O afastamento de agentes públicos em caso de investigação criminal ou denúncia oferecida

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O afastamento de agentes públicos em caso de investigação criminal ou oferecimento de denúncia Claudio Henrique de Castro 1.Conflito aparente entre regras e princípios constitucionais O inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal contempla o direito à razoável duração do processo: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)” O Supremo Tribunal Federal decidiu que é um direito do réu ser julgado em tempo razoável e não esperar eternamente, inclusive com medidas cautelares de privação de liberdade: “O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade – tem direito subjetivo de ser julgado, pelo Poder Judiciário, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. (...) O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas, em tempo razoável e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional .”(HC 99.289, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 4-8-2011.) Neste contexto, tem-se uma prorrogação das expectativas de julgamento, considerando-se o direito ao contraditório e a ampla defesa, inciso LV do art. 5º e da presunção de inocência, prevista no inciso LVII da Constituição Federal: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes ; (...) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ;” Neste sentido, o direito ao julgamento em tempo razoável, garantindo-se a ampla defesa e ao contraditório e a presunção de inocência concede ao interessado, em regra, a certeza de que a pena somente será aplicada ao final do processo. A exceção é a prisão.

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O afastamento de agentes públicos em caso de investigação criminal ou oferecimento de denúncia

Claudio Henrique de Castro

1.Conflito aparente entre regras e princípios constitucionais O inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal contempla o direito à razoável duração do processo:

“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

O Supremo Tribunal Federal decidiu que é um direito do réu ser julgado em tempo razoável e não esperar eternamente, inclusive com medidas cautelares de privação de liberdade:

“O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade – tem direito subjetivo de ser julgado, pelo Poder Judiciário, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. (...) O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas, em tempo razoável e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional.”(HC 99.289, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 4-8-2011.)

Neste contexto, tem-se uma prorrogação das expectativas de julgamento, considerando-se o direito ao contraditório e a ampla defesa, inciso LV do art. 5º e da presunção de inocência, prevista no inciso LVII da Constituição Federal:

“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...)LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

Neste sentido, o direito ao julgamento em tempo razoável, garantindo-se a ampla defesa e ao contraditório e a presunção de inocência concede ao interessado, em regra, a certeza de que a pena somente será aplicada ao final do processo. A exceção é a prisão.

2.Afastamento das funções e a constitucionalidade da medida cautelar Haveria alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade no afastamento de um agente público ou servidor público acusado de determinado crime após oferecida a denúncia ou iniciadas as investigações criminais? Alguns exemplos:

1) de um cuidador de crianças acusado de pedofilia de continuar a trabalhar na escolinha infantil?

2) de um guarda de presídio feminino acusado de estupro de continuar em suas atividades de guarnição?

3) de um porteiro de prédio público acusado de furto ou roubo de continuar em suas funções?

4) de um fiscal da receita estadual ou municipal acusado de corrupção de continuar em suas funções? ou,

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5) de uma autoridade do assembleia legislativa estadual ou de Tribunais, presidente da câmara dos deputados, presidente do senado federal ou de Câmara Municipal, de continuar exercendo suas funções apesar de acusado de desvios de dinheiros públicos, improbidade administrativas e crimes de lavagem de dinheiro?

Sem dúvida nestes e em outros casos pode ocorrer o aresto de bens, o afastamento do cargo e a imposição de medidas restritivas de liberdade determinadas pelo Poder Judiciário, inclusive o afastamento de magistrados do exercício da função jurisdicional, nos termos de decisão do Supremo tribunal Federal:

“Afastamento do exercício da função jurisdicional. Aplicação do art. 29 da Loman (LC 35/1979). Medida aconselhável de resguardo ao prestígio do cargo e à própria respeitabilidade do juiz. (...) Não viola a garantia constitucional da chamada presunção de inocência o afastamento do cargo de magistrado contra o qual é recebida denúncia ou queixa.” (Inq 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-2008, Plenário, DJE de 26-3-2010.)”

3.Os deputados federais e os senadores e suas garantias e privilégios constitucionais A jurisprudência modula o afastamento cautelar conforme o caso concreto. E quanto a deputados e senadores reza o § 3º art. 53 da Constituição:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

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Em síntese, só por maioria dos membros pode a casa legislativa sustar o processo no Supremo Tribunal Federal. Não se confundam as garantias do exercício do cargo, como a inviolabilidade de opiniões e de voto com o odioso privilégio da impunidade durante o exercício do cargo. Assim, o afastamento do exercício do cargo, seja quem for do Congresso Nacional, pode ser decretado pelo Supremo Tribunal Federal. 4.O éthos institucional de impunidade e do autoritarismo O clima institucional de impunidade no Brasil é algo que recebemos do autoritarismo desde os tempos de colônia. Estamos ainda na transição democrática dos 488 anos de regimes sem democracia que fundaram a história institucional brasileira. Apesar do art. 37 da Constitucional Federal impor o cumprimento e a obediência ao princípio da moralidade administrativa se têm como “moralmente aceitáveis” graves acusações dos chefes dos poderes da República sem o seu afastamento do cargo. O autoritarismo funda-se em não se respeitar os direitos alheios, em não haver reciprocidade de direitos e, principalmente, em se descumprirem deveres institucionais e legais. A impunidade funda-se no cinismo e na audácia no descumprimento das leis e da Constituição, em resumo, a lei vale para os “outros”. Convivemos com graves acusações a importantes cargos da república e mesmo assim os acusados se protegem com o manto da presunção da inocência e se mantém impávidos e inabaláveis. É o verniz que tinge importantes cargos da república desde a sua instituição por meio de um golpe militar perpetrado por Marechais. Por muito menos, o presidente da assembleia do estado de Nova York, o milionário, Sheldon Silver, foi preso em sua casa em Manhattan, em janeiro deste ano, acusado de receber pagamentos indevidos por escritório de advocacia. 5.A interpretação constitucional pode alterar a realidade de impunidade no Brasil?

A elaboração das soluções de casos jurídico-problemáticos (1) é a função primordial do Poder Judiciário que não pode temer quaisquer cargos do estado brasileiro.

Assim, tratar diferentemente as pessoas em função dos cargos que ocupam não se coaduna com a Constituição. Em síntese, há de se resolverem os conflitos entre os interesses privados (impunidade) e os interesses públicos, do cumprimento da Constituição e dos princípios da igualdade, da moralidade etc. O que deve presidir o debate constitucional é a prevalência das regras e princípios constitucionais, dentre os quais o princípio fundamental de uma sociedade justa (art. 3º, inciso I C.F.) e sem discriminações (art. 3º, inciso I C.F.).

Interpretar é compreender (2) e a compreensão constitucional está a serviço das instituições e da consolidação da democracia, prevista na Constituição. Não sabemos se há provas para o afastamento dos referidos personagens, mas desde o ano de 1792 as Ordenações Afonsinas, vindas de Portugal, as provas documentais são importantes meios de convicção (3). Haverá um tempo no qual a prisão ou o afastamento de agentes políticos que ocupam importantes cargos no estado brasileiro, será normal sob o ponto de vista institucional, até lá, teremos ainda um “vale de lágrimas” do qual Habermas descreveu a transição das sociedades autoritárias para a Democracia. Notas:1. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 3ª ed. Trad. Zilda H.S. Silva, Rio de Janeiro: Forense 2013, p. 247.

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2. GRAU, Eros. Roberto. Interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 73.3. AZEVEDO, Luiz Carlos de. TUCCI, José Rogério Cruz. Lições de história do processo civil lusitano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 78.