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NOVOS OBJETOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: OS MEMES NA SALA AULA Sílvio Ricardo Gouveia Cadena Mestrando do PGH-UFRPE [email protected] Resumo: Todos os dias somos submetidos a um grande número de informações e certamente, as mídias sociais desempenham um forte papel nesta difusão. Dentro deste contexto, numa sociedade cada vez mais conectada, os saberes terminam por se descentralizarem, como afirma Martin-Barbero. O monopólio acadêmico e escolar na produção de saberes perdem sua hegemonia. Diante disto, o referido trabalho propõe reflexões a partir de alguns memes difundidos na mídia social Facebook e objetos de análise da dissertação Narrativas Digitais e a História do Brasil: uma proposição para a análise de memes com temáticas coloniais e seu uso nas aulas de História. As fontes selecionadas neste artigo são caracterizadas por possuírem narrativas históricas responsáveis por gerar recepções acerca de um saber histórico que não está situado na academia, nem na escola, mas possuidor de características peculiares e capazes de serem difundidas para amplo público. Além disto, apresentam potencialidade para utilização como material didático nas aulas. Afora o fator familiaridade, entendemos que questões sensíveis na vida dos estudantes devam fazer parte dos conteúdos a serem problematizados em sala e não apenas aqueles prescritos no currículo. Palavras-chaves: Ensino de História; Memes; Materiais didáticos; Do ecossistema informativo à reflexão acerca de novos objetos para o Ensino de História Para Martin Barbero (2000, p. 55) o grande acesso a informação que tão bem caracteriza nossa sociedade contemporânea tem gerado uma descentralização de saberes, não sendo as salas de aula exclusivos espaços de para sua obtenção. Tal fato, segundo o autor, tem feito com que muitas vezes as escolas adotem uma postura defensiva ante ao que está sendo produzido fora de seus muros. A atitude defensiva da escola e do sistema educativo estão levando-os a desconhecer ou disfarçar o fato de que o problema de fundo está no desafio que lhe é apresentado por um ecossistema comunicativo, do qual emerge outra cultura, outro modo de ver e ler, de aprender e de conhecer. (MARTIN- BARBERO, 2000, p.56)

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NOVOS OBJETOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: OS MEMES NA SALA

AULA

Sílvio Ricardo Gouveia Cadena

Mestrando do PGH-UFRPE

[email protected]

Resumo: Todos os dias somos submetidos a um grande número de informações e

certamente, as mídias sociais desempenham um forte papel nesta difusão. Dentro deste

contexto, numa sociedade cada vez mais conectada, os saberes terminam por se

descentralizarem, como afirma Martin-Barbero. O monopólio acadêmico e escolar na

produção de saberes perdem sua hegemonia. Diante disto, o referido trabalho propõe

reflexões a partir de alguns memes difundidos na mídia social Facebook e objetos de

análise da dissertação Narrativas Digitais e a História do Brasil: uma proposição para a

análise de memes com temáticas coloniais e seu uso nas aulas de História. As fontes

selecionadas neste artigo são caracterizadas por possuírem narrativas históricas

responsáveis por gerar recepções acerca de um saber histórico que não está situado na

academia, nem na escola, mas possuidor de características peculiares e capazes de

serem difundidas para amplo público. Além disto, apresentam potencialidade para

utilização como material didático nas aulas. Afora o fator familiaridade, entendemos

que questões sensíveis na vida dos estudantes devam fazer parte dos conteúdos a serem

problematizados em sala e não apenas aqueles prescritos no currículo.

Palavras-chaves: Ensino de História; Memes; Materiais didáticos;

Do ecossistema informativo à reflexão acerca de novos objetos para o Ensino de

História

Para Martin Barbero (2000, p. 55) o grande acesso a informação que tão bem

caracteriza nossa sociedade contemporânea tem gerado uma descentralização de

saberes, não sendo as salas de aula exclusivos espaços de para sua obtenção. Tal fato,

segundo o autor, tem feito com que muitas vezes as escolas adotem uma postura

defensiva ante ao que está sendo produzido fora de seus muros.

A atitude defensiva da escola e do sistema educativo estão levando-os a

desconhecer ou disfarçar o fato de que o problema de fundo está no desafio

que lhe é apresentado por um ecossistema comunicativo, do qual emerge

outra cultura, outro modo de ver e ler, de aprender e de conhecer. (MARTIN-

BARBERO, 2000, p.56)

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A partir deste prisma, os memes de internet dificilmente poderiam deixar de

serem compreendidos como uma mera frivolidade. Pois, segundo o pesquisador “A

atitude defensiva limita-se a identificar o melhor do modelo pedagógico tradicional com

o livro e anatematizar o mundo audiovisual como o mundo da frivolidade, da alienação,

da manipulação”. Tal posicionamento frente aos saberes extra-escolares certamente

nos faz lembrar da “ortodoxia” do que viria a ser considerado um documento histórico a

partir de uma visão positivista.

Apologia da História ou o Ofício do Historiador, de Marc Bloch (2001), é

indubitavelmente um marco acerca da proposição de novas fontes para a escrita da

História. Assim, há uma ampliação não apenas das fontes, como também das leituras do

pretérito possíveis de serem realizadas a partir do presente.

Como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos humanos no

passado, da maior parte deles no presente, deve ser, [segundo a feliz

expressão de François Simiand,] um conhecimento através de vestígios. Quer

se trate das ossadas emparedadas nas muralhas da síria, de uma palavra cuja

forma ou emprego revele um costume, de um relato escrito pela testemunha

de uma cena antiga [ou recente], o que entendemos efetivamente por

documentos senão um “vestígio”, quer dizer, a marca perceptível aos

sentidos, deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar?

(BLOCH, 2001, p. 73)

Desta forma, os documentos compreendidos como oficiais e sobretudo os

escritos, não seriam maneiras exclusivas de chegar ao conhecimento originado no

passado. A partir deste pressuposto, sem dúvidas, torna-se possível conceber os memes

e demais manifestações da cultura humana como uma fonte para a História, assim como

utilizá-los como ferramentas didáticas nas aulas de História do ensino Básico. Afinal,

“Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica tudo o que toca pode e deve

informar sobre ele”. (BLOCH, 2001, p.79).

Por que utilizar os memes de internet nas aulas de História?

Antes de adentrarmos por quais razões estas peças digitais podem fazer parte do

hall de materiais didáticos, entendemos como fundamental discutirmos o conceito de

meme e sua relação com a História para que melhor possamos entendê-lo como uma

fonte.

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O tão famigerado meme, que constantemente recebemos e compartilhamos via

mídias sociais teve seu conceito elaborado há décadas atrás, pelo pesquisador Richard

Dawkins, na obra o Gene Egoísta, de 1979. Seu conceito estabelece um parâmetro

analógico ao gene, como uma unidade de transmissão cultural. O autor afirma que o

meme seria a imitação, a cópia, e sua terminologia derivada da palavra rega "Mimeme".

Mas, opta por fazer uso do termo meme, pois assim poderia estar relacionado também à

memória (2001, p. 123). Desta maneira, a partir de tal paralelo, é crível inferir que o

meme teria influência na constituição de identidades.

A partir da compreensão do meme como transmissor cultural e também como

capaz de transmitir memória, torna-se possível compreendê-lo como uma fonte para

História. Segundo Diehl (2002, p116-128), a memória compõem-se a partir de

experiências já cristalizadas no pretérito “facilmente localizável”. Ademais, possui a

característica de ser assídua historicamente por ser contextualizada, sendo capaz de

adaptar-se as necessidades do tempo experimentado por um determinado indivíduo.

Uma das formas em que a memória se manifesta é a narrativa. Segundo Rusen

(2015, 50-54), ela se dá por meio da interpretação da experiência histórica e se expressa

através do saber histórico. O narrar, através da visão do autor, seria como a

“materialização” do caráter explicativo, sobretudo, a partir do momento em que

conferimos sentido as relações temporais que anteriormente eram carentes de

interpretação. A figura 01, apresentada a seguir, demostra justamente este caráter

narrativo explicativo a partir do momento, mesmo que de forma sintetizada, aponta

como aos negros de nosso país sempre foram relegados cargos tidos como de menor

importância e com baixa remuneração financeira. Ao mesmo tempo em que o faz numa

provocação apontando para a permanência de nosso período colonial e fazendo uma

crítica a proposta de terceirização trabalhista, a peça apresenta a imagem do negro como

um ser passivo e incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência. Esta perspectiva não

está longe daquelas vistas nos livros escolares, bem como de uma historiografia de

cunho mais tradicional. Sendo também possível inferir sua ligação às memórias mais

cristalizadas acerca do conteúdo escravidão no Brasil.

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Figura 01: Escravizado/Terceirizado

Fonte: Página do Facebook Inca Venusiano

Disponível

em:<https://www.facebook.com/jotacamelooficial/photos/a.314157345438919.1073741830.3136353321

57787/694984324022884/?type=3&theater>. Acesso em: 30 mar 2017

Assim o meme como portador de uma narrativa de caráter explicativo acerca

das relações temporais, transmissor cultural ligado a memória sedimentadas e fator

contribuinte a construção de identidades, se apresenta como material de grande

potencialidade para pesquisas do campo da História e da Didática da História.

Afora a relação acima realizada, também é possível verificar que os memes

muitas vezes apresentam em suas narrativas discussões públicas pertinentes para a sala

aula, no que Penna e Silva (2016, 195-205) compreendem como uma operação

historiográfica ampliada. Assim a produção historiográfica não estaria restrita a seus

pares e seria possível a articulação de outros lugares sociais e textos.

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Utilizando uma concepção ampla de texto, poderíamos pensar nos múltiplos

textos em cuja produção os profissionais de história estão envolvidos, as

metodologias adotadas em suas práticas e a constituição dos lugares sociais

nos quais atuam (aulas da educação básica, exposições em museus, roteiros

de filmes em firmas de consultoria, caracterização histórica para programas

de televisão, blogs na internet, etc.). (PENNA; SILVA, 2016, p.198)

Desta maneira, a utilização de memes como o apresentado na figura 02 são

viáveis de serem trabalhados em sala de aula. Este apontar de permanências de nosso

passado trazem a tona questões sensíveis a muitos estudantes, sobretudo aqueles que são

negros e vitimas de abusos policiais por conta da sua cor de pele. O extermínio da

juventude negra merece e deve ser discutido em ambiente escolar. Além disto, como

salienta Bergmann (1990, p.32 ), é função da didática da História estar atenta a como o

História tem sido representada pelos meios de comunicação de massa. Além do mais, o

autor destaca que estas representações, de algum modo, interferem na produção

acadêmica e escolar e que se faz necessário atentar para que visões deturpadas sobre o

pretérito sejam endossadas.

Mesmo na nesta tarefa empírica de investigação, a Didática da História nunca

está orientada numa dimensão exclusivamente descritiva mas, pelo contrário,

investiga esta consciência Histórica na intenção de impedir que se transmita

ou amplie orientações práticas ou motivações e práticas historicamente

superadas. (BERGMANN, 1990, p.32)

Deste modo, tentativas de relativização da escravidão não podem passar

incólumes e sem o devido enfrentamento a partir da perspectiva historiográfica e dos

direitos humanos.

Figura 02- Senhor e Capitão do mato

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Fonte: página do Facebook Menes de Esquerda.

Disponível

em:<https://www.facebook.com/menesdeesquerda/photos/a.1540337422855711.1073741828.154033392

2856061/1599548306934622/?type=3&theater>. Acesso em: 12 dez 2016.

Trazer à sala de aula discussões a partir da imagem da figura 02 é trazer à baila

aquilo que Funes (2011, p. 59) chama de questões socialmente vivas. Ou seja, assuntos

latentes para o corpo discente. Ou seja, assuntos candentes na vida de meninos e

meninas. Segundo Funes, estes conteúdos escolares tratam de práticas sócias, possuem

forte dimensão midiática e uma demanda social que sustenta sua vivacidade. Tal olhar

é corroborado com a afirmação de Cerri, Quando afirma que a História tem como uma

de suas funções fornecer orientação para vida prática dos sujeitos e deve ir além do

currículo prescrito .

[...]Nesse sentido, de nada adianta o aluno aprender tudo sobre a guerra

mundial enquanto não consegue aprender ou aplicar nada do que aprendeu

para entender por que seu bairro, sua família ou ele mesmo são vitímas de

fenômenos como desemprego estrutural, a discriminação ou o alcoolismo, e o

que é possível fazer quanto a isso. [...] (CERRI, 2011, p.123)

Como utilizar os memes nas aulas de História?

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No tópico anterior apontamos como o meme pode ser compreendido como uma

fonte para História e a relevância que algumas dessas peças digitais apresentam,

sobretudo a partir de discussões públicas que acreditamos ser convenientes e

merecedoras de discussões dentro dos muros da escola. De forma en passant, haja visto

as limitações textuais de um artigo, apresentamos alguns vieses pelos quais podemos

selecionar memes que venham a ser trabalhados em sala de aula, sobretudo a partir de

questões pertinentes a vida prática dos alunos.

Já neste tópico, buscaremos oferecer possibilidades para o tratamento do meme

como documento nas aulas de história. Vale salientar que o tratamento dispensado ao

meme como fonte para História não se resume apenas à questão acadêmica. Para

Oliveira (2010, p.11), a produção do conhecimento científico em História deve servir

como base referencial para a construção do conhecimento histórico escolar - “Dialoga-

se com o tempo por meio das fontes (utiliza-se o livro didático, mapas, imagens,

músicas, documentos); Utilizam-se instrumentos teóricos e metodológicos (conceitos,

formas de proceder)...”.

Diante da incipiente bibliografia no campo da História no que se refere

diretamente aos memes, resolvemos nos valer da proposição de Napolitano (2005,

p.246) ao tratar de fontes que estão fora do papel. Para o autor, deve-se associar a

linguagem técnico-estética das fontes, seus códigos internos de funcionamento, as

representações históricas nelas contidas e a narrativa. O autor chama a atenção para a

necessidade do conhecimento técnico desta linguagem por parte do historiador. Desta

forma, mais adiante, quando iremos propor um “passo a passo” para o tratamento dos

memes em sala de aula, levaremos em consideração os locais onde estas peças foram

criadas e/ou compartilhadas bem como sua interação como o público por meio de

comentários, curtidas e compartilhamentos.

Mas ao falar de memes, todavia estamos nos referindo a imagens. Sendo estas

nenhuma novidade dentro do ensino de História, os livros didáticos atualmente estão

recheados delas. Entretanto, como estamos propondo uma análise que seja exequível de

ser realizada em espaço escolar, metodologias de análise de imagens, como a semiótica

por exemplo, pode não ser algo muito compreensível para turmas de Ensino

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Fundameltal e Médio. Deste modo, compreendemos que através das narrativas presentes

nas peças digitais seja a melhor forma de trabalhá-las.

Para Carretero (2011, p. 95), a construção de narrativas está diretamente ligada a

constituição do conhecimento histórico indo além do campo da história e sua

aprendizagem, sendo uma ferramenta base do conhecimento humano.

Segundo Manguel (2001, p. 24), ao se referir as imagens e suas narrativas, alega

que “Formalmente as narrativas existem no tempo, e as imagens no espaço”. Ou seja, as

imagens estariam presas a um suporte. Já as narrativas que poderiam se originar das

imagens seriam variáveis de acordo com o tempo, sendo as leituras dependentes deste

último fator.

Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, fotografadas,

edificadas ou encenadas-, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa.

Ampliamos o que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e,

por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos à

imagem imutável uma vida infinita e inesgotável. (MANGUEL, 2001, p.27)

Assim, tendo em vista possibilitar a visualização das narrativas oriundas das

leituras dos memes, compreendemos que a narrativa não está apenas nos elementos

contidos em uma dada imagem, nossa foco é ir além da “moldura”. Desta maneira se

faz necessário o surgimento de outros elementos que nos auxiliam, como o contexto no

qual dada peça surgiu, a tensão entre representação e evidência e possíveis

interpretações de intencionalidade de seus criadores.

Deste modo, ao trabalhar com os memes propomos uma divisão em 4 etapas.

Na primeira, serão expostos os memes e de que locais surgiram, suas páginas do

Facebook de origem1. Assim, deixaremos evidente o lugar de enunciação e possível

intencionalidade que um post possa vir a ter. Vale destacar que serão trabalhados dois

memes que possuam ideias contraditórias a partir de um dado conteúdo. O que segundo

Carretero auxilia na habilidade que os alunos deveriam adquirir ao estudarem História.

[...]Esto es, debería ofrecérseles la posibilidad de conocer diferentes miradas sobre un

hecho o proceso y de integrarlas mediante procedimientos de análisis y comparación[...]

1 Aqui não existe a ideia de buscar a exata origem de um determinado meme. Por se multiplicarem de

forma rápida pelas diversa mídias sociais esta busca não teria sentido. Todavia entendemos como

fundamental conhecer as características da página onde ele foi encontrado.

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(CARRETERO, 2011, p.94). Um bom exemplo está ao trabalhar com memes sobre

escravidão de páginas do Facebook com perspectivas políticas distintas, como bem

expõem os memes das figuras 03 e 04. Estes memes estão de tal forma imbrincados que

o da figura 04 surge como resposta ao da figura 03. Estas imagens, como as que já

foram utilizadas neste artigo trazem uma discussão que pode ser extremamente rica em

sala de aula, mostrando o uso do passado por meio de perspectivas diferentes.

Figura 03 – Continuar tendo privilégios

Fonte: Página do Facebook Menes de Esquerda.

Disponível em:

<https://www.facebook.com/menesdeesquerda/photos/a.1540337422855711.1073741828.154033392285

6061/1719537344935717/?type=3&theater> Acesso em: 20 dez 2016.

Figura 04- Retrato moderno da escravidão?

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Fonte: Página do Facebook Jovens de Direita (2016). Disponível em:

<https://www.facebook.com/jovensdedireita/photos/a.1392561270986141.1073741828.13925586909863

99/1688556818053250/?type=3&theater> Acessado em 07 fev 2017.

A segunda etapa de análise compreende a descrição das imagens, onde serão

identificados os elementos imagéticos e textuais e seus possíveis significados. Isto

posto, em nossa terceira etapa, iremos expor o contexto do surgimento destas imagens

relacionando-as a acontecimentos do tempo presente, como também aos do passado a

que se referem. E ainda levando-se em consideração a recepção destas peças nas

páginas em que foram postadas no Facebook (que também podem apresentar sentido

contraditório ao argumento da peça memética), verificaremos a interação com público

por meio de curtidas, compartilhamentos e comentários.

Na quarta parte de nossa análise, traremos acerca das discussões historiográficas

sobre a temática em questão, sejam elas acadêmicas ou escolares. Neste momento, além

de tecer as relações fontes e evidências, estamos contribuindo para o apontamento de

referenciais teóricos importantes para compreensão do assunto que esteja em

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tratamento. Aqui cabe ao docente a sensibilidade de como tratar a historiografia na sala

de aula, haja vista que a linguagem acadêmica pode não ser compreendida pelos

discentes. Assim, acreditamos que dependendo da turma, a exposição do professor seja

mais adequada na hora de abordar este assunto do que propriamente a leitura de textos

acadêmicos em sala. Também entendemos como significativa e viável a possibilidade

de que o corpo discente pesquise e traga documentos, como matérias jornalísticas,

relatos de experiência etc, que possam auxiliar no estabelecimento das relações entre

fontes e evidências. E por último, apontaremos junto a alunos e alunas outras temáticas

possíveis de serem abordadas nas aulas de História a partir das peças trabalhadas.

Conquanto, vale destacarmos que nossa proposta de análise deve ser compreendida

como passível de adaptações por parte dos professores e a sua realidade experimentada.

Breves considerações finais

“O uso pelo uso” sem qualquer tipo de planejamento prévio de qualquer objeto

que venha ser levado para a escola incorre sobre o risco de se tornar uma prática pouco

significativa pedagogicamente. Assim, neste breve artigo, esperamos ter colaborado

para que professores e professoras atentem para a necessidade de não só apenas pensar

em novos objetos para o ensino de História, como também a indispensabilidade de

planejar e refletir acerca de metodologias adequadas e fundamentações teóricas acerca

de conteúdos que possam ser utilizados ao optar por levar dado material para sua turma.

A utilização dos memes nas aulas de História do Ensino Fundamental e Médio

muito possivelmente será capaz de gerar a atenção de discentes, haja vista sua

familiaridade com que os jovens circulam pelas mídias sociais. Todavia, nos cabe como

docentes ir além deste fator, bem como o humor que muitas dessas peças podem

apresentar. Problematizá-las e trazer o aluno para o debate de temáticas socialmente

vivas deve ser tido como o principal foco. Ou seja, por meio do assunto visto em sala os

discentes devem ser capazes de encontrar um sentido prático na História para suas

vidas, como afirma Rüsen (2007, p.133): “Permita ao indivíduo a indagação sobre o

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passado de forma que a resposta lhe faça algum sentido no presente e que de alguma

maneira esse sujeito encontre uma orientação histórica para a sua vida cotidiana”.

Ao propor o meme como um documento a ser tratado em sala de aula e em

consequência tê-lo como um material didático, não temos a pretensão que estas peças

não são as únicas capazes de gerar uma aprendizagem significativa para alunos e alunas.

Os usos dos memes devem ser compreendidos como possibilidades e não “tabua da

salvação”.

Fontes

JOVENS DE DIREITA, Retrato moderno da escravidão?. 13 mar 2016. Disponível

em:

<https://www.facebook.com/jovensdedireita/photos/a.1392561270986141.1073741828.

1392558690986399/1724203331155265/?type=3&theater> Acesso em: 07 fev 2017.

INCA VENUSIANO. Escravidão/Terceirização. 24 mar 2017. Disponível em:

<https://www.facebook.com/jotacamelooficial/photos/a.314157345438919.1073741830

.313635332157787/694984324022884/?type=3&theater> Acessado em: 30 mar 2017.

MENES DE ESQUERDA. Continuar tendo privilégios. 14 mar 2016. Dispinível em:

<https://www.facebook.com/menesdeesquerda/photos/a.1540337422855711.107374182

8.1540333922856061/1719537344935717/?type=3&theater> Acesso em: 20 dez 2016.

_________, Senhor e Capitão do mato. Disponível

em:<https://www.facebook.com/menesdeesquerda/photos/a.1540337422855711.107374

1828.1540333922856061/1599548306934622/?type=3&theater>. Acesso em: 12 dez

2016.

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