tinha direito ao voto ( FAORO, 2008).

Na primeira Constituição Republicana, a qual coincide com o período representado na novela conferia o direito de voto aos cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei, mas não permitia o alistamento de mendigos, analfabetos, os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1891).

Pela determinação da Constituição de 1891, percebe-se o quanto era limitado o direito de voto, pois a maioria da população brasileira era analfabeta e concentrava-se na zona rural em função da economia agrária. A impossibilidade do voto do analfabeto foi o fator determinante para a criação das escolas rurais, pois, através delas poderia ser aumentado o número de alfabetizados e conseqüentemente aumentado o número de votantes. No sistema coronelístico, quem detivesse sob seu mando o maior numero de

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votantes detinha o poder político. É pertinente a associação da educação rural à intenção de garantir a eleição de determinado candidato, ou da manutenção deste no cargo. É o caso da escola na propriedade de Justino. Mesmo que a professora não tivesse a mesma intenção do pai, a alfabetização dos caboclos serviria aos propósitos eleitoreiros do coronel.

Este mesmo fato nos permite uma analogia com a Emenda Constitucional número 25, de 15 de maio de 1985 que foi regulamentada pela Lei 7.332 (BRASIL, 1985). Ela resgatou o direito de voto aos cidadãos brasileiros analfabetos. Em 1988 foi expandida a margem de idade dos votantes, fato que legalizou o voto para menores, estabelecendo como idade mínima para o alistamento eleitoral de 16 anos (CONSTITUIÇÃO DE BRASILEIRA, 1988). Note-se, atualmente, analfabetos e menores com 16 ou mais anos tem seu direito de voto garantido legalmente, porém são considerados inelegíveis. Deste modo, fica em aberto o questionamento: esta mudança na constituição não seria mais uma artimanha política para aumentar o número de eleitores nos pleitos? A novela Cabocla lançou sua crítica, afinal, não foi por mero acaso suas exibições terem ocorrido próximo aos peitos eleitorais.

Relações clientelísticas

No sistema coronelístico o poder era ampliado a partir de uma rede de trocas de favores. As boas relações entre os coronéis e sua gente eram também uma forma de garantir o seu apoio político. Eles mantinham com sua gente uma relação de protetorado, que lhes rendia noutras circunstâncias uma espécie de gratidão. Na novela “Cabocla” foram evidenciadas algumas formas de garantir o apoio da massa aos interesses políticos dos coronéis.

Em situações de entraves judiciais os agregados (sitiantes e empregados) tinham uma profunda relação de dependência dos coronéis devido a sua falta de conhecimento dos tramites legais. Na novela foi representada uma contenda entre o coronel Justino e o sitiante Feliciano Rosa, pois o primeiro desejava expulsar o último de sua terra.

Frente a isso Boanerges entrou na contenda com Justino em favor de seu compadre Feliciano, a fim de evitar que este último perdesse suas terras. Para tanto, ele pediu o apoio legal de seu primo Luiz Jerônimo na questão, pois este era advogado. O Dr. Luiz aconselhou ao humilde sitiante que pedisse um prazo maior

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a Justino, para que ele pudesse estudar a situação.

O Dr. Luiz solicitou ao tabelião local revisão da escritura de Justino referente propriedade das terras que Feliciano morava, já demonstrando que ia propor uma ação legal para garantir ao sitiante a posse da terra. Deste modo teve início uma ação de usucapião que foi favorável ao Sr. Feliciano Rosa Podemos dizer que o sitiante manteve seu sítio por contar com a amizade do coronel Boanerges, e, o coronel pode auxiliá-lo nesta questão por dispor de um aliado detentor de conhecimento para tal. Aqui se encontra outra característica do sistema coronelístico. Era comum o coronel cercar-se de aliados, em geral seus próprios familiares de sangue, que possuíssem uma formação1 que servisse ao coronel de alguma forma, quando a necessidade se impusesse.

Também neste período foi comum os jovens partirem para capital em busca de um curso de formação profissional. Em geral os pais enviavam os filhos para cursarem a cátedra de direito e tornarem-se bacharéis. O bacharelismo ocorreu indiscriminadamente, não importando se estes seriam bons profissionais, pois se não fossem poderiam lançar-se politicamente como candidatos. Na própria novela é retratado o caso de Luiz como um rapaz de boa vida, beirando a irresponsabilidade em seus tempos na capital, o qual foi ter sua primeira atuação profissional no caso de Feliciano. Outros jovens cursavam medicina, vindo, posteriormente a conclusão do curso, trabalhar no interior, mediante aliança com os mandões locais e como favor a eles atendendo a população. Os protegidos do coronel gozavam de seu apoio, mas também lhes deviam fidelidade, e não poderiam contrariar sua vontade, isso seria uma afronta. Como foi dito previamente, as relações coronelísticas se sustentavam a partir das relações de solidariedade e fidelidade entre os membros das parentelas. este fato foi evidenciado por ocasião da disputa do pleito eleitoral entre Boanerges e Neco. O coronel tinha ficado com a reputação manchada frente à peonada, então sua esposa cobrou da população lealdade na hora da votação, ou seja, ela cobrou dos caboclos, em forma de votos, os favores prestados por Boanerges. A constituição de 1891concedeu aos cidadãos alfabetizados brasileiros, ou que fossem naturalizados como tal propôs um alargamento na camada eleitoral do país. Porém, este fato sugeriu que o modo antigo de praticar a política havia sido abandonado e aspectos antes tão relevantes como as condições econômicas do votante, ou do votado estivessem fora de questão. Contudo, o que se viu foi aumentar o número de eleitores, mas a manutenção do sistema, com algumas adequações do mesmo a nova realidade, ou seja, mantiveram-se os mandões e os novos eleitores votavam de acordo a determinação

1 Em geral os familiares do coronel ocupavam cargos estratégicos, alguns eram juízes de direito; padres, médicos.

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dos primeiros, sem questioná-los.Assim, no início do século ocorreu uma alienação por parte dos trabalhadores,

tanto rurais quanto citadinos, de seu papel social. Esta consciência só viria com os movimentos operários, pois a grande maioria estava submetida a tradição da gratidão aos que lhe prestavam pequenos favores (LOPEZ, 1984).

É preciso salientar que as relações clientelísticas representados em “Cabocla” foram desde o apoio judicial, passaram pela solidariedade, culminando em alianças políticas mediante os casamentos, todos culminando para a exacerbação do sentimento de gratidão, ou compromisso de uns para com os outros, ou seja, uma troca clientelística.

Os casamentos entre as famílias influentes de determinada região serviam como instrumento de ampliação do poder do coronel e aos seus interesses clientelísticos, pois, alargava a parentela e conseqüentemente sua rede clientelística. Na novela, isto foi representado através dos personagens de Neco e Belinha.

Os jovens se conheceram e se apaixonaram na viagem de retorno a Vila da Mata, mas após o retorno aos seus lares o casal começou a ter encontros clandestinos, pois suas famílias não podiam saber do romance, devido a inimizade política. Então numa determinada ocasião o pai do moço que ficou consternado por saber do romance, encontrou Boanerges em campanha política na venda de Zaqueu e contou ao seu rival que Neco andava se encontrando as escondidas com Belinha. Boanerges a princípio não acreditou, mas, pôs seus peões a vigiá-la. Diante da proibição do namoro pelo coronel, Neco decidiu falar com a mãe da moça, que achou o jovem bastante petulante, mas, gostou dele e aceitou auxiliá-lo no romance. Mas como a população era fiel a Boanerges, ele acabou descobrindo o namoro entre Belinha e Neco. O rapaz cheio de coragem resolveu pedir a mão da moça em casamento e recebeu uma resposta negativa de Boanerges . Sabendo não ter o respeito do coronel, Neco resolveu fazer-lhe frente na política. O fato foi visto com bons olhos por Justino que desistiu da própria candidatura em função da do filho, pois era sua única alternativa para retirar Boanerges do poder. Neste ponto o coronel Macário entrou em cena e pediu a mão de Belinha em casamento para seu filho Gustavinho que estava na capital. Boanerges decidiu então casar Belinha com o filho do coronel Macário, mesmo sem a moça conhecer o rapaz. Boanerges e Macário acharam que era hora de seus filhos casarem e o casamento de ambos convinha aos dois, pois reforçava sua aliança política.

No entanto esse compromisso foi o desespero de Belinha, que numa conversa com a mãe falou que Neco se negou abandonar a política, fato que aumentava a rivalidade entre ele e o pai da moça, inviabilizando o seu relacionamento amoroso. A mãe, imediatamente contou a filha que no momento que casou com Boanerges nem sequer o conhecia, pois

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fora uma determinação do avô da jovem, este também envolvido na política.

O casamento era utilizado internamente nas perentelas como forma de reforçar suas alianças, e, entre parentelas distantes como forma de expandir a área de influência de um determinado coronel, ou seja, o coronel que tivesse grande influência já sobre uma região, podia alastrar sua zona de mando se conquistasse uma aliança com outro coronel com menor influência (QUEIRÓZ, 1987). Esta aliança em muitos casos era feita mediante o matrimônio dos filhos, forma esta que se encaixa perfeitamente na descrição dada por Emerenciana a filha, a respeito de seu próprio casamento.

O casamento era mais um instrumento de ampliação do poder do coronel, mas, toda a rede somente se sustentavam na fidelidade e na solidariedade estabelecida dentro da parentela. Destacamos como questão de lealdade para com o coronel o fato de sua parentela não se envolver em situações que contrariassem sua vontade.

Passado algum tempo da chegada de Luiz a Vila da Mata, chegou também a cidade uma ex- namorada de Luiz, a espanhola Pepa. No entanto, Luiz estava envolvido com Zuca, Assim, Pepa ficou hospedada na pousada de Zé da Estação até que sua situação se resolvesse. Lá ela conheceu Justino, e com o tempo acabou gostando do coronel e vice-versa. Depois de algumas desconfianças de Mariquinha e Neco, Justino pensou em abrir mão de seu amor pela espanhola, mas, os filhos acabaram entendendo que Pepa realmente gostava de Justino e apoiaram o casamento dos dois. Diante disso eles marcaram a data e escolheram os padrinhos do enlace Zé e Bina, fato que preocupou Zé pela reação do compadrio que tinha com Boanerges, pois isto seria um desagravo ao coronel, visto que ele e Justino são inimigos. Este fato demonstrou como era importante a aprovação do coronel para as ações praticadas por sua gente. Diante disso é importante, mais uma vez, evidenciar que a relação de fidelidade se processa entre todos os integrantes da parentela, indo do coronel aos clientes, pois da mesma forma que a população deve lealdade ao coronel, ele também deve proteção a sua gente. Mas, aqui deve-se fazer uma ressalva, a solidariedade se dá em maior, ou menor escala,conforme o grau de proximidade dos integrantes da parentela com o coronel. Dessa forma, quando as relações de clientela não fossem suficientes para o coronel alcançar seus objetivos a violência era outro instrumento que poderia ser utilizado.

A violência foi outro meio utilizado pelos coronéis para alcançar seus desejos, quando não os atingiam por meio legal. Na novela tivemos duas cenas de violência que marcaram bem esta conduta coronelística.

Em “Cabocla” foi discutida a posse da terra, momento em que a violência foi usada como forma de superar a lei. De um lado tinha-se Justino querendo comprar as

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terras e de outro Feliciano desejando mantê-las. Todavia, nenhum dos dois tinha o apoio legal da questão. Justino ao descobrir que o sitiante era um posseiro, logo falsificou a escritura das terras tomando-as para si e Feliciano não tinha as terras legalizadas como sua propriedade. Com isso, Justino mandou seus capangas derrubarem a cerca que fazia a divisória entre suas terras e as de Feliciano expulsando-o da propriedade.

Mas, com o apoio Boanerges e do Dr. Luiz o sitiante conquistou o direito legal sobre seu sítio. Ocorre que algum tempo depois o Sr. Feliciano foi brutalmente atacado, ficando entre a vida e a morte, por ordem de Macário, pois este último estava revoltado com o sucesso de Feliciano. No entanto, o mandante do crime somente viria a ser descoberto no final da novela, pois Feliciano não revelava o nome do mandante, por temer mais violência. Noutro momento da novela, Neco e Tobias ao voltarem de suas andanças políticas sofreram uma tocaia, sendo atingidos por atirador de outra região. Tobias reagiu e matou o agressor, mas ambos ficaram muito feridos. Como Neco tinha grandes chances contra Boanerges nas eleições imediatamente a culpa da cilada recaiu sobre este último, pois com o agressor morto não se tinha a possibilidade de descobrir o mandante. Tanto na questão de Neco quanto na de Feliciano, a violência foi mostrada como forma de superar a lei. No caso de Feliciano Rosa, a força física obrigou-o a abandonar sua casa. E na questão de Neco a tentativa de assassinato quase o retirou da disputa eleitoral. Nos eventos representados, o poder exercido por Justino na questão da terra e pelo mandante da tocaia foi repressivo, pois “o poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe” (MICHEL FOCAULT, 1979:175) e ao reprimir uma classe este poder tem o caráter de relação de força, logo deve ser visto como condicionador de luta. No coronelismo não existia luta de classes, pois de acordo com Lopez (1994), a população ainda não tinha a consciência de classe, logo obedecia aos mandões e por eles era manipulada conforme o tipo de pressão que exerciam. O poder político dos coronéis também podia ser usado como forma de superar a lei visto que possuíam aliados em seções que viessem a beneficiá-los nas contendas em que poder jurídico contratual estivesse instituído. Por outro lado no caso da tocaia viu-se o uso da violência, como forma de vingança e até mesmo de eliminar um inimigo que vinha despertando a possibilidade de revolta da massa. No entanto, a violência, apesar de presente no sistema coronelístico, não era o motor do sistema, e sim a práticas clientelísticas, pois estas permitiam a cultura do favor e a instituição do sentimento de gratidão. Entretanto, esse sistema que parecia coeso e uníssono sofria rupturas, como também foi representado na novela.

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Ruptura e reorganização das parentelas

Como foi visto antes, o que sustentava as parentelas é a relação de fidelidade e solidariedade que mantinham entre si. No entanto, em situações de conflito interno, por sobreposição da vontade de um membro sobre o desejo da parentela coletivamente, vamos ter uma condição de ruptura na mesma. Esta situação de conflito foi abordada na novela, através do rompimento entre Tobias e Boanerges.

Tobias que era afilhado e empregado de Boanerges, adentrou a sala de seu padrinho e pediu suas contas2. O fato foi interpretado pelo coronel como uma grande ofensa, mas a ofensa ficou maior no momento em que o peão, agora desempregado, solicitou emprego na fazenda de Justino inimigo de Boanerges. Além da questão da relação de fidelidade, há uma relação afetiva que tende a familiarização, pois o brasileiro desenvolveu o hábito de mostrar-se hospitaleiro, até mesmo íntimo, familiar, o que ainda seria efeito da origem em nossa sociedade patriarcal (HOLANDA, 1973).

Outro fator gerador de conflito foi o casamento. Num primeiro momento houve o casamento reforçando alianças e noutro causando o rompimento da amizade ente os coronéis Macário e Boanerges, pois Dona Emerenciana passou a falar para o marido que a filha tinha o direito de ser feliz com quem amasse. Nisso o coronel Boanerges passou a questionar suas decisões, então rompeu o compromisso de casar sua filha Belinha com o filho do coronel Macário. O fato foi visto como uma profunda ofensa por Macário que rompeu laços de amizade com Boanerges. No momento em que se instalava o conflito interno na parentela, tinha-se grande chance de ruptura, pois os membros dividiam-se em dois grupos. Logo o grupo mais fraco se retirava indo buscar outra região para estabelecer o seu mando, ou ainda, permanecia na zona de origem aliando-se a parentelas rivais da que tinha deixado (QUEIRÓZ, 1987).

Assim, tanto a figura de Tobias rompendo com o padrinho e indo pedir emprego em outra fazenda, quanto a posição de Macário frente ao noivado desfeito entre Belinha e Gustavinho evidenciam a ruptura da parentela. Por outro lado, os personagens de Macário e Tobias também representam a reorganização nas parentelas, pois eles abandonam a sua de origem que tem como líder Boanerges e buscam se integrar em outra, na de Justino. Porém é preciso salientar que Macário foi um personagem oscilante entre a aliança com Boanerges ou com Justino, não sendo fiel a nenhum dos dois coronéis, somente aos seus próprios interesses. Da mesma forma, procedeu Tobias em relação ao desagravo como padrinho e acabou, posteriormente se aliando a Neco, filho de Justino e rival político de

2 O peão está inconformado por descobrir que sua noiva Zuca, também afilhada do coronel, rompeu o noivado por estar apaixonada pelo Dr. Luiz, primo do coronel. Tobias não aceita o fato de Boanerges não ter intervido em seu favor, mas não manifesta o motivo de sua indignação ao coronel.

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Boanerges. Nos capítulos finais da novela desfecho das eleições em Vila da Mata foi

favorável a Neco. Porém, o jovem prefeito enfrentou problemas que não imaginava. Neco procurou ao governador, pois queria implantar algumas melhorias na região, mas não obteve sucesso, visto que não foi recebido por ele. Deste modo, foi em busca de auxílio do ex-prefeito, mas ficou sabendo que o governador não atendera nenhum dos dois políticos.

Diante dessa perspectiva, ambos perceberam que não podiam contar com o apoio do Estado. Logo, entenderam que seria mais proveitosa sua aliança política ao invés de sua rivalidade, pois esta seria a oportunidade de alcançar um número maior de votantes e lançar um candidato ao pleito estadual, o qual teria maiores chances de trazer benefícios a região.

O culpado da tocaia contra Neco e Tobias foi descoberto, era o Coronel Macário; ele foi preso e mandado para uma prisão em Vitória, onde sua influência não interferiria no julgamento. Por fim, Boanerges concedeu a mão de Belinha em casamento a Neco e tempos depois o sogro recebeu o apoio político do genro a sua candidatura a Deputado Estadual, o que veio mais uma vez a mostrar como as parentelas se reorganizava.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A novela trouxe a representação de um contexto onde os eleitores eram guiados pelos fazendeiros, os mandantes locais, sendo que sua colaboração era obtida através de trocas de favores entre os coronéis e sua clientela. A população muito pobre, comumente convidava o coronel para padrinho dos filhos, fato que desenvolvia uma relação familiar entre muitos eleitores e os coronéis, em primeira instancia pelo compadrio, e numa segunda instância pelo afilhamento. Assim, se criava uma relação de fidelidade entre os habitantes locais e os mandões da região, que viria a intervir no Estado democrático. Observou uma constante relação de apoio mútuo entre as alianças políticas. As elites locais uniam-se em prol de um governante local que se adequasse aos seus interesses da região. Já, a eleição local era direcionada pelos mandantes através da condução do voto por meio de garantias oferecidas ao eleitorado. Dentre essas garantias figuravam o emprego, a possibilidade de ajuda financeira em momentos de dificuldade, ou até mesmo a garantia de investidas de uma parentela oponente. Contudo, o coronelismo realmente se firmou no momento em que os Estados adquiriram maior autonomia e seus governadores deixaram de ser indicados pelo presidente da república, passando a ser eleitos. Deste modo, os governadores passaram a apoiar os mandantes locais e eles em troca ofereciam o seu apoio nos pleitos eleitorais a fim de mantê-los no poder, mediante a fiança do voto

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do interior. Em troca, os governadores faziam vista grossa aos mandos e desmandos dos governantes locais. Também, ofereciam cargos públicos a pessoa indicada por confiança dos coronéis, que o caracterizava o alastramento das relações clientelísticas. Outra temática levantada na trama foi a negligência com as obrigações do Estado em relação as melhoria s necessárias nas regiões interioranas, fato que gerava o aumento em escala maior da miséria da população, enfatizando o círculo vicioso das relações de dependências dos clientes para com seus devidos coronéis e líderes políticos. Todavia, esta exacerbação da negligência para com o atendimento dos desejos dos coronéis vai lançá-los numa perspectiva maior. Ao invés de seu poderio de mando ficar restrito a zona rural, os coronéis procuraram alcançar uma escala maior, ou seja, os coronéis procuraram exercer poder em escala estadual e até mesmo nacional, mediante candidatura a cargos estaduais e federais.

Assim, a encenação do passado, proporcionou-se a reflexão de fatos presentes na conjuntura política atual. Porém esta reflexão depende da apreensão da mensagem alocada em segundo plano na trama, a qual será entendida de forma particular por cada telespectador em função de seu próprio conhecimento e cultura.

Espera-se que este estudo venha a contribuir para o ensino de história através da utilização de documentos contemporâneos e para a pesquisa histórica relacionada ao conteúdo das mensagens veiculadas pela mídia televisiva.

FONTE:Cabocla. Telenovela. Produção Rede Globo de Televisão. Autoria: Benedito Ruy Barbosa. Adaptação: Edmara Barbosa e Edilene Barbosa, direção: José Luiz Villamarim e Rogério Gomes, 2004. Disponível em: http://cabocla.globo.com/

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