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O ACESSO AO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO, DOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL, ENTRE 1999 E 2008 Magda Carvalho Fernandes; UFMS/UEMS/UNIGRAN; E-mail:[email protected] PALAVRAS-CHAVE: Programa Nacional do Livro Didático; Livro didático de História; História da educação Esse Artigo apresenta a análise do Guia de livros didáticos de 5ª a 8ª séries PNLD/1999 de História até o Guia de livros didáticos de História dos anos finais do ensino fundamental PNLD/2008, sua estrutura e a relação com o processo de democratização da escolha do livro didático no PNLD. Segundo os PCNs de História, um dos principais objetivos a serem alcançados nessa disciplina é: [...] compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; (BRASIL, 1997, p.5). Como a elaboração do Guia do livro didático é coordenada por professores universitários das respectivas áreas de conhecimento, entendo que o profissional formado em História deva possuir uma expressiva compreensão da necessidade de agir de forma crítica no que diz respeito a uma análise dos livros didáticos, de modo que o resultado desse trabalho resenhas das coleções , expresse com clareza as informações essenciais sobre as obras apresentadas nos Guias do Livro Didático, posto que esse é o referencial fornecido aos professores, para nortear a escolha dos livros didáticos que serão adotados nas escolas públicas brasileiras. Apesar da abordagem estar mais direcionada para os aspectos da política em relação ao direito à participação democrática do/a professor/a do ensino fundamental no desenvolvimento do PNLD, o procedimento da pesquisa e da análise buscou identificar as implicações das relações que se estabelecem entre o processo de redemocratização brasileira e a política educacional liberal na construção da cidadania. Nesse sentido, a análise da história da cidadania no Brasil, relacionada à implementação de uma política educacional que se apresenta numa perspectiva democrática, deixa claros alguns pontos nevrálgicos do liberalismo, onde o direito social à educação se desenvolve sob a égide do assistencialismo. Com essa análise foi possível estabelecer a discussão da relação entre a implantação e a execução do PNLD e o papel destinado pela política executora desse programa ao conjunto de professores/as de História do ensino público brasileiro. Por conseguinte, analisar de forma mais geral a vigência do direito social à educação; o que consta na legislação em vigor (PNLD) na relação com seu gozo efetivo por uma das partes interessadas, nesse caso, o/a professor/a de História. Ao trazer a discussão do processo de democratização do acesso ao livro didático no PNLD, a pesquisa traz consigo contribuições reflexivas na construção do exercício da cidadania, onde o reconhecimento à capacidade de participação na avaliação do livro didático de História a ser adotado nas escolas públicas brasileiras pelo/a professor/a da educação básica se apresenta como um marco de respeito na autonomia intelectual e pedagógica desse profissional.

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O ACESSO AO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NO PROGRAMA NACIONAL

DO LIVRO DIDÁTICO, DOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL, ENTRE

1999 E 2008

Magda Carvalho Fernandes; UFMS/UEMS/UNIGRAN; E-mail:[email protected]

PALAVRAS-CHAVE: Programa Nacional do Livro Didático; Livro didático de História;

História da educação

Esse Artigo apresenta a análise do Guia de livros didáticos de 5ª a 8ª séries

PNLD/1999 de História até o Guia de livros didáticos de História dos anos finais do ensino

fundamental – PNLD/2008, sua estrutura e a relação com o processo de democratização da

escolha do livro didático no PNLD.

Segundo os PCNs de História, um dos principais objetivos a serem alcançados nessa

disciplina é:

[...] compreender a cidadania como participação social e política, assim como

exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,

atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e

exigindo para si o mesmo respeito; (BRASIL, 1997, p.5).

Como a elaboração do Guia do livro didático é coordenada por professores

universitários das respectivas áreas de conhecimento, entendo que o profissional formado em

História deva possuir uma expressiva compreensão da necessidade de agir de forma crítica no

que diz respeito a uma análise dos livros didáticos, de modo que o resultado desse trabalho –

resenhas das coleções –, expresse com clareza as informações essenciais sobre as obras

apresentadas nos Guias do Livro Didático, posto que esse é o referencial fornecido aos

professores, para nortear a escolha dos livros didáticos que serão adotados nas escolas

públicas brasileiras.

Apesar da abordagem estar mais direcionada para os aspectos da política em relação

ao direito à participação democrática do/a professor/a do ensino fundamental no

desenvolvimento do PNLD, o procedimento da pesquisa e da análise buscou identificar as

implicações das relações que se estabelecem entre o processo de redemocratização brasileira e

a política educacional liberal na construção da cidadania. Nesse sentido, a análise da história

da cidadania no Brasil, relacionada à implementação de uma política educacional que se

apresenta numa perspectiva democrática, deixa claros alguns pontos nevrálgicos do

liberalismo, onde o direito social à educação se desenvolve sob a égide do assistencialismo.

Com essa análise foi possível estabelecer a discussão da relação entre a implantação e

a execução do PNLD e o papel destinado pela política executora desse programa ao conjunto

de professores/as de História do ensino público brasileiro. Por conseguinte, analisar de forma

mais geral a vigência do direito social à educação; o que consta na legislação em vigor

(PNLD) na relação com seu gozo efetivo por uma das partes interessadas, nesse caso, o/a

professor/a de História.

Ao trazer a discussão do processo de democratização do acesso ao livro didático no

PNLD, a pesquisa traz consigo contribuições reflexivas na construção do exercício da

cidadania, onde o reconhecimento à capacidade de participação na avaliação do livro didático

de História a ser adotado nas escolas públicas brasileiras pelo/a professor/a da educação

básica se apresenta como um marco de respeito na autonomia intelectual e pedagógica desse

profissional.

Além de contribuir com a história do livro didático na educação brasileira, no que diz

respeito ao PNLD, a pesquisa destaca contribuições crítico-reflexivas ao apontar a

importância de uma política que envolva efetivamente a participação deliberativa do/a

professor/a de História que atua na educação básica, no processo que vai desde a definição de

critérios para a implementação do programa até o processo final de escolha dos livros

didáticos de História a serem adotados nas escolas públicas brasileiras.

Guias PNLD de livros didáticos de História: 1999-2008

O Guia de História PNLD/1999 inicia sua apresentação chamando atenção sobre a

importância da luta por “condições mínimas para um trabalho profissional digno e eficiente”

(BRASIL, 1998, p.455), incluindo o livro didático como parte dessas condições, de modo que

se transforme “[...] de fato, em instrumento de trabalho eficiente e confiável.”(id.). Reconhece

que é de competência do professor a realização do trabalho, mas que, ao contar com um

instrumento bem elaborado, no caso, o livro didático, poderá multiplicar suas potencialidades.

Em seguida, o Guia destaca o descompasso entre a pesquisa em novas metodologias

para o ensino de História “e sua efetiva assimilação na prática do magistério e

especificamente, nos instrumentos de trabalho construídos para auxiliar os professores” (id.)

É importante destacar o texto referente à relação entre pesquisa e a prática do magistério:

Essa distância, reconhecível em todas as áreas de conhecimento, é talvez maior no

caso da História; seu objeto de conhecimento – as sociedades humanas no tempo – é

extremamente complexo, passível de um sem-número de enfoques, deixando o

historiador em terreno movediço. Não é, pois, de admirar a lentidão e os tropeços

existentes no momento de se adequar o conhecimento histórico em constante

transformação à elaboração dos livros didáticos, em geral vistos com certo desdém

pelos acadêmicos e pesquisadores. (id.)

Na citação acima, dois pontos merecem uma análise. Primeiro, se é tão complexo o

objeto de conhecimento da História, passível de tantos enfoques, o Guia de livros didáticos,

ao pré-selecionar os livros didáticos que poderão ser utilizados nas escolas, sem fornecer a

esse/a professor/a o acesso ao próprio livro, reduz ainda mais a possibilidade de uma escolha

consciente, como é proposta no volume Apresentação do Guia, apresentado no Capítulo

anterior.

A segunda questão está relacionada ao valor que é dado ao livro didático por

acadêmicos/as e pesquisadores/as. É preciso lembrar que a equipe que elabora o Guia de

livros didáticos é Coordenada por professores/as e pesquisadores/as que dedicam estudos

àquela área de conhecimento em que participa da avaliação. Ao reconhecerem o desdém de

acadêmicos e pesquisadores em relação à elaboração do livro didático, ficam registrados mais

indícios de que a avaliação dos avaliadores é pertinente e legítima.

Em Artigo intitulado O livro didático e a formação de professores, Kazumi Munakata

apresenta reflexões sobre os indicadores que apontam a precariedade da formação de

professores como causa do descompasso na escolha dos livros didáticos com menor

qualificação, segundo a avaliação apresentada nos Guias do PNLD.

Embora essa hipótese não possa ser descartada, o que surpreende é a ausência

gritante da possibilidade de equívocos nas avaliações realizadas pelo PNLD. Não é

possível que os próprios avaliadores tenham uma formação inadequada? Como o

avaliador é avaliado? Como é recrutado? A esse respeito, o Guia de livros didáticos,

em várias edições, é extremamente lacônico. (MUNAKATA, 2008, p.92-93)

Como desdobramento da segunda questão apresenta-se uma terceira. Se os acadêmicos

e pesquisadores demonstram certo “desdém”, palavras do próprio Guia, em relação aos livros

didáticos e se, em sua maioria, são especialistas em determinadas áreas do conhecimento da

História, se torna pertinente a presença mais efetiva de professores/as do Ensino Fundamental

no processo de avaliação dos livros / das coleções didáticas. Dois fatores contribuem para

isso: primeiro, para esses profissionais o livro didático ocupa um papel de relevada

importância no processo ensino-aprendizagem, percebem esse instrumento de forma

diferenciada dos acadêmicos e pesquisadores; o segundo, é que esses/as professores/as são, no

campo da História, os que realizam de forma mais constante, uma leitura do conjunto do

conhecimento histórico. Ainda que de forma mais superficial que os/as especialistas em

determinadas áreas do saber da disciplina, eles/as são aqueles/as que trabalham com

periodicidades e variedades de conteúdos, tentando apresentar a História como um todo.

Nesse sentido, por exemplo, a leitura das diversas passagens contidas nos livros de

história, quer pela organização dos conteúdos numa perspectiva convencional, temática,

integrada ou intercalada, pode ser analisada de forma mais abrangente por esses profissionais

que trabalham o conhecimento histórico como um todo. Comparativamente, a experiência

desse segundo grupo, com uma visão mais holística da História, pode vir a contribuir em uma

escolha melhor adequada, já que o primeiro grupo, tende a realizar uma leitura mais em

“migalhas”i dessa história. Isso se deve a uma tendência de abordagem de forma mais

específica do conhecimento, característica de especialistas que tendem a valorizar mais as

partes do que o todo. Essa análise acaba por privilegiar menos o conjunto apresentado nos

livros didáticos, as continuidades e rupturas e sua relação com a resultante histórica, que

momentos específicos do conhecimento.

O processo de formação do/a professor/a de História no sistema de ensino superior

brasileiro se dá de forma fragmentada, em disciplinas isoladas. Ao passar a desempenhar o

papel de professor/a da educação básica, esse profissional inicia um contato com o

conhecimento histórico em sua totalidade, tendo em vista que ministra aula em diversos anos

desse segmento de ensino, o que o introduz em um novo patamar de compreensão dessa

história total. Essa percepção se constitui em uma formação profissional diferenciada dos

acadêmicos e pesquisadores que atuam somente no ensino superior, nas suas especificidades.

Mais uma vez, uma maior participação do/a professor/a do ensino fundamental no processo de

avaliação dos livros didáticos / das coleções didáticas submetidas à análise pelo PNLD, se

apresenta de forma pertinente.

Se por um lado, como chama a atenção, em alguns momentos, os Guias de PNLD, os

profissionais do ensino fundamental apresentam algumas deficiências, o que contribui na

explicação de sua reduzida participação no processo de escolha, por outro lado, competências

como a aqui citada, deveriam contribuir para alçar esses profissionais a um espaço mais

decisório nessa escolha.

Após o reconhecimento da dificuldade de integrar a pesquisa e a prática docente, o

Guia de História PNLD/1999 reconhece a importância do processo de avaliação dos livros

didáticos que busca servir “[...] de contribuição para que o livro didático da área de História

consiga atingir o patamar de excelência compatível com a responsabilidade que lhe cabe.”

(BRASIL, 1998, p.456)

Para atingir essa excelência, parece que um caminho fecundo seria o diálogo de

saberes mais efetivo que uniria as formas diversas de conhecimento e de experiência na

educação desses dois segmentos de professores que participam na avaliação dos livros

didáticos/das coleções didáticas submetidas à aprovação pelo PNLD: professores acadêmicos

e pesquisadores e professores da educação básica (no caso, do ensino fundamental).

Por fim, o Guia de História PNLD/1999 apresenta aspectos observados na avaliação

dos livros didáticos, aqui registrados sinteticamente. São eles: a – o conhecimento histórico

exige do autor aprofundamento em diferentes assuntos e torna-se cada vez mais difícil uma

pessoa “acompanhar a imensidão de conquistas historiográficas em cada um dos assuntos,

desde tempos imemoriais até hoje, sem cometer deslizes, erros, interpretações perversas.”

(id.); b – A escola necessita trabalhar com uma grande quantidade de conteúdos obrigatórios,

“[...] mesmo sem se preocupar com as novidades ainda em discussão no meio científico e

acadêmico.” (id.). Para a seleção dos conteúdos do livro didático, “[...] é necessário cuidadosa

justificativa, em geral baseada em pressupostos teórico-metodológicos.” (id.); c – A

especificidade da produção do conhecimento histórico “que se quer objetivo, mas que, pela

própria natureza, é carregado de subjetividade” (id.), “[...] supõe o envolvimento do

pesquisador que carrega consigo a carga ideológica e experimental de seu tempo.” (id.). O

PNLD/1999 termina a Introdução da Área de História deixando registrado o cuidado que a

equipe de avaliação teve em relação a esses aspectos enunciados.

O Guia de História PNLD/2002 traz uma breve Introdução valorizando a importância

desse momento, da escolha do livro didático que continua sendo o principal instrumento de

trabalho do professor, apresentando a função do Guia: “auxiliar o professor nessa importante

tarefa de escolher” (BRASIL, 2001, p.273); em seguida, destaca o fato de que o objeto de

análise para a escolha passa a ser o conjunto de livros das quatro séries inscritas como

Coleções e que, portanto, “as resenhas apresentadas no Guia contemplam as coleções e a

escolha também recairá sobre elas” (id.). Finaliza a Introdução destacando que a equipe de

avaliação foi formada de 13 pareceristas e apresenta as três questões que nortearam o

processo de avaliação: principais preocupações que presidiram o processo de avaliação;

considerações sobre as coleções que constam do guia; cuidados que o professor deverá ter na

escolha e uso do livro didático.

O Guia de História PNLD/2005 traz na Introdução, intitulada Caro(a) professor(a) a

organização do Guia apresentando o que está disponível nas resenhas das coleções aprovadas,

informando que os pareceristas “todos professores como você – são profissionais de

instituições de Ensino Fundamental, Médio e Superior de diversas partes do país.” (BRASIL,

2004, p.5).

Dos quatro Guias de História analisados, esse é o único que faz menção ao fato de que

os pareceristas são professores como aquele/a que está lendo o Guia. No entanto, conforme

analisado no início desse capítulo, a maioria (94%) dos profissionais envolvidos nesse

processo, atuam no ensino superior, o que contradiz a colocação supracitada do PNLD.

O Guia de História PNLD/2008 Apresenta a Introdução, intitulada Prezado Professor,

Prezada Professora destacando que esse Guia tem um formato diferente daqueles que vinham

sendo editados. As 19 coleções de História foram agrupadas em quatro blocos, segundo a

organização dos conteúdos. E justifica que assim, o/a professor/a “poderá ler o grupo de sua

preferência, selecionando, neste conjunto, a obra que gostaria de trabalhar com suas turmas.”

(BRASIL, 2007, p.9). Informa que a composição das resenhas também foi alterada. Nessa

pesquisa, a análise das resenhas será feita mais à frente, de forma mais detalhada, em subitem

específico. O Guia continua com a explicação das mudanças, sugerindo que seja feita a leitura

do texto Análise das coleções além das Resenhas para “se ter uma visão integral das coleções”

(BRASIL, 2007, p.9). A Introdução termina destacando que a avaliação “foi realizada por

especialistas na área” (BRASIL, 2007, p.9), mas que a adoção e utilização na prática

pedagógica é do/a professor/a.

Ao apresentar um novo PNLD afirmando que o mesmo possui um “formato diferente

daqueles que vinham sendo editados” pode-se supor que os problemas estruturais dos Guias

anteriores, seriam solucionados. No entanto, o que se percebe é que o lugar do professor de

ensino fundamental continua negligenciado e, tendo em vista a redução do tamanho das

resenhas, minimizado. É emblemático que na edição desse ano do Guia faça parte da equipe

de pareceristas (avaliadores) somente três professores que atuavam no ensino fundamental,

entre os 32 participantes da Comissão de avaliação.

Critérios e Metodologia de Avaliação

O Guia de História PNLD/1999 apresenta este item como Critérios para análise do

livro de História. Entre os critérios eliminatórios estão: correções dos conceitos e

informações básicas, correção e pertinência metodológicas e contribuição para a construção

da cidadania; por último, os classificatórios.

Já o Guia de História PNLD/2002 apresenta essa discussão distribuída nos Subitens

Caracterização das coleções que integram o Guia: As coleções recomendadas, Desempenho

das coleções segundo os itens de avaliação, Metodologia da aprendizagem, Metodologia da

História, Construção da Cidadania, Manual do professor, Editoração; Cuidados que o

professor deve ter no processo de escolha.

O Guia de História PNLD/2005 apresenta toda o processo de avaliação das coleções

em Critérios de avaliação. Por fim, o Guia de História PNLD/2008 destaca os Critérios e

metodologia da avaliação subdividido em: I - Organização das coleções em blocos; II -

Critérios de avaliação; III - Metodologia da avaliação.

A partir desses critérios, o/a professor/a deverá nortear a escolha do livro didáticoii a

ser adotado em sua(s) turma(s). Os Guias (1999, 2002, 2005 e 2008) buscam fornecer aos/às

professores/as elementos que permitam uma análise dos livros didáticos a partir de algumas

especificidades. Para efeito de análise, a pesquisadora desenvolveu um Quadro-síntese com

todos os itens apresentados nos quatro Guias.

Quadro 1 – Critérios de avaliação para escolha dos livros didáticos/das coleções didáticas de História

– Guias PNLD/1999, 2002, 2005 e 2008 GUIA de HISTÓRIA PNLD

1999 2002 2005 2008

Critérios Eliminatórios

Erros conceituais graves

e informações incorretas

ou desatualizadas

Erros conceituais:

anacronismo,

voluntarismo e

nominalismo

Correção e pertinência

metodológica

Proposição

metodológica clara e

coerente Compreensão,

memorização e análise

Contribuição para a

construção da cidadania

Critérios

Classificatórios

Explicação da opção

metodológica

Toda análise histórica

deve partir de um

problema ou conjunto

Preocupações que

presidiram a avaliação

das coleções

(a) Enfoques teórico-

metodológicos

(b) Metodologia

adequada ao processo

ensino-aprendizagem:

- Coerência entre

metodologia e a obra

- Relacionar

conhecimento com a

realidade do aluno

- Contribuir no

desenvolvimento de

competências cognitivas

básicas

- Adaptar textos e

exercícios ao grau de

complexidade dos

conteúdos

- Integrar atividades e

exercícios que

possibilitem

desenvolvimento de

Preocupações que

nortearam a avaliação na

área de História

(1) Avaliação

individualizada de cada

coleção

(2) Eliminação do critério de

classificação por estrelas

(3) Uma obra didática não

pode:

- Conter erros informativos

ou conceituais

-Incoerência com o quadro

conceitual

- Apresentar textos, imagens

e exercícios inadequados a

faixa de escolarização

- Conter textos ou imagens

discriminatórias e

preconceituosas

- Conter erros graves de

edição e revisão

(4) Metodologia adequada

Concepção de História

– deve viabilizar que o

aluno aprenda a pensar

historicamente

Conhecimentos

históricos – se a

coleção desenvolve e

utiliza corretamente

conceitos, imagens e

informações da área de

História

Fontes históricas /

documentos – a

coleção deve apresentar

fontes históricas

relacionando-as à

construção do

conhecimento histórico

Imagens – devem levar

o aluno a problematizar

os conceitos históricos

Metodologia de ensino-

aprendizagem – avalia-

se aqui se as estratégias

pedagógicas presentes

na elaboração do texto

principal estão ligadas

de problemas

Os conceitos históricos

só se entendem

plenamente na sua

historicidade

Os conceitos históricos

não são fechados e se

fundamentam, portanto,

em habilidades

A linguagem do livro

deve ser flexibilizada e

adequada à faixa etária a

que se destina

A apresentação e

discussão de fontes

históricas são

imprescindíveis

Atividades e exercícios

devem não apenas

buscar a realização dos

objetivos, mas também,

estar plenamente

integrada aos conteúdos

Quanto à estrutura

editorial o texto

principal deve estar

impresso em preto

As imagens e os

recursos visuais devem,

preferencialmente, fazer

parte dos objetivos do

texto

Na utilização de

recursos visuais é

importante que o livro

busque unidade visual

Nos mapas, as legendas

devem respeitar as

convenções

cartográficas; nos

gráficos e tabelas,

constar títulos, fontes,

datas; e as ilustrações

acompanhadas dos

respectivos créditos

O manual do professor

deve explicitar os

pressupostos teóricos

em coerência com os

conteúdos dos livros

habilidades

- Sugerir leituras de

outros instrumentos

didáticos

(c) Verificar se a coleção

está em sintonia com as

metodologias da

disciplina histórica:

- Clareza do

posicionamento sobre as

metodologias da História

- Análise da

historicidade dos

conceitos evitando

anacronismo e

nominalismo

- Verificar a proposta de

interpretação dos

documentos reproduzidos

- Evitar estereótipos e

simplificações

explicativas

(d) Contribuir na reflexão

sobre ética para a

construção da cidadania

(e) Importância do

Manual do Professor:

- Preocupação com o

cunho pedagógico e

historiográfico

- Explicitar os objetivos

das atividades

- Contribuir para a

atualização da atividade

docente indicando outros

recursos

(f) Cuidar dos aspectos

editoriais

- Importância do aspecto

visual (estruturação,

impressão, ilustração,

formatação ...)

- Verificar referência

bibliográfica,

representações

cartográficas, títulos e

fontes de tabelas e

ao processo ensino-

aprendizagem e as

características dos alunos

- Coerência entre História e

aprendizagem

- Estabelecer relações entre

o conhecimento e a

experiência do aluno

- Contribuir para o

desenvolvimento de

habilidades básicas

- Incentivar o debate de

problemas e produção de

textos

- Apresentar textos e

exercícios formulados

corretamente, adequadas as

condições dos alunos

- Apresentar textos

complementares

- Conter sugestões de

leituras de outros

instrumentos didáticos

(5) Presença de

procedimentos próprios da

disciplina de História

- Considerar a variedade de

tendências historiográficas

da área

- Percepção da adequação e

historicidade dos conceitos

utilizados (categorias:

tempo, espaço, sujeito

histórico, cultura natureza,

sociedade etc.)

- Adequação do trabalho

com fontes históricas

- Observar a presença de

estereótipos e simplificações

explicativas

(6) Reflexão sobre a ética e a

construção da cidadania

(tolerância, liberdade e

democracia)

(7) Manual do Professor

apresentar pressupostos

teóricos e metodológicos

servindo com ferramenta

aos conceitos que são

próprios e

fundamentais da área

Capacidades e

habilidades – os textos,

as ilustrações, os

exercícios e as

atividades propostas

precisam favorecer o

desenvolvimento do

pensamento autônomo

e crítico

Atividades e exercícios

– necessitam estar

formuladas clara e

corretamente

Construção da

cidadania – se a

coleção aborda a

diversidade das

experiências humanas

com respeito e

interesse

Manual do professor –

os pressupostos

teórico-metodológicos,

tanto em relação à

História, quanto ao seu

ensino-aprendizagem,

devem estar presentes,

explícita ou

implicitamente na

elaboração do livro

didático e discutidos no

manual do professor

Editoração e aspectos

visuais – a

apresentação deve ser

cuidadosa, agradável,

com sequência bem

dividida, estrutura

hierarquizada, a

iconografia nítida e

adequada à

escolaridade a que se

destina o livro

gráficos

- Examinar textos e

ilustrações (isenção de

estereótipos,

acompanhada de títulos,

legendas e créditos)

auxiliar à reflexão e prática

docente

(8) Verificar aspectos

editoriais (estrutura,

correção da impressão e

qualidade das ilustrações

Organização: Dados organizados pela pesquisadora

Fonte: Guias de livros didáticos de História do PNLD 1999 / 2002 / 2005 / 2008

Semelhante à discussão anterior sobre a eficiência dos critérios comuns estabelecidos

para iniciar a avaliação dos livros didáticos inscritos no PNLD, aqui é possível verificar que,

no campo teórico, os critérios específicos da área de conhecimento, nesse caso, de História,

demonstram contemplar as exigências básicas para nortear a escolha de livros didáticos / das

coleções didáticas a serem utilizados nas escolas públicas do ensino fundamental. Porém, ao

analisar o processo de escolha do livro didático na sua concretude, o que se desdobra em

prática é ineficiente para efetivar o que exige a situação em si.

Se no primeiro momento, foi discutida a forma pela qual esses critérios foram

estabelecidos, nesse segundo momento, serão analisadas as condições em que essas escolhas

se dão. Novamente, o que se coloca em questão é a limitação da participação dos/as

professores/as diretamente envolvidos com o ensino fundamental no desenvolvimento efetivo

do processo de escolha dos livros / das coleções didáticas a serem adotadas nas escolas.

Para subsidiar a escolha dos/as professores/as, os Guias apresentam os livros (1999) e as

coleções (2002 / 2005 / 2008), previamente escolhidos em forma de resenha, contendo de

duas a cinco laudas e apresentando a capa do referido livro ou coleção. Nesse momento, o

Guia expõe a sua maior fragilidade: a limitação no que diz respeito ao acesso ao banco de

livros disponíveis para escolha. Como é possível verificar os critérios acima mencionados, a

partir das condições ofertadas pelos Guias?

Os elementos necessários ao processo de escolha dos livros didáticos / das coleções

tomam por base os seguintes elementos: campos teóricos, metodologias, conceitos e

categorias históricas e historiográficas, adequação de exercícios ao conteúdo ministrado e à

realidade dos alunos, habilidades básicas, capacidade da fontes complementares contribuírem

na formação crítica, adequação e qualidade dos aspectos editoriais (estrutura, correção da

impressão e qualidade das ilustrações). Como parte integrante na adoção do livro / coleção

pressupõe-se que o/a professor/a deverá ser capaz de contribuir nessa escolha seguindo os

referenciais apresentados nos Guias. Para realizar essa análise os profissionais do ensino

fundamental têm disponibilizado pelo MEC, através dos Guias, as resenhasiii

.

Para que seja possível uma verificação das possibilidades analíticas propostas pelos

indicadores acima foi necessário uma incursão na forma e no conteúdo de como as resenhas

são apresentadas nos Guias PNLD.

Análise/Resenha dos Livros/Coleções

No Guia de História PNLD/1999 a resenha contém as seguintes informações: no canto

superior esquerdo, o nome da editora; de forma centralizada, o título do livro e abaixo o nome

do/s autor/es; no canto superior direito é apresentado um facsimile da capa do livro. Na borda

direita da folha aparece uma coluna horizontal visando destacar o número de estrelas, critério

adotado para a classificação dos livros no Guia desse ano, a série na qual o livro se destina e a

cor referente à disciplina. O corpo da resenha é apresentado em duas laudas, em que os

avaliadores trazem uma análise crítica do livro aprovado pela comissão de avaliação do MEC.

Figura 1 – Página inicial da Resenha do primeiro livro didático

aprovado no Guia de História PNLD/1999

Fonte: Guia de do livro didático PNLD/1999

No Guia de História PNLD/2002 a resenha sofre algumas alterações de formato e

conteúdo. O fac-símile da capa passa a ser apresentado no canto superior esquerdo, tendo sob

essa imagem o título do livro, autor/es e, mais abaixo a editora. Ao lado dessa composição é

apresentado um quadro colorido destacando do fundo branco que tem como título a pergunta

“Por quê?”. Nele são apresentados os motivos que levaram a recomendação dessa coleção, o

que é feito em aproximadamente meia lauda. Sobre esse quadro, na parte superior direita são

apresentadas as estrelas, elemento norteador da classificação das coleções que agora

substituem os livros analisados no Guia PNLD/1999. A resenha, apresentando um texto mais

longo, em torno de três laudas, agora é divida em dois subtítulos (“Coleção” e “A análise”).

Ao final é apresentado outro quadro, de igual forma colorido, diferenciando do fundo branco,

com o título “Em sala de aula”, onde realiza uma análise das atividades propostas na coleção.

Figura 2 – Página inicial da Resenha da primeira coleção didática

aprovada no Guia de História PNLD/2002

Fonte: Guia de do livro didático PNLD/2002

O Guia de História PNLD/2005 repete basicamente a mesma estrutura do Guia

anterior. As modificações existentes ficam a cargo da supressão das estrelas como caráter

classificatório da escolha e um aumento significativo do número de laudas da resenha que do

Guia anterior (2002) para esse, passa de duas para nove.

Figura 3 – Página inicial da Resenha da primeira coleção didática

aprovada no Guia de História PNLD/2005

Fonte: Guia de do livro didático PNLD/2005

Por fim, o Guia de História PNLD/2008, como já foi destacado anteriormente,

apresenta-se com uma alteração significativa no seu formato; a organização das coleções foi

feita a partir dos seus conteúdos, em quatro blocos: História Temática, História Integrada,

História Intercalada e História Convencional. As coleções ficaram divididas da seguinte

forma: sete Temáticas, sete Integradas, quatro Intercaladas e uma Convencional, totalizando

dezenove Coleções aprovadas.

O facsimile retorna para o canto superior direito tendo ao seu lado esquerdo o título da

obra e abaixo dele o nome do/s autor/es. O corpo da resenha é dividido em subtítulos (“A

coleção”, “A estrutura” e “Sumário sintético”) apresentando os volumes da coleção

individualmente. O número de laudas utilizado nesse Guia diminui de nove, do Guia anterior,

para três laudas.

Figura 4 – Página inicial da Resenha da primeira coleção didática

aprovada no Guia de História PNLD/2008

Fonte: Guia de do livro didático PNLD/2008

Tendo em vista que um livro recebe influência de diversas partes para além do autor é

necessário, para que ocorra uma análise adequada, o acesso a essas intervenções diretamente

no livro/coleção. Chartier chama a atenção para o fato de que

[...] não existe nenhum texto fora do suporte que dá a ler, que não há compreensão

de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais

ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os

que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções

do “autor”; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou a impresso,

produzidos pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista leitores

ou leituras que podem não estar de modo nenhum em conformidade com os

preestabelecidos pelo autor (CHARTIER, 1986, p. 127).

Uma resenha tem originalmente, a finalidade de apresentar um livro para que ocorra

uma posterior leitura. Ela não possui elementos suficientes que possibilitem a sua substituição

da leitura do livro. No livro é possível perceber “os dois tipos de dispositivos” propostos por

Chartier, ou seja, o texto do/a autor/a e a passagem a livro impresso. Melhor ainda, ao analisar

o livro didático o/a professor/a consegue identificar o texto do/a autor/a e o processo de

editoração e aspectos visuais que resultou na obra em si.

Logo, para fazer a escolha do livro (ou da coleção) a ser adotado na escola, o/a

professor/a, ou qualquer outro/a leitor/a, não tem condições de fazê-lo a partir da resenha.

Como podemos confirmar em Chartier, “A leitura é prática criadora, atividade produtora de

sentidos singulares, de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos autores de

textos ou dos fazedores de livros” (Id, p. 123). Ao analisar a resenha, o/a professor/a estará

produzindo um sentido para outro texto e não, para o livro didático ao qual esse novo texto (o

da resenha) se refere.

Dentro desse universo, de participantes para a confecção final do livro, onde é possível

destacar autor, editor, diagramador e ilustrador, a disponibilização da resenha proposta pelos

Guias do PNLD, demonstram a impossibilidade de analisar essas participações.

Ao analisar as diferentes formas de apresentação das resenhas é possível verificar que

há uma preocupação com as limitações de informações contidas para dar conta da totalidade

dos elementos utilizados na proposta de análise. É o caso da mudança drástica de laudas do

Guia de História PNLD/2002, que possuía uma média de três laudas para o de 2005 que passa

a apresentar a média de nove laudas. Isso demonstra a preocupação de uma apresentação mais

dilatada das coleções nas resenhas produzidas. No entanto, essa preocupação não consegue

solucionar o problema da intermediação que as resenhas estabelecem entre as coleções e os

profissionais que farão as escolhas para uso em sala de aula.

Visando ilustrar o problema aqui apresentado, tomarei por exemplo um dos elementos

propostos para análise no Quadro 1. No caso, será buscado examinar as ilustrações,

verificando o grau de isenção de estereótipos das imagens, para que seja possível o

entendimento dos limites da análise, tendo por base os modelos de resenhas disponibilizados.

Na participação do ilustrador, a linguagem imagética pode ser apresentada como um

desses exemplos, que não fugiram à preocupação dos critérios acima apresentados. No livro

didático de História as imagens têm se apresentado com destacado valor. Se uma imagem

“vale mais que mil palavras” isso serve tanto para a positividade quanto para a negatividade

das informações contidas em uma mensagem. É possível tomar, por exemplo, os livros

didáticos de História no que diz respeito à temática afro-brasileira. A presença de forma

específica do africano e afro-descendentes nos livros ocorre quase que exclusivamente nos

momentos em que a escravidão está em destaque. Durante todo o período colonial

(1530/1822) e Imperial (1822/1889) esses personagens sempre aparecem ligados a algum

ciclo econômico e, de forma menos intensa, através de algumas explicações sobre a influência

de sua cultura na formação da identidade da cultura brasileira. Um pouco menos ainda são

momentos de manifestações referentes a rebeliões. Ainda que a preocupação com essas

imagens tenham melhorado ao longo dos últimos anos, elas ainda se mantém sob essa

estrutura.

Enquanto não houver uma nova formulação histórica nos textos dos livros didáticos

que incluam a História de africanos e descendentes como parte da História do Brasil, e não,

como um apêndice da mesma, as ilustrações disponibilizadas nos livros/coleções continuarão

a refletir a lógica dos textos. Imagens acompanham essas exposições textuais. Um

determinado quantitativo de livros apresenta imagens em que a violência contra o escravo é

quase a temática corrente. É possível citar como exemplo a presença de quadros dos pintores

Rugendas e Debret em que a violência e a inferioridade desses atores aparecem em destaque.

O mesmo não se dá através de imagens positivas. Grandes comerciantes negros,

representantes de reinos africanos e negros livres e/ou libertos fizeram parte da História desse

período sem, contudo merecer por parte dos escritores ou editores dos livros esse registro

imagético (SILVA, 2003).

Tendo em vista a importância da imagem em um livro didático e, por conseguinte, no

processo ensino-aprendizagem, quando verificamos o Guia do PNLD é possível perceber a

sua fragilidade na apresentação dos livros / das coleções no que diz respeito à possibilidade de

análise de sua imagética. Não é apresentado à/ao professor/a nenhuma possibilidade em

realizar uma avaliação do livro nesse sentido. O formato de apresentação da resenha, seja ela

com duas ou nove laudas e a capa do livro, não permitem ao profissional que está realizando a

escolha avaliar a qualidade dessas imagens e sua relação – positiva ou negativa – com a

narrativa textual. Dependendo de sua formatação, uma imagem pode ganhar mais significado

em um livro do que o texto apresentado. Dependo dessa disposição visual, a imagem pode

tornar-se mais perceptível, chamar mais atenção que o texto, se tornando protagonista na

relação escritor-editor-diagramador-leitor.

É preciso deixar claro que não está em discussão nesse estudo se o livro / a coleção

possui ou não imagens adequadas, mas o fato de que o/a professor/a que vai adotar o livro

didático em sala de aula não tem acesso a essas imagens através das resenhas

disponibilizadas. Nesse sentido, aquilo que a um grupo, como o dos/as avaliadores/as do

MEC pode não constituir um processo discriminatório, para o/a professor/a a análise pode ser

diferenciada, tendo em vista a subjetividade que uma ilustração apresenta.

Um elemento de tamanha importância não pode deixar de estar presente no processo

de escolha do livro / da coleção a ser adotada em sala de aula. É possível conjecturar as

dificuldades que se apresentam para os elaboradores do PNLD em realizar essa

disponibilização. No entanto, as possíveis dificuldades econômicas, logísticas, dentre outras,

não retiram a gravidade que a ausência do livro / da coleção, produz na escolha do/a

professor/a. A contradição entre os elementos basilares propostos para a análise e escolha do

livro / da coleção a ser adotada e as condições propiciadas pelas resenhas disponibilizadas põe

em questionamento o papel do/a professor, retirando a sujeição desse ator e, na prática, lhe

fornecendo um papel de coadjuvante.

O texto de abertura do Guia PNLD/1999 refere-se à/ao professor/a da seguinte forma:

“Para o sucesso da escolha, a sua participação é fundamental e imprescindível.” (BRASIL,

1998, p.4). Já o texto do Guia PNLD/2002, informa que as informações do Guia podem

contribuir para que “ao optarem por uma determinada obra, o façam de forma consciente”

(BRASIL, 2001, s/n). O Guia PNLD/2005 foi elaborado para que os/as professores/as,

“possam escolher os livros didáticos mais adequados a seus alunos, de forma consciente e

coerente” (BRASIL, 2004, p.5-6). Por fim, o Guia PNLD/2008 sugere que na escolha da

coleção a ser adotada, “envolve uma tomada de decisão consciente e responsável, na medida

em que nos compromete intimamente com o objeto da adoção.” (BRASIL, 2007, p.10).

Através da compreensão de como estão estruturadas as resenhas fica estabelecido um

descompasso entre o que os Guias do PNLD propõem para os/as professores/as e o que ele

realiza em forma de concretude histórica. Um programa de tamanha envergadura como o

PNLD apresenta essa fragilidade ao desdobrar sua proposta teórica no campo da análise

prática. Fazer com que os critérios de avaliação dos instrumentos propostos sejam possíveis

de serem aplicados pelo/a professor/a depende do acesso ao livro / coleção didática. A atenção

para com esse momento da escolha não possui viabilidade concreta. Em nenhum momento do

processo de viabilização dessa escolha o PNLD cria mecanismos que contemplem a logística

de envio de todos os livros / coleções para que cheguem às mãos dos professores/as.

O PNLD equaciona a ausência do envio dos livros aprovados, através do Guia de

livros didáticos. A organização do Guia de História dos anos finais do ensino fundamental

apresenta, além das resenhas supracitadas, cinco quadros que sintetizam a avaliação que gerou

a aprovação das coleções. A título de exemplificação, para melhor visualização da análise

desse contexto, segue o primeiro quadro PNLD 2008 - Quadro Síntese (BRASIL, 2007, p.17).

Figura 5 – Quadro síntese da avaliação de História –

PNLD/2008

Fonte: Guia de livro didático de História PNLD/2008

Como é possível verificar no quadro acima, essa é uma fragilidade do PNLD; o

instrumento de avaliação oferece ao/à professor/a uma análise de 18 coleções, com a

avaliação de 10 critérios. Como a avaliação já é previamente apresentada ao/à professor/a,

este não é encorajado a fazê-la novamente. Tendo como orientação na escolha das coleções

didáticas de História a serem adotadas nas escolas, as tabelas com os resultados das

avaliações e as resenhas das coleções, é possível afirmar que esse encaminhamento reflete

uma matriz de pensamento liberal, centrada na ideia de um staff pensante, em que se

privilegia uma inteligência em detrimento do coletivo envolvido no processo. A antiga

discussão dos pensantes versus executantes...

Logo, para estabelecer um processo de escolha efetiva do livro / da coleção didática a

ser adotada na escola, o/a professor/a precisa desse material em sua concretude, ou seja,

precisa ter a coleção em mãos. Duas questões se desdobram em relação ao processo de adoção

do livro / da coleção: a primeira, diz respeito à logística do Programa para a chegada à escola

e a segunda, refere-se à amplitude da avaliação proposta ao professor no processo de escolha.

Em relação à logística, a análise tem início na reflexão sobre o quantitativo de obras a

serem disponibilizadas. Partindo do princípio de que são 18 coleções de História aprovadas,

com 4 livros em cada uma delas, teremos um total de 72 livros didáticos a serem analisados

pelos/as professores/as de História dos anos finais do ensino fundamental. Multiplicando esse

total pela quantidade de escolas da rede pública de ensino brasileira – em torno de 130 mil

estabelecimentos de ensino público (BORGES, 2008, p. 102) –, esse montante se amplia para

aproximadamente, 9.360.000 de exemplares a serem enviados às escolas. Essa realidade

apresenta uma noção da dificuldade de organização e disponibilização de verbas para efetuar

a distribuição.

Agora, partindo do princípio de que o encaminhamento que deveria ser realizado pelo

Programa passaria pela análise inicial dos professores da educação básica no processo de

aprovação / reprovação das obras, esse total de livros / coleções a serem disponibilizados

atingiria um universo muito maior.

Já em relação à amplitude da avaliação proposta, os/as professores/as precisariam da

garantia de um tempo suficiente para analisar os 10 critérios de avaliação apresentados no

Quadro-síntese, preenchido, até então, pelos avaliadores selecionados pelo MEC.

Segundo o documento, Recomendações para uma política pública de livros didáticos,

apresentado no início desse capítulo, um dos descompassos entre as expectativas do PNLD e

a dos docentes é

[...] o próprio processo de escolha dos livros didáticos pelos professores,

desenvolvido num prazo de tempo exíguo e, em geral, sob condições pouco

adequadas; poucas vezes os livros didáticos são diretamente examinados pelos

docentes; a escolha tende a se fazer, muitas vezes, sem o necessário processo de

discussão nas escolas e nas redes públicas de ensino (BATISTA, 2002, p. 33)

Essa questão também traz embutida a discussão referente ao tempo disponível do/a

professor/a para realização de atividades profissionais que ultrapassam a hora-aula, que

pressupõem uma dedicação que vai além da hora-atividade paga pelo Estado para o

desenvolvimento das demandas inerentes à prática do/a professor/a da educação básica.

Tanto a logística de distribuição, quanto a amplitude do processo de avaliação das

coleções em si, são questões facilmente equacionáveis, numa política educacional

comprometida com a qualidade de ensino e portanto, com a valorização do/a professor/a.

No Guia PNLD/2011 está previsto que:

O registro da escolha do livro didático será realizado somente pela Internet, no

período de 21 de junho a 04 de julho de 2010, no portal do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação – FNDE (www.fnde.gov.br) na seção Destaques, no

link Escolha PNLD 2011. (BRASIL, 2010, p.19)

Para a efetivação da “[...] escolha do livro didático, serão enviados, por meio da Carta

Amarela, a senha e o login.” (id.). Se a escolha tem que ser feita pela Internet, pressupõe-se

que todos/as os/as professores/as da rede pública de ensino têm condições de acesso à mesma.

Logo, todos/as os livros / coleções poderiam ser disponibilizados na íntegra, somente para

leitura, através do sistema de senhas individuais, tendo em vista que uma cópia de livros em

grande escala seria monitorada. No ensino público, os livros didáticos são enviados às escolas

e essas, teoricamente, não teriam interesse em copiá-los. É possível perceber que, se a política

educacional tiver interesse em democratizar o processo, tecnicamente, a logística poderia ser

resolvida.

Se o PNLD disponibilizasse esse material pela internet, o quantitativo de professores

participantes poderia proporcionar uma ampla discussão tornando o processo de seleção e

escolha mais viável e democrático, posto que o Guia não atende às necessidades de uma

avaliação das obras.

Essas medidas contribuiriam no processo participação e valorização do/a professor/a

na gestão de uma educação comprometida com a qualidade de ensino. E finalmente, a

participação mais efetiva do/a professor/a nesse processo contribuiria para o alargamento de

seu conhecimento através do contato com a pluralidade de opções ofertadas.

Se o/a professor/a de História, com formação específica para o desenvolvimento da

compreensão do que é cidadania e exercício de direitos políticos, civis e sociais não tem

condições de escolher e analisar o livro didático que vai adotar, como pode desenvolver uma

prática docente que construa tais conceitos?

No período de 1999-2008 do PNLD, o exercício de escolha proposto ao/à professor/a

da rede pública de ensino fundamental, passa por uma compreensão da análise desenvolvida

por terceiros e portanto, aparece como objeto na trajetória desse instrumento da política

educacional. Essa quase ausência de participação fortalece o desinteresse do professor que já

tem que enfrentar uma excessiva carga de trabalho em seu cotidiano docente.

Essa é outra situação a ser equacionada nesse contexto, que envolve o tempo

disponível para o desenvolvimento de todo o processo de análise dos livros / das coleções,

inicialmente, proposto que seja feito através do contato com o Guia, embora ele sirva mais

para justificar a proposta da política educacional estabelecida pelo PNLD do que, para nortear

o trabalho do/a professor/a.

Ainda que ocorra a disponibilização do material para participação mais efetiva do

professor/a nesse processo, outra questão se coloca. Não existe no planejamento do

desenvolvimento da escolha do livro didático, como fora apresentado no documento

Recomendações para uma política pública de livros didáticos, um tempo que contemple as

reais necessidades para uma análise mais acurada. Uma das questões que podem ser atribuídas

entre as expectativas dos/as professores/as e o PNLD é a escolha que se desenvolve “[...] num

prazo de tempo exíguo” (BATISTA, 2002, p.33)

Ficha de Avaliação

O Guia de História PNLD/1999 não disponibiliza uma Ficha de avaliação. Os Guias

de História PNLD/2002 e 2005 inserem a Ficha de avaliação após uma síntese da análise

realizada pela equipe de avaliadores/as do PNLD. Já no Guia de História PNLD/2008 a Ficha

de Avaliação é apresentada depois das resenhas, mas com um diferencial em relação às

anteriores; ela traz preenchida a análise dos/as avaliadores/as do MEC, das coleções didáticas

aprovadas.

O propósito das Fichas de avaliação não é apresentado nos Guias. As fichas são

inseridas sem explicação anterior ou posterior sobre as mesmas. Portanto, não fica claro se o

objetivo da Ficha é auxiliar na avaliação que os/as professores/as de História dos anos finais

do ensino fundamental vão desenvolver no processo de escolha do livro didático / da coleção

didática a ser utilizada. Nesse caso, precisariam reproduzir a respectiva ficha pelo número de

livros / coleções a serem analisadas. Ou se a disponibilização da Ficha de avaliação é uma

forma de dar transparência ao material utilizado no processo de avaliação realizado pela

equipe de avaliadores/as do MEC.

Considerações Finais

Ao trazer a discussão do processo de democratização do acesso ao livro didático no

PNLD, essa pesquisa traz consigo contribuições reflexivas na construção do exercício da

cidadania, que prevê como direito à educação, condições de acesso a um ensino de qualidade,

onde o reconhecimento à capacidade de escolha do livro didático a ser adotado nas escolas

públicas brasileiras pelo/a professor/a da educação básica se apresenta como um marco de

respeito na autonomia intelectual e pedagógica, o que é um direito desse profissional. A

opção pela análise do Guia de livro didático de História pode contribuir com essa discussão.

A formação do/a professor/a de História pressupõe um profissional que esteja

preparado para identificar nos livros didáticos dessa área mais especificamente, uma

contribuição para a construção da cidadania. Esse é um dos critérios eliminatórios de um

livro/uma coleção didática, desde a implantação do PNLD. O que acontece no programa é que

esse/a professor/a já recebe nos Guias a relação de livros/de coleções didáticas que

contemplam esse requisito com maior propriedade, segundo os avaliadores designados pelo

MEC.

O/A professor/a de História do ensino fundamental, por transitar pelos diversos anos

desse segmento de ensino, tende a possuir uma competência sobre o processo histórico de

uma forma mais ampla. Ao contrário disso, os avaliadores que realizam a primeira seleção de

livros/coleções didáticas, por pertencerem majoritariamente, ao ensino superior, acabam por

possuir competências mais específicas, não contemplando a mesma capacidade de generalista

que o/a professor/a de ensino fundamental possui. Vale à pena ressaltar que os Guias de livros

didáticos chamam a atenção para as possíveis fragilidades na construção do livro didático no

que diz respeito às limitações de conhecimentos de seus autores, nas dificuldades em dominar

todos os conteúdos históricos necessários na confecção dos livros.

O livro didático é ferramenta de vital importância no processo ensino-aprendizagem

brasileiro. A sua qualidade ou a falta da mesma é algo de extremo valor e, como tal, deve

merecer especial consideração dos envolvidos em sua disponibilização desde o autor até o

diálogo do material didático resultante – o livro – com o seu leitor, nesse caso, os dois mais

importantes atores nesse processo: o/a aluno/a e o/a professor/a. Negligenciar a importância

dessa ferramenta é, em última análise, comprometer um dos direitos sociais e, por

conseguinte, o próprio direito à cidadania.

Referências

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política pública de livros

didáticos. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental, 2002.

BORGES, Márcia de Freitas Vieira. Diálogos com o futuro e respostas ao presente: políticas

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Sociedade Brasileira de Computação. Belém-PA, 12 a 18 de julho de 2008.

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_______. Secretaria de Educação Fundamental. Guia de livros didáticos: 5ª a 8ª séries /

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Brasília: MEC/SEF, 2001.

_______. Secretaria de Educação Fundamental. Guia de livros didáticos 2005: 5ª a 8ª séries /

caderno de História. Ministério da Educação / Secretaria de Educação Infantil e Fundamental.

Brasília: MEC/SEF, 2004.

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ensino fundamental / caderno de História. Ministério da Educação / Secretaria de Educação

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_______. Guias do Programa Nacional do Livro Didático,

http://portal.mec.gov.br/index.php?view=article&catid=195:seb-edu . Acesso em 04 mai.

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CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Memória e

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SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na

África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Ed. UFRJ, 2003.

i Conceito tendo por base a discussão proposta por François Dosse (2003), no livro A História em migalhas: dos

Annales à nova História, em que o autor problematiza os rumos que as pesquisas históricas vêem tomando a

partir da década de 1970 em que as especificidades são extremamente valorizadas, deixando , muitas vezes, de

fazer ligação com o processo histórico como um todo. ii Desde 2005, essa escolha deve ser realizada pelos/as professores/as dos anos finais do ensino fundamental, que

trabalham na mesma escola, posto que são adotadas as coleções de livros didáticos da área, no caso, História e

não mais os livros didáticos isoladamente, ou seja, por ano. iii Apesar da existência de livros utilizados nas escolas em anos anteriores, isso não configura necessariamente,

uma contribuição no processo de escolha e, por vezes, pode mesmo vir a contribuir no comprometimento desse

processo pela falta de acesso ao conjunto dos livros / coleções no rol dos aprovados pelos Guias de livros

didáticos do PNLD.