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Agradecimentos

A realização desta dissertação não teria sido possível sem a colaboração, disponibilidade e

empenho de algumas pessoas. Tendo isso em consideração, gostaria de expressar o meu apreço

e gratidão a todos aqueles que contribuíram ao longo deste processo.

Gostaria de agradecer ao meu orientador da Universidade do Minho, o Professor José Manuel

Sá Cunha Machado, pelas suas orientações, recomendações e pela sua disponibilidade. Sempre

se demonstrou compreensivo e acessível quando mais precisei e este resultado não teria sido

possível sem a sua ajuda.

Agradecer à minha mãe pela sua paciência e sobretudo por sempre incentivar a minha

formação e crescimento pessoal.

Ao meu pai que sempre me acompanhou e incentivou ao longo de todo o percurso, sempre

demonstrando orgulho em mim.

À minha namorada, pela sua disponibilidade em me ajudar e elucidar, por estar sempre

presente nos momentos em que precisei.

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Do internamento em regime fechado para a vida em liberdade

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão acerca da medida do internamento

em regime fechado e as suas consequências para os jovens que a cumprem. Através da análise

de vários estudos e obras sobre este tema, procurou-se perceber não só o funcionamento dos

centros educativos, mas sobretudo o funcionamento do internamento em regime fechado e os

seus aspetos positivos e negativos para a correta reinserção dos jovens. Ao longo do trabalho são

focados vários aspetos deste processo de reinserção e a forma como o regime fechado se relaciona

com os mesmos, tais como a liberdade do jovem, a forma como este vê a medida, o estigma que

esta provoca ao jovem e a forma como este é visto e a facilidade ou dificuldade do regime em

garantir a não reincidência. O objetivo do trabalho é perceber se a medida de internamento em

regime fechado se adequa aos propósitos da lei tutelar educativa, a educação para o direito, a

reeducação do jovem, ou se é uma medida que necessita de ser revista. Com estes propósitos em

mente chegamos à conclusão que embora exista uma necessidade da medida do internamento,

o regime fechado, mesmo que executado apenas em casos mais gravosos, parece uma medida

excessiva tendo em conta os propósitos da lei tutelar educativa. Embora seja realizada uma

reeducação para o direito, esta não vai completamente de encontro à realidade.

Palavras-chave: Regime fechado, Privação da liberdade, Reinserção, Reincidência

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From internment in a closed regime to life in freedom

Abstract

The present work aims to reflect on the internement in a closed regime and its consequences for

the young people who comply with it. Through the analysis of several studies and works on this

theme, we have tried to perceive not only the functioning of educational centres, but especially the

functioning of internment in a closed regime and its positive and negative aspects in the correct

reintegration of interned youth. Throughout the work, we focus various aspects of this reintegration

process, and the way in which the closed regime relates to them, such as the freedom of the

interned youth, the way the youth sees the measure, the stigma it causes to those who completed

internment, the way they are percevied by society and the ease or difficulty of the regime in ensuring

non-recurrence. The objective of the study is to understand if the measure of internment in a closed

regime is adequate for the purposes of the tutelary law, education for the law, re-education of the

young, or if it is a measure that needs to be reviewed. With these purposes in mind, we have come

to the conclusion that although there is a need for the measure of internment, the closed regime,

even if executed only in more serious cases, seems an excessive measure in view of the purposes

of the tutelary law of education. Although the reeducation performed is done with the right

purposes, it does not conform completely to reality.

Key-words: Internment in a closed regime, Deprivation of liberty, Reintegration, Recidivism

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Índice

Introdução ................................................................................................................................ 1

1 – A delinquência e a reeducação ........................................................................................... 5

1. 1 – A delinquência e a sociedade ..................................................................................... 5

1.2 – Medidas definidas pela lei ........................................................................................... 6

1.3 – A medida de internamento em centro educativo......................................................... 11

2 – O sistema de justiça juvenil português .............................................................................. 13

2.1 – A lei tutelar educativa ................................................................................................ 13

2.2 – A existência do regime fechado.................................................................................. 15

2.3 – A transformação do centro educativo em instituição total ........................................... 16

3 – O processo de reinserção dos jovens ................................................................................ 19

3.1 – A relação dos jovens com o centro educativo ............................................................. 19

3.2 – Modelo de reeducação e a reincidência ..................................................................... 21

3.3 – O estigma e a reincidência ........................................................................................ 24

3.4 – As dificuldades em reproduzir a realidade: regime fechado ........................................ 27

3.5 – Os dados da reincidência em Portugal ....................................................................... 30

3.6 – A (des)centralização dos centros educativos .............................................................. 34

4 – A vida após o internamento .............................................................................................. 37

4.1 – A necessidade de acompanhamento .......................................................................... 37

5 – Um olhar alargado sobre outros sistemas de justiça juvenil ............................................... 43

5.1 – A evolução dos sistemas de justiça juvenil ................................................................. 43

5.2 – A problemática da idade e a responsabilidade penal .................................................. 44

5.3 – Os sistemas de justiça juvenil francês e espanhol ...................................................... 49

Conclusão .............................................................................................................................. 51

Bibliografia ............................................................................................................................. 55

Referências online .................................................................................................................. 57

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Introdução

A seguinte dissertação foi elaborada no âmbito do Mestrado em Crime, Diferença e

Desigualdade, da Universidade do Minho, tem como título “Do internamento em regime fechado

para a vida em liberdade”, e tem como objetivo uma reflexão acerca da medida de internamento

em regime fechado e as suas consequências para os jovens que a cumprem.

Em qualquer sociedade existe crime, tal como nos diz Durkheim, e isso não é diferente na

sociedade portuguesa. Mais concretamente, a criminalidade juvenil é um problema que tem ganho

uma crescente notoriedade desde o fim da década passada, resultando na implementação de leis

em diversos países, nomeadamente na implementação da lei tutelar educativa em Portugal.

O crime cometido por um jovem passa a ser diferenciado do crime cometido por um adulto,

é tratado de forma diferente em instâncias diferentes. Assim, com o surgimento desta lei denota-

se a preocupação em não condenar um jovem delinquente a uma pena de prisão, a uma medida

elaborada com um intuito punitivo ao invés de restaurador. Com a lei tutelar educativa passa a

existir uma preocupação em perceber o porquê da delinquência, com maior foco para anos mais

recentes, o meio que rodeia este jovem e necessidade em percebê-lo para realmente o conseguir

ajudar.

Percebendo o intuito em afastar os jovens do sistema penal, diretiva das Nações Unidas, e

criar um sistema de justiça juvenil específico e orientado para a educação para o direito, questiona-

se a utilidade de uma medida deste mesmo sistema que opta pela total privação da liberdade,

característica comum a uma pena de prisão adulta.

O objetivo do nosso sistema de justiça juvenil é reeducar estes jovens delinquentes para a

sociedade, passar-lhes normas e valores correspondentes da mesma. Assim, este trabalho procura

perceber qual a necessidade da existência desta pena e quais os benefícios e prejuízos da mesma

na vida destes jovens, no processo de reeducação e no processo de reinserção dos mesmos.

Numa parte inicial, iremos refletir sobre o que é verdadeiramente a delinquência, o que

realmente leva a que um jovem siga o caminho da delinquência, percebendo que existem vários

fatores que influenciam não só a personalidade de um jovem, mas também as suas escolhas. O

meio em que qualquer pessoa se insere e as pessoas de que se rodeia influenciam a sua

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personalidade, algo que não deve ser descurado. No seguimento desta reflexão descrevemos as

medidas implementadas pela lei tutelar educativa, as medidas a que os jovens dos 12 aos 16

anos estão sujeitos quando cometem um crime, analisando a medida de internamento em regime

fechado, percebendo a realidade dos centros educativos em Portugal e o funcionamento dos

mesmos.

De seguida, focamo-nos num olhar mais aprofundado do sistema de justiça juvenil. Focando

como objetivo deste estudo a medida de internamento em regime fechado, debruçamo-nos sobre

a mudança de mentalidade imposta pela implementação da lei tutelar educativa, a ideia de que

qualquer medida deve ser imposta ao jovem tendo em conta o seu superior interesse, ou seja,

deve ser aplicada aquela que melhor se adequa às suas necessidades, bem como a inclusão da

família nos processos. Nesse sentido, analisamos perspetivas quanto à necessidade da existência

da medida regime fechado, visto que esta, segundo recomendação das Nações Unidas, deve ser

evitada. Por consequência, falamos também sobre o risco da transformação do centro educativo

numa instituição total, devido à privação da liberdade e outras privações a que os jovens ficam

sujeitos.

No seguimento da análise ao sistema de justiça juvenil, abordamos a reinserção dos jovens

na sociedade, as diferentes perspetivas sobre a mesma. Falamos inicialmente da relação que

estes jovens estabelecem com o centro educativo e as relações pessoais que formam e

procuramos, posteriormente, perceber se este tipo de medida prejudica ou beneficia a reinserção

destes jovens na sociedade, se as experiências e as mencionadas relações que foram criadas

facilitam a sua reinserção ou se esta medida se encontra desfasada da realidade. Como deve ser

traçado o plano de um jovem delinquente para que este não reincida? E quais são os principais

motivos para a reincidência existir? Falamos, portanto, da forma como a reeducação é feita, o seu

modelo, o estigma que pode provocar e o seu impacto na reincidência, mas também a validade

das experiências que esta medida proporciona, até que ponto se adequa à realidade do exterior.

Complementando esta análise, descrevemos brevemente os dados da reincidência em Portugal e

fazemos uma breve reflexão sobre a rede de centros educativos em Portugal, a sua localização

geográfica e o impacto que esta pode ter na reinserção dos jovens, uma vez que o internamento

é um processo que não deve englobar apenas o jovem e o centro.

No capítulo seguinte, debruçamo-nos sobre a vida destes jovens após o internamento, a

necessidade que estes têm de receber acompanhamento para reduzir, se possível extinguir, o

risco de reincidência. Nessa perspetiva, analisamos as ajudas existentes e as soluções já

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recomendadas para a melhoria do sistema de justiça juvenil português neste aspeto,

nomeadamente a supervisão intensiva, procurando perceber se realmente os jovens que cumprem

medida de internamento em regime fechado precisam de acompanhamento no exterior, posterior

ao fim da medida, e se deve este, existindo, ser obrigatório ou facultativo.

Por último, um olhar geral sobre outros sistemas de justiça juvenil, a evolução que tem

ocorrido na Europa em relação a este tema e as alterações que se foram registando, mencionando

a disparidade nos limites etários dos diferentes sistemas de justiça juvenil. Nesse seguimento, é

feita uma análise comparativa entre os sistemas de justiça juvenil em Espanha, em França e em

Portugal.

Em suma, esta dissertação pretende realizar e incitar uma reflexão acerca da medida de

internamento em regime fechado, focada em perceber a verdadeira eficácia e o real benefício

desta medida. Perceber se existe a necessidade de mudanças, na lei, nas estruturas ou no próprio

conceito da medida. Mas sobretudo, perceber até que ponto se pode pretender obter sucesso na

reinserção de um jovem, a sua correta integração na sociedade sem qualquer tipo de reincidência,

ou sinal da mesma, declarando a total privação da liberdade.

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1 – A delinquência e a reeducação

1. 1 – A delinquência e a sociedade

Na sociedade em que vivemos o termo delinquente é, cada vez mais, utilizado e facilmente

atribuído a um determinado jovem. Precipitadamente são culpabilizados pelos seus desvios e

comportamentos desviantes, pela sua inadaptabilidade.

Conforme citado em Santos (2004, p. 11), Ferreira afirma que é “um erro assumir que a

maior parte dos delinquentes são diferentes dos não-delinquentes”, sendo que o meio em que

estes se encontram define muitas vezes o percurso de um jovem. Este autor define, ainda, dois

tipos de delinquentes, o “subsocializado” e o “socializado”. No primeiro, a delinquência é

caracterizada por uma falta de laços do jovem com a sociedade, seja com aqueles que o rodeiam,

bem como com as instituições convencionais, e por um desacreditar das normas legais da

sociedade. No segundo, a delinquência é apreendida, o jovem aprende a ser desviante através dos

comportamentos que observa, isto é, quando toma como exemplo o meio ou as companhias

desviantes a que está exposto. Sendo que “esta exposição a comportamentos delinquentes é mais

comum em populações mais vulneráveis a sentimentos de frustração e de injustiça pelo facto de

não terem acesso legítimo a objetivos e oportunidades (…) A existência desses sentimentos leva à

rejeição dos objetivos convencionais da sociedade e ao envolvimento com meios ilegítimos de os

obter”.

“Muita da delinquência é uma forma atrativa de socialização, variando, na perceção de quem

a pratica, entre o que se considera ser uma brincadeira, a necessidade de ocupação do tempo

livre, a afirmação de poder ou a obtenção de reconhecimento social. Desta conjugação conclui-se

que, frequentemente, a sua vivência é gratificante, aliciante e desafiante para crianças e jovens,

potencialmente geradora de um estatuto social que confere um determinado papel e

reconhecimento e importância no contexto de vida, alcançando-se através de meios ilegítimos

aquilo que de outra forma dificilmente se conseguiria” (Rodrigues, et al., 2016, p. 113).

Assim, a delinquência juvenil está, na sua grande maioria, relacionada “com os espaços e

com as dinâmicas sociais onde se vêm a desenrolar, no seio de comunidades fragmentadas e

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onde as instituições tradicionais de controlo social, designadamente a família e a escola, se veem

sem grande eficácia sendo, também elas, alvos preferenciais dessa mesma violência no que são

acusadas de disfuncionamentos de diversa ordem” (Carvalho, citado em Santos, 2004, p. 11). A

família e a escola, instituições convencionais fundamentais, são duas das maiores fontes de

proteção e educação para qualquer criança, sendo indispensáveis para a sua correta formação e

instrução. A disfunção familiar, independentemente da sua tipologia, pode contribuir

negativamente para o desenvolvimento de um jovem, visto que, em muitos casos, a ausência de

um ambiente familiar estável conduz à delinquência, ao desvio. Por isso mesmo, qualquer tentativa

de reeducação deve ter em conta não só o jovem delinquente, mas também a sua família. A

escola, por sua vez, pode funcionar como um complemento ou como uma antítese da família. “O

contacto com subculturas que rejeitam a escola pode anular ou neutralizar as orientações

incutidas pela família na socialização primária levando ao aparecimento de comportamentos

delinquentes. A escola, ao proporcionar identificações e integrações positivas, reforça as

orientações tradicionais, mesmo naqueles jovens em que a família não cumpriu o seu papel na

socialização primária” (Ferreira, citado em Santos 2004, p.17). Em qualquer dos casos, cabe

apenas ao sistema de justiça juvenil decidir se um jovem se encontra numa situação de risco, seja

qual for o motivo. Cabe também ao sistema de justiça juvenil perceber os motivos da mesma e

responder de forma adequada.

Importa por isso perceber em que medida o estado português lida com a delinquência, quais

as medidas que incorpora na sua lei, quais os seus aspetos positivos e negativos, e se, de facto,

se consegue alterar a vida destes jovens para melhor.

1.2 – Medidas definidas pela lei

O atual sistema de justiça juvenil português rege-se pela lei tutelar educativa, em vigor desde

o ano de 2002, cujo objetivo é uma educação para o direito, para a responsabilização do jovem

delinquente. “É uma lei educativa, pois pretende estimular nos jovens delinquentes o respeito e

interiorização pelos valores e normas essenciais que regem a sociedade” (Barreiro, 2015, p. 21).

O atual sistema dá resposta a factos considerados como crimes cometidos por jovens delinquentes

dos 12 aos 16 anos, procurando uma resposta adequada a cada caso específico.

Assim, as medidas que constituem a lei tutelar educativa (Lei n.º4/2015, de 15/01, p.

cap.5), são as seguintes:

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Admoestação

A admoestação consiste na advertência solene feita pelo juiz ao menor, exprimindo o carácter

ilícito da conduta e o seu desvalor e consequências e exortando-o a adequar o seu comportamento

às normas e valores jurídicos e a inserir-se, de uma forma digna e responsável, na vida em

comunidade.

Privação do direito de conduzir

A medida de privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir

ciclomotores consiste na cassação ou na proibição de obtenção da licença, por período entre um

mês e um ano.

Reparação ao ofendido

1 – Esta medida consiste em:

a) Apresentar desculpas ao ofendido;

b) Compensar economicamente o ofendido, no todo ou em parte, pelo dano patrimonial,

exclusivamente através de bens ou verbas que estejam na disponibilidade do menor;

c) Exercer, em benefício do ofendido, atividade que se conexione com o dano, sempre que

for possível e adequado.

2 – A apresentação de desculpas ao ofendido consiste em o menor exprimir o seu pesar pelo

facto, por qualquer das seguintes formas:

a) Manifestação, na presença do juiz e do ofendido, do seu propósito de não repetir factos

análogos;

b) Satisfação moral ao ofendido, mediante ato que simbolicamente traduza arrependimento.

3 – O pagamento da compensação económica pode ser efetuado em prestações, desde que

não desvirtue o significado da medida, atendendo o juiz, na fixação do montante da compensação

ou da prestação, apenas às disponibilidades económicas do menor.

4 – A atividade exercida em benefício do ofendido não pode ocupar mais de dois dias por

semana e três horas por dia e respeita o período de repouso do menor, devendo salvaguardar um

dia de descanso semanal e ter em conta a frequência da escolaridade, bem como outras atividades

que o tribunal considere importantes para a formação do menor.

5 – A atividade exercida em benefício do ofendido tem o limite máximo de doze horas,

distribuídas, no máximo, por quatro semanas.

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6 – A medida de reparação nas modalidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 exige o

consentimento do ofendido.

Prestações económicas ou tarefas a favor da comunidade

1 – A medida de prestações económicas ou de realização de tarefas a favor da comunidade

consiste em o menor entregar uma determinada quantia ou exercer atividade em benefício de

entidade, pública ou privada, de fim não lucrativo.

2 – A atividade exercida tem a duração máxima de sessenta horas, não podendo exceder três

meses.

3 – A realização de tarefas a favor da comunidade pode ser executada em fins-de-semana ou

dias feriados.

4 – É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 11.º.

Imposição de regras de conduta

1 – A medida de imposição de regras de conduta tem por objetivo criar ou fortalecer

condições para que o comportamento do menor se adeque às normas e valores jurídicos

essenciais da vida em sociedade.

2 – Podem ser impostas, entre outras, as seguintes regras de conduta com a obrigação de:

a) Não frequentar certos meios, locais ou espetáculos;

b) Não acompanhar determinadas pessoas;

c) Não consumir bebidas alcoólicas;

d) Não frequentar certos grupos ou associações;

e) Não ter em seu poder certos objetos.

3 – As regras de conduta não podem representar limitações abusivas ou desrazoáveis à

autonomia de decisão e de condução de vida do menor e têm a duração máxima de dois anos.

Imposição de obrigações

1 – A medida de imposição de obrigações tem por objetivo contribuir para o melhor

aproveitamento na escolaridade ou na formação profissional e para o fortalecimento de condições

psicobiológicas necessárias ao desenvolvimento da personalidade do menor.

2 – A imposição de obrigações pode consistir na obrigação de o menor:

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a) Frequentar um estabelecimento de ensino com sujeição a controlo de assiduidade e

aproveitamento;

b) Frequentar um centro de formação profissional ou seguir uma formação profissional, ainda

que não certificada;

c) Frequentar sessões de orientação em instituição psicopedagógica e seguir as diretrizes que

lhe forem fixadas;

d) Frequentar atividades de clubes ou associações juvenis;

e) Submeter-se a programas de tratamento médico, médico-psiquiátrico, médico-psicológico

ou equiparado junto de entidade ou de instituição oficial ou particular, em regime de internamento

ou em regime ambulatório.

3 – A submissão a programas de tratamento visa, nomeadamente, o tratamento das

seguintes situações:

a) Habituação alcoólica;

b) Consumo habitual de estupefacientes;

c) Doença infetocontagiosa ou sexualmente transmissível;

d) Anomalia psíquica.

4 – O juiz deve, em todos os casos, procurar a adesão do menor ao programa de tratamento,

sendo necessário o consentimento do menor quando tiver idade superior a 16 anos.

5 – É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 13.º.

Frequência de programas formativos

1 – A medida de frequência de programas formativos consiste na participação em:

a) Programas de ocupação de tempos livres;

b) Programas de educação sexual;

c) Programas de educação rodoviária;

d) Programas de orientação psicopedagógica;

e) Programas de despiste e orientação profissional;

f) Programas de aquisição de competências pessoais e sociais;

g) Programas desportivos.

2 – A medida de frequência de programas formativos tem a duração máxima de seis meses,

salvo nos casos em que o programa tenha duração superior, não podendo exceder um ano.

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3 – A título excecional, e para possibilitar a execução da medida, o tribunal pode decidir que

o menor resida junto de pessoa idónea ou em instituição de regime aberto não dependente do

Ministério da Justiça que faculte o alojamento necessário para a frequência do programa.

Acompanhamento educativo

1 – A medida de acompanhamento educativo consiste na execução de um projeto educativo

pessoal que abranja as áreas de intervenção fixadas pelo tribunal.

2 – O tribunal pode impor ao menor sujeito a acompanhamento educativo regras de conduta

ou obrigações, bem como a frequência de programas formativos.

3 – O projeto é elaborado pelos serviços de reinserção social e sujeito a homologação judicial.

4 – Compete aos serviços de reinserção social supervisionar, orientar, acompanhar e apoiar

o menor durante a execução do projeto educativo pessoal.

5 – A medida de acompanhamento educativo tem a duração mínima de três meses e a

máxima de dois anos, contados desde a data do trânsito em julgado da decisão de homologação

judicial prevista no n.º 3.

6 – No caso de o tribunal impor ao menor a frequência de programas formativos é

correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 15.º.

7 – No caso de o tribunal impor ao menor a obrigação prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo

14.º vale correspondentemente o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

A intervenção, quando considerada necessária, não tem uma intenção punitiva pelo crime

cometido, mas sim a reeducação, a sua total e correta integração na sociedade. Ao contrário do

sistema penal português, o objetivo descrito na lei não é assegurar a segurança da comunidade,

mas sim o futuro do jovem em sociedade. Todas as medidas devem “utilizar e fomentar

‘programas’ que se centrem na educação dos adolescentes para os valores essenciais à vida em

comunidade, que evidenciaram necessitar de interiorizar com a prática do facto” (Rodrigues, et

al., 2016, p. 49). Seja essa medida a mais leve, o admoestamento, ou a mais grave, o

internamento em regime fechado.

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1.3 – A medida de internamento em centro educativo

Neste caso o objeto de estudo é a medida de internamento em centro educativo, em especial

o regime fechado. Importa perceber o estado atual desta medida cujas especificações e

consequências serão debatidas mais à frente. O objetivo passa por perceber se esta medida se

ajusta à realidade da sociedade em geral, bem como à realidade de cada jovem em particular.

Conforme o Relatório Estatístico Anual da DGRSP (DGRSP, 2016) todas as medidas aplicadas

aos jovens que praticam crimes, entre os 12 e os 16 anos, têm como objetivo a “educação para

o direito e a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade”, sendo no caso do

internamento considerado necessário um “afastamento temporário do seu meio habitual que têm

como objetivo a aquisição de recursos que permitam gerir a sua vida de modo social e

juridicamente responsável” (DGRSP, 2016, p. 26). Esta medida deve “ser uma medida de último

recurso e pelo período mínimo necessário e deve ser limitada a casos excecionais” segundo as

regras das Nações Unidas para a proteção de menores privados de liberdade, (artigo 1º) (Santos,

2004, p. 68). O documento anterior define algumas regras fundamentais para a execução destas

medidas. Os jovens “devem poder exercer uma atividade útil e seguir programas que mantenham

e reforcem a sua saúde e o respeito por si próprios, favorecendo o seu sentido de responsabilidade

e encorajando-os a adotar atitudes e adquirir conhecimentos que os auxiliarão no desenvolvimento

do seu potencial como membros da sociedade” (artigo 12º) (Santos, 2004, p. 69) bem como os

locais que os recebem “devem ser descentralizados e de um tamanho que facilite o acesso e o

contacto entre os menores e as suas famílias. Devem ser criados estabelecimentos de detenção

de pequena escala e integrados no ambiente social, económico e cultural da comunidade” (Santos,

2004, p. 69).

Em Portugal, à data de julho de 2018, existiam seis centros educativos, três dos quais com

internamento para ambos os géneros, com 172 jovens internados no total. Importa salientar que

a lotação total do conjunto dos centros educativos é de 164, estando três dos mesmos em

sobrelotação. O número total de internados é superior a qualquer altura do ano anterior, sendo o

sistema predominante o regime semiaberto com 67%, seguido do regime aberto com 17% e por

fim o regime fechado com 16%. De notar que existe uma percentagem quase idêntica entre o

regime de maior liberdade e aquele que retira a liberdade por completo. “Aos 172 jovens

internados corresponderam 379 tipologias de crimes registadas nos processos de origem.

Predominou a categoria contra as pessoas (51%), com um total de 194 tipos de crime

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designadamente, os vários tipos de ofensas à integridade física e a ameaça e coação. Seguiu-se a

categoria contra o património (44%), com 167 registos e onde se destacaram os vários tipos de

roubo e furto” (DGRSP, 2018, p. 10), sendo os restantes 5% referentes a crimes contra a vida em

sociedade ou crimes de legislação avulsa. Na sua maioria são jovens portugueses e apenas 22

(cerca de 19%) são do sexo feminino. De notar ainda que os jovens internados provêm

maioritariamente da zona centro do país, justificando a concentração de um número maior de

centros educativos nessa zona, mas que uma percentagem significativa provém da zona sul do

país onde não existe qualquer centro educativo.

O centro educativo e a sua respetiva equipa técnica são responsáveis pelo planeamento

individual de cada programa e a sua correta aplicação, devendo este abranger as áreas de

formação escolar e profissional, orientação vocacional, educação para a saúde, animação

sociocultural e desportiva, bem como a satisfação de qualquer outra necessidade específica do

jovem. “O acolhimento do educando tem de se centrar muito no passado, num diagnóstico das

dificuldades anteriores e no porquê de estar aqui” (Santos, 2004, p. 607). É da responsabilidade

desta equipa técnica proporcionar aos jovens todas as ferramentas necessárias, de fasear a sua

reabilitação com objetivos e regras bem definidas. É o técnico que define o plano do jovem que

tem de acompanhar, bem como é o responsável por definir novas metas e objetivos ao longo do

internamento.

A criação e a contínua existência destes centros educativos tem como objetivo a reeducação

e a reinserção, colocando completamente de lado a ideia de um sistema punitivo. O foco da

instituição passa por conseguir inserir estes jovens na sociedade que os rodeia. Oferecer educação

e proteção para que estes jovens possam almejar um futuro positivo, integrados na sociedade. A

lei tutelar educativa foca-se numa educação para o direito, em transmitir a estes jovens valores e

normas que os façam perceber que não podem praticar novos crimes, fazê-los perceber que

estavam errados, mas que podem ter uma vida melhor longe disso, munir os jovens de

competências pessoais e sociais. A educação para o direito consiste na “educação para os valores

sociais, morais, para a cidadania, (…) para a sua responsabilização pessoal e social e para a

solidariedade social” (Santos, 2004, p. 608). A reinserção é isso mesmo, garantir que o jovem

tem todos os meios e condições necessárias para ser inserido na sociedade, todas as ferramentas

sociais e profissionais. No entanto, esta só pode ser verdadeiramente alcançada quando o jovem,

após o cumprimento do internamento em centro educativo, não volta a cometer nenhum crime,

não reincide.

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2 – O sistema de justiça juvenil português

2.1 – A lei tutelar educativa

A lei tutelar educativa entrou em vigor em janeiro de 2001, com o propósito de substituir o

sistema anterior, que carecia de ferramentas para distinguir “situações de risco, carência social

ou para-delinquência de outras relacionadas com a prática de crimes” (Santos, 2004, p. 23). O

foco passa a ser perceber se a família e o meio que envolvem o jovem influenciam positiva ou

negativamente o seu desenvolvimento. Passou a haver uma preocupação em prevenir e proteger

jovens em situações de risco. Esta foi criada com o intuito de realizar uma diferenciação entre

jovem em risco, onde deve atuar a prevenção e a proteção, e jovens desviantes ou delinquentes,

que precisam de ser reeducados para a vida em sociedade.

De entre as novas medidas propostas na lei, a mais gravosa para estes jovens passa a ser o

internamento em centro educativo. Sendo naturalmente privilegiados outros tipos de medidas

como a intervenção familiar, acompanhamento especializado, internamento em instituições

sociais, entre outras referidas acima, a finalidade de todas elas passava por garantir uma

sociedade mais segura, educada e responsável. Se no período anterior a estas leis uma

intervenção não era temporalmente delimitada e podia retirar os jovens do seu seio familiar por

completo, em caso de internamento a tempo inteiro, o sistema foca-se agora em ter uma

intervenção ponderada e protetora dos direitos destes jovens. O objetivo passa por melhorar a vida

destes jovens e não lhes limitar o futuro. Um internamento em regime fechado que poderia até

então perpetuar-se até à idade adulta, se assim decidido pelos técnicos da instituição, passa agora

a ser ainda menos recorrente e delimitado no tempo, tal como está previsto na nossa atual lei

tutelar educativa. Esta medida é apenas aplicada quando se verifica que o meio em que o jovem

está inserido é prejudicial para o seu desenvolvimento e para uma saudável construção de

identidade própria, tendo como objetivo a sua eficaz reinserção na sociedade. A lei tutelar

educativa refere que “na escolha da medida tutelar aplicável o tribunal dá preferência, de entre as

que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na

autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior

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adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de

facto" (Lei n.º4/2015, de 15/01). O estado decide nestes casos pela intervenção na formação

destes jovens e a sua colocação numa instituição especializada em reeducá-los para a sociedade,

que, no entanto, os isola do mundo, de forma temporária, parcial ou permanente.

Se isso for evitável, se for possível utilizar a família para fazer esta reeducação e reinserção,

então essa deve ser a prioridade. Estes novos métodos e objetivos “introduziram, primeiro na

doutrina e depois na legislação, a despenalização dos comportamentos delinquentes e, com esta,

o fim da prisão de menores e a emergência da escola em privação de liberdade. Todavia, a justiça

de menores ao fundamentar a sua finalidade na proteção, por via da educação, em lugar da

punição, como solução de controlo para a delinquência juvenil, cria uma nova diferenciação dos

menores – melhor, outra classificação – baseada em aspetos médico-psicológicos e em critérios

de educabilidade” (Bandeira, 2009, citado em (Torres, 2012, p. 9). Assim, o Decreto-Lei n.º 323-

D/2000 define o internamento em centro educativo como a última medida a ser aplicada, que

deve abranger apenas jovens “cuja necessidade educativa, evidenciada na prática de ato

qualificado pela lei penal como crime, deva ser satisfeita mediante um afastamento temporário do

seu meio habitual e com recurso a programas e métodos pedagógicos específicos” (Santos, 2004,

p. 479), com o objetivo de uma educação do jovem para o direito e de garantir a sua futura

inserção na sociedade.

A criação desta pena visa, portanto, abranger jovens que cometeram atos considerados

crime, que eram anteriormente julgados como adultos. Esta é aplicada a casos em que se verifica

que nenhuma outra medida é suficiente para garantir a reeducação do jovem e desdobra-se em

três tipos de execução, os regimes: aberto, semiaberto e fechado. Como descrito na já referida Lei

nº 166/99 de 14/9, referente à aprovação da Lei Tutelar Educativa em 2 de julho de 1999, nos

dois primeiros casos a medida vai de 6 meses a 2 anos, sendo o primeiro aplicável a crimes pouco

graves e o segundo a crimes mais graves. Já o regime fechado é aplicável no caso de o jovem ter

cometido factos qualificados como crimes muito graves e ter idade superior a 14 anos, sendo a

pena de 6 meses a 3 anos. Em qualquer um dos casos, conforme estipulado no Decreto-Lei 323-

D/2000, “os regimes de execução do internamento são fixados pelo tribunal e diferenciam-se pelo

grau de limitação da liberdade e da autonomia dos educandos, designadamente na relação com

o meio exterior”. A lei define que em regime aberto os jovens “residem no centro educativo, mas

frequentam, preferencialmente no exterior, as atividades formativas e socioeducativas. Podem sair

sem acompanhamento e passar fins-de-semana e férias com os progenitores, representante legal

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ou pessoa que tenha a sua guarda de facto”. Em regime semiaberto “os jovens residem no centro

educativo e frequentam as atividades formativas e socioeducativas no interior daquele. Apenas

podem passar férias com os progenitores, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda

de facto”, caso se verifique progresso na sua reeducação. No caso do regime fechado “os jovens

residem e frequentam as atividades formativas e socioeducativas no centro, estando as saídas,

sempre sob acompanhamento, estritamente limitadas ao cumprimento de obrigações judiciais, à

satisfação de necessidades de saúde ou a outros motivos excecionais”, sendo a saída

acompanhada por um funcionário, excluindo situações excecionais na fase final da pena. Em

qualquer um dos casos a pena existe para garantir que o jovem é retirado do meio que o influencia

negativamente, oferecendo-lhe um plano educativo, específico e pessoal, que engloba formação

profissional, atividades desportivas e uma responsabilização e maturação para a vida em

sociedade.

2.2 – A existência do regime fechado

O internamento em centro educativo pretende garantir uma reeducação do jovem, ou seja,

incutir-lhe as normas e valores da sociedade geral, fomentar um sentido de responsabilidade para

consigo e para com os outros e fornecer capacidades e conhecimentos que permitam a este jovem

novas oportunidades aquando da sua saída.

Numa análise às medidas de internamento estabelecidas na justiça juvenil espanhola, que

partilha dos mesmos três tipos de execução, aberto, semiaberto e fechado, Santos (2004) indica

que este parece ser um meio “adequado ao fim ressocializador”. No entanto, define o

internamento em regime fechado como a exceção, sem pôr de parte a sua utilidade. “Haverá

casos em que é necessária a existência do regime fechado para afastar, durante algum tempo, o

jovem do seu ambiente habitual” (Santos, 2004, p. 118). Ainda assim, este estudo realça que o

regime fechado pode ser encarado como uma pena equivalente à prisão, onde o objetivo não é

proteger e reeducar o jovem, mas sim castigá-lo, afastando-o da sua família. Sendo que no caso

do sistema de justiça espanhol a pena poderia ser prolongada até 5 anos. É óbvia a obrigatoriedade

de existirem penas proporcionais à gravidade do crime que é cometido, porém mesmo sendo

“verdade que os crimes para os quais se prevê internamento em regime fechado são os que

provocam mais alarme social, a autora considera que tal alarme é um limite excessivo ao fim

ressocializador da lei” (Santos, 2004, p. 118).

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Esta medida pode ser positiva num estado inicial do processo de reeducação, caso o jovem

precise de se afastar de um meio que lhe é prejudicial. Mas, retirar totalmente o direito de liberdade

de um jovem não parece ser uma forma eficaz de o ressocializar, de o incluir numa sociedade. Na

realidade, Mulas (citado em Santos, 2004, p.118) acredita que neste modelo não prevalece o

interesse superior da criança, algo fundamental na lei espanhola bem como na nossa lei tutelar

educativa, mas sim o “interesse de segurança” da sociedade de onde são retirados estes jovens.

O regime fechado é visto como um castigo tal como uma pena de prisão “comum”. Mulas

afirma ainda que o regime fechado tem mais características punitivas e nocivas para os jovens do

que reais benefícios (Santos, 2004, p. 119). Tendo isso em conta, questiona-se se o regime

fechado será maioritariamente benéfico para estes jovens.

2.3 – A transformação do centro educativo em instituição total

Numa perspetiva centrada no sistema juvenil português, Neves descreve a primeira fase do

internamento, o acolhimento, como um processo de “desindividuação e mortificação” do jovem

(Neves, 2007, p. 1030) em relação ao exterior e um processo de “individuação” na relação consigo

próprio. Ou seja, deixar de parte todo seu historial na sociedade e as normas e valores que havia

adquirido no meio de onde provém e adquirir as regras, normas e valores específicos que a

instituição lhe pretende incutir. Este autor alega que “ao mesmo tempo que o educando é

protegido de uma entrada a frio no grupo, adiando-se assim a possibilidade de praxe pelos

companheiros, é bruscamente desapossado de referências identitárias”, ao que uma técnica

acrescenta: “Isso serve para fazer um corte com a situação lá fora, com o exterior, e também com

o passado, não é? É para fazer ver desde logo que há regras a cumprir na instituição... e depois

também funciona como recompensa, à medida que eles vão progredindo nas fases [através de

um sistema de pontos atribuídos em função do comportamento e da duração da estadia]... Porque

nós também temos tão poucas coisas para oferecer, tão poucos recursos...” (Neves, 2007, p.

1030).

O conceito de instituição total é aqui apresentado como uma forma de compensar a falta de

recursos que estas instituições têm e procuram retirar totalmente a identidade destes jovens de

forma a construírem, gradualmente, uma identidade nova, que vá de encontro aos seus conceitos

e ideais. Este sistema baseia-se numa ideia de “aprendizagem pela privação”.

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A reeducação levada a cabo foca-se mais numa “oposição do que na procura de compreensão

da posição do outro”. Razão pela qual o autor indica que mais do que pontos positivos, este tipo

de reeducação tem uma grande probabilidade de falhar: “É provável que, retirados os educandos

do contexto de vigilância e contenção (…) e regressados aos meios dos quais são originários, o

efeito da dita reeducação se dissolva rapidamente na medida em que os agentes de controlo estão

bastante mais diluídos no espaço” (Neves, 2007, p. 131).

O ponto positivo deste sistema seria apenas a distinção feita do bem e do mal, a procura de

fazer estes jovens perceber a diferença entre um comportamento aceitável em sociedade, benéfico

para eles e para aqueles que os rodeiam, e o comportamento delinquente que eles apresentam

aquando da sua chegada. O autor reconhece que, à data do estudo, também a relação entre os

profissionais e os jovens era um aspeto negativo dos centros educativos. Não existia a necessária

partilha de experiências, uma vontade por parte dos profissionais em perceber a história e a

personalidade dos jovens, eles estavam errados e ponto. O objetivo passava por suprimir a

identidade destes jovens, retirar-lhes qualquer capacidade de pensar por si mesmos, de modo a

garantir que estes estavam totalmente controlados. O regime fechado é visto neste estudo como

uma forma de conter estes jovens num espaço em que não tenham qualquer contacto com alguém

que possam influenciar negativamente.

Grande parte dos autores da área questionam a eficácia dos internamentos em regime

fechado enquanto forma de reinserir os jovens delinquentes na sociedade, muito por culpa de se

poderem traduzir “em tempos e experiências abstratos, teóricos, desfasados e, por isso, as mais

das vezes pouco conducentes à concretização da finalidade de integração social do jovem” (DGRS,

2012, p. 31).

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3 – O processo de reinserção dos jovens

3.1 – A relação dos jovens com o centro educativo

Os centros educativos foram criados para fazer face a um problema da sociedade, o que fazer

aos jovens que cometiam atos vistos pela lei como criminosos? Condenar a uma pena de prisão e

a um estigma, jovens com um futuro tão longo pela frente, era uma pena demasiado pesada, que

ao invés de resolver o problema apenas o agravava. Assim, o centro educativo é, sem dúvida, na

sua conceção, uma instituição destinada a jovens que cometeram atos ilícitos, mas com o objetivo

de os recuperar para a sociedade, de os reeducar e posteriormente ressocializar, “proporcionar,

por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos

pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe

permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” (Torres,

2012, p. 4) Ou seja, pretende-se moldar a educação destes jovens, para que se consigam integrar

na sociedade para a qual queremos que retornem.

Por isso mesmo, como nos diz Azevedo & Duarte (2014), estes são vistos “como uma

instituição de controlo formal que visa responder às necessidades educativas dos jovens”,

procurando proporcionar-lhes uma nova oportunidade na vida, um futuro positivo construído com

base em aprendizagens “escolares, profissionais e pessoais.”. O dia-a-dia destes jovens passa

pela realização de estágios no exterior, regras bem definidas de horários, higiene e frequência das

diversas aulas. Sendo que, no caso de estes se encontrarem a cumprir o internamento em regime

fechado, todas as atividades realizadas no exterior não existem. E embora todas as regras impostas

tenham o objetivo de criar um sentido de responsabilidade e maturidade nestes jovens, todas as

aulas e formações visam transmitir conhecimento e competências sociais. O facto de tudo isso

não ser transportado para a sociedade, mesmo que de forma faseada, retira alguma da sua

utilidade. Se tudo o que lhes é ensinado e transmitido funciona apenas no seio do centro educativo

e não é “testado” na vida real, esta reeducação não serve de muito. Afinal, a sociedade está muito

longe de ser um meio regido pelas mesmas regras e horários, o meio que os rodeia pode ser

completamente diferente, bem como o acompanhamento que eles têm.

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Isso mesmo é posto em causa por alguns dos jovens. De que serve viver num ambiente

estritamente controlado se fora do centro não têm ninguém que os controle ou pelo menos não

da mesma forma ou durante o mesmo período de tempo? Qual a lógica de ter de “pedir licença

para tudo” se deviam antes aprender a ser autónomos? O que demonstra uma certa

incompreensão dos planos de que são alvo, ao contrário dos profissionais que trabalham nestas

instituições que consideram o sistema normativo implementado como fundamental para que estes

jovens criem hábitos saudáveis, “treinem competências” e percebam a necessidade do

cumprimento das normas na sociedade. Assim, enquanto um dos lados acredita numa

normatização excessiva, o outro considera o sistema educativo normativo como fundamental.

No entanto, contrariando, de certa forma, a visão dos profissionais dos centros educativos,

em geral, Azevedo e Duarte (2014) apontam na sua publicação que o fator mais importante para

a mudança destes jovens se trata da relação que estes estabelecem com aqueles que os

acompanham, os ensinam, aqueles que todos os dias procuram proporcionar-lhes a oportunidade

de um futuro melhor, os profissionais que trabalham na sua reeducação.

Esta publicação centra-se nos resultados de um estudo sobre jovens que estiveram internados

em centros educativos, e chega à conclusão que “um dos fatores essenciais de todo o percurso

de internamento é a relação interpessoal com os/as técnicos/as, sublinhando que a proximidade

da relação contribui para o sucesso da intervenção, para as mudanças atingidas e para as

competências adquiridas.” É a capacidade de ouvir, de procurar perceber, de explicar de forma

correta, de fazer estes jovens perceber que se está a lutar pelo futuro deles e não a “confiná-los”

a um espaço longe da sociedade, que faz com que o internamento seja bem-sucedido, com que

estes jovens realmente queiram aprender e melhorar.

Não é a rigidez imposta que os faz mudar, mas sim as relações que formam. “Souberam-me

respeitar, não entraram logo no meu espaço, não o invadiram […]”. Os profissionais deste centro

educativo funcionam como uma referência para estes jovens, procuram não só a rigidez das

normas, mas também o lado afetivo das relações interpessoais. Um dos profissionais afirma

mesmo: “o grande erro em que se cai, aqui e noutros centros, é a gente tentar intervir, ou

trabalhar, ou lidar com estes miúdos num ponto de vista ou num patamar superior, de quem

conhece e de quem sabe; e não pode ser assim, tem que ser ao contrário, […] descer ao nível

deles.”

Devemos procurar perceber o jovem, como um indivíduo singular e único, criar uma relação

com o mesmo, ao invés de o catalogar e normatizar, de procurar que sejam todos iguais. Devem

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ser incutidas no jovem as normas em falta para que se viva em sociedade, mas não um conjunto

excessivo de normas que posteriormente não conseguirão aplicar na sociedade. Não deve ser

procurada a “descaracterização do indivíduo, nomeadamente através da regulamentação

excessiva, da perda de autonomia pessoal e do sentido de planos para o futuro” (Alberto, 2002,

citado por Santos, 2010).

O centro educativo não deve ser uma instituição total, onde, como Goffman diz, “todos os

aspetos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade, cada fase da atividade

diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de

outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em

conjunto.” Onde “todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, por

um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários» (1999 [1961], pp. 17-18).”

(citado em (Neves, 2007, p. 1022)

O sistema deve reger-se pelo incutir de normas e regras sim, mas de uma personalizada e

não numa tentativa de esbatimento de personalidades. “Num sistema iminentemente normativo,

mas onde é valorizada a dimensão afetivo-relacional, abre-se espaço para discutir as vantagens e

inconvenientes de abordagens menos comportamentalistas e normativas, transformando as

relações de força em relações de sentido, possuidoras de maior potencial ressocializador (Neves,

2011, citado em Azevedo e Duarte 2014).”

O técnico de centro educativo é fundamental no percurso do jovem dentro da instituição, seja

na partilha de conhecimento ou nas regras que pretende passar ao jovem, mas não pode deixar

de “dar a palavra aos menores e aproveitar ao máximo a sua capacidade para se pronunciarem

sobre os seus assuntos pessoais e para tomarem decisões quanto à sua vida e ao seu futuro”

(Castro, 2015, p. 20). É importante criar laços com o jovem que se pretende educar, como

também perceber as suas crenças, valores e o meio de onde provém. E se retornam para o meio

de onde provém, importa ser realizado um trabalho também nesse âmbito, criar relações positivas

no mesmo.

3.2 – Modelo de reeducação e a reincidência

Tendo isto em conta, é pertinente garantir o contacto com a sociedade na qual o jovem se

pretende inserir posteriormente, garantir que este cria laços afetivos positivos no meio em que

será inserido. Afinal, o meio em que nos encontramos é fundamental para a definição de qualquer

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personalidade, principalmente num jovem que se procura inserir. É fundamental por isso adequar

o plano que se traça para estes jovens ao meio para o qual vão assegurar o contacto com o exterior

para que se perceba que realmente a sua reeducação está a resultar, para que todo o progresso

realizado no meio confinado que é o centro educativo não funcione apenas dentro do seu edifício

físico, para que a vida destes jovens não seja o seguir de uma rotina que se perde quando chegam

ao mundo exterior, mas que possam ter autonomia e responsabilidade em construir uma vida

melhor fora da instituição.

Não se pode permitir que todo o internamento se cumpra “como se jovens e famílias fizessem

parte de universos distintos que se tocaram antes da entrada no centro, e se tocarão depois, sem

que haja interação entre a intervenção desenvolvida junto do jovem e a intervenção que deveria

ser proposta à família”, como é mencionado no relatório de Acompanhamento e Fiscalização dos

Centros Educativos (DGRS, 2012, p. 35), como se o meio do centro educativo fosse igual ao que

os jovens encontram cá fora. Se o pretendido é educar o jovem para viver harmonicamente na

sociedade, a resposta não deve passar pela rutura total com a mesma e pela “sua integração num

universo separado da sociedade” que pode por vezes ser “uma escola de crime” (Leonor Fontes,

2014, p.48).

O internamento em regime fechado impossibilita isto, o contacto com o exterior, um processo

de reeducação que inclui o meio ao qual queremos que o jovem se adapte. Este é um dos fatores

apontados como justificação para os dados obtidos no estudo realizado por Barreiro (2015), onde

o regime fechado aparece em último lugar no nível de eficácia para a reinserção, atribuído pelos

técnicos do centro educativo em questão. Isso corrobora as conclusões apresentadas, pelo já

acima referido Relatório de 2012 da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros

Educativos, que apontava para a ineficácia deste regime, que era em si uma aprendizagem

desfasada da realidade, na medida em que o afastamento destes jovens da sociedade resulta

numa dificuldade ou até mesmo incapacidade em “aplicar (…), fazer e ser o que se aprendeu

durante o período que se permaneceu no centro educativo” (DGRS, 2012).

O cumprimento desta pena, internamento em regime fechado, pode elevar a dificuldade da

ressocialização destes jovens, mesmo quando o centro educativo opera da forma descrita no artigo

Intervenção em Centro Educativo: Discursos a Partir de Dentro, acima mencionado, mas isso

acontece sobretudo aquando da total ausência de contacto com o exterior. É verdade que o objetivo

é uma desvinculação com o lado negativo da vida destes jovens, com o meio que os prejudica,

com as relações interpessoais que os desencaminham, mas não se pretende que o plano definido

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vá de encontro ao que Goffman define como instituição total. “Até que ponto é que a privação da

liberdade a que o indivíduo se encontra sujeito será, de facto, a melhor forma de o preparar para

uma vida a gozar no futuro em liberdade, ou se este paradoxo não virá por si mesmo contribuir

decisivamente para o acentuar de valores e atitudes da subcultura desviante do próprio indivíduo

impedindo a sua completa ressocialização?” (Carvalho, 1999, p. 32).

Para que realmente seja possível reinserir estes jovens na sociedade com sucesso é preciso

incutir-lhes autonomia, oferecer-lhes ferramentas para que eles possam decidir por si mesmos, e

isso só é possível se eles experienciarem essas escolhas, enquanto dentro do cumprimento da

pena, no meio a que realmente querem que eles pertençam. Se os formamos para uma área

profissional da qual eles gostam, devemos oferecer a oportunidade de a experienciarem no

exterior, mesmo que de forma condicionada. Se fomentamos a ideia de formarem relações

interpessoais saudáveis, familiares ou não, devemos dar-lhes a oportunidade de as contruírem

também no exterior, para que tenham relações positivas aquando da sua saída, não ficando todas

as relações que devem prezar dentro do centro educativo que agora deixaram. O regresso à

sociedade é o desafio maior de qualquer plano de ressocialização e como tal deve ser preparado

ao longo de todo o cumprimento da pena, não apenas no seu fim, embora essa fase seja

extremamente importante.

O modelo idealizado pelo sistema de justiça juvenil português assenta em 4 fases

progressivas do internamento em centro educativo, a integração, aquisição, consolidação e

autonomia. A primeira fase foca-se no primeiro contacto entre o jovem e a instituição, os jovens

que nela habitam, em adaptar este jovem recém-chegado à sua nova realidade diária. “A sua

integração requer um plano de intervenção, que leve o jovem a uma inserção gradual na vida

quotidiana do centro, e comece a perceber que é preciso cumprir regras”, evitando uma inserção

brusca e precipitada num meio completamente novo. A aquisição resume-se ao incutir das regras

e normas que o jovem carece, desconhece ou pelo menos procura evitar. Importa transmitir e

sedimentar as normas e regras que se pretende que ele siga na instituição de forma a transportá-

las para o exterior aquando da sua saída. É fundamental “ser incentivado a começar a saber

estabelecer relações interpessoais, tendo como finalidade uma aprendizagem de vida em

sociedade, incutindo-lhe sobretudo competências sociais.”

Sendo a consolidação a fase de avaliação, a fase em que os técnicos procuram perceber se

realmente o jovem interiorizou aquilo que lhe foi ensinado e se está pronto para a última fase do

internamento. A fase da autonomia, a fase de preparação para a saída do jovem para o exterior,

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“deverá ter como objetivo perceber se o jovem já se sente preparado para respeitar os valores

necessários para a vida em sociedade, pondo em prática as competências, que adquiriu nas fases

anteriores.” Todas estas fases, quando em internamento em regime fechado, ocorrem dentro do

centro educativo, mas a fase da autonomia devia estender-se ao exterior servindo também a

experiência do jovem como um exemplo aos recém-chegados e aos que se encontram em fase de

aquisição ou consolidação, transmitindo aos colegas que todo o processo realmente resulta numa

inserção na sociedade (Castro, 2015, p. 19).

3.3 – O estigma e a reincidência

Numa notícia publicada pelo Diário de Notícias, em janeiro de 2016, era apontada uma

diminuição da atribuição de penas de institucionalização, explicada pelo subdiretor da Direção-

Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Licínio Lima, como uma sensibilização, por

parte dos juízes, para a manutenção da liberdade destes jovens, dando agora prioridade ao

acompanhamento por um técnico no exterior, de forma a garantir a “normalização” da vida destes

jovens, garantir que estes frequentam a escola e definir-lhes objetivos a cumprir não os retirando

da sociedade e do seio familiar.

As razões para esta maior preocupação em optar por compromissos com os pais destes

jovens e as devidas instituições que estes frequentam era o estigma que o “encarceramento”

provoca, marcando estes jovens como delinquentes ou excluídos, e o sucesso, ou falta dele, da

reinserção dos mesmos na sociedade, apos uma institucionalização. Pois, tal como nos é apontado

nesta reportagem "os jovens que são ‘apenas’ acompanhados e não internados reincidem muito

menos que os que são internados em centros educativos.” Ao que ainda nos acrescenta, “um

recente documento da DGRSP e da Universidade do Minho, no perfil de jovens entre os 12 e os

16 anos, os que mais reincidem já depois de cumprida uma medida tutelar educativa, são também

os jovens que desenvolveram percursos com delitos mais graves, violentos e frequentes”, ou seja,

que cumpriram pena em regime fechado.

O estudo sugere que as penas mais pesadas aumentam a dificuldade de reinserção destes

jovens na sociedade, sobretudo devido a uma privação total da liberdade. Apesar disso, os dados

mais recentes da própria DGRSP indicam que a tendência se inverteu e que, com a nova alteração

à lei, a tendência tem sido o aumento anual de pedidos recebidos para a execução de medidas

em centro educativo.

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No entanto, os ideais defendidos pelo estudo referido acima, bem como o testemunho do

Diretor-Geral, vão de encontro às conclusões apresentadas em Almeida (Almeida, 2017, p. 60)

que caracteriza o centro educativo como uma instituição total. Uma instituição total, segundo

Goffman, é “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma

vida fechada e formalmente administrada” (Goffman, 1999, p. 11) e que apresenta quatro

características principais, o caracter total, o aspeto segregativo da instituição, a homogeneização

e a normalização. Isso mesmo descrevem as conclusões apresentadas.

O estudo realizado por Almeida descreve o centro educativo como instituição total “uma vez

que os jovens residem num único espaço, dentro do qual executam todas as tarefas diárias sob a

vigilância de funcionários. (…) os jovens estão segregados da comunidade por estarem privados

do contacto com o exterior (…) a intervenção do centro educativo é homogeneizante, pois o mesmo

conjunto de regras é aplicável a todos os jovens. Em quarto lugar, constatou que a vida quotidiana

do centro educativo é totalmente regulamentada. (…) o centro educativo tem um carácter

estigmatizante, uma vez que os jovens quando contactam com pessoas do exterior designam-no

de “colégio”, em vez de “centro educativo”, por ser menos estigmatizante.”

Apresenta o caracter total ao mante-lo no mesmo espaço, perante a mesma autoridade diária

e com normas específicas e rígidas. Apresenta a segregação ao privar o jovem do contacto com o

exterior, totalmente no caso do regime fechado, e ainda na separação entre o grupo que educa e

o grupo que precisa de ser educado, os corretos e os que precisam de ser corrigidos. O jovem

internado não fica excluído sozinho num quarto, mas é inserido num grupo de indivíduos

semelhantes e distinguido dos demais.

Também Marteleira partilha desta ideia e completa, referente à homogeneização, que “no

centro educativo, todas as tarefas são regradas e são igualmente estabelecidos horários para as

executarem” (Marteleira, 2014, p. 3). A normalização é a “existência de um plano racional único

para atender aos objetivos oficiais da instituição” ou, no caso do centro educativo, a tentativa de

“rotinizar a vida diária de forma a proporcionar um quotidiano estável e sem sobressaltos”

(Marteleira, 2014, p. 3). A estas características, ou consequências, da instituição total, Medeiros

e Coelho, citados em Marteleira (2014, p. 3), acrescentam a estigmatização que estas provocam

nos jovens, fator apontado acima como relevante aquando da saída para o exterior.

Estes autores defendem que esta existe nas instituições totais “… quer por a sociedade

diferenciar os internados rotulando-os negativamente, quer por o próprio internado assumir (…) a

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sua diferença face ao homem normal, quer ainda pela conjugação destes dois fatores”. Essa será

a razão para o jovem ocultar a natureza do seu processo de reeducação, chamando-lhe colégio

em vez de centro educativo. O jovem não quer ser rotulado negativamente, procura demarcar-se

do tempo que passou sem liberdade, bem como de todos os preconceitos e rótulos atribuídos a

alguém que passou por essa experiência.

Maria João Leite de Carvalho questiona “até que ponto é que a privação da liberdade a que

o indivíduo se encontra sujeito será, de facto, a melhor forma de o preparar para uma vida a gozar

no futuro em liberdade, ou se este paradoxo não virá por si mesmo, contribuir decisivamente para

o acentuar de valores e atitudes da subcultura desviante do próprio indivíduo impedindo a sua

completa ressocialização?” (Carvalho, citado em Perdigão, 2015, p. 33). Os centros educativos,

ao internarem jovens, ao excluí-los do mundo real, estarão a funcionar como uma instituição total,

podendo contribuir para uma estigmatização, bem como para a preservação dos ideais da

subcultura desviante.

Duarte Fonseca diz mesmo que a recente junção da DGRS com a DGSP, pode agravar esta

estigmatização, quer nos jovens quer nas suas famílias, amigos ou vizinhos, no meio que os rodeia.

O facto de um jovem estar mediante uma medida imposta por um organismo com o “rótulo

Serviços Prisionais” pode rotular o jovem como alguém que se encontra numa prisão para

menores, a cumprir uma pena (Duarte-Fonseca, 2012, p. 35). Se o jovem sentir de facto esta

rotulação feita pela sociedade, ele sentir-se-á excluído pela mesma, o que resultará numa maior

dificuldade de integração. Assim, a forma como o jovem vê e rotula a sua medida é também um

fator a ter em conta no seu processo de integração na sociedade.

Um jovem que comete um ato qualificado como crime pela lei penal necessita obviamente

de uma intervenção, principalmente quando se verifica que o jovem não percebe a gravidade do

facto ou se demonstra uma instabilidade psicológica ou emocional. E por isso percebe-se a

aplicação do regime fechado, mas a sua prolongação pelo período de dois anos em total privação

de liberdade pode ser mais danificadora do que regenerativa. Quanto mais tempo o jovem passa

dentro do centro educativo, quer em termos de tipo de medida quer em tempo de pena, maior é

a “anulação da personalidade” destes jovens, mais visível se tornam os efeitos da instituição. “Ao

entrar na instituição, o menor é obrigado a abandonar o papel social que desempenhava no

exterior, (…) dá-se um desculturamento, a mortificação do eu” (Marteleira, 2014, p. 4). Por esse

motivo “durante o período em que se encontram internados, os jovens desenvolvem estratégias

de resistência, de forma a preservarem a sua individualidade face ao modelo institucionalmente

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imposto”, pelo que mesmo que estes colaborem inicialmente, os jovens que ficam mais tempo

internados são aqueles que melhor se adaptam a resistir ao sistema mesmo cumprindo as regras

impostas.

O estudo diz mesmo que qualquer ser humano que se veja privado da sua liberdade sente a

necessidade de desenvolver “estratégias adaptativas para sobreviver”, não significa que realmente

existiu um processo de reeducação. Por isso mesmo, os jovens que se encontram em regime

fechado são também aqueles que apresentam uma maior resistência ao internamento e mesmo

“que valorizem o que aprenderam durante a reclusão, atribuem um carácter sancionatório à

medida de internamento” (Almeida, 2017, p. 63). Citado em Almeida (2017, p. 64), Neves diz

que “devido à escassez de trabalho específico de intervenção com os jovens e em virtude da cisão

com o exterior, imposta pelo regime fechado e mesmo no regime semiaberto” estas medidas não

conduzem a uma inversão da trajetória de vida destes jovens, não são apropriadas para a

reinserção social dos jovens. Existe uma disparidade entre os objetivos da medida e a forma como

esta é executada.

3.4 – As dificuldades em reproduzir a realidade: regime fechado

Anabela Rodrigues afirma que o internamento em centro educativo pode cair no erro de se

transformar apenas numa medida de proteção, quando não existem “programas de intervenção

psicossocial e programas educativos” específicos. Na realidade, a medida de internamento pode

ser vista apenas como uma forma de garantir a segurança da sociedade, excluindo o jovem sem

ter em conta as suas necessidades. A medida pode ser utilizada como resposta ao crime praticado

e não como forma de reeducação do jovem.

A mesma autora enuncia ainda que a cisão com o exterior que vai contra os objetivos da lei,

referida também por Tiago Neves, só pode ser eliminada “através de um comprometimento com

a ‘socialização’, desde o primeiro dia do internamento” (Rodrigues, et al., 2016, p. 54). O que,

por sua vez, requer uma maior e melhor variedade de programas educativos disponíveis aos

centros educativos, bem como um maior número de parcerias com o exterior, que como já

verificamos são muito escassas. Proteger a sociedade destes jovens não é uma forma de os

reeducar, é apenas uma forma de os afastar temporariamente da mesma sem realmente tratar o

problema.

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Posto isso, é também de salientar a chamada de atenção feita para a ausência de intervenção

terapêutica nestes jovens. Não basta focar na educação, é por vezes também necessário englobar

um tratamento psiquiátrico, algo reiterado “não só no Estudo 2010 (Santos et al., 2010) como

também no Relatório 2012 (CAFCE, 2012)” (Rodrigues, et al., 2016, p. 54). “Importa reforçar

que, até ao presente, não foi criado qualquer centro educativo especial, tal como a lei prevê, para

adolescentes «com necessidades especiais de saúde mental» ou «que revelem psicopatologias

associadas à delinquência juvenil» (Santos, et al., 2010, p. 206-207)”. O que, por sua vez, pode

resultar na reincidência visto que não existiu, como a lei exige, um tratamento específico para as

necessidades do jovem.

No relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, datado de 2004, também

se questiona a eficácia da medida de internamento em regime fechado na educação do menor

para o direito. Alguns dos entrevistados, diversos profissionais da área, consideravam a medida

do regime fechado exagerada e semelhante a um modelo de prisão. De entre os entrevistados

mencionados relativamente a este regime apresenta-se como problema comum a ausência de

escolhas a que estes jovens são sujeitos. Os jovens estando confinados sempre ao mesmo espaço,

não têm a “possibilidade de uma conveniência normal, (…) em que se lhe põem permanentemente

escolhas e que são nessa escolhas, nessas possibilidades de opção, que se vai normalmente

formar a personalidade, estamos a coartar a própria socialização”, a restringir a sua interação

com a sociedade e os seus intervenientes (Santos, 2004). Por isso mesmo, alguns dos

testemunhos apontam para uma necessidade de fasear o processo, bem como de proporcionar

uma passagem para o regime aberto.

O regime fechado deve existir, mas apenas como uma fase do processo, não como sendo o

processo em si. Estes afirmam mesmo que só deve existir regime fechado num centro educativo

em que exista outro tipo de regimes, onde seja possível passar para um nível de maior liberdade

e contacto com o exterior. É importante para que o jovem tenha um sentido e objetivo de

progressão, tenha a esperança de ganhar alguma autonomia e liberdade ainda dentro do centro

educativo.

A Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, criada ao abrigo do

art.º 209.º da LTE, afirma no seu relatório de 2014 que discorda de um sistema de reeducação

que assente no confinamento destes jovens, isolado do mundo exterior, acrescentando ao que

haviam afirmado no relatório de 2012, “que o ‘fechamento ao mundo exterior’ do centro educativo

constitui um sério entrave à educação para o direito” (Almeida, 2017, p. 65), tendo em conta que

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se trata de uma realidade diferente daquela que existe no mundo para o qual os queremos educar,

seja em termos de regras e na necessidade do seu cumprimento bem como na diferença nas

relações pessoais, normalmente em nada semelhantes às que um profissional da área promove

durante a estadia do jovem no centro educativo.

A comissão aponta que, por melhores que sejam os planos elaborados para estes jovens e

por melhores que sejam os programas propostos, estes “ocorrem num ambiente fictício; os

resultados eventualmente positivos, são obtidos numa realidade fechada, carecendo, portanto, da

necessária confrontação e avaliação na comunidade". O relatório sublinha uma certa apatia

demonstrada pelos jovens, uma certa concordância com o sistema só porque assim tem que ser,

porque naquele ambiente são obrigados a isso. “Na verdade, (…) este afastamento dos quotidianos

reais, não permitem veicular no modelo praticado o indispensável conhecimento de facto dos

contextos com que os jovens internados se virão a deparar depois de cumpridas as medidas, nem

tao pouco permite a gradual aprendizagem da integração na comunidade”.

Assim, a comissão percebe a necessidade de oferecer novas competências, conhecimentos

e capacidades a estes jovens, mas quando os mesmos apenas cumprem os planos programados

porque a instituição a isso os obriga, o tempo em que o jovem esteve privado da liberdade pode

de nada servir. “O período de tempo em que o jovem esteve confinado espacial e temporalmente

no âmbito da medida de internamento em centro educativo, pode representar um período de

experiências abstratas, teóricas, desfasadas e, por isso, pouco conducentes à concretização da

finalidade de integração social” (CAFCE, 2016).

A comissão considera ainda, neste mesmo relatório de 2014, que o modelo educativo

desenvolvido e continuamente adotado pelos centros educativos é “um sistema fechado”, o que

dificulta a interação com o exterior, parcerias para obter diferentes e mais enriquecedoras ofertas

educativas e formativas. A capacidade para criar e encontrar novas soluções que se adaptem ao

histórico e às necessidades de qualquer jovem é algo fundamental na lei tutelar educativa e que

este relatório aponta como uma falha nos centros educativos, culpando em certa medida uma

falta de articulação entre as várias áreas do estado. Defende-se, no relatório, que para realmente

se atingir os objetivos propostos se promova uma maior ligação entre o jovem e o exterior, entre

o jovem e a sociedade onde o queremos incluir.

Recomenda, portanto, que “a frequência escolar e a formação profissional dos jovens

decorram no exterior do centro educativo, mesmo no regime fechado. Aliás, esta comissão defende

mesmo a inexistência do modelo do regime fechado, pois por muito bons que sejam os resultados

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nunca poderão ser considerados verdadeiros devido à natureza do regime. “Educar para o direito

é educar para viver em comunidade com a comunidade” e não confinado a um espaço físico

afastado da comunidade. O período de integração no centro educativo poderá necessitar de um

confinamento total, mas apenas essa fase.

O regime fechado quando aplicado deve ser apenas de carácter temporário e apenas como

forma de garantir o interesse superior do jovem, de garantir a sua segurança, não como uma

forma de controlo total. “Consideramos premente a reflexão sobre a dificuldade do modelo

educativo dos centros se abrir ao exterior (…) a reflexão sobre a valia do regime fechado” (CAFCE,

2016, p. 20).

3.5 – Os dados da reincidência em Portugal

Os números de reincidência são a melhor forma de comprovarmos a viabilidade das medidas

executadas ou, dito de outra maneira, a forma como estas medidas são executadas e a qualidade

dos planos a que estes jovens são sujeitos. Se os números de reincidência são elevados isso

sugere que existe realmente uma mudança que necessita de ocorrer. Nesse sentido, o primeiro

estudo sobre a reincidência de jovens, o projeto Reincidências, realizado pela Direcção-Geral da

Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) em colaboração com a Universidade do Minho, aponta-

nos alguns pormenores interessantes sobre o assunto, embora o projeto esteja ainda em curso.

Com os dados recolhidos foi possível perceber que quanto mais novos estes jovens têm

contacto com a justiça e são abrangidos por alguma medida de internamento proposta na lei

tutelar educativa, não exclusivamente o internamento em regime fechado, maior é a probabilidade

de estes reincidirem. Salientando ainda que, com o aumentar da idade, aqueles que reincidem

têm uma tendência para o agravar dos delitos, em quantidade e em grau de gravidade.

À data do ano 2014, aquando se iniciou o projeto, 463 (33,2%) dos jovens que passaram no

sistema de justiça juvenil reincidiram, tendo 109 deles cumprido regime de internamento. No

entanto, focando-nos apenas na análise de jovens que tenham cumprido uma medida de

internamento em centro educativo, este mesmo estudo realizou um conjunto de entrevistas a

jovens que passaram por centros educativos. Estes jovens, 15 que haviam reincidido e 15 que

tinham conseguido virar a sua vida, apontam para a existência de oportunidades aquando da saída

do centro educativo como fator fundamental para a sua forma de encarar o processo, para se

reincidir ou ser capaz de realmente mudar de paradigma. “Para a desistência ou diminuição da

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reincidência também são fundamentais as oportunidades — de ensino, formação profissional ou

trabalho” (Cordeiro, 2017).

Estes jovens indicam que é importante ter um meio que os rodeia, que os incentive a desistir

da vida que anteriormente levavam, ao invés de os fazer voltar ao mesmo. É fundamental terem

alguém que acredite nas suas capacidades, que acredite que eles são realmente capazes de

mudar, de ter sonhos e desejos profissionais e que os acompanhe e encoraje numa mudança que

não se faz de um dia para o outro.

Por oposição, a investigação encontrou também jovens reincidentes que referem que mesmo

durante o processo de reeducação levado a cabo no centro educativo já sabiam que iam reincidir.

Não havia intenção dentro deles de realmente levar a cabo uma mudança, cumpriam as regras

que eram definidas por obrigatoriedade e não por quererem mudar. “O facto de que tive lá [centro

educativo] mas eu mesmo dentro de mim já sabia que ia sair pior... Acho que era o querer ser

pior, não sei, e também o facto de ter voltado para o mesmo sítio... o facto de conviver com as

mesmas pessoas” (Cordeiro, 2017).

De facto, o plano reeducativo criado foi cumprido, mas no mundo real os valores não eram

os mesmos, as oportunidades podem não existir e as dificuldades são com certeza muito maiores.

Enquanto dentro do centro do educativo são obrigados a frequentar as aulas ou as formações que

lhes foram designadas, fora do centro educativo é preciso querer e procurar estas atividades. E,

tendo em conta que alguns destes jovens não tem para onde ir senão voltar ao meio em que

estavam inseridos anteriormente, as más influências podem continuar a prejudicá-los, fomentando

a sua pouca ou nenhuma vontade de realmente desistir do crime.

Mais uma vez se denota a importância de integrar estes jovens num meio que os ajude após

a saída do centro educativo, ao invés de achar que a reeducação se restringe a este edifício. Mas

também uma vez mais se questiona a eficácia de manter um jovem afastado de todas estas

dificuldades durante a totalidade do processo. A coordenadora do projeto menciona que: “Se o

jovem termina uma medida em centro educativo e não está integrado na escola ou no sistema de

formação profissional, isso é muito negativo.” Pelo que seria, provavelmente, mais fácil para estes

jovens se irem integrando na sociedade enquanto cumprem o internamento. Ser-lhes dada alguma

liberdade, ainda que condicionada, para estes escolherem seguir caminhos diferentes, para

mesmo estando em contacto exterior criarem a vontade de se distanciar de más influências.

No centro educativo todas as escolhas do jovem são condicionadas e orientadas, quer pelas

regras do centro, quer pelos técnicos, se este não experienciar a tomada de escolhas fora deste

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ambiente, na realidade pode deixar de possuir uma verdadeira capacidade de decisão. Estando

longe do meio é mais fácil resistir a ele, do que quando nos vemos obrigados a encará-lo

diariamente. Simultaneamente, se um jovem cumpre todo o internamento isolado do exterior

existirá uma tendência para “a diminuição da intensidade dos laços sociais que pode levar ao

esquecimento dos vários papéis que representa na sociedade, culminando no menor já não saber

interagir, decrescendo o sentimento de integração, apesar de ter sido supostamente educado para

tal, o que no todo irá resultar no voltar a reincidir” (Santos, 2004, p. 39). O jovem necessita de

ser reeducado mas, ao mesmo tempo, faseadamente integrado na sociedade para que conheça

o mundo real que tem como objetivo integrar. Mas também para que a sociedade não o julgue e

o estigmatize, pelo contrário o ajude e facilite a sua reinserção.

O mais recente Relatório da Direção de Serviços de Justiça Juvenil, cujos dados foram

entregues ao governo e revelados na reportagem “Dois anos depois de saírem de um Centro

Educativo, 31% dos jovens reincidiram” (Henriques, 2018), corroboram os valores de reincidência

obtidos pelo estudo anteriormente referido. Dos 191 jovens que saíram dos centros educativos

entre Janeiro de 2015 e Junho de 2017, 31% reincidiram, sendo que a taxa de reincidência se

acentuava nos grupos de jovens que tinham terminado o internamento há mais tempo, ou seja,

quanto mais tempo passa desde o término da pena maior é o risco de os jovens reincidirem.

Esta mesma publicação salienta ainda a opinião de alguns especialistas na área,

nomeadamente a procuradora Maria do Carmo Peralta, coordenadora da Comissão de

Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos (CAFCE) que acredita que o problema

não se encontra nos centros educativos ou nos planos que estes traçam para os jovens mas é um

resultado “daquilo que os jovens encontram cá fora antes e depois de serem internados”. Opinião

partilhada pelo procurador Norberto Martins, cuja publicação cita dizendo: “O problema maior põe-

se cá fora, quando o jovem regressa ao meio natural, vai encontrar a mesma família, os mesmos

amigos e o mesmo bairro.”

É fundamental realizar um trabalho, dentro do centro educativo, onde os jovens adquiram

novas competências, adquiram competências sociais, pessoais e de trabalho em grupo, em

sociedade, bem como aprendam a desempenhar os seus papéis na sociedade, por exemplo,

determinada profissão. Mas “o trabalho do internamento per si de pouco valerá, se no exterior o

jovem não for acompanhado pela Reinserção Social ou outras entidades no âmbito da promoção

e proteção. Esse acompanhamento, aliás, está expressamente consagrado na lei”. Ambos

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salientam a importância do acompanhamento pós internamento como fundamental para combater

a reincidência.

Este mesmo relatório aponta ainda para a ausência de integração como um fator para a

reincidência, salientando que cerca de 70% dos jovens que tinham desistido do crime, estavam

integrados na sociedade, “isto é, estavam a estudar ou a frequentar um curso de formação ou a

trabalhar com assiduidade e com um comportamento adequado — além de estarem integrados

na família ou numa instituição”. Esse é o propósito dos centros educativos, reintegrar os jovens

na sociedade, incutir-lhes a vontade de melhorarem e criarem um futuro positivo. Mas se o jovem

não interagir com a sociedade durante o internamento não está preparado, ou pelo menos

totalmente, para se integrar.

O internamento é diferente da vida em sociedade, nele “o menor não estará a ser controlado

pelos funcionários do centro e nem receberá indicações da forma como deve reagir a um

acontecimento imediato quando se reencontra de novo com a sociedade, daí a importância dos

programas pedagógicos e terapêuticos, de um mínimo de acompanhamento contínuo após a

institucionalização e a necessidade de testar a interação com a sociedade para perceber se

realmente há ou não interiorização dos valores e uma mudança de comportamento ao longo do

internamento, como está previsto no art. 169.º-2” (Santos, 2004, p. 40).

A título de curiosidade, num estudo de follow-up acerca das medidas de internamento,

realizado em 2011 pela DGRS, e entregue no Parlamento, verifica-se uma baixa na taxa de

reincidência comparado com os dados anteriores de 2005. O valor da reincidência era de 58,3%

em 2015, apontando este estudo para um valor de 43,9%, cerca de 13% superior ao que Portugal

apresenta em 2018.

A DGRS aponta ainda outros dados interessantes. À data, os jovens que tinham cumprido

medidas de internamento devido a crimes contra o património, contra pessoas e outros, e

reincidiam, cometiam crimes contra o património. Sendo “o tempo médio para a prática de um

novo delito de 14-11,6 meses (…), salienta a importância de uma fase de acompanhamento no

período imediato após a cessação da medida de internamento”. Neste estudo são também

apresentados alguns valores internacionais de reincidência: “Na Irlanda do Norte, após um ano

de libertação, 42% dos jovens foram novamente condenados (Statiscs Research Agency, 2006);

na Nova Zelândia, foi encontrada uma taxa de reincidência de 50% para os jovens em contacto

com o sistema de justiça, com um tempo de follow-up de 12 meses (Galletly, 2006); no Canadá,

Catchpole e Gretton (2003) analisaram a reincidência após a libertação em centros de

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internamento para jovens, e encontraram uma taxa de reincidência de 58%, com um tempo de

follow-up de 12 meses; finalmente, na Catalunha, os dados obtidos, indicam uma taxa de

reincidência de 62,8% para os internamentos (Centre d´Estudis i Formació Especializada, 2006)”

(CACDLG, 2011, p. 22); não podendo estes dados ser comparados, quer devido ao ano em que

foram realizados os estudos, quer devido aos diferentes conceitos de reincidência pelos quais os

diferentes estudos se regem.

3.6 – A (des)centralização dos centros educativos

Alguns estudos referidos anteriormente já falaram sobre a importância de integrar a família,

o meio do qual o jovem proveio e aquele para o qual seguirá após o processo de reeducação. Mas

isso depende também da localização da instituição onde o jovem se encontra, depende da sua

capacidade de realizar um trabalho específico nessa área, mas também da sua localização em

relação à área de residência da família do jovem. A lei tutelar educativa diz-nos que deve ser

respeitado um princípio de proximidade nos internamentos em centro educativo, o jovem deve

ficar internado na proximidade da sua área de residência, uma vez que “a distância do Centro

Educativo à área de residência dificulta as visitas familiares, apesar do IRS ter uma verba para

afetar às deslocações de familiares” (Santos, 2004, p. 595). Aquando da implementação da lei

tutelar educativa não houve propriamente uma redefinição das instituições para os jovens, a

maioria das instituições foram herdadas, pelo que se manteve a sua localização.

Na presente data existem os seguintes centros educativos em Lisboa: CE Bela Vista, cuja

unidade feminina foi desativada, CE Navarro de Paiva e o CE Padre António Oliveira, que acolhem

jovens de ambos os géneros. Existem ainda o CE Olivais em Coimbra, o CE Santa Clara recém

reaberto em Vila do Conde e o CE Santo António no Porto, acolhendo ambos os géneros. Apenas

o CE Bela Vista não possui regime fechado, em todos os outros residem jovens nos três tipos de

regime de internamento, estando o CE Bela Vista, bem como o CE Padre António Oliveira e o CE

Santo António em sobrelotação.

O relatório sobre o Sistema Prisional e Tutelar, publicado pelo Ministério da Justiça e datado

de Setembro de 2017, definia como fundamental um investimento na melhoria dos centros

educativos, “na melhoria das condições de acolhimento dos jovens e na modernização e

ajustamento do modelo de funcionamento das estruturas de internamento que integram a rede

nacional de centros educativos (DGRSP, 2017, p.15), sobretudo na zona centro do país onde os

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centros apresentavam piores condições, de forma a melhorar o sistema como um todo e

aumentando a capacidade de jovens internados. Esta ideia vai de encontro aos dados mais

recentes de 2018, que apontam para a sobrelotação dos centros educativos. O aumento da

capacidade global do alojamento é uma necessidade atual.

Este mesmo relatório refere-se também à necessidade de reajustar geograficamente a rede

dos centros educativos. Se é verdade que os dados mais recentes da DGRSP apontam que a

maioria (61%) dos jovens internados tiveram o processo criado na área de Lisboa, onde se

encontram metade dos centros educativos do país, também é verdade que áreas como a Madeira,

os Açores ou a região sul do país não têm nenhum centro educativo por perto. A solução atual é

a colocação nos centros do continente, no primeiro caso, e em Lisboa ou Coimbra, onde existe

sobrelotação, no segundo. De facto, os dados revelam que cerca de 16% dos jovens internados

provém destas e outras áreas que não são abrangidas pela atual rede nacional de centros

educativos. Assim, a rede devia ser “redesenhada tendo em conta a distribuição territorial da

delinquência juvenil e tendo como pressuposto orientador o princípio de proximidade que obriga

os Tribunais e a DGRSP a optar pela colocação dos menores com medida de internamento nas

estruturas mais próximas dos seus meios sociais de origem.”

O Ministério da Justiça acredita mesmo que a localização dos centros educativos influencia

as decisões dos tribunais no que toca ao internamento. Ou seja, não havendo centros educativos

na proximidade, sendo os casos mais evidentes os das três áreas mencionadas acima, o tribunal

tem tendência a optar por medidas que não sejam o internamento. “No Algarve, Açores e Madeira

não têm respostas institucionais” (Santos, 2004, p. 595), pelo que existe uma tendência para não

aplicar medidas deste género. É sugerido um aumento da cotação da rede nacional de 164 para

cerca de 260 lugares, a serem criados sobretudo em novos centros nas áreas que carecem de

um. Esta requalificação poderia passar por uma “adaptação do estabelecimento prisional de Silves

a centro educativo do Algarve”, bem como pela criação de instituições alternativas aos centros

educativos nas regiões autónomas. O que, em teoria, resultaria num aumento das decisões por

internamento em centro educativo, uma vez que se ultrapassaria a barreira da distância geográfica

e também a sobrelotação atualmente existente.

A proximidade do centro educativo é por isso um fator importante para o sistema de justiça

juvenil e que tem de ser tido em conta aquando da decisão da medida a aplicar ao jovem bem

como no processo de reeducação do mesmo.

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4 – A vida após o internamento

4.1 – A necessidade de acompanhamento

O regresso à sociedade, após o internamento, deve ser parte de um processo e não um

acontecimento isolado. Este faz parte do processo de reinserção do jovem e, como tal, não pode

ser independente do mesmo. Dizia-nos Susana Barreiro (2015, p. 65) que nenhum técnico de

reinserção social “considerou elevado o grau de sucesso dos jovens após o internamento,

acreditando 47% que esse sucesso tem sido, apenas, mediano” e 40 % considerava que o nível

de sucesso era mesmo baixo. Este mesmo estudo revela que, aos olhos de metade dos técnicos

de reinserção social entrevistados, “a falta de acompanhamento institucional no processo de

inserção constitui a principal dificuldade após a cessação da medida de internamento”, seguindo-

se como principais dificuldades a falta de apoio familiar e a readaptação ao meio de origem. Tendo

isso em conta, torna-se visível a necessidade de um acompanhamento dos jovens após o

internamento, ou pelo menos uma melhoria do mesmo. “Acreditamos que o acompanhamento

dos jovens após saída dos CEs é essencial para o sucesso na sua reabilitação” (Barreiro, 2015,

p. 77). No entanto, “encontram-se ainda poucas estruturas vocacionadas para apoiar e

acompanhar jovens que foram institucionalizados, pois continuam a ser estigmatizados por grande

parte da sociedade, principalmente na vertente empresarial, por isso, as dificuldades sentidas na

sua empregabilidade são inúmeras” (Castro, 2015, p. 28).

A necessidade de existir um acompanhamento do jovem após findo o tempo de internamento

é notória e reconhecida pelo sistema de justiça juvenil. “O acompanhamento após o términus da

institucionalização do menor pelos profissionais especializados do CE é fundamental, pois são

estes indivíduos que acompanham a execução da medida tutelar, assim, havendo a continuação

da intervenção sistemática e de supervisão tutelar, para além de essencial a implementação de

um período para testar a interação com a sociedade e a interiorização de valores e normas”

(Ribeiro, 2015, p. 40).

O relatório que a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos

apresentou em assembleia em 2013 acentua isso mesmo, sugerindo a introdução de medidas

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como a associação das famílias à execução de medidas tutelares e a supervisão intensiva. Ambas

as medidas foram adotadas na alteração à lei Tutelar Educativa, em 15 de janeiro de 2015. Na

primeira medida procura-se resolver alguns dos problemas mais apontados, por diversos autores

da área, para a reincidência, para o falhar da reeducação aquando do contacto com o exterior.

Não basta libertar o jovem do centro educativo, é preciso perceber o meio para onde este vai, se

retorna para onde estava ou se necessita de ser inserido num meio diferente. Assim a medida de

associação das famílias à execução das medidas tutelares define como fundamental o

“envolvimento das famílias no projeto tutelar educativo” (CAFCE, 2016, p. 17). As famílias também

são responsáveis pela mudança do jovem, pois de nada adianta incutir novos valores e normas se

estas não forem depois mantidas e cultivadas pelo meio que rodeia o jovem no exterior. Importa

avaliar as condições e competências do meio para a correta integração do jovem. Só depois de

feita essa avaliação é que é possível definir “um processo educativo que visa o retorno a casa ou

a outro meio alternativo”.

A supervisão intensiva, por sua vez, vai de encontro ao referido em certos estudos, ou seja,

até que ponto uma reeducação em ambiente fechado apresenta resultados credíveis. Os

resultados positivos apresentados num ambiente fictício, distante da realidade, não têm significado

real. Assim, a comissão havia proposto uma medida, de caracter obrigatório, que consistia em

testar os conhecimentos e aprendizagens que o jovem adquiriu num contexto real, na comunidade

onde irá viver. A intenção era que todos os jovens com mais de metade da pena cumprida

pudessem ser abrangidos por esta medida, onde seriam acompanhados por técnicos de

reinserção social até ao fim do tempo do internamento. “A liberdade aprende-se em contexto de

liberdade, os comportamentos adquiridos testam-se em contexto de mundo real”, é esta a ideia

por detrás da supervisão intensiva.

Esta é uma ideia já defendida por alguns autores, que afirmam que a passagem do

internamento em centro educativo para a sociedade deve ser um processo faseado, não uma

mudança repentina. Conforme citado em Castro (2015, p. 28), Boaventura refere que a medida

de internamento por si só não era eficaz, esta devia ser prosseguida de “uma fase de adaptação

ao meio exterior, através da medida de acompanhamento educativo, de forma a rentabilizar as

competências adquiridas durante o internamento”, enquanto Cunha afirmava a necessidade de

um faseamento da medida, “a passagem do internamento para a medida de acompanhamento

educativo ou do internamento para Centros de integração dos jovens”, para que seja possível que

o jovem se integre na sociedade enquanto ainda se encontra em acompanhamento. De acordo

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com o descrito por Helena Bolieiro e Paulo Guerra, é necessário fazer a transição entre a medida

de internamento e o regresso à liberdade, não podemos separar as duas fases.

Embora esta medida tenha sido aprovada e incorporada na lei, esta é apenas de cariz

opcional. É o juiz responsável pelo caso quem define a necessidade desta medida e quando deve

ser executada, mediante indicação do centro educativo em que o jovem se encontra. A sua

execução não vem implícita aquando da decisão por internamento, nem é decretada no fim da

pena, é proposta por quem acompanha o jovem e aplicada se assim o juiz decidir. A comissão

defende, no entanto, que esta seja de caracter obrigatório, por ser o verdadeiro teste para o jovem,

por só assim ser possível perceber se realmente existiu mudança ou apenas uma conformidade

temporária. Não se trata de colocar este jovem a viver junto da sua família, mas sim de lhe oferecer

experiências reais de vida, garantir que o seu internamento não se realiza confinado a um mundo

fictício. Assim, “faria todo o sentido que o período de supervisão intensiva tivesse caráter

obrigatório, pelo menos no que toca à medida de internamento em regime fechado, para o menor

se ir adaptando progressivamente à vida em sociedade” (Castro, 2015, p. 28).

Esta medida funciona como um complemento do trabalho realizado no centro educativo, foca-

se no aplicar dos seus ensinamentos no mundo real, procurando diminuir os níveis de reincidência

dos jovens que saem de centros educativos. “Julgamos que a reincidência dos jovens delinquentes

deixaria de ser uma questão problemática, conseguindo-se atingir com um elevado grau de eficácia

o objetivo primeiro dos CEs, que seria igualmente o das casas de autonomia: educar o jovem para

o direito, tornando-o autónomo” (Barreiro, 2015, p. 78).

Apesar da evidente importância desta última medida, a sua implementação não parece

acontecer na atualidade. Como referido, a supervisão não tem como desígnio ser realizada de

imediato no contexto familiar, está aliás definido que esta não pode “ser implementada sem a

criação de casas de acolhimento que permitam continuar sem tresvarios o trabalho executado no

Centro Educativo” (CAFCE, 2016, p. 18). Casas que funcionam como “alternativas ao contexto

familiar, visando a criação de condições de aproximação ao contexto real da futura reintegração

social dos jovens em período de supervisão intensiva” (Decreto-Lei n.º 42/2018). A supervisão

deve ser feita nestas casas, “geridas pelos próprios serviços de reinserção social, por entidades

particulares sem fins lucrativos, ou por organismos da Segurança Social, mediante formalização

de acordos de cooperação, assegurando-se em qualquer caso a supervisão pelos serviços de

reinserção social” (Cordeiro A. D., 2018). “A ideia é … o menor ser acompanhado por uma equipa

de reinserção social, de acordo com um plano executado em colaboração consigo, com os seus

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pais ou outras pessoas significativas na sua vida, familiares ou não, ou entidades protetoras, como

o Tribunal de Família e Menores ou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens” (Público, 2013,

citado em Ribeiro 2015, p. 77).

A realidade é que estas casas de acolhimento, denominadas de casas de autonomia, não

existem e como tal a medida não é aplicada. A medida prevê que os jovens possam ingressar

numa casa de autonomia seis meses antes do internamento acabar, para fasearem e facilitarem

a sua ingressão na sociedade, para não se correr o risco de libertar estes jovens para o meio

prejudicial de onde vieram, mas até à data estas não existem. Aliás, segundo a reportagem de Ana

Dias Cordeiro, de janeiro 2018, não só as casas de autonomia não existem como por consequência

a supervisão intensiva realizada no mundo real é praticamente inexistente (Cordeiro A. D., 2018).

Desde a entrada em vigor da lei que englobou esta medida, até à data da reportagem, apenas

dois jovens beneficiaram deste tipo de medida, ambos os casos em contexto familiar. A reportagem

acrescenta ainda que não existia uma previsão para a data de criação destas casas de autonomia,

uma vez que as normas reguladoras das mesmas ainda se encontravam em aprovação. A DGRSP

afirma que “só quando for publicado o referido decreto-lei, a DGRSP iniciará os procedimentos

necessários à instalação progressiva de casas de autonomia”, salientando que estas teriam um

custo diário por jovem quase três vezes inferior ao dos centros educativos.

O Decreto-Lei nº42/2018 foi aprovado em 12 de junho de 2018 e define, entre outras coisas,

o funcionamento das mesmas, as atividades que devem realizar e a entrada em vigor do decreto-

lei. Assim, define a lei que “as casas de autonomia devem proporcionar aos jovens condições de

acolhimento que permitam a satisfação das suas necessidades, o seu normal desenvolvimento e

a exequibilidade das obrigações e regras de conduta impostas judicialmente durante o período de

supervisão intensiva.” Complementado para que tal aconteça estas casas devem proporcionar aos

jovens quartos individuais, onde estes possam manter a sua privacidade, mas também espaços

comuns de lazer, refeições, entre outros, de forma a existir convivência entre eles. As casas podem

acolher jovens de ambos os sexos, desde que tenham condições para tal e devem ainda acolher

um número reduzido de jovens, “não superior a oito em simultâneo” de forma a manter um

ambiente tranquilo e de segurança. Quanto à sua localização a lei define que estas se devem

localizar em “zonas habitacionais, com acessibilidade por transportes públicos, próximas de

equipamentos e recursos sociais que permitam a inserção dos jovens na comunidade, a sua

formação escolar e profissional e o acesso ao mercado de trabalho e a equipamentos desportivos

e de lazer.”

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Cabe à DGRSP propor a instalação destas casas e cabe ao diretor desta instituição aprovar o

regulamento interno de cada casa de autonomia, que deverá cumprir com todas as necessidades

dos jovens bem como especificar as “condições de funcionamento da casa, nomeadamente os

horários aplicáveis, os regimes de entradas, saídas e visitas, as normas de segurança e as regras

sobre o uso de roupa, calçado e artigos de higiene pessoal e sobre a guarda e entrega de objetos

e valores pessoais.” Sendo extremamente importante referir que a lei contempla “um

acompanhamento educativo permanente por equipa de pessoal devidamente habilitado” e que as

atividades realizadas pelos jovens devem ser específicas do seu plano de reinserção social e não

iguais para todos. Esta legislação entrou em vigor 30 dias após a sua aprovação; no entanto, as

casas da autonomia ainda não existem.

Se a melhor forma de garantir que um jovem desiste do crime é integrá-lo na sociedade, o

que é considerado inegável, então não seria mais fácil de conseguir esse objetivo faseando-o ao

longo do processo de internamento? Se, conforme nos diz Azevedo & Duarte (2014), o fator mais

importante para a mudança de mentalidade e de atitude no processo do internamento são as

relações interpessoais criadas, o acreditar no potencial deste jovem, o acompanhar e incentivar,

e se realmente o mais importante para uma reeducação bem-sucedida é o jovem contribuir de

alguma forma, ter objetivos, sentir-se integrado na sociedade, então é questionável a lógica de

retirá-lo completamente da mesma e restringir a sua criação de laços e relações saudáveis a

pessoas que depois não o acompanham no mundo exterior.

A ideia de que a parte mais importante do processo acontece aquando da saída do jovem

para o exterior faz sentido, pois como já mencionado é o momento em que o jovem retorna ao

mundo exterior, onde tem de decidir conviver com aqueles que o prejudicaram, ou onde percebe

que adquiriu ferramentas para uma vida diferente, para adquirir um trabalho ou melhor

qualificação profissional, um futuro melhor. Mas é primeiramente o momento que o jovem tem de

levar tudo aquilo que aprendeu e experienciou para um contexto completamente diferente daquele

que vivenciou durante todos os dias, durante meses ou anos. Importa não excluir estes jovens da

sociedade, pois torna-se mais difícil reintegrar alguém na sociedade da qual se foi excluí.

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5 – Um olhar alargado sobre outros sistemas de justiça juvenil

5.1 – A evolução dos sistemas de justiça juvenil

Num olhar sobre os diferentes sistemas de justiça juvenil da Europa, facilmente percebemos

que, tal como em Portugal, a privação da liberdade é vista como uma medida de último recurso,

a medida mais gravosa do sistema. Existe, ao longo dos últimos anos, uma tendência geral para

a diminuição da percentagem de jovens que são alvo desse tipo de medidas, nomeadamente

devido às diretrizes das Nações Unidas para que tal seja evitado.

O artigo de Dünkel (2014) indica-nos que, por exemplo, a Inglaterra e o País de Gales

registaram uma queda de 35% na execução de medidas de privação de liberdade na primeira

década deste milénio. “Isto é particularmente verdadeiro para os países da Europa Central e

Oriental (…), o alto nível de desvio e sanções comunitárias e o baixo nível de sanções privativas de

liberdade característicos dos países continentais da Europa Ocidental e da Escandinávia foram

alcançados, enquanto outros, como a Lituânia, a Rússia e a Eslováquia, ainda usam a privação de

liberdade com mais frequência, embora não com a mesma frequência que nos tempos soviéticos”

(Dünkel, 2014, p. 37). Existe uma tendência crescente para a utilização de medidas não

institucionais, importando destacar que uma percentagem elevada de delitos juvenis não chega

aos tribunais, e que é resolvida com medidas informais, tentando responsabilizar o jovem que

comete o delito e a família do mesmo.

No caso de Inglaterra e País de Gales foram adotadas medidas restaurativas, onde se propõe

a reparação do dano causado à vítima como uma das medidas. É algo previsto na lei, o juiz pode

ordenar a reparação ou restituição como medida única, consoante o crime cometido. Dependendo

do país existem vias formais ou informais de sentenciar os jovens a medidas menos incisivas do

que o internamento ou outra qualquer medida de privação de liberdade. Existe, por exemplo,

“medidas construtivas, como cursos de treinamento social (Alemanha) e as chamadas sanções

ou projetos de trabalho e aprendizagem (Holanda)” (Dünkel, 2014, p. 37), que servem o propósito

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de oferecer novas ferramentas e um novo rumo aos jovens. Uma perspetiva que vai de encontro

aos ideais do sistema de justiça juvenil português, que se centra na educação do jovem. “Se

também levarmos em conta o serviço comunitário como uma sanção restaurativa no sentido mais

amplo, a proporção de todos os jovens e jovens adultos infratores que são tratados por tais

alternativas construtivas – idealmente educacionais – aumentam para mais de um terço (Heinz,

2012)”.

De uma forma geral, percebe-se que um pouco por toda a Europa se procurou criar um

sistema de justiça juvenil independente do sistema penal, na perspetiva de que os jovens

necessitam de ser educados e não punidos, ou seja, os jovens delinquentes devem ser tratados

de forma diferentes de “criminosos”. A exceção apontada por Frieder Dünkel são os estados

bálticos onde apesar de se perceber a necessidade de um sistema de justiça juvenil, na maioria

dos casos não existia um tribunal para jovens e os casos eram resolvidos nos tribunais comuns.

Na Rússia, a implementação destes tribunais específicos era limitada a algumas cidades,

“recentemente (2011) o parlamento russo (Duma) rejeitou uma proposta para introduzir um

sistema de tribunais de jovens separado em uma base nacional”, acreditando aqueles que votaram

contra o que seria decidir sobre algo que compete apenas à família, não percebendo que qualquer

sistema de justiça juvenil deve ter em conta o interesse superior da criança, atuando apenas em

caso de necessidade. Mesmo assim, e apesar da ausência de instituições e infraestruturas

especificas para os jovens, a Rússia segue a tendência do resto da Europa, apresentando uma

redução da privação da liberdade enquanto medida. Assim, de uma forma geral, a Europa segue

a tendência de substituir a punição pela educação e pela reabilitação dos jovens.

5.2 – A problemática da idade e a responsabilidade penal

A grande fonte de discórdia europeia é a definição da idade em que um jovem delinquente

pode ser considerado responsável pelos seus atos, a partir de que idade é que este deve ser

abrangido pelo sistema penal e a partir de que idade se considera que este deve ser alvo do

sistema de justiça juvenil.

No que toca à idade mínima para um jovem ser considerado responsável, esta vai desde os

valores muito baixos de 10 anos, em países como a Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e

Suíça, até aos 16 anos, como Portugal e a Rússia, ou até aos 18 anos como a Bélgica. No entanto,

“em muitos países, apenas sanções educacionais impostas pelos tribunais de família e tribunais

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de justiça juvenil são aplicáveis em uma idade mais precoce (por exemplo, França e Grécia).

Também na Suíça, o juiz de primeira instância só pode impor medidas educativas aos jovens dos

10 aos 14 anos de idade (que são, no entanto, considerados responsáveis criminalmente),

enquanto as penas de prisão juvenil são restritas aos maiores de 15 anos (Dünkel, 2014, p. 43).

Um outro sistema de faseamento das medidas é aplicado em outros países como a Rússia, onde

se verifica uma “escala progressiva de responsabilidade criminal”, em que a partir de uma certa

idade os jovens só são julgados e alvo de uma medida do sistema juvenil se cometerem algum

dos crimes considerados mais graves pela lei. É um sistema que baseia a sua intervenção na

gravidade do crime cometido e na idade dos jovens, ao invés da necessidade especifica de cada

jovem quanto à sua reeducação. Dois jovens com as mesmas necessidades podem ser alvo de

uma medida ou não consoante a sua idade.

Pelo contrário, Portugal possui um sistema de justiça juvenil onde, independentemente dos

limites de idade estabelecidos (12 aos 16), se aplicam as medidas consideradas necessárias, onde

a decisão varia consoante as características do jovem. Apesar disso, “dentro de um sistema

baseado unicamente na educação, a possibilidade de em determinadas circunstâncias ser

internado, como último recurso, numa casa ou em cuidados residenciais (particularmente na

forma de centros fechados ou centros seguros, como na Inglaterra, País de Gales e França) pode

ser tão intensivo e de duração igual ou até mais longa do que uma pena de prisão juvenil” (Dünkel,

2014, p. 46). Não é a idade delimitada para a aplicação das penas ou medidas que define a

qualidade do sistema de justiça juvenil, mas sim as medidas em si e a forma como estas são

realizadas.

A delimitação da idade é, contudo, cada vez mais discutida quanto ao seu limite superior.

Qual deve ser a idade máxima para um jovem ser abrangido, no caso de Portugal, pela lei tutelar

educativa. Serão os 16, os 18 ou os 20 anos? A questão passa por perceber quando é que um

jovem passa a adulto e se existe realmente uma idade para que isso aconteça ou se é na realidade

um processo individual de maturação que varia consoante o indivíduo. A tendência europeia é o

estender do limite máximo para idades mais avançadas, uma tendência “que está enraizada em

uma compreensão criminológica das fases de transição do desenvolvimento pessoal e social da

adolescência à idade adulta e do reconhecimento de que essas transições estão a demorar mais

tempo” (Dünkel, 2014, p. 46). Nos últimos anos tem-se verificado que, de uma forma geral, cada

vez mais os jovens prolongam os seus estudos (em Portugal, por exemplo, é obrigatório o 12º ano

de escolaridade, o que implica que os jovens estudem até aos 18 anos), o que por sua vez adia a

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integração no mercado de trabalho. A idade da constituição de família própria ou mesmo de sair

da casa dos pais, são outros dos indicadores que apontam para uma maturação mais tardia dos

jovens.

Assim, “muitos jovens experimentam crises psicológicas e dificuldades de desenvolvimento

na transição para a vida adulta, e cada vez mais essas dificuldades continuam a ocorrer em seus

vinte e poucos anos (Pruin 2007; Dünkel e Pruin 2011; 2012). Além disso, novas evidências

neurocientíficas indicam que a maturidade e as habilidades psicossociais apenas estão

plenamente desenvolvidas na terceira década de vida (Weijers e Grisso 2009: 63 e ff; Bonnie,

Chemers e Schuck 2012 (capítulos 4 e 5); Loeber e cols. 2012: 336 ff), o que justificaria um

sistema de justiça juvenil até aos 21 ou 24 anos de idade” (Dünkel, 2014, p. 47). Esta é a razão

pela qual alguns países têm optado por deixar de lado medidas de encarceramento aplicadas pela

justiça penal e em vez disso aplicam medidas educacionais a jovens adultos que, embora

ultrapassem a idade máxima, apresentam carências que são melhor resolvidas pela lei do sistema

de justiça juvenil do que pela lei penal. A ideia passa por adaptar a medida às características do

jovem independentemente da sua idade.

Por oposição, Portugal tem como limite máximo do sistema de justiça juvenil os 16 anos,

sendo a partir daí considerados puníveis pela lei, passando os seus casos a ser julgados nos

tribunais comuns, independentemente das suas necessidades. “Além disso, em outros países,

delinquentes juvenis podem ser transferidos do tribunal de jovens para o tribunal de adultos, onde

as chamadas leis de renúncia ou transferência preveem a aplicação do direito penal adulto a

determinadas ofensas” (Dünkel, 2014, p. 48). Trata-se da redução da idade mínima para a

aplicação da lei penal de forma a conduzir uma justiça punitiva, que visa apenas a segurança da

sociedade. “Alguns países preveem a aplicação de leis penais para crimes graves, por exemplo,

na Bélgica por violação, agressão agravada, agressão sexual agravada, roubo agravado, (tentativa)

de homicídio e (tentativa) de homicídio por jovens com 16 anos ou mais.”

Na Holanda, a lei penal também pode ser aplicada aos jovens de 16 e 17 anos embora caiba

ao tribunal de menores realizar o julgamento. “A gravidade do crime, a personalidade do jovem

infrator ou as circunstâncias em que o delito é cometido podem levar à aplicação do direito penal

adulto.” (Dünkel, 2014, p. 48). Neste país, tal como na Inglaterra, é a gravidade do crime cometido

que define se este é julgado consoante a lei penal ou a lei juvenil. Sendo que no caso deste último

país torna-se particularmente relevante devido a possuírem o limite mínimo mais baixo da Europa.

Aos 10 anos de idade, um jovem pode ver-se a ser julgado por um crime como se de um adulto

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se tratasse, estando sujeito às medidas da lei penal e respetivas durações, marcando-o em tão

tenra idade como um criminoso.

Também “na Irlanda, em casos excepcionais como a traição ou crimes contra a paz das

nações, mas também por homicídio ou homicídio culposo, os menores são julgados pelo Tribunal

Criminal Central perante um juiz e um júri” (Dünkel, 2014, p. 49). Na Escócia, em casos

considerados como mais graves, o crime é julgado pelo tribunal criminal, não possuindo um

sistema de transferência entre sistema de justiça penal e juvenil, mas executando transferências

de forma indireta. Apesar da implementação de um sistema de justiça juvenil este país acredita

ainda assim na necessidade de expor os seus jovens delinquentes ao sistema penal. Mesmo que

em casos mais graves sejam necessárias medidas mais gravosas, não deve isso justificar o

esquecimento de que estes julgados são, de facto, jovens e não adultos, que se inserem

legalmente no panorama jurídica do sistema de justiça juvenil. A visão que a sociedade tem de

um crime e o impacto que este lhe causa não deve influenciar a visão que temos das necessidades

específicas do jovem. Em Portugal, o sistema procura fazer isso mesmo, o superior interesse do

jovem e a medida adequada ao mesmo, ao invés da segurança da sociedade, motivo que se

presume para a existência deste sistema de transferências.

A intenção de qualquer sistema juvenil deve ser “reagir de maneira diferente às ofensas

cometidas pelos ofensores até uma certa idade, com base em seu nível de maturidade ou em sua

capacidade de discernimento”, pelo que Frieder Dünkel considera que todo o sistema juvenil que

funcione com transferências entre tribunais juvenis e adultos, ignorando a idade do jovem se

contradiz por natureza. Se um país considera uma idade na qual os jovens devem ser abrangidos

pela lei juvenil e depois a altera consoante a gravidade do crime, então o sistema funciona em

função da gravidade do crime. O jovem, devido à sua idade, pode por um lado ser considerado

imaturo para ser julgado num tribunal de adultos e por outro ser considerado “maduro o suficiente

para receber punição (adulta) criminal” (Dünkel, 2014, p. 50). Dependendo do crime cometido o

jovem pode ser considerado maturo ou não, ciente das suas ações ou não, independentemente

das suas características, das necessidades educativas, emocionais ou sociais. Estes sistemas que

contemplam transferências entre tribunais ou exceções à aplicação da lei juvenil parecem tratar-

se de uma forma de garantir a segurança da sociedade ao invés de zelar pelos jovens ou ao invés

de se focar no princípio da educação dos mesmos. Como dizem Weijers e Grisso: "Um adolescente

tem o mesmo grau de capacidade para formar intenção criminal, não importa o crime que comete"

(citado em Dünkel, 2014, p. 50).

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Completando, se em Portugal os longos períodos de internamento em regime fechado, em

total privação da liberdade, são apontados como fatores para a reincidência, não se preveem

efeitos positivos em transformar esse internamento numa prisão, com uma duração ainda mais

prolongada e um caracter muito mais punitivo. “De facto, estudos sugerem que a transferência de

jovens para tribunais para adultos têm efeitos negativos na prevenção de infrações, incluindo no

aumento da reincidência” (Dünkel, 2014, p. 50).

Não se pode esperar que uma pena de adulto tenha efeitos diferentes num jovem. Se está

estabelecido que a privação da liberdade deve ser evitada a todo o custo, é possível questionar a

existência de medidas no sistema de justiça juvenil que a utilizam de forma permanente, mas é

certamente de reprovar a utilização de medidas meramente punitivas, que em nada educam ou

reeducam os jovens delinquentes. Mesmo que isto aconteça de forma excecional, ou como no

caso da Bélgica ou Alemanha seja justificado devido aos 18 e 20 anos de idade mínima respetiva

para ser abrangido pela justiça penal, parece ser uma antítese no modelo aplicado.

Na medida em que se o jovem é considerado por lei como abrangido pelo sistema juvenil,

não é o ato realizado que o deve mudar. “Portanto, o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU

recomenda a abolição de todas as disposições que permitem que menores de 18 anos sejam

tratados como adultos, alcançar a aplicação plena e não discriminatória das regras especiais da

justiça juvenil a todos os menores de 18 anos (Comitê sobre os Direitos da Criança 2007:

parágrafos 34, 36, 37 e 38; Doak 2009: 23)” (Dünkel, 2014, p. 51).

Apesar da existência desta lacuna, como referido, a maioria dos países tem optado por

medidas menores, nomeadamente a mediação. Países como a Bélgica ou a Bulgária diminuíram

consideravelmente a sua utilização de medidas de internamento ou de outro tipo de privação da

liberdade. O objetivo passa por obter um sistema proporcional aos jovens e não um que assenta

na punição.

A Dinamarca, por sua vez, não possui um sistema de justiça juvenil separado do penal, mas

dispõe de medidas concretas para os jovens não utilizando medidas de privação total da liberdade.

Este país opta por uma conjugação da privação da liberdade e uma responsabilização feita na

comunidade, medidas orientadas para a reeducação e reinserção na sociedade.

A Inglaterra e o País de Gales optam por um sistema mais severo, que assenta também ele

na educação dos jovens, mas sobretudo focado na prevenção da delinquência. O internamento

em instituições fechadas ao exterior é por isso executado desde os 10 anos de idade, numa

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perspetiva de que é preciso prevenir a reincidência e exercer um maior controlo nos jovens desde

pequenos.

5.3 – Os sistemas de justiça juvenil francês e espanhol

A França e a Espanha apresentam modelos de justiça juvenil mais semelhantes ao português.

No caso francês, descrito por Barreiro (Barreiro, 2015, p. 27), é onde existe uma diferença maior,

mas igualmente com o objetivo de providenciar um modelo que tenha em conta as características

dos jovens. A lei francesa dispõe de três tipos de medidas, “medidas educativas, sanções

educativas ou uma pena”, variando a medida consoante o grau de gravidade do crime, sendo a

pena a medida mais grave. No que toca às medidas educativas e às sanções educativas, estas

são em tudo semelhantes às medidas da lei tutelar educativa, indo desde medidas de reparação

ao ofendido até ao internamento, também com vista à reeducação do jovem. Sendo que as

sanções podem também abranger jovens de 10 anos de idade, inferior aos 13 anos definidos

como idade mínima.

A existência de penas, iguais às do seu sistema penal, é a grande diferença para com o

sistema português. Neste caso, o jovem pode mesmo cumprir pena de prisão, ainda que com

metade da duração de um adulto e em estabelecimentos próprios. Sendo a chave para evitar a

reincidência, nestes casos de aplicação de pena ou medida de internamento, a grande aposta feita

pelo governo do país na qualidade das instituições que acolhem estes jovens. O autor diz mesmo

que “o Governo Francês tem mostrado uma clara tentativa de controlo dos crimes praticados por

menores no agravamento da avaliação e penalização dos mesmos, o que é, igualmente, revelador

de uma crescente preocupação e insatisfação em relação ao panorama atual, real da delinquência

juvenil” (Barreiro, 2015, p. 27).

Tal como a França ou Portugal, também Espanha tem demonstrado um interesse em

endurecer o sistema, preocupando-se com a prevenção da delinquência. No entanto, este é um

sistema muito semelhante ao português, divergindo em alguns aspetos importantes. Tal como a

lei tutelar educativa, a LORPM (Ley Reguladora de la Responsabilidad Penal de los Menores)

engloba nas medidas possíveis o tratamento de dependências, o afastamento da vítima,

prestações à comunidade, tarefas socioeducativas ou a admoestação, entre outras.

No entanto, esta lei possui algumas medidas não existentes em Portugal, como a liberdade

vigiada que “consiste no acompanhamento do jovem na sua rotina diária, quer na escola, quer no

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local de trabalho” ou a assistência em centro de dia, onde se obriga “o menor a participar em

atividades lúdicas e de formação em centros existentes na sua comunidade” (Barreiro, 2015, p.

25), algo que aqui só existe nos centros educativos, fora da comunidade. Mas a maior diferença

está na aplicação da medida de internamento. Este pode ser realizado em centros educativos,

semelhantes aos que possuímos em conceito, ou centros terapêuticos, que como já referimos não

existem em Portugal.

Os regimes são os mesmos, fechado, semiaberto ou aberto, mas não existe uma privação

total da liberdade do jovem, salvo em casos de terrorismo. Mesmo em regime fechado o jovem

numa segunda fase do processo para um “regime de liberdade vigiada”, algo que não acontece

em Portugal onde o regime se encontra fechado até ao fim. Sendo de salientar que em Espanha

o jovem delinquente é abrangido pela LORPM dos 14 aos 18 anos, o que significa que a privação

da liberdade mesmo para jovens adultos é mais tardia, uma vez que apenas a lei penal a

contempla, salvo a exceção referida. Em Portugal, a partir dos 12 anos um jovem pode ver-se

privado da sua liberdade e a partir dos 16 anos ser condenado a pena de prisão.

De uma forma geral, ainda que com contradições em determinados casos, os países

europeus seguem as normas defendidas quanto à privação da liberdade dos jovens, sendo essa

uma medida de último recurso. Existe também uma tendência para a reparação, para uma justiça

restaurativa, para uma justiça focada na educação do jovem, ao invés de punitiva. Aliás, esse deve

ser o propósito da justiça juvenil, abolir penas de prisão para jovens e garantir a existência de

medidas que promovam a integração do jovem na sociedade. Por isso mesmo, destaco o sistema

juvenil espanhol, que abdica quase por completo da privação total da liberdade do jovem. Afinal,

o objetivo é integrar o jovem.

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Conclusão

Esta dissertação teve como objeto de estudo o internamento em regime fechado e as suas

consequências para os jovens que as cumprem, uma medida que apresenta uma aparente

contradição. Esta medida de reeducação, como recomendado pelas Nações Unidas, deve ser

evitada devido à privação da liberdade que acarreta.

Existe no sistema de justiça juvenil uma notória preocupação em distinguir os jovens dos

adultos no que toca ao tratamento do crime. Este funciona totalmente de forma independente do

sistema penal, procurando proporcionar aos jovens delinquentes uma educação para o direito ao

invés de uma penalização. Existe claramente um objetivo de reeducar os jovens para os poder

reinserir na sociedade.

A medida de internamento em regime fechado pretende melhorar a vida destes jovens. No

entanto, no estudo realizado percebemos que, na opinião de vários autores, esta medida tem mais

aspetos negativos que positivos. Mesmo percebendo-se a necessidade do internamento enquanto

medida, uma vez que rompe com os laços negativos que o jovem estabeleceu e que o levaram à

delinquência, o regime fechado surge como uma exceção. Ou seja, o regime fechado perpetua a

privação da liberdade em todo o tempo da medida, pondo em causa o objetivo, a reeducação. Não

descartando a necessidade do internamento, o regime fechado, mesmo que executado apenas

em casos mais gravosos, parece uma medida excessiva.

Assim, a total privação da liberdade é vista como um fator que põe em causa quase todos os

pressupostos e objetivos da lei tutelar educativa. O regime fechado é, em alguns casos, descrito

como a transformação do internamento numa espécie de prisão, numa instituição total. O jovem

internado experiencia um dia-a-dia desfasado da realidade e espera-se que se integre

completamente quando sai da instituição. A falta de contacto com o exterior, a falta de experiências

no exterior, a não posta em prática dos valores e costumes que vai adquirindo no seu processo de

recuperação resultam numa maior probabilidade de reincidência. Existe efetivamente uma clara

ideia em fazer com que estes jovens percebam que erraram, que os valores certos são aqueles

que vão aprender durante o seu internamento, que as normas da sociedade são as que devem

ser respeitadas.

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No entanto, as normas e valores que a instituição estabelece não são necessariamente as

que estes jovens vão encontrar na sociedade.

Funcionando o internamento como uma instituição total, os jovens têm de cumprir horários

rígidos, têm de suprimir características da sua personalidade de forma a cumprirem a medida

sem problemas. Mas esta constante vigilância e rigidez raramente existe no exterior, os jovens

deviam aprender a ganhar responsabilidade de forma autónoma, uma vez que mesmo que exista

acompanhamento num curto/médio espaço de tempo após o internamento, o objetivo passa por

fazer com que estes jovens consigam viver de forma autónoma e responsável o resto das suas

vidas. Esse é o motivo para a reincidência, os jovens não conhecem a realidade para a qual foram

reeducados, essa reeducação é desfasada da realidade. O ambiente estritamente controlado é um

entrave à reinserção na sociedade.

Alguns autores e estudos científicos apontam, por isso, que a rigidez do internamento não é

o fundamental, antes é necessário perceber as necessidades específicas de cada jovem e

acompanha-los de forma personalizada ao longo de todo o processo. Não é fundamental privar o

jovem da liberdade, mas sim garantir que estes jovens têm o adequado acompanhamento, dentro

e fora da instituição. Procurar que o jovem mantenha as características positivas que o definem e

incutir-lhe as normas e valores da sociedade, englobando no seu processo de reeducação a

sociedade para a qual pretendemos que ele retorne.

O meio que rodeia o jovem é fundamental para que este siga o caminho da delinquência, por

isso não podemos colocar o mesmo de lado quando procuramos reeducá-lo. Devemos promover

o contacto com o exterior, garantir que as aprendizagens não se desvanecem quando em contacto

com este. As ferramentas que o internamento visa proporcionar têm de ser testadas no meio em

que pretendemos que sejam usadas.

O estigma é outro fator negativo que o regime fechado pode causar. Ainda na perspetiva do

internamento como instituição total, a total privação da liberdade destes jovens, em conjunto com

a conotação negativa de cometer um crime, leva a que estes jovens sejam vistos apenas e só

como delinquentes, que foram excluídos da sociedade.

Retirar completamente os jovens da sociedade pode marca-los como pessoas que foram

retiradas da sociedade em prol da segurança dos restantes. Se queremos que a sociedade os

aceite, e que estes aceitem a sociedade, não podemos excluí-los da mesma. Ao fazê-lo estes são

vistos e vêm-se como excluídos, sendo muitas vezes discriminados no que toca às oportunidades

após o internamento, uma razão para a reincidência.

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Se a medida é vista como uma pena, aqueles que a cumprem são vistos como alguém que

precisava de ser castigado. Pretendemos que o jovem seja alvo de uma medida de reeducação e

não de uma medida de prisão, mesmo não sendo esse o objetivo.

Ficou percetível que um dos problemas do internamento em regime fechado é o regresso à

sociedade, a falta de acompanhamento específico destes jovens após o internamento.

Tal como sugerem as mais recentes alterações à lei tutelar educativa, este acompanhamento

deve existir na legislação, no entanto não se encontra implementado. Num sistema ideal os jovens

deviam ser acompanhados pelos mesmos profissionais que foram responsáveis pela sua

reeducação ao longo de todo o internamento, garantindo um elo de ligação entre o internamento

e a vida em sociedade. Existiria assim uma continuidade em todo o processo, algo que seria ainda

melhor se o regime fechado faseasse a integração do jovem na sociedade. Podendo o jovem

começar a usufruir de autonomia e liberdade para realizar tarefas no exterior, como aulas ou

mesmo trabalho.

A medida recentemente implementada na lei, a supervisão intensiva, procurava isso mesmo,

ir testando o jovem na sociedade, retornando à total privação de liberdade apenas se necessário.

Isto durante o processo de internamento e não após o mesmo. O acompanhamento aquando da

saída para o exterior é essencial, sobretudo porque o exterior é muito diferente da realidade que

se vive na instituição. Assim, a supervisão intensiva parece solucionar o maior problema,

colocando de lado a total privação da liberdade, transformando o regime fechado num regime

progressivo de reinserção.

Não colocando em causa o sistema de justiça juvenil português, que assenta em princípios e

objetivos concretos muito positivos, o internamento em regime fechado possui características

negativas que dificultam a obtenção dos mesmos. Todas as medidas foram elaboradas e são

atribuídas tendo em conta o superior interesse do jovem, de garantir o melhor para estas e para

o seu futuro na sociedade.

E, não questionando a necessidade da existência do regime fechado, a análise feita aponta

que este, a existir, deve ser apenas uma fase do processo de reeducação. A privação total da

liberdade é um entrave à reinserção dos jovens na sociedade. O regime fechado deve existir, mas

apenas como uma fase do processo, não como sendo o processo em si.

Em suma, não podemos querer garantir o controlo total do jovem e esperar que este se

comporte de forma igual sem qualquer controlo. Não podemos privar um jovem da sua liberdade

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e esperar que ele saiba viver com liberdade. Devemos promover responsabilidade e autonomia,

mas não num ambiente desfasado da realidade.

Qualquer que seja o regime de internamento, este deve garantir o contacto com o exterior,

atividades fora da instituição e garantir a total integração do jovem na sociedade.

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