O ACESSO À INFORMAÇÃO NOS ARQUIVOS
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CNDIDA FERNANDA ANTUNES RIBEIRO
O ACESSO INFORMAO NOS ARQUIVOS Parte I
O acesso informao no quadro de desenvolvimento dos arquivos
em Portugal
Dissertao de doutoramento em Arquivstica, apresentada Faculdade de Letras da Univer-sidade do Porto
PORTO
1998
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Ficha tcnica:
Autor: Fernanda Ribeiro
Ttulo: O Acesso Informao nos Arquivos
Composio e arranjo do texto: Fernanda Ribeiro
Capa: Reproduo dos flios 5v. e 6 do ndice do Livro do tombo das propriedades, foros e penses que se pagam ao concelho e Cmara desta cidade do Porto, de 1615 (imagem gentilmente cedida pelo Arquivo Histrico Municipal do Porto)
Extratexto (entre p. 102 e 103): Planta do Real Arquivo da Torre do Tombo, nas instalaes do Mosteiro de So Bento, para onde foi transferido em 1757. Reproduzida de: BAIO, Antnio - Manuel da Maia como guarda-mr da Torre do Tombo. Anais das Bibliotecas e Arquivos. Lisboa. 2 srie. 16 (1942) 84-85.
Reproduo grfica e brochura: Oficina Grfica da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Data: 1998
Copyright: Fernanda Ribeiro
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Ao meu Pai
Aos meus filhos, Ana Isabel e
Joo Nuno
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SUMRIO
VOLUME I
Prembulo 15
Introduo 23 1. Consideraes gerais 23
2. Breve evoluo da Arquivstica 25
3. A Arquivstica como disciplina cientfica 49
4. O objecto de estudo desta dissertao 53
5. Antecedentes do tema na investigao arquivstica 55
6. O mtodo de investigao seguido 58
7. Fontes de informao utilizadas 60
PARTE I - O acesso informao no quadro de desenvolvi-
mento dos arquivos em Portugal 65
CAPTULO I - Origem e consolidao dos sistemas de informao
arquivstica (da Idade Mdia ao fim do Antigo Regime) . 73
Seco 1 - Arquivos da administrao central 73
1. O Arquivo da Torre do Tombo 73
1.1. Constituio e fixao do arquivo 73
1.2. Organizao e funcionamento do arquivo 83
a) Acervo documental 84
b) Instalaes e acondicionamento 97
c) Pessoal 103
d) Organizao do servio 108
1.3. O acesso informao 119
2. Outros arquivos da administrao central 142
2.1. Cartrios incorporados na Torre do Tombo entre 1820 e 1910 146
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- Registo das Mercs 149
- Colleces de negociaes diplomaticas 150
- Archivo militar 155
- Tratados e convenes de Portugal com as Naes estrangeiras 156
- Intendencia geral da policia 157
- Archivo do Desembargo do Pao 158
- Mesa da Consciencia e Ordens 161
- Conselho da Fazenda 162
- Mesa Censoria 171
- Provedorias 172
- Archivo do Ministerio do Reino 174
- Junta do Commercio 179
- Alfndegas 182
- Errio Rgio 185
- Feitoria portuguesa de Anturpia 186
- Juzo da Inconfidncia 186
- Junta da Real Fazenda do Estado da ndia 187
- Junta da Sade Pblica 187
- Junta do Tabaco 188
2.2. Cartrios incorporados na Torre do Tombo aps 1910 190
- Ministrio dos Negcios Eclesisticos e da Justia 192
- Registo Geral de Testamentos 194
- Cartrio da Nobreza 195
- Mordomia-mor da Casa Real 197
- Cartrio das Capelas, Resduos e Legados Pios 198
a) Arquivo dos Feitos Findos 198
2.3. Cartrios incorporados em arquivos especializados e em
outras instituies pblicas 203
a) Arquivo Geral da Marinha 204
- Conselho Ultramarino 205
b) Arquivo Histrico Militar 208
- Secretaria de Estado dos Negcios Estrangeiros e da Guerra 211
-
c) Arquivo Histrico do Ministrio do Equipamento, do Pla-
neamento e da Administrao do Territrio 214
- Administrao dos Reais Pinhais de Leiria 217
- Conselho de Guerra 218
- Correio-mor Manuel Jos da Maternidade da Mata de Sousa Cou-
tinho, 1 Conde de Penafiel 219
- Estribeiro-mor D. Jaime de Melo, 3 Duque do Cadaval 220
- Inspeco dos Paos Reais 221
- Intendncia-Geral de Minas e Metais 222
- Junta do Comrcio 222
- Junta dos Juros dos Reais Emprstimos 222
- Junta dos Trs Estados 224
- Mesa do Bem Comum dos Mercadores 226
- Ministrio do Reino 226
- Montaria-mor do Reino 227
- Reais Ferrarias da Foz do Alge 229
- Subinspeco-Geral dos Correios 229
- Superintendncia das Ferrarias de Tomar e Figueir 229
- Superintendncia-Geral dos Contrabandos 229
- Superintendncia-Geral dos Correios 231
d) Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas 231
e) Arquivo Histrico Ultramarino 234
- Conselho Ultramarino 239
f) Biblioteca Nacional de Lisboa 241
g) Outras entidades: 247
Direco das Alfndegas de Lisboa 247
Imprensa Nacional - Casa da Moeda 247
Instituto Nacional de Estatstica 247
2.4. Arquivos que passaram para a posse de entidades privadas 250
- Conselho de Estado 250
2.5. Arquivos que permaneceram no seu habitat de origem 253
- Arquivo da Direco das Alfndegas de Lisboa 255
- Arquivo da Imprensa Nacional - Casa da Moeda 258
-
- Arquivo do Tribunal de Contas 259
- Arquivo do Tribunal da Relao de Lisboa 269
- Gabinete de Estudos Arqueolgicos de Engenharia Militar 271
Seco 2 - Arquivos municipais 277
1. Constituio e regulamentao 280
2. Organizao e funcionamento 289
3. O acesso informao 314
Seco 3 - Outros arquivos da administrao pblica 332
- Arquivo da Universidade de Coimbra 333
- Colgio dos Nobres 343
1. Arquivos notariais 345
Seco 4 - Arquivos privados 354
1. Arquivos eclesisticos 358
1.1. Arquivos do mbito diocesano 360
1.1.1. Arquivos paroquiais 388
1.1.2. Arquivos de colegiadas 398
1.2. Arquivos de institutos religiosos e de ordens militares 407
1.3. Arquivos dos tribunais do Santo Ofcio 445
2. Arquivos de famlia 449
2.1. Famlia real 450
- Casa das Rainhas 450
- Capelas de D. Afonso IV e D. Beatriz 451
- Casa de Bragana 452
- D. Antnio, Prior do Crato, e seus descendentes 458
- Casa do Infantado 461
2.2. Famlias da nobreza titulada 463
- Arquivo dos Marqueses de Abrantes 465
- Arquivo dos Condes das Alcovas 465
- Arquivo da Famlia Costa Cabral 466
- Arquivo dos Marqueses de Fronteira e Alorna 466
- Arquivo dos Condes das Galveias 466
- Arquivo dos Condes de Povolide 467
-
- Arquivo do Visconde do Torro 467
- Arquivo dos Viscondes da Vrzea 467
- Arquivo da Famlia Pombal 467
- Arquivo dos Condes dos Arcos 469
- Arquivo dos Duques de Cadaval 469
- Arquivo dos Marqueses de Castelo Melhor 470
- Arquivo dos Condes de So Loureno 470
- Arquivos dos Condes de Tarouca, Penalva e Alegrete 470
2.3. Famlias da nobreza no titulada 471
- Arquivo da Casa da nsua 472
- Arquivo da Famlia Jcome de Vasconcelos 472
- Arquivo da Famlia Camacho de Brito 474
- Arquivo do Pao de Cidadelhe 475
3. Arquivos de instituies de assistncia (confrarias, hospitais, etc.) 476
- Arquivo do Hospital de So Jos 480
- Arquivos das Misericrdias 482
- Arquivos de outras confrarias 489
4. Arquivos de empresas 490
- Companhia Geral do Gro-Par e Maranho 490
- Companhia Geral de Pernambuco e Paraba 492
- Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro 493
5. Arquivos pessoais 494
Consideraes finais 498
CAPTULO II - Rupturas e continuidades nos sistemas de
informao arquivstica (de 1820 a 1887) 501
1. As rupturas e os desvios na organizao arquivstica 506
1.1. O Arquivo Nacional da Torre do Tombo 506
a) Acervo documental 506
b) Instalaes e acondicionamento 513
c) Pessoal 514
d) Organizao do servio 519
1.2. Outros arquivos que sofreram alteraes estruturais 522
-
2. A preservao da essncia dos arquivos 524
2.1. A regulamentao arquivstica 526
2.2. Os arquivos municipais: sistemas que mantiveram a sua esta-
bilidade 536
2.3. A Inspeco Geral das Bibliotecas e Arquivos Pblicos 542
3. O acesso informao: a abertura dos sistemas 546
3.1. Arquivo Nacional da Torre do Tombo 547
3.2. Outros arquivos da administrao pblica 558
3.3. Os arquivos privados 573
Consideraes finais 580
CAPTULO III - A afirmao e o desenvolvimento da tcnica
arquivstica (de 1887 actualidade) 583
1. Aspectos mais significativos da evoluo arquivstica 586
1.1. A aco da Inspeco das Bibliotecas e Arquivos 586
1.2. Os ltimos trinta anos 628
a) As tmidas medidas entre 1965 e 1980 629
b) A aco da BAD 632
c) O Departamento de Bibliotecas, Arquivos e Servios de
Docu-mentao do IPPC e o vigor da ltima dcada (1985-
1995) 638
1.3. O Arquivo Nacional e seus anexos 644
a) Acervo documental 644
b) Instalaes 650
c) Pessoal 653
d) Organizao do servio 659
1.4. Outros arquivos 672
a) Arquivos da administrao central 675
b) Arquivos municipais 690
c) Outros arquivos da administrao pblica 696
d) Arquivos privados 702
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2. O acesso informao 714
2.1. Os diplomas legais e a normalizao 715
2.2. Os instrumentos produzidos 725
Consideraes finais 741
Apndices documentais 743 1 - Referncias legislao relativa ao Arquivo da Torre do Tombo,
colhidas a partir de: RIBEIRO, Joo Pedro - Indice chronologico
remissivo da legislao portugueza posterior publicao do Codigo
Filippino ... dado luz por ordem da Academia R. das Sciencias de
Lisboa. 2 imp. Lisboa : Na Typografia da mesma Academia, 1805-
-1820. 4 vol. 745
2 - Livros e papeis que esta nos almarios da Caza da Coroa. In Varias
doaes, honras, devaas, foros e brazes que dero os reys de
Portugal, com o rol dos livros e papeis que esto nos almarios da
Caza da Coroa e rellao dos fidalgos que captivaro em Affrica, no
anno de 1578 a 4 de Agosto por ordem de alfabeto e outras memorias
da Caza de Bragana tiradas de seus archivoz. Mandado copiar por
Joo de Souza Coutinho em o anno de 1741. p. 207-217. 753
3 - BARBOSA, Antnio Dantas - Alfabeto mistico, feito sendo gu[a]rda
mor da Torre do Tombo Joao Couceyro de Abreu e Castro, escriva
Alexandre Manoel da Silva. 1729-1730. 2 vol. 765
4 - Inventario dos livros, maos e documentos que se guardam no Real
Archivo da Torre do Tombo : feito sendo guarda-mr Joo Pereira
Ramos de Azeredo Coutinho, no anno de 1776. 789
5 - Regulamento provisorio do servio interior do Archivo. In ARQUIVO
DA TORRE DO TOMBO - Registo de Ordens. Livro 40, f. 217-
-217 v. 793
VOLUME II
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PARTE II - Os instrumentos de acesso informao 5
1. Caracterizao dos instrumentos de acesso informao dos arquivos 10
1.1. Estabelecimento de tipologias e respectiva terminologia 11
1.2. Os instrumentos de acesso informao dos arquivos por-
tugueses 42
a) Tipologias 43
b) Estrutura interna 61
c) Pontos de acesso 69
2. Os princpios consignados na norma ISAD(G) e sua relao com os
instrumentos de acesso informao 74
3. Os efeitos da automatizao nos instrumentos de acesso, numa viso
integrada do arquivo como sistema de informao 76
Concluso 83
Fontes e bibliografia 89
Anexos: instrumentos de acesso informao dos arquivos
portugueses 179 Anexo 1 - Lista bibliogrfica 187
Anexo 2 - Quadro 1 - Entidades detentoras dos Arquivos 259
Anexo 3 - Quadros 2 a 14 - Arquivos. (Elementos para uma lista de
autoridade dos arquivos portugueses) 331
Quadros 2 a 4 - Arquivos da administrao pblica:
Quadro 2 - Arquivos da administrao central 337
Quadro 3 - Arquivos da administrao local 413
Quadro 4 - Outros arquivos da administrao
pblica 449
Quadro 5 - Arquivos judiciais 457
Quadro 6 - Arquivos notariais 483
Quadros 7 a 10 - Arquivos eclesisticos:
-
Quadro 7 - Arquivos do mbito diocesano 533
Quadro 8 - Arquivos paroquiais 555
Quadro 9 - Arquivos de institutos religiosos e
de ordens militares 635
Quadro 10 - Outros arquivos eclesisticos 705
Quadro 11 - Arquivos de instituies de assistncia 711
Quadro 12 - Arquivos de associaes, empresas e outras
colectividades afins 757
Quadro 13 - Arquivos de famlia 777
Quadro 14 - Arquivos pessoais 797
Anexo 4 - Quadros 15 e 16 - Temas e Tipos documentais 821
Quadro 15 - Temas 825
Quadro 16 - Tipos documentais 847
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PREMBULO
O meu interesse pela problemtica do acesso informao no decorre de
uma motivao recente; remonta j aos tempos em que me iniciei nas lides
biblioteconmicas e arquivsticas, ou seja, poca em que frequentei o extinto
Curso de Bibliotecrio-Arquivista da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra. Nessa altura, a minha ateno dirigia-se, especialmente, para a
aplicao correcta das tcnicas de tratamento documental, largamente
desenvolvidas no campo da Biblioteconomia e ainda incipientes no domnio da
Arquivstica. Ao longo dos anos, no contexto do exerccio profissional, a
motivao para desenvolver meios eficazes de recuperao da informao, no
sentido de optimizar os servios disponveis aos utilizadores, levou-me,
naturalmente, a um aprofundamento da tcnica mas tambm a uma procura de
fundamentao terica para essa mesma tcnica, especialmente na rea dos
arquivos.
Quando em Fevereiro de 1993, na qualidade de assistente estagiria do
Curso de Especializao em Cincias Documentais, realizei as provas de
aptido pedaggia e capacidade cientfica, cujo tema de estudo se centrou na
problemtica da indexao e do controlo de autoridade nos arquivos, decidi,
quase de imediato, que iria trabalhar na mesma linha de investigao para o
doutoramento, embora alargando o mbito a outras formas de acesso
informao, que no apenas a do acesso por assuntos. Esta ideia implicava, como
pontos de partida, um conhecimento da evoluo do problema ao longo dos
tempos e uma anlise dos meios susceptveis de concretizar esta operao,
aparentemente, apenas do foro da tcnica arquivstica.
Com vista ao estudo retrospectivo da problemtica que decidira eleger
como tema de trabalho, comecei naturalmente a recolher material para um
primeiro captulo dedicado perspectiva diacrnica sobre o acesso informao.
Aos poucos ia aumentando a minha surpresa face quantidade de elementos que
-
no cessava de compilar, uns porque me interessavam directamente, outros
porque me despertavam a curiosidade, e que decidia tambm armazenar. Ao
fim de dois anos comeava a ter a ntida conscincia de que a informao reunida
no podia ser devidamente analisada apenas num captulo de enquadramento
geral do tema.
Paralelamente investigao para o doutoramento, desde h cerca de
quatro anos, envolvi-me num outro projecto deveras aliciante em colaborao
com trs colegas de docncia dos Cursos de Especializao em Cincias
Documentais de Coimbra e do Porto - Armando Malheiro da Silva, Jlio Ramos
e Manuel Lus Real - cujo objectivo era o de escrever um livro de Arquivstica,
que nos pudesse servir de base de referncia como professores desta rea. A
empresa a que nos lanmos empenhadamente resultou, de facto, na produo de
um ensaio intitulado Arquivstica : teoria e prtica de uma cincia da
informao, cujo volume primeiro estar disponvel ainda este ano. A reflexo, o
debate de ideias, o estudo suscitados pela necessidade de conhecer e
problematizar a fundamentao cientfica de uma disciplina, que se encontra num
momento crucial de afirmao de identidade, foram determinantes para traar,
em definitivo (e, de certo modo, reorientar), o rumo desta dissertao.
A teoria e o mtodo da Arquivstica, pensados e devidamente explanados
na Arquivstica : teoria e prtica, no s passaram a constituir uma base de
referncia fundamental para o estudo da varivel de investigao escolhida para
esta tese, como tambm estimularam grandemente a vontade de aprofundar o
conhecimento sobre o tema escolhido, no caso presente, incidindo sobre a
realidade portuguesa. Cada vez mais comeava a no fazer sentido para mim
desconhecer o modo como, ao longo dos tempos, se foi processando o acesso
informao dos arquivos, em que medida que a evoluo foi condicionada por
factores intrnsecos e/ou extrnsecos ao prprio desenvolvimento daqueles, quais
as influncias scio-culturais, poltico-ideolgicas ou de outra ordem que se
fizeram sentir, enfim todo o contexto em que se tem situado esta questo,
como meio essencial para compreender a realidade actual com todas as suas
virtualidades e deficincias.
-
Esta nova motivao, que me permitia encarar o tema em estudo de uma
forma muito mais abrangente do que a que no comeo perspectivara, aliada
quantidade de dados recolhidos, tambm muito superior que a princpio julgara
poder reunir, levaram-me a reconsiderar a profundidade da anlise retrospectiva
que pensava fazer. E assim, o projectado captulo inicial transformou-se numa
primeira parte, que se concretizou num volume totalmente dedicado abordagem
diacrnica do tema.
Em face desta reformulao do projecto primitivo que, afinal, mais no foi
do que o desenvolvimento de um aspecto j previsto no plano do trabalho, a
segunda parte teve, obviamente, de sofrer tambm alguns ajustes, por forma a
possibilitar a concluso do estudo, nos prazos legais. Assim, os aspectos mais
tcnicos, relativos forma dos pontos de acesso informao e aplicao do
controlo de autoridade, que inicialmente tinha inteno de desenvolver, ficaram
para um outro trabalho. Na linha de orientao da primeira parte, procurei, na
segunda, privilegiar as questes tericas e metodolgicas relativas aos
instrumentos de acesso informao, deixando intencionalmente por abordar os
procedimentos tcnicos inerentes ao fazer.
No decorrer da investigao fui-me apercebendo gradualmente da
importncia do novo rumo seguido para o conhecimento aprofundado e global do
tema que tinha em mos. De facto, enveredar apenas por uma anlise tcnica,
baseada somente em questes superestruturais sem conhecer o que fica a
montante de toda esta questo, que , afinal, a essncia dos arquivos, seria uma
perspectiva demasiado restritiva e limitada para um estudo de cariz cientfico.
Foi, precisamente, a conscincia disto que me fez reorientar a perspectiva que, no
comeo, tinha definido.
por demais evidente que um trabalho deste gnero implica desbravar
caminhos antes nunca trilhados e a descoberta de fontes de informao, nem
sempre de referncia fcil. tambm sobejamente conhecido o facto de as nossas
bibliotecas e os nossos arquivos no terem as condies ideais para os
investigadores poderem, facilmente, aceder informao que procuram, muitas
das vezes por falta de instrumentos para o efeito. Contudo, no que toca a estas
-
questes, no quero deixar de afirmar que me senti verdadeiramente privilegiada,
pelo simples facto de ser do meio, isto , de dominar as fontes de referncia, de
conhecer os antigos catlogos, de ter colegas e amigos em muitos dos locais que
frequentei para recolher informao, os quais sempre se mostraram disponveis
para localizar documentos de mais difcil acesso, para dar informaes sobre
coisas que conheciam, para, enfim, ajudar na investigao de um tema que
afinal lhes tocava directamente. Sem este -vontade, estou certa que nunca
conseguiria ter recolhido o essencial da informao de que precisei, em pouco
mais de um ano.
Mas para alm das condies, que reputo de excepcionais, em que conduzi
a minha investigao, este estudo tambm no teria sido possvel desta forma
sem o contributo de um grande nmero de pessoas e instituies a quem quero,
publicamente, enderear o meu reconhecimento.
Em primeiro lugar, quero agradecer ao Prof. Doutor Jos Marques, meu
orientador cientfico, pelo interesse permanente que, desde a primeira hora, ps
neste trabalho. O incentivo que, mesmo nos momentos de desnimo - que
tambm os houve - sempre me transmitiu, bem como a disponibilidade
incondicional que manifestou para debater ideias, rasgar caminhos de pesquisa,
fornecer informao bibliogrfica, ler integralmente o texto, foram factores
essenciais ao desenvolvimento deste estudo.
Igualmente quero expressar a minha gratido ao Prof. Michael Cook, co-
-orientador desta tese, pelo interesse em acompanhar a minha investigao e pela
ateno que dispensou - apesar da distncia e, muitas vezes, apenas via Internet -
- ao seu desenvolvimento.
Ao Conselho Cientfico da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
manifesto o meu reconhecimento pela concesso da dispensa de servio, bem
como pela insero desta tese no mbito da aco 5.2 do PRODEP (formao
avanada no ensino superior), o que me permitiu dispor de algum apoio
financeiro e beneficiar de trs anos consecutivos sem actividade docente.
O apoio que recebi das vrias bibliotecas e arquivos onde recolhi
informao merece-me tambm uma palavra de agradecimento, pois embora
-
tenha, naturalmente, estado sujeita s condies normais de atendimento do
pblico, recebi a melhor das atenes e um tratamento de colega, o que sempre
facilita a transposio de pequenas barreiras burocrticas.
Comeando por referir as bibliotecas, quero mencionar, antes de mais, a
Biblioteca Pblica Municipal do Porto, onde me instalei durante meses a fio,
tendo recebido do seu Director, Dr. Lus Cabral, da responsvel pela seco de
Reservados - amiga e colega arquivista de outros tempos (bons tempos!) - Dr
Maria Adelaide Meireles e da bibliotecria da mesma seco, Dr Isabel Antunes
Guimares, das bibliotecrias das seces da catalogao e hemeroteca, e do
pessoal em geral, o melhor acolhimento e um empenho desmedido para poder
consultar rapidamente tudo quanto necessitava; da Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra, quero evocar, especialmente, o nome da Dr Maria
Teresa Pinto Mendes, bibliotecria responsvel, que providenciou para que esta
sua antiga aluna - que constantemente recorda as suas lies e sente que foi um
privilgio t-la como mestra - tivesse um tratamento idntico ao dos
investigadores regulares que a acorrem, quer quanto consulta, quer quanto ao
emprstimo domicilirio e ao servio de encomenda de fotocpias ao exterior, a
que recorri diversas vezes; tambm na Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra, devo uma palavra de agradecimento Dr Paula Maria Fernandes
Martins, por me ter ajudado a resolver alguns problemas de catalogao; na
Biblioteca Pblica de Braga, quero destacar o apoio que o Dr. Henrique Barreto
Nunes, seu responsvel, amigo e colega de docncia do Curso de Especializao
em Cincias Documentais, em diversas ocasies me dispensou, especialmente
para reproduo de documentos; na Biblioteca Central da minha Faculdade, o
ambiente familiar que a sempre senti, aliado relao de amizade que me liga
aos seus responsveis, o Director, Dr. Joo Emanuel Leite, e as bibliotecrias,
Dr Isabel Pereira Leite e Dr Isabel Ortigo de Oliveira, foram tambm
condies estimulantes para o desenrolar da investigao.
Dos arquivos onde tambm fiz diversas pesquisas, quero mencionar,
primeiramente, o Arquivo Histrico Municipal do Porto, a cujo quadro de
pessoal pertenci durante mais de cinco anos, facto que contribuiu para ter um
-
conhecimento profundo do mesmo e para criar laos de amizade com diversos
funcionrios, que ainda hoje me tratam como se fosse da casa. Ao seu Director,
Dr. Manuel Lus Real, amigo e colega de muitos trabalhos e meditaes
comuns, que sempre acompanhou com entusiasmo o desenrolar deste estudo, e
generalidade das pessoas que trabalham no Arquivo, quero testemunhar o meu
sincero agradecimento; ao Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo
(especialmente s Drs Maria de Lurdes Henriques e Ana Canas), ao Arquivo
Distrital do Porto, ao Arquivo da Universidade de Coimbra (na pessoa do Dr.
Jlio Ramos), ao Arquivo Distrital de Viseu (em especial Dr Maria das Dores
Henriques), ao Arquivo Histrico Ultramarino, ao Arquivo da Santa Casa da
Misericrdia do Porto, instituies onde tive um gentil e prestvel atendimento;
finalmente a todos aqueles arquivos que, amavelmente, responderam ao pedido
de informao sobre os instrumentos de acesso informao que lhes enderecei,
devo tambm uma palavra de gratido.
Para alm dos apoios institucionais referidos, aos quais se ligam
naturalmente algumas pessoas, no posso deixar de mencionar ajudas
individuais, que recebi de colegas e amigos.
Tentando no deixar ningum no esquecimento (o que s o cansao
justificar), quero expressar o meu bem-haja reconhecido a todos os que, de uma
forma ou de outra, me ajudaram: ao Prof. Doutor Francisco Ribeiro da Silva, cuja
simpatia e estima j vm dos tempos em que fui sua aluna, pela disponibilidade
que teve para me auxiliar na anlise institucional que precisei de fazer; ao Prof.
Doutor Jos Amadeu Coelho Dias, pelas informaes preciosas que me forneceu
sobre o cartrio do Mosteiro de Bustelo; ao Prof. Doutor Lus Miguel Duarte,
que me esclareceu dvidas nas transcries paleogrficas; amiga de longa data,
Dr Maria Adelaide Meireles, que, para alm do apoio na Biblioteca Pblica
Municipal do Porto, passou tardes inesquecveis, volta das minhas doze
pastas de fotocpias, para em conjunto estabelecermos tipologias de instrumentos
de acesso informao, muitos deles verdadeiramente inclassificveis; colega e
amiga Dr Maria Lusa Cabral, pela amabilidade de pesquisa das cotas de uma
imensido de obras que eu pretendia consultar na Biblioteca Nacional e que
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ainda no constavam da PORBASE; amiga de h anos j sem conta, Dr Maria
Eugnia Matos Fernandes, pelas informaes sobre vria documentao do
Arquivo Distrital do Porto e sobre arquivos de ordens religiosas femininas; Dr
Madalena Garcia, actualmente subdirectora do Instituto dos Arquivos Nacionais /
Torre do Tombo, que tambm me forneceu elementos sobre arquivos a
incorporados; ao Dr. Silvestre Lacerda, pela ajuda na referenciao de
instrumentos de acesso informao recentemente editados, que ainda no me
era possvel encontrar nas bibliotecas, por no terem dado entrada pelo depsito
legal.
A estes apoios concretos no posso deixar de juntar outros da maior
importncia e que incidiram na leitura e comentrio do texto. Neste particular,
devo um agradecimento sentido ao Dr. Jlio Ramos, pelo seu empenho na leitura
atenta de todo o manuscrito e pelas sugestes e correces que, de forma
pormenorizada e rigorosa, fez ao longo do mesmo. Esta ajuda, na verdade, s se
pode ter de um amigo.
Tambm ao Dr. Manuel Real e ao Dr. Lus Cabral quero manifestar o meu
apreo pelas sugestes que me deram para melhorar algumas partes do texto, que
amavelmente se disponibilizaram a ler.
No posso deixar de referir ainda as conversas, sempre longas, com o
colega e amigo, Dr. Armando Malheiro da Silva, que tanto me ajudaram a
problematizar, a esclarecer dvidas e questes mais nebulosas, enfim, a pensar a
Arquivstica em moldes cientficos. No sei bem o que lhe agradecer, mas sei que
me deu uma ajuda preciosa.
A terminar, no quero agradecer, mas sim dizer minha famlia que sei
apreciar o espao que me deram para conviver com esta tese, roubando-lhes
muitos momentos de companhia e partilha de emoes. Aos meus filhos, quero
especialmente dizer que agora sim, vo, finalmente, poder ter um co.
-
INTRODUO
1. Consideraes gerais
Elaborar uma dissertao de doutoramento em Arquivstica constitui, logo
partida, uma aventura, j que se trata da primeira tentativa, em Portugal, de
concretizao de um projecto deste gnero. Embora, em pases estrangeiros,
existam experincias de investigao nesta rea, elas so em nmero reduzido,
pois a prpria afirmao da Arquivstica como disciplina cientfica apenas se tem
evidenciado nos anos mais recentes. A vertente tcnica que tem dominado este
campo do saber, ao longo do sculo XX, relegou para segundo plano a
componente de investigao, o que se comprova pelo escasso nmero de estudos
com cariz teorizante. Mas se, por um lado, foi necessria alguma coragem para
enveredar por este domnio de investigao, em que os suportes tericos so
frgeis e esto ainda em construo, por outro lado, foi deveras aliciante trilhar
este caminho e ousar contribuir para um conhecimento mais rigoroso desta nova
rea cientfica.
No momento actual, a Arquivstica encontra-se num ponto de viragem em
que se assiste, em vrios pases, a uma procura dos seus fundamentos tericos e a
uma afirmao da sua cientificidade, inserindo-a no campo da Cincia da
Informao. A reflexo da disciplina sobre si prpria e a sua evoluo uma
condio imprescindvel para o conhecimento arquivstico desde as suas origens,
clarificando o seu objecto de estudo e definindo o seu mtodo cientfico. Desde
os anos 80 que, em diferentes pases, se revelam manifestaes no sentido da
procura de uma teoria arquivstica, cuja expresso se tem concretizado em
variados artigos publicados em revistas da especialidade e em algumas
colectneas de estudos. A maior parte desta investigao surge no Canad e nos
Estados Unidos, embora a Europa no esteja arredada deste processo. Em Itlia,
as preocupaes teorizantes no so apenas destes ltimos anos. Desde o sculo
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XIX, a partir da escola de Florena, e afirmando-se no presente sculo atravs de
nomes como Eugenio Casanova, Giorgio Cencetti ou Antonio Panella, a
arquivstica italiana sempre se evidenciou pela procura dos fundamentos tericos.
Esta tradio assume particular relevo na actualidade, com os estudos de Elio
Lodolini e seus seguidores1. A investigao desenvolvida na Alemanha,
sobretudo pela Escola de Marburg, tambm no pode deixar de ser referida pela
importncia dos seus contributos2. Com menos impacto, tambm tm surgido,
mais ou menos esporadicamente, sinais destas preocupaes em pases como a
Frana, a Espanha, o Brasil ou a Austrlia.
Para a compreenso do campo epistmico da Cincia da Informao e, em
particular, do domnio especfico da Arquivstica, fundamental ter uma viso
diacrnica da sua evoluo, no apenas por um mero interesse histrico, mas,
sobretudo, pelo contributo epistemolgico imprescindvel consolidao de um
conhecimento verdadeiramente cientfico.
No cabe aqui traar a linha evolutiva da Arquivstica, quer em termos
histricos, quer epistemolgicos. Alguns autores tm publicado obras e estudos
sobre a histria dos arquivos (e, tambm em parte, da Arquivstica) e a reflexo
de tipo espistemolgico est tambm ensaiada e em vias de publicao3. Mas,
mesmo assim, consideramos importante assinalar os momentos mais
1 Sobre a tradio arquivstica italiana e a teorizao desenvolvida em Itlia ao longo dos tempos, ver a sntese apresentada por Elio Lodolini Jornada de Estudo sobre a Arquivstica, realizada em Roma, em 1989: LODOLINI, Elio - LArchivistica in Italia dallet classica alla met del sec. XX. In GIORNATA DI STUDIO SULLARCHIVISTICA, Roma, 1989 - Studi sullArchivistica : atti... A cura di Elio Lodolini. Roma : Bulzoni Editore, 1992. ISBN 88-7119-387-3. p. 41-75; ver tambm: LODOLINI, Elio - Lineamenti di storia dellarchivistica italiana : dalle origini alla met del secolo XX. Roma : La Nuova Italia scientifica, 1996. ISBN 88-430-0241-4. 2 Tambm Eckhart Franz, na Jornada de Estudo realizada em Roma (referida na nota anterior), traou a evoluo arquivstica na Alemanha, onde tem especial relevo a Escola de Marburg: FRANZ, Eckhart G. - Archives et Archivistique dans la Rpublique Fdrale dAllemagne. In GIORNATA DI STUDIO SULLARCHIVISTICA, Roma, 1989 - Op. cit. p. 27-40. 3 O contributo para uma epistemologia da Arquivstica foi ensaiado por um grupo de arquivistas - - Armando Malheiro da Silva, Jlio Ramos, Manuel Lus Real e a autora - docentes nas Faculdades de Letras de Coimbra e do Porto, numa obra em que procuraram sistematizar a teoria e a prtica dos arquivos, em novas bases cientficas. Dados de natureza histrica sobre a evoluo da disciplina podem a ser colhidos em pormenor ou complementada a informao atravs das referncias bibliogrficas para as quais remetido o leitor. Da que, na breve sntese que aqui esboamos, no haja a preocupao de citar sistematicamente a bibliografia de referncia, pois isso feito na obra em causa, da qual est ainda apenas concludo o vol. 1, a saber: SILVA, Armando Malheiro da [et al.] - Arquivstica : teoria e prtica de uma Cincia da Informao. Porto : Edies Afrontamento, 1998 (ainda no prelo).
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significativos na evoluo do conhecimento arquivstico, como elemento
essencial para a compreenso do que , na actualidade, a cincia dos arquivos.
2. Breve evoluo da Arquivstica
A Arquivstica como prtica to velha como a prpria escrita e a
constituio de arquivos consubstancia-se na necessidade de preservar, ao longo
dos tempos, a memria da actividade humana, atravs de registos sob as mais
variadas formas e nos mais diversos suportes. Desde as origens que os arquivos
foram, portanto, encarados como bases e veculos de informao.
Os primeiros arquivos de que h notcia evidenciavam j caractersticas
que se tornaram permanentes e que a disciplina arquivstica veio a incorporar nos
seus fundamentos, como sejam a estrutura orgnica e a funo servio/uso das
entidades produtoras, regras de controlo e procedimentos eficazes para garantir a
identidade e a autenticidade dos documentos, valor como prova e como
instrumento de informao.
A prtica arquivstica das civilizaes pr-clssicas assentava j em
princpios intuitivamente assumidos e, no mundo greco-romano, todo o
desenvolvimento das estruturas sociais e jurdico-administrativas implicou
avanos importantes na organizao dos arquivos4. A afirmao do conceito e a
fixao do termo Arquivo representam uma tomada de conscincia das suas
especificidades e estabelecem a diferena em relao a outros sistemas de
informao, designadamente as Bibliotecas.
A instabilidade social e poltica verificada na transio do Mundo Antigo
para o Mundo Medieval e mesmo durante a Alta Idade Mdia conduziram
mutilao e transferncia de arquivos, com graves consequncias para a sua
integridade e preservao da sua estrutura sistmica original. Aliada a isto,
tambm a mobilidade dos arquivos, que acompanhavam os governantes nas suas
4Sobre os arquivos na Antiguidade, ver por exemplo: POSNER, Ernst - Archives in the Ancient World. Cambridge (Massachussetts) : Harvard University Press, 1972.
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deslocaes, bem como a pouca resistncia dos suportes documentais utilizados,
contriburam para o desaparecimento e a desarticulao de importantes cartrios.
O valor atribudo palavra dada (o sistema de prova assentava sobretudo no
testemunho, no juramento, na f) em detrimento da palavra escrita - que era
apangio apenas de uma reduzida camada social - tambm no favoreceu a
organizao arquivstica. No admira, pois, que exista um grande vazio de
conhecimentos sobre o processo arquivstico at quase poca Moderna e que os
arquivos alti-medievais sejam pouco abundantes e mal conservados, constituindo
excepo alguns casos de arquivos eclesisticos.
Nos finais da Idade Mdia, o desenvolvimento dos Estados e das
administraes pblicas e senhoriais contribuiu para uma maior necessidade de
organizao arquivstica e, nas grandes cortes europeias, assiste-se nomeao
de funcionrios para zelarem pela boa ordem dos arquivos, sendo incumbidos de
organizar inventrios e responsabilizados pela garantia de autenticidade dos
documentos (passagem de certides e treslados)5.
O processo evolutivo dos arquivos prossegue, sem cortes abruptos, na
transio para a Idade Moderna. O processo de reforma levado a cabo por Filipe
II no Arquivo Geral de Simancas, que se traduziu na promulgao do primeiro
regulamento arquivstico, um exemplo paradigmtico desta evoluo em
continuidade. Tal reforma foi, afinal, o corolrio de uma srie de procedimentos,
grandemente inspirados na organizao dada Torre do Tombo nos sculos XV
e XVI. O sistema arquivstico da coroa portuguesa, estabelecido ainda em pleno
sculo XIV e modernizado nos sculos seguintes, foi o modelo escolhido para
servir de base organizao do arquivo do Estado moderno do pas vizinho6.
Na Idade Moderna, o trabalho arquivstico passou a assentar em normas
escritas e, no sculo XVII, aparecem os primeiros manuais em que a realidade
5 Sobre a organizao arquivstica na Idade Mdia e na poca Moderna, ver por exemplo: BAUTIER, Robert-Henri - Les Archives. In LHistoire et ses mthodes. Dir. de Charles Samaran. Paris : Gallimard, cop. 1961. p. 1121-1166; DUCHEIN, Michel - The History of European archives and the developments of archival profession in Europe. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 55 (1992) 14-24; FAVIER, Jean - Les Archives. 3me ed. Paris : P. U. F., 1975. 6 Ver: RODRGUEZ DE DIEGO, Jos Luis - Instruccin para el gobierno del Archivo de Simancas : (ao 1588). Madrid : Ministerio de Cultura, Direccin General de Bellas Artes y Archivos, [1989?]. ISBN 84-7483-560-7.
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dos arquivos vista luz de uma concepo essencialmente jurdica. Assiste-se,
portanto, a uma evoluo da prtica arquivstica, a qual se torna mais estruturada
medida que a aco humana e social que lhe inerente se torna mais complexa.
Esta maior estruturao conduziu forosamente necessidade de reflexo sobre o
prprio trabalho arquivstico. Pensar a prtica, sistematizar o saber,
designadamente atravs de obras sobre a organizao dos arquivos, so os
primeiros sinais da afirmao da Arquivstica como disciplina, reflectindo sobre
uma realidade multissecular e desde sempre muito bem definida (os arquivos),
que veio a converter-se em objecto de trabalho e, mais tarde, de estudo.
A uma primeira concepo jurdico-administrativa que envolveu a
Arquivstica, seguiu-se uma outra postura, a iluminista, a qual deu ateno
sobretudo ao valor histrico dos documentos, crescendo o interesse pelos
arquivos, no apenas pelos da administrao pblica (como anteriormente), mas
tambm pelos cartrios de natureza privada (eclesisticos e familiares). Em
funo desta perspectiva, graves desvios foram realizados, designadamente pelo
uso de classificaes metdicas, de base intelectual - que vieram adulterar a
estrutura original dos arquivos - e pela preferncia da ordenao cronolgica dos
documentos sem atender ao seu contexto de produo. Esta concepo iluminista
teve especial expresso na arquivstica francesa, com natural influncia em
outros pases, a que Portugal no foi alheio. As medidas de reorganizao da
Torre do Tombo, aps o terramoto de 1755, traduzem claramente tal influncia e
espelham essa mesma concepo iluminista.
O reforo e a centralizao do poder absoluto, especialmente no sculo
XVIII, conduziram a uma concentrao dos arquivos de Estado em grandes
depsitos, o que se pode considerar uma utilizao, de certo modo abusiva, ao
servio da poltica e j no apenas uma necessidade de uso para fins meramente
administrativos.
A Revoluo Francesa representa um novo marco na evoluo da
Arquivstica e na histria dos arquivos, surgindo uma reaco de sentido oposto
concepo do Antigo Regime. As nacionalizaes dos bens das anteriores classes
dominantes acarretou consigo a natural apropriao dos respectivos cartrios,
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pois a se conservavam os ttulos de posse e a documentao indispensvel
administrao das propriedades confiscadas. Assistimos, portanto, a um novo
movimento de incorporaes em massa de arquivos privados nos depsitos do
Estado, os quais passaram a ter a designao de Archives Nationales (1789,
Decreto de 18 Brumrio) e a ter funes de conservao e manuteno dos
documentos oficiais em que passava a assentar o novo regime. Estas medidas no
deixaram de ser marcadas por factores de carcter ideolgico, como o do expurgo
de documentos relativos a ttulos puramente feudais ou outros desprovidos de
interesse para a gesto dos bens do Estado. Distinguem-se tambm os
documentos de valor administrativo daqueles que apenas eram considerados de
interesse histrico e cultural. Estes ltimos, luz da legislao ento promulgada,
deviam ser transferidos para as bibliotecas do Estado.
Em nome destas concepes, inmeros cartrios foram deslocados e
transferidos para a posse do Estado e deu-se a desagregao de muitos deles, por
fora de interesses e valores poltico-ideolgicos estranhos aos prprios arquivos.
A quebra da unidade sistmica dos arquivos e as reorganizaes que sofreram
aps a sua integrao nos depsitos do Estado, sem atender respectiva estrutura
de origem, foram as mais graves consequncias da Revoluo Francesa, no que
toca organizao arquivstica. Apesar disso, a Revoluo tambm foi
responsvel por alguns aspectos inovadores, especialmente no que respeita
liberalizao do acesso aos arquivos e ao estabelecimento de um rgo nacional e
independente para a superintendncia dos mesmos. Tais aspectos tiveram, da em
diante, reflexos em variados pases e marcaram uma nova concepo que tem
perdurado at aos nossos dias7.
A expanso dos ideais revolucionrios de Frana veio a ter uma influncia
decisiva na instaurao de regimes liberais em diversos pases, com
consequncias idnticas no que toca nacionalizao dos bens do clero e de parte
da nobreza e centralizao dos arquivos respectivos. As reordenaes dos
7 Sobre os arquivos na poca Moderna e o desenvolvimento da Arquivstica, ver especialmente: BAUTIER, Robert-Henri - La Phase cruciale de lhistoire des archives : la constitution des dpts darchives et la naissance de larchivistique (XVIe - dbut du XIXe sicle). Archivum. Paris. 18 (1968) 139-150.
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documentos, que se sucedem s incorporaes, vo ser desastrosas do ponto de
vista arquivstico, pois misturam-se diversos cartrios sob uma ordem geral
cronolgica e/ou temtica. Em Portugal, a transferncia dos arquivos das ordens
religiosas masculinas extintas, por efeito do Decreto de 28 de Maio de 1834, para
os Prprios da Fazenda Nacional e, posteriormente, para a Torre do Tombo
(Portaria de 1 de Maro de 1836), um exemplo bem ilustrativo dos efeitos das
incorporaes em massa. No Arquivo Nacional, a documentao pertencente s
ordens religiosas veio a constituir a chamada Coleco Especial, a qual foi
organizada sem atender a quaisquer critrios de provenincia, resultando numa
ordenao cronolgica absolutamente anti-arquivstica8.
A poltica concentracionista e a subsequente reorganizao dos arquivos
atingiu, em Frana, tais propores que a situao se tornou preocupante e, de
certo modo, incontrolvel. O estado de caos que se vivia imps a necessidade
de criar uma ordem e da resultou a formulao de umas instrues para
ordenao e classificao dos arquivos departamentais e comunais, promulgadas
pelo Ministrio do Interior, em Abril de 1841. Foi o historiador Natalis de Wailly
que inspirou tal resoluo, na qual foi enunciado aquilo que veio a ser
futuramente conhecido como o princpio do respeito pelos fundos. Embora
determinando a separao dos documentos por fundos, atendendo sua
provenincia, as instrues tambm previam a ordenao por matrias, dentro de
cada fundo. Tratava-se de uma medida de carcter essencialmente pragmtico e
com um certo hibridismo na soluo apresentada, embora tenha sido
aperfeioada, mais tarde, designadamente pela associao do princpio do
respeito pela ordem original, defendido em 1867 por Francesco Bonaini com o
nome de metodo histrico e regulamentado em 1874-1875, nos arquivos da
Toscnia.
A aplicao do princpio acima referido foi rapidamente feita em vrios
pases da Europa, tendo-se consagrado o conceito atravs do termo fundo.
8 Sobre os erros de organizao de que esta coleco enferma, ver: AZEVEDO, Rui de - A Coleco Especial do Arquivo Nacional da Trre do Tombo : sua gnese e corpos que a formam : reconstituio destes fundos pelos seus elementos arquivsticos : o itinerrio do cartrio de Moreira. Revista Portuguesa de Histria. Coimbra. 3 (1947) 5-26.
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Embora tenha surgido como uma regra de carcter prtico, veio a consagrar-
-se-lhe um valor terico evidente, o que fez com que o respeito pelos fundos
viesse a ser considerado como o fundamento essencial da Arquivstica9.
Durante a segunda metade do sculo XIX, poca caracterizada pelo
historicismo e pelo romantismo, a que se associa todo um movimento de
renovao da historiografia e, em consonncia, uma forte valorizao das fontes
histricas e da pesquisa nos arquivos, estes ltimos passam a constituir autnticos
laboratrios do conhecimento histrico. Neste contexto, a Arquivstica - que j
adquirira uma posio instrumental relativamente Paleografia e Diplomtica,
disciplinas em ascenso desde o sculo XVIII - ganha um carcter de disciplina
auxiliar da Histria. A preparao de reportrios e inventrios de fontes, a
publicao dos documentos mais importantes do ponto de vista da pesquisa
histrica, bem como a abertura ao pblico dos arquivos, so manifestaes que
denotam o tipo de relao existente entre a Arquivstica e a Histria, numa clara
condio de subsidiariedade da primeira.
A aco de Alexandre Herculano quando, em 1853-1854, visita os
cartrios eclesisticos do Reino10, em busca dos documentos que viriam a
integrar os Portugali Monumenta Historica, bem como a Lei de 2 de Outubro
de 1862, que determinou a incorporao no Arquivo da Torre do Tombo de todos
os documentos dos cartrios das igrejas e corporaes religiosas, anteriores a
1600, so exemplos ilustrativos da dependncia que os arquivos tm sofrido
relativamente a interesses culturais externos a si prprios. Este primado da
Histria, embora tivesse suscitado uma maior ateno para o valor dos arquivos,
teve, sem dvida, consequncias perversas do ponto de vista arquivstico. A
concepo historicista - apesar do acentuar da perspectiva tcnica que a
Arquivstica vai sofrer a partir de finais do sculo XIX - perdurar, praticamente,
9 Sobre a origem e disseminao do princpio de respeito pelos fundos essencial a leitura de uma obra recentemente editada, a saber: MARTN-POZUELO CAMPILLOS, M. Paz - La Construccin terica en Archivstica : el principio de procedencia. Madrid : Universidad Carlos III; Boletn Oficial del Estado, 1996. ISBN 84-340-0898-X. 10 Ver: HERCULANO, Alexandre - Do Estado dos archivos ecclesiasticos do Reino e do direito do Governo em relao aos documentos ainda nelles existentes : projecto de consulta submettido Segunda Classe da Academia Real das Sciencias : 1857. In Opusculos. 2 ed. Lisboa : Em Casa da Viuva Bertrand & C, 1873. tomo 1, p. 207-251.
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at Segunda Guerra Mundial e mesmo na actualidade ainda persistem laivos da
sua presena, sobretudo nos chamados arquivos histricos.
A publicao, em 1898, do manual de Muller, Feith e Fruin, intitulado
Handleiding voor het ordenen en beschreijven van archieven11, mas
correntemente conhecido como manual dos arquivistas holandeses,
considerado como um outro marco na evoluo da Arquivstica, pois, a partir da,
abriu-se uma nova era para a afirmao da disciplina. A obra representa um
grande avano na teorizao arquivstica, no s pelo pensamento que lhe est
subjacente, mas tambm pelo carcter sistemtico com que se apresenta. Muitos
dos aspectos considerados hoje essenciais no corpus terico da Arquivstica j a
so formalizados e tratados com o devido relevo. No ser, pois, excessivo
afirmar que o manual dos holandeses marca o incio de um perodo diferente,
acentuando a vertente tcnica da disciplina e autonomizando-a definitivamente
de outras a que antes estivera ligada. Alis, no ser por acaso que, pela mesma
poca, se comeou a vulgarizar o termo Arquivstica, para designar um campo de
saber especfico.
Na viragem do sculo e at cerca dos anos 30, vrios aspectos so de
salientar no que respeita consolidao da Arquivstica. Por um lado, a
propagao do modelo herdado da Revoluo Francesa, que comeou a assentar
em diversas medidas regulamentadoras, entre as quais a criao de um organismo
central de coordenao arquivstica, em variados pases. Em Itlia, surgem
tambm diplomas legislativos mais especficos e inovadores, designadamente
regulamentos destinados aos arquivos da administrao central (1900) ou
seleco de documentos (1902). Por outro lado, assistimos a desenvolvimentos
importantes, quer nos Estados Unidos da Amrica, onde Waldo Leland
formaliza, em 1912, alguns princpios arquivsticos fundamentais para a
aplicao em servios do Estado, merc dos contactos com arquivistas europeus
(no mbito do Congresso Internacional de Arquivistas e Bibliotecrios, realizado
11 MULLER, S.; FEITH, J. A.; FRUIN, R. - Handleiding voor het ordenen en beschreijven van archieven. Groningen : Erven B. van der Kamp., 1898. (Trad. brasileira de Manoel Adolpho Wanderley, sob o ttulo: Manual de arranjo e descrio de arquivos. 2 ed. Rio de Janeiro : Ministrio da Justia, Arquivo Nacional, 1973.)
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em Bruxelas em 1910), quer no Leste Europeu, onde ocorreram grandes
alteraes ao nvel da organizao e da poltica arquivsticas, em consequncia da
revoluo russa de 1917. Alm disso, o aparecimento de manuais especializados
como o de Hilary Jenkinson, na Gr-Bretanha, intitulado A Manual of Archive
Administration (1922)12, que se tornou a obra de referncia mais importante para
os arquivistas britnicos e americanos, ou o do italiano Eugenio Casanova, com o
ttulo Archivistica (1928)13, um sintoma evidente da afirmao da disciplina.
Apesar destes factores de consolidao do suporte legislativo e terico da
organizao dos arquivos, surgiram em simultneo alguns desvios, cujos
efeitos negativos tambm importa assinalar. Referimo-nos influncia que as
classificaes bibliogrficas, aparecidas no ltimo quartel do sculo XIX, como a
Dewey Decimal Classification ou a Classificao Decimal Universal, tiveram no
mundo dos arquivos. Vrios pases ensaiaram a sua aplicao a arquivos das
administraes locais ou mesmo centrais, desrespeitando, assim, os princpios
arquivsticos que ganhavam expresso sobretudo a partir da escola italiana, j
desde o terceiro quartel de Oitocentos14.
Um outro desvio que surgiu, sobretudo nos anos 20, foi a ideia de criao
de arquivos temticos, constitudos artificialmente, como, por exemplo, os
arquivos da 1 Guerra Mundial, facto a que alguns arquivistas italianos no
ficaram alheios, tendo-se insurgido vivamente contra tais opes.
Ainda nas primeiras dcadas deste sculo, assistimos aos primeiros sinais
de ruptura da poltica centralizadora. As transferncias em massa para os
depsitos de Estado atingem propores enormes, a ponto de se chegar a um
verdadeiro colapso das estruturas materiais necessrias para abarcar as
incorporaes exigidas por lei. O modelo historicista, de inspirao francesa,
comea, um pouco por todo o lado, a entrar em crise justamente na fase de maior
apogeu.
12 JENKINSON, Hilary - A Manual of archive administration. Oxford : Clarendon Press, 1922. (2 ed.: 1937; 3 ed.: 1965) 13 CASANOVA, Eugenio - Archivistica. Siena : Stab. Arti Grafiche Lazzeri, 1928. (Reimp.: 1966) 14 Sobre a utilizao de classificaes bibliogrficas nos arquivos, ver: LASSO DE LA VEGA, Javier - - Necesidad de aplicar un sistema organico a la ordenacin de los archivos administrativos. Arquivo de Bibliografia Portuguesa. Coimbra. 2:7 (Jul.-Set. 1956) 165-181; 2:8 (Out.-Dez. 1956) 289-303.
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Em Portugal, logo aps a instaurao do regime republicano, a
documentao espera de dar entrada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo
atingia tais dimenses, que foram necessrias medidas de descentralizao dos
depsitos. poca, era Jlio Dantas quem estava frente da Inspeco das
Bibliotecas e Arquivos e a sua aco pautou-se, entre outras coisas, pela criao
de anexos da Torre do Tombo (Arquivo dos Feitos Findos, Arquivo dos Registos
Paroquiais), dos Arquivos Distritais, do Arquivo das Congregaes e, mais tarde,
de alguns arquivos histricos de Ministrios15.
No perodo que medeia entre as duas guerras mundiais, preocupaes de
novo tipo caracterizam a Arquivstica, as quais tm sobretudo a ver com os
problemas da avaliao, seleco e eliminao, em consequncia do aumento
considervel da produo de documentos. Tanto as administraes como os
prprios arquivistas vo ser obrigados a encarar o problema de uma forma mais
determinada. Em diferentes pases definem-se tendncias, nem sempre
homogneas, no que respeita definio dos critrios a aplicar para a
determinao do valor dos documentos. Na Gr-Bretanha, por exemplo,
considerava-se que a tarefa de eliminao devia ser deixada a cargo das prprias
administraes no havendo interveno por parte dos arquivistas. Pelo contrrio,
os alemes defendiam que as administraes no deviam ser os nicos juzes em
matria de seleco documental e achavam que os profissionais de arquivo
deveriam ter a uma influncia decisiva. O conceito de valor nos pases
socialistas sofria de uma carga ideolgica, pelo que a se definia uma teoria
oficial a tal respeito. Nos Estados Unidos, tambm se estabeleciam critrios para
a avaliao, em consonncia com as ideias da Europa, em especial as britnicas,
dando, por isso, s entidades produtoras dos arquivos o papel decisrio. Mas tal
perspectiva no foi impeditiva de que, alguns anos mais tarde, outras teorias
surgissem, as quais davam tambm bastante importncia ao valor secundrio dos
documentos, semelhana das posies alems16. Particularmente importante
15 Sobre a aco de Jlio Dantas, ver por exemplo: IRIA JNIOR, Joaquim Alberto - Arquivstica e Histria : contribuio de Jlio Dantas. Lisboa : Academia Portuguesa da Histria, 1965. 16 Sobre a problemtica da avaliao documental em diversos pases, ver: KOLSRUD, Ole - The Evolution of basic appraisal principles : some comparative observations. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 55:1 (Winter 1992) 26-39.
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nesta matria o estudo de T. R. Schellenberg, intitulado Modern archives :
principles and techniques17, que defende a existncia de diferentes tipos de valor,
obra que se tornou a referncia principal para os arquivistas americanos.
O aumento da produo documental torna-se especialmente significativo a
partir de meados dos anos 40 e a evoluo tecnolgica teve tambm efeitos
importantes sobre os arquivos, j que o fenmeno da chamada exploso
documental no se limitou informao cientfico-tcnica, mas abrangeu
igualmente a informao produzida por estruturas administrativas de todo o
gnero. Em face do crescente volume de documentao produzida e devido
saturao dos arquivos ditos histricos - receptculos das massas documentais
sem interesse para as administraes - o problema da avaliao e das eliminaes
ganha particular importncia. Neste contexto, surge uma estrutura artificial - com
o nome de pr-arquivo ou arquivo intermdio - destinada a receber os
documentos considerados desnecessrios para as entidades produtoras e que
deveriam ser sujeitos a uma avaliao e posterior triagem, com vista futura
incorporao nos arquivos histricos.
figura do arquivo intermdio, surgida por razes de ordem pragmtica e
perfeitamente inserida na noo encadeada das trs idades dos documentos,
passou a corresponder uma funo prpria e um conceito especfico, que vieram
a perverter o seu sentido natural. De facto, a criao deste tipo de depsitos veio
criar uma ruptura na evoluo natural dos arquivos, isolando os arquivos
histricos dos arquivos administrativos, como se de duas realidades diversas se
tratasse, exigindo tcnicas diferenciadas e com vocaes distintas (os primeiros
ao servio da Histria e da Cultura, os segundos ao servio das administraes).
O prprio facto de ser atribuda a designao de pr-arquivo a este estdio
intermdio na vida dos documentos e de se considerar como de pr-arqui-
vagem a actividade relativa ao tratamento durante esse mesmo estdio, j
evidencia, s por si, uma postura que considera como no-arquivsticas as fases
que antecedem a incorporao nos arquivos histricos.
17 SCHELLENBERG, T. R. - Modern archives : principles and techniques. Chicago : University of Chicago Press, 1956. (2 ed.: 1957; reimp.: 1975)
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O surgimento, em 1941, nos Arquivos Nacionais de Washington, do
conceito de record group - adaptao americana do princpio de respeito pelos
fundos muito difundido na Europa - directamente aplicado a documentao
ligada rea administrativa (e ainda no considerada de arquivo) veio
propiciar o aparecimento, tambm nos Estados Unidos da Amrica, do chamado
records management, entendido como a aplicao de mtodos de economia e
eficcia na gesto dos documentos, logo na primeira idade destes, ou seja, desde
a sua produo e durante a tramitao nos servios administrativos. Os
canadianos, os franceses, os espanhis e outros acabaram por aderir aos
pressupostos do records management, vindo a incorporar tal noo na sua prtica
e a traduzi-la atravs do termo gesto de documentos18.
A pr-arquivagem e a gesto de documentos consagram-se como dois
fenmenos caractersticos da poca do ps-guerra. Mas, enquanto a pr-arquiva-
gem - apesar das consequncias nefastas que acarretou relativamente ao
entendimento dos arquivos como estruturas sistmicas com uma linha evolutiva
nica - denota sobretudo uma fase etria dos arquivos, a gesto de documentos
afirmou-se como uma nova rea tcnica, distinta da Arquivstica. Isto significou,
pois, ainda maiores rupturas anti-naturais no seio dos prprios arquivos e da
disciplina que os abarca como seu objecto de estudo, rupturas essas que s muito
recentemente comearam a ser postas em causa, graas perspectiva mais
integradora que vemos afirmar-se, nos ltimos anos.
A necessidade de coordenao a nvel internacional e a procura de
consensos quanto aos conceitos e aos mtodos de trabalho estiveram na base da
criao, no mbito da UNESCO, em 1950, do Conselho Internacional de
Arquivos (C.I.A.)19. Este organismo teve, desde logo, um papel fundamental para
a aproximao dos arquivistas de todo o mundo, designadamente atravs da
organizao de congressos internacionais, de reunies tcnicas dedicadas a temas
18 Sobre o modelo americano subjacente ao conceito de records management, ver: ESPOSEL, Jos Pe- dro - Arquivos: uma questo de ordem. Rio de Janeiro : Muiraquit, 1994. ISBN 85-85483-07-5. p. 94- -112. 19 A este propsito, ver: BAUTIER, Robert-Henri - La Collaboration internationale en matire darchives. In CONFRENCE INTERNATIONALE DE LA TABLE RONDE DES ARCHIVES, 6, Varsovie, 1961 - Actes. Paris : Direction des Archives de France, 1963. p. 57-76; KECSKEMTI, Charles - Consejo Internacional de Archivos. Boletn Interamericano de Archivos. Crdoba (Argentina). 1 (1974) 47-58.
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especficos, da publicao da revista Archivum e de outros documentos com
carcter orientador ou mesmo normativo.
A dcada de 50 foi sobretudo marcada por preocupaes de carcter
pragmtico, embora a componente terica no tenha estado ausente por
completo. Obras como o manual do alemo Adolf Brenneke (1953)20, o estudo j
referido de Theodore Schellenberg, sob o ttulo Modern archives : principles and
techniques (1956)21, ou mesmo o trabalho do italiano Leopoldo Cassese,
intitulado Introduzione allo studio dellarchivistica (1959)22, so exemplos da
procura de sistematizao terica que envolveu a Arquivstica, num perodo em
que a acentuada evoluo tecnolgica criou e agudizou problemas prticos de
vulto, acentuando-se a tendncia tecnicista na forma de encarar a disciplina.
A 7 Conferncia Internacional da Table Ronde des Archives (Madrid,
1962), subordinada ao tema O conceito de arquivo e as fronteiras da
Arquivstica, evidencia o tipo de questes com que a comunidade arquivstica
internacional se debatia23. Delimitar o campo da disciplina era uma preocupao
importante, sobretudo devido separao artificial que se estabelecera entre os
conceitos de records e archives, especialmente no mundo anglo-saxnico.
Tambm a definio sobre o que deveria ser considerado material de arquivo e
o estabelecimento de fronteiras entre arquivos, bibliotecas e museus, foi alvo de
debate na dcada de 60. Ressalta, pois, a ideia de que h uma procura de
definio do objecto da Arquivstica, embora ainda no tenha sido possvel
chegar a uma formulao terica consistente.
No obstante tal limitao, autores houve que tentaram fazer a afirmao
do carcter cientfico da Arquivstica, sendo de realar o caso do argentino
20 BRENNEKE, Adolf - Archivkunde : ein Beitrag zur Theorie und Geschichte des Europischen Archiwesens. Leipzig : Khler und Amelang, 1953. Desta obra conhecemos a traduo italiana: BRENNEKE, Adolf - Archivistica : contributo alla teoria ed alla storia archivistica europea. Testo redatto ed integrato da Wolfgang Leesch sulla base degli appunti alle lezioni tenute dallautore ed agli scritti lasciati dal medesimo; trad. italiana di Renato Perrela. Milano : Per i tipi delleditore Dott. Antonino Giuffr, 1968. 21 SCHELLENBERG, T. R. - Ob. cit. 22 CASSESE, Leopoldo - Introduzione allo studio dellarchivistica. Roma, 1959. (Reed. in: CASSESE, Leopoldo - Teoria e metodologia : scritti editi ed inediti di paleografia, diplomatica, archivistica e biblioteconomia. A cura di Attilio Mauro Caproni. Salerno : Pietro Laveglia, 1980) 23 CONFERNCE DE LA TABLE RONDE INTERNATIONALE DES ARCHIVES, 7, Madrid, 1962 - - Le Concept darchives et les frontires de lArchivistique : actes... Paris : Imprimerie Nationale, 1963.
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Aurelio Tanodi, cujo Manual de archivologa hispanoamericana : teoras y
principios (1961)24 se pode hoje considerar uma obra clssica e de referncia
obrigatria. Neste trabalho apresentam-se preocupaes bastante inovadoras em
torno do objecto e do mtodo da arquivologia, considerados como elementos
fundamentais de qualquer cincia.
Outras posies de carcter teorizante surgem, tambm nos anos 60, em
diferentes pontos do globo. Nos Estados Unidos, de salientar a teoria
desenvolvida por Oliver Holmes, sobre os nveis a considerar para a organizao
e descrio dos arquivos25. Importa destac-la, pois a se podem encontrar os
fundamentos da norma ISAD(G), adoptada recentemente pelo C. I. A. para a
descrio arquivstica.
Por outro lado, na Austrlia, Peter Scott formula, em 1966, crticas ao
conceito americano de record group, questionando a sua validade, devido a
contradies entre a sua formulao e o princpio do respeito pela ordem
original26. A defesa da srie como unidade arquivstica fundamental veio dar
corpo a uma teoria que, ainda hoje, constitui a referncia de base para os
arquivistas australianos.
Tambm no Canad assistimos, em finais da dcada, problematizao
dos fundamentos da Arquivstica, sendo significativo o artigo que Louis Garon
publica no primeiro nmero da revista Archives (1969) sobre o princpio da
provenincia27. Este trabalho representa um marco na teorizao arquivstica do
Canad, numa poca em que as questes de ordem prtica dominavam as
atenes.
As manifestaes tendentes a postular os fundamentos tericos da
Arquivstica, que vemos surgir nos anos 60, vo ganhar maior relevo na dcada
seguinte. Embora nos congressos e reunies internacionais do C. I. A. os
aspectos tcnicos, legislativos, de acessibilidade, de relao com os utilizadores,
24 TANODI, Aurelio - Manual de archivologa hispanoamericana : teoras y principios. Crdoba (Argentina) : Universidad Nacional, 1961. 25 HOLMES, Oliver W. - Archival arrangement : five different operations at five different levels. The American Archivist. Chicago. 27 (Jan. 1964) 21-41. 26 SCOTT, Peter J. - The Record Group concept : a case for abandonment. The American Archivist. Chicago. 29 (Oct. 1966) 493-503. 27 GARON, Louis - Le Principe de provenance. Archives. Quebc. 1 (Juil.-Dec. 1969) 12-19.
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de reconstituio dos patrimnios arquivsticos nacionais (repondo situaes de
apropriao indevida de arquivos durante a 2 Guerra Mundial e equacionando a
propriedade dos arquivos aps movimentos de descolonizao) ainda continuem
a dominar os debates, fora do mbito daquele organismo diferentes preocupaes
se manifestam.
Ao nvel das obras de sntese, queremos salientar a publicao do Manuel
dArchivistique, em Frana (1970)28, obra que marcou a sua poca e teve larga
influncia externa, nomeadamente em Portugal. Durante anos, este manual foi a
referncia bsica para os alunos do Curso de Bibliotecrio-Arquivista. Outros
tratados do gnero surgiram, por exemplo, na Alemanha, embora menos
conhecidos fora do mundo germnico.
No que se refere ao aprofundamento das questes tericas, no podem ser
ignorados dois trabalhos surgidos em Frana, um da autoria de Carlo Laroche
(1971)29 e outro pelo punho de Michel Duchein (1977)30. Embora defendendo
perspectivas muito diferenciadas, os dois problematizam o chamado princpio
de respeito pelos fundos, procurando formular teorias consistentes para a sua
aplicao. Laroche apresenta-nos uma viso estruturalista, que entende a
Arquivstica como uma verdadeira cincia, enquanto que Duchein procura,
essencialmente, definir princpios para orientar os arquivistas na aplicao do
respeito pelos fundos, considerado este como o fundamento essencial da
disciplina.
Tambm o conceito de record group (formulao americana equivalente
noo europeia de fundo) alvo de crticas por parte de canadianos e o respeito
pela ordem original posto em causa por vrios arquivistas americanos. No
entanto, as posies defendidas no conseguem aparecer sustentadas por slidos
argumentos tericos, sendo essencialmente definidas com base em motivos de
ndole pragmtica e operativa.
28 ASSOCIATION DES ARCHIVISTES FRANAIS - Manuel dArchivistique : thorie et pratique des archives publiques en France. Paris : S. E. V. P. E. N., 1970. 29 LAROCHE, Carlo - Que signifie le respect des fonds? Esquisse dune Archivistique structurale. Paris : Association des Archivistes Franais, 1971. 30 DUCHEIN, Michel - Le Respect des fonds en Archivistique : principes thoriques et problmes pratiques. La Gazette des Archives. Paris. 2:97 (1977) 71-96.
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ainda na dcada de 70 que surgem as primeiras preocupaes com a
informtica e os novos suportes documentais dela resultantes, e bem assim a
informao enquanto objecto de anlise dos arquivistas. Autores americanos
como Charles Dollars e Richard Lytle podem ser considerados os precursores
duma linha de pensamento e aco que ir marcar, de forma indelvel, os anos
80.
A procura de uma fundamentao terica que d corpo a uma prtica
emprica milenar e que formalize os princpios intemporais que tm estado
subjacentes a essa mesma prtica tem sido uma das principais vertentes
caracterizadoras da Arquivstica, nos anos mais recentes. Por outro lado, uma
viso mais integradora do conceito de arquivo, procurando superar as divises
artificiais entre records e archives, bem como as rupturas geradas pelos
chamados arquivos intermdios, pr-arquivos ou record centers, constitui
tambm uma nova concepo, cuja essncia assenta no entendimento do arquivo
como sistema de informao especfico e coerente. Esta perspectiva aponta
inequivocamente para o entendimento da Arquivstica como cincia, embora
posturas diversas ainda coexistam, mais tecnicistas e pragmticas, sintoma de
que os ltimos anos se configuram como um perodo de transio, em que o
debate e a reflexo sobre a disciplina e o seu objecto de estudo so
imprescindveis e emergem um pouco por todo o lado.
No incio dos anos 80, as preocupaes com o carcter cientfico da
actividade arquivstica e o seu mtodo estiveram no centro dos debates do 9
Congresso Internacional de Arquivos (Londres, 1980), tendo como base de
discusso um sucinto mas interessante relatrio apresentado por Ari Arad31. O
autor conclua que a Arquivstica ainda no podia ser considerada uma cincia,
mas defendia que a anlise da situao e dos fundamentos da disciplina era o
primeiro passo para um avano qualitativo.
Esta procura das bases tericas da Arquivstica teve particular relevo, na
dcada de 80, nos Estados Unidos da Amrica, atravs de vrios artigos
publicados, em jeito de polmica, pela revista The American Archivist. Frank 31 ARAD, Ari - The International Council on Archives and archival methodology. Archivum. Paris. ISSN 0066-6793. 29 (1982) 182-186.
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Burke, Lester Cappon, Gregg Kimball, Frank Boles, Frederick Stielow, Harold
Pinkett e John Roberts so os nomes que mais se evidenciaram neste debate
sobre o tema da archival theory32. Constituem contributos de inegvel
importncia, embora no cheguem discusso de questes centrais como a da
definio do objecto e do mtodo da Arquivstica.
Outros autores americanos tm tido tambm uma importncia fundamental
pelos estudos que publicaram em torno de conceitos essenciais. Richard Berner,
David Bearman e Richard Lytle sobressaem pela sua preocupao em revalorizar
o chamado princpio da provenincia, encarando-o com um novo enfoque, que
atenta na informao arquivstica sobretudo em consonncia com o respectivo
contexto de produo. So tambm estes autores, a par de outros como, por
exemplo, Max Evans, os primeiros a abordar a problemtica do controlo de
autoridade no mbito dos arquivos33.
Questes to importantes como a da avaliao e seleco documental tm
sido tambm objecto de estudos recentes e de teorizao inovadora nos Estados
Unidos. Nesta matria ressalta o nome de Helen Samuels, que prope a anlise
funcional como mtodo para chegar ao conhecimento das entidades produtoras
de arquivos34.
No que respeita ao impacto da informtica e das novas tecnologias na
teorizao arquivstica, tambm h autores americanos que tm tido um papel
32 BOLES, Frank - Disrespecting original order. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 45:1 (Winter 1982) 26-32; BURKE, Frank G. - The Future course of archival theory in the United States. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 44:1 (Winter 1981) 40-46; CAPPON, Lester J. - What, then, is there to theorize about? The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 45:1 (Winter 1982) 19-25; KIMBALL. Gregg D. - The Burke-Cappon debate : some further criticisms and considerations for archival theory. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 48:4 (Fall 1985) 369-376; PINKETT, Harold T. - American archival theory : the state of the art. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 44:3 (Summer 1981) 217-222; ROBERTS, John W. - Archival theory : much ado about shelving. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 50:1 (Winter 1987) 66-74; STIELOW, Frederick - Archival theory redux and redeemed : definition and context toward a general theory. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 54:1 (Winter 1981) 14-26. 33 Ver, por exemplo: BERNER, Richard C. - Archival theory and practice in the United States : a historical analysis. Seattle : University of Washington Press, 1983; BEARMAN, David; LYTLE, Richard - The Power of the principle of provenance. Archivaria. Ottawa. ISSN 0318-6954. 21 (Winter 1985-1986) 14-27; EVANS, Max J. - Authority control : an alternative to the record group concept. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 49 (Summer 1986) 249-261; BEARMAN, David - - Authority control issues and prospects. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 52 (Summer 1989) 286-299. 34 Ver: SAMUELS, Helen W. - Improving our disposition : documentation strategy. Archivaria. Ottawa. ISSN 0318-6954. 33 (Winter 1991-1992) 125-140.
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muito relevante. Charles Dollars tem-se preocupado sobretudo com a produo
de documentos electrnicos e a sua avaliao35, enquanto que David Bearman,
por exemplo, discute os problemas do acesso e da recuperao da informao e a
influncia dos documentos electrnicos no futuro de instituies culturais como
os arquivos, as bibliotecas e os museus36.
Se nos Estados Unidos assistimos ao confronto de variadas perspectivas e
a um grande incremento da investigao arquivstica, noutros pases, desde o
dealbar dos anos 80, h tambm uma clara afirmao de novas preocupaes,
especialmente no que se refere cientificidade da Arquivstica e respectiva
fundamentao terica. Do Canad chegam-nos estudos que so expresso de
uma dinmica vigorosa relativamente aos estudos arquivsticos. As revistas
Archives e Archivaria, bem como variados manuais e obras de sntese que tm
sido publicados nos ltimos quinze anos, denotam a fora e a profundidade que, a
nvel terico, tm sido atingidas pela arquivstica canadiana37.
Dos estudos publicados merece especial referncia a reflexo levada a
cabo em torno do conceito de fundo, que formulado em novos moldes e
considerado como um sistema de documentos em relao uns com os outros, em
que os elementos estrutura e funo so apresentados como componentes
essenciais desse mesmo sistema. A anlise de sistemas de arquivos defendida
35 DOLLAR, Charles M. - Appraising machine-readable records. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 41 (Oct. 1978) 423-430; DOLLAR, Charles M. - La Teoria e la prassi archivistica di fronte allinformatica : alcune considerazione. In CONFERENZA INTERNATIONALE, Macerata, 1990 - - LArchivistica alle soglie del 2000. Atti... Macerata : Universit, cop. 1992. ISBN 88 7663 123 2. p. 303-321. 36 Ver, por exemplo: BEARMAN, David - Archival and bibliographic information networks. Journal of Library Administration. Binghamton. ISSN 0193-0826. 7:2/3 (1986) 99-110; BEARMAN, David - - Experience delivery services. In CONGRESSO NACIONAL DE BIBLIOTECRIOS, ARQUIVISTAS E DOCUMENTALISTAS, 5, Lisboa, 1994 - Multiculturalismo : comunicaes. II - Arquivos. Lisboa : BAD, 1994. ISBN 972-9067-20-1. p. 153-159. 37 A tese de doutoramento de Louise Gagnon-Arguin, sobre a evoluo da Arquivstica no Qubec, permite avaliar o salto qualitativo que o Canad conseguiu dar nos ltimos trinta anos (GAGNON-AR-GUIN, Louise - LArchivistique : son histoire, ses acteurs depuis 1960. Qubec : Presses de lUniversit, 1992. ISBN 2-7605-0692-4). No que se refere aos manuais e obras de sntese, sobressaem especialmente: COUTURE, Carol; ROUSSEAU, Jean-Yves - Les Archives au XXe sicle : une rponse aux besoins de ladministration et de la recherche. Montral : Universit, 1982. ISBN 2-89119-026-2; The Archival fonds : from theory to practice. Ed. by Terry Eastwood. [S. l.] : Bureau of Canadian Archivists, 1992. ISBN 0-9690797-6-1; Canadian archival studies and the rediscovery of provenance. Ed. by Tom Nesmith. Metuchen ; London : Society of American Archivists; Association of Canadian Archivists ; The Scarecrow Press, 1993. ISBN 0-8108-2660-7; ROUSSEAU, Jean-Yves; COUTURE, Carol - Les Fondements de la discipline archivistique. Qubec : Presses de lUniversit, 1994. ISBN 2-7605-0781-5.
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como o mtodo da cincia arquivstica e defendida como vlida para todas as
aces que afectam os documentos de arquivo desde a sua criao38.
No Canad, no s os estudos de carcter terico tm marcado os anos
mais recentes, mas tambm aspectos mais tcnicos tm sido valorizados, como
seja o caso da normalizao, sobretudo ao nvel da descrio arquivstica. Em
1990 surgem as Rules for archival description39 e, em torno deste tema, variados
trabalhos tm sido editados. A problemtica do controlo de autoridade tem sido
tambm abordada em alguns estudos da autoria de Louise Gagnon-Arguin ou
Elizabeth Black, por exemplo40.
Igualmente interessante tem sido a reflexo feita, ainda no Canad, sobre o
impacto da informtica nos arquivos e na teorizao arquivstica. Nesta matria
pomos em evidncia os nomes de Catherine Bailey41 e de Luciana Duranti
(autora de origem italiana). Esta ltima tem-se preocupado especialmente com os
novos caminhos da Diplomtica, por fora dos documentos electrnicos, e com o
valor probatrio de tais documentos42.
O movimento de renovao dos estudos arquivsticos, que se faz sentir no
continente norte-americano e de que aqui deixamos uns breves apontamentos,
salientando o que se nos afigura como mais relevante, tem idntica expresso em
variados pases da Europa e mesmo em outras zonas do globo. Em Itlia,
sobressai o nome de Elio Lodolini, cuja obra Archivistica : principi e problemi,
sintetiza de forma notvel toda a sua viso, designadamente quanto
fundamentao cientfica da Arquivstica43. A defesa que faz do carcter
cientfico da disciplina assenta, grandemente, na existncia de um mtodo
38 Ver: The Archival fonds... (op. cit.). p. 1-14. 39 Rules for archival description. Ottawa : Bureau of Canadian Archivists, 1990. ISBN 0-9690797-4-5. 40 Ver: GAGNON-ARGUIN, Louise - Une Introduction au contrle dautorit pour le traitement des noms propres en Archivistique. [Ottawa?] : Bureau Canadien des Archivistes, Comit de Planification sur les Normes de Description, 1989. ISBN 0-9690797-2-9; BLACK, Elizabeth - Le Controle dautori- t : un manuel destin aux archivistes. [Ottawa?] : Bureau Canadien des Archivistes, Comit de Planification sur les Normes de Description, 1991. ISBN 0-9690797-5-3. 41 Ver, por exemplo: BAILEY, Catherine - Archival theory and electronic records. Archivaria. Ottawa. ISSN 0318-6954. 29 (Winter 1989-1990) 180-196.. 42 Particularmente interessante a srie de artigos publicada na revista Archivaria (ver: DURANTI, Luciana - Diplomatics : new uses for an old science. Parts I-VI. Archivaria. Ottawa. ISSN 0318-6954. 28 (Summer 1989)-33 (Winter 1991-1992)). 43 LODOLINI, Elio - Archivistica : principi e problemi. 7 ed. ampliata. Milano : Franco Angeli, 1995. ISBN 88-204-3378-8.
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prprio, designado por metodo storico, o qual identificado pelo autor com os
princpios da provenincia e da ordem original, defendidos por arquivistas
italianos j desde o sculo XIX, a partir da escola de Florena.
Em pases como a Frana ou a Espanha, a vertente tcnica da Arquivstica
ainda continua a predominar, pelo que os contributos tericos so reduzidos. O
recente manual francs intitulado La Pratique archivistique franaise44 um bom
exemplo de que as questes de carcter prtico esto no centro das preocupaes,
pese embora o facto de autores como Michel Duchein ou Bruno Delmas, por
exemplo, divulgarem trabalhos importantes de investigao arquivstica45. Em
Espanha, a partir dos anos 80, assiste-se a uma considervel produo de estudos
arquivsticos, em que as questes tcnicas de organizao, classificao e
descrio preponderam nitidamente. Porm, a teorizao no est de todo ausente
e nomes como Antnia Heredia Herrera, Vicenta Corts Alonso, Pedro Lpez
Gmez, Olga Gallego, entre outros, so referncias fundamentais da arquivstica
espanhola. Igualmente se salientam devido enorme influncia que tm tido, ao
nvel da divulgao da teoria e da formao profissional, em pases da Amrica
Latina e, muito especialmente, em Portugal. O manual de Antnia Heredia,
intitulado Archivstica general : teora y prctica (1984)46, , porventura, a obra
mais significativa da arquivstica espanhola recente, embora haja diversos outros
estudos com importncia, quer ao nvel dos arquivos municipais, quer sobre
tcnicas de descrio documental, quer ainda sobre aplicaes informticas
(neste caso salienta-se o projecto de informatizao do Archivo General de
Indias, em Sevilha47). Escritos recentes de certos autores, dos quais se salienta o
nome de Maria Luisa Conde Villaverde, demonstram que uma nova postura
44 La Pratique archivistique franaise. Dir. de Jean Favier. Paris : Archives Nationales, 1993. ISBN 2- -86000-205-7. 45 Ver, por exemplo: DUCHEIN, Michel - tudes dArchivistique, 1957-1992. Paris : Association des Archivistes Franais, 1992; DUCHEIN, Michel - The History of European archives... (op. cit.); DELMAS, Bruno - Trente ans denseignement de lArchivistique en France. La Gazette des Archives. Paris. ISSN 00165-522. Nouvelle srie. 141 (2e trim. 1988) 19-32; DELMAS, Bruno - Bilancio e prospettive dellarchivistica francese alle soglie del terzo millenio. In CONFERENZA INTERNATIONALE, Macerata, 1990 - LArchivistica alle soglie del 2000... (op. cit.) p. 79-107. 46 HEREDIA HERRERA, Antonia - Archivstica general : teora y prctica. 4 ed. Sevilla : Diputacin Provincial, 1989. ISBN 84-7798-008-X. 47 A este propsito, ver: VSQUEZ DE PARGA, Margarita; GONZLEZ, Pedro - Changing techno-logies in European archives. The American Archivist. Chicago. ISSN 0360-9081. 55:1 (Winter 1992) 156-166.
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tambm comea a afirmar-se em Espanha, entendendo os arquivos de forma
global, como sistemas coerentes e como uma realidade inserida no mundo da
informao48.
Na Gr-Bretanha, esta mesma perspectiva de insero dos arquivos na
rea da informao tambm ganha expresso na ltima dcada. O manual de
Michael Cook, publicado em 1986, sob o ttulo The Management of information
from archives49, um exemplo representativo desta nova concepo que toma
corpo em variados pases do mundo.
O reconhecimento de que a Arquivstica est num ponto de viragem,
aproximando-se de uma nova era, igualmente assumido na Alemanha, onde
sobressai o nome de Angelika Menne-Haritz, da escola de Marburg. Numa
comunicao apresentada ao XII Congresso Internacional de Arquivos
(Montral, 1992)50, esta autora considera precisamente que a arquivstica
descritiva, que se consolidou a partir do perodo de entre guerras, est prestes a
ser substituda por uma nova fase, por ela designada como arquivstica multi-
funcional. Defende, ainda, que nesta nova fase a Arquivstica se impor como
cincia e que a anlise o mtodo a seguir no trabalho do arquivista. Limita,
contudo, a sua perspectiva terica ao domnio especfico da avaliao
documental, semelhana, alis, de outros autores, como Helen Samuels, atrs
referida.
Para alm do continente norte-americano e da Europa Ocidental, onde tm
surgido, nas duas ltimas dcadas, os mais significativos estudos e onde a
investigao arquivstica est mais desenvolvida, h outros pontos do mundo
onde igualmente se assiste a uma renovao terica e a uma nova perspectiva
visando a defesa da Arquivstica como cincia da informao. Na Europa de
48 CONDE VILLAVERDE, Maria Luisa - El Papel del archivo en la gestin y en la calidad de la informacin. In CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA, 10, So Paulo, 1994 - Anais. So Paulo : Associao dos Arquivistas Brasileiros, Ncleo Regional de So Paulo, 1998. (CD-ROM) 49 COOK, Michael - The Management of information from archives. Aldershot : Gower, 1986. ISBN 0- -566-03504-9. 50 MENNE-HARITZ, Angelika - Formation en Archivistique : pour rpondre aux besoins de la socit du XXIe sicle. Montral, 1992. (Texto policopiado)
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Leste51, na Amrica Latina (aqui queremos salientar o caso do Brasil e os nomes
de Helosa Bellotto e Jos Maria Jardim)52, na Austrlia53, vemos surgir trabalhos
de bastante importncia, a partir dos quais se percebe que h uma preocupao
em clarificar os fundamentos tericos da nova cincia arquivstica, relacionando-
-a, mais ou menos directamente, com a rea da informao.
Nos anos mais recentes, no pode tambm deixar de ser referida a aco
do C. I. A., que atravs dos congressos internacionais, de encontros sobre temas
especficos, de publicaes vrias, tem procurado debater as questes que mais
preocupam a comunidade arquivstica mundial. No mbito do Programa RAMP
tm sido divulgados estudos sobre temticas diversificadas: a organizao e a
gesto de arquivos, o ensino e a formao dos arquivistas, a avaliao de
diferentes tipos documentais, a gesto dos documentos correntes, o acesso, a
utilizao e a transferncia da informao nos arquivos, os documentos
electrnicos, etc.
Uma outra preocupao do C. I. A. tem sido, j desde h muito, a
terminologia arquivstica. Em 1984, sob a direco de Frank Evans, Franois
Himly e Peter Walne, foi publicada a 1 edio do Dictionary of Archival
Terminology, com definies em ingls e francs e tradues em alemo,
espanhol, italiano, neerlands e russo; em 1988,