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INTRODUÇÃO Múltiplas facetas do diabetes: etiopatogenia, sintomatologia e epidemiologia O primeiro caso de diabetes foi constatado no Egito em 1500 a.C., como uma doença desconhecida. A denominação diabetes foi empregada pela primeira vez por Apolônio e Memphis em 250 a.C.. A palavra diabetes tem origem no grego e significa sifão, ou seja, tubo para aspirar a água. Esse nome foi dado devido à sintomatologia da doença, que provoca sede intensa (polidipsia) e grande quantidade de urina (poliúria). O diabetes só adquiriu a termino- logia mellitus no século I d.C. A palavra mellitus, em latim, significa mel, logo a patologia passaria a ser chamada de urina doce (GAMA, 2002). O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente da falta de insulina e/ou incapacidade do pâncreas na produção de insulina que exerça adequadamente seus efeitos (BRASIL, 2002). Seu aparecimento está associado à diminuição ou alteração de um hormônio protéico (insulina) produzido pelo pâncreas, órgão responsável pela manuten- ção dos níveis normais de glicose no sangue (SANTOS; ENUMO, 2003). Caracteriza-se por hiperglicemia crônica com distúrbios do metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas. A hiperglicemia é a elevação da glicose (açúcar) no sangue acima da taxa normal de aproxi- madamente 60 a 110 mg%. Existem dois tipos de diabetes: diabetes mellitus tipo 1 e diabetes mellitus tipo 2. O presente estudo focaliza o diabetes tipo 1, que é uma das doenças crônicas mais comuns na infância e uma das que mais exigem adaptação nos âmbitos psicológico, social e físico, tanto por parte da criança como da família. Desenvolve-se também, com grande freqüência, em adolescentes, sendo, por isso, conhecido como “diabetes juvenil” (BRASIL, 2004). Trata-se de doença de etiologia auto-imune, que resulta primariamente da destruição de células beta-pancreáticas. Há diminuição progressiva da função secretora dessas células, que se traduz inicialmente pela perda da primeira fase da secreção de insulina e elevação gra- dual dos níveis glicêmicos (BLEICH et al., 1990; VARDI; CRISA; JACKSON, 1991). Há,

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  • INTRODUO

    Mltiplas facetas do diabetes: etiopatogenia, sintomatologia e epidemiologia

    O primeiro caso de diabetes foi constatado no Egito em 1500 a.C., como uma doena

    desconhecida. A denominao diabetes foi empregada pela primeira vez por Apolnio e

    Memphis em 250 a.C.. A palavra diabetes tem origem no grego e significa sifo, ou seja, tubo

    para aspirar a gua. Esse nome foi dado devido sintomatologia da doena, que provoca sede

    intensa (polidipsia) e grande quantidade de urina (poliria). O diabetes s adquiriu a termino-

    logia mellitus no sculo I d.C. A palavra mellitus, em latim, significa mel, logo a patologia

    passaria a ser chamada de urina doce (GAMA, 2002).

    O diabetes mellitus (DM) uma sndrome de etiologia mltipla, decorrente da falta de

    insulina e/ou incapacidade do pncreas na produo de insulina que exera adequadamente

    seus efeitos (BRASIL, 2002). Seu aparecimento est associado diminuio ou alterao de

    um hormnio protico (insulina) produzido pelo pncreas, rgo responsvel pela manuten-

    o dos nveis normais de glicose no sangue (SANTOS; ENUMO, 2003). Caracteriza-se por

    hiperglicemia crnica com distrbios do metabolismo dos carboidratos, lipdeos e protenas.

    A hiperglicemia a elevao da glicose (acar) no sangue acima da taxa normal de aproxi-

    madamente 60 a 110 mg%.

    Existem dois tipos de diabetes: diabetes mellitus tipo 1 e diabetes mellitus tipo 2. O

    presente estudo focaliza o diabetes tipo 1, que uma das doenas crnicas mais comuns na

    infncia e uma das que mais exigem adaptao nos mbitos psicolgico, social e fsico, tanto

    por parte da criana como da famlia. Desenvolve-se tambm, com grande freqncia, em

    adolescentes, sendo, por isso, conhecido como diabetes juvenil (BRASIL, 2004).

    Trata-se de doena de etiologia auto-imune, que resulta primariamente da destruio

    de clulas beta-pancreticas. H diminuio progressiva da funo secretora dessas clulas,

    que se traduz inicialmente pela perda da primeira fase da secreo de insulina e elevao gra-

    dual dos nveis glicmicos (BLEICH et al., 1990; VARDI; CRISA; JACKSON, 1991). H,

  • assim, um perodo mais ou menos longo de latncia, de pouca expresso clnica, que pode

    preceder a ecloso da doena em vrios anos (CESARINI et al., 2003).

    Nas doenas auto-imunes o sistema imunolgico do paciente volta-se contra o prprio

    organismo, podendo afetar vrios rgos vitais, desencadeando quadros como artrites

    reumatides, lpus eritematoso sistmico, esclerose sistmica, dermatopolimiosite e

    vasculites. Ou, ento, pode afetar apenas um sistema orgnico: diabetes mellitus tipo 1,

    esclerose mltipla, miastemia gravis, citopenias auto-imunes. Embora tenha havido enormes

    progressos no entendimento dos mecanismos fisiopatolgicos envolvidos nessas doenas, a

    etiologia da maioria delas permanece obscura, limitando o desenvolvimento de teraputicas

    especficas (VOLTARELLI; STRACIERI, 2000).

    No estgio atual do conhecimento cientfico, no se sabe ainda o que causa a destrui-

    o das clulas produtoras de insulina do pncreas ou o porqu do diabetes aparecer em certas

    pessoas e no em outras. De acordo com estudos, o diabetes mellitus tipo 1 causado tanto

    por fatores genticos (herdados) como ambientais, ou seja, a pessoa quando nasce j traz con-

    sigo a possibilidade de ficar diabtica. Quando essa propenso gentica se associa a fatores

    como obesidade, infeces bacterianas e virticas, traumas emocionais, gravidez, entre outros,

    a doena pode surgir mais cedo (ZAGURY; ZAGURY; GUIDACCI, 2000). Segundo esses

    autores, o diabetes pode ser desencadeado tambm por cirurgias, estresse, menopausa, alimen-

    tao rica em carboidratos concentrados como balas, doces, acar e certos medicamentos.

    Existem, ainda, na literatura, estudos que mostram que, embora o diabetes se manifes-

    te principalmente por fatores hereditrios, sua ocorrncia isolada insuficiente para que a do-

    ena se manifeste. Para que isso ocorra, so necessrias mudanas externas traumatizantes

    (DEBRAY, 1995). A autora, no entanto, afirma que, sendo o diabetes uma doena multifatori-

    al, o trauma, por si s, no poderia ser responsvel pelo aparecimento da mesma.

    Os sinais e sintomas que indicam quadro de diabetes so: polidipsia/boca seca,

    poliria/nictria, polifagia, emagrecimento rpido, fraqueza/astenia/letargia, prurido vulvar,

    diminuio crnica da acuidade visual e achado de hiperglicemia ou glicosria em exames de

  • rotina. A partir de um exame de laboratrio voltado ao quadro clnico apresentado, se a

    glicemia de jejum est acima de 126 mg/dl ou em qualquer outro momento do dia, se a

    glicemia se encontrar acima de 200 mg/dl, o diagnstico de diabetes se confirma.

    A incidncia e a prevalncia de diabetes mellitus tipo 1 variam muito entre as diferen-

    tes reas geogrficas, com maior incidncia nos pases escandinavos (Finlndia, Sucia e No-

    ruega) e menor no Japo. No Brasil, ocorre em oito para cada 100.000 indivduos com menos

    de 20 anos de idade, segundo publicao do Atlas da International Diabetes Federation (IDF)

    (2006). Dados epidemiolgicos sugerem que sua incidncia est aumentando globalmente em

    torno de 3% por ano, visto que, em algumas regies, esse aumento maior em crianas com

    menos de cinco anos de idade (BANION; VALENTINE, 2006). A causa para esse efeito no

    bem clara e h especulaes de que mudanas ambientais, com maior exposio a doenas

    virais, contribuam para esse fenmeno (LEITE et al., 2008).

    Um estudo regional realizado na cidade de Ribeiro Preto-SP pela equipe da Dra. Ma-

    ria Tereza Torquato, publicado em 2003, no qual foi utilizada a mesma metodologia do Censo

    Nacional de Diabetes, mostrou uma prevalncia mdia de diabetes de 12,1% (TORQUATO et

    al., 2003).

    Trata-se da quarta causa de morte no pas, alm de ser a segunda doena crnica mais

    comum na infncia e adolescncia (CHIPKEVITCH, 1994; SOCIEDADE BRASILEIRA DE

    DIABETES (SBD), 1999). Isso mostra que, atualmente, o diabetes um dos mais importantes

    problemas de sade, em termos do nmero de pessoas afetadas, pela incapacitao produzida,

    alto ndice de mortalidade e custos do tratamento (BRASIL, 1996; SBD, 1999). Estimativas

    recentes indicam que em 2000 havia 171 milhes de diabticos no mundo e a projeo de

    que esse nmero aumente para 366 milhes em 2030 (WORLD HEALTH ORGANIZATION

    (WHO), 2006). No Brasil, as estimativas eram de cinco milhes em 2000 e h uma projeo

    de 11 milhes em 2010, sendo que nos casos do tipo 1 no h medidas de preveno da

    doena (DIABETES, 2003; McCARTY; ZIMMET, 1994).

  • A partir do momento que se reconhece que a principal causa de mortalidade no mundo

    so as doenas cardiovasculares e que o diabetes contribui com cerca de 40% dos pacientes

    cardacos, pode-se considerar que, como doena crnica, isoladamente, a maior causa de

    morbi-mortalidade em todo o mundo (INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION

    (IDF), 2003).

    O tratamento da enfermidade se resume em mudana de hbitos e estilo de vida, entre

    eles alimentao controlada e regrada em relao combinao de alimentos e horrios e

    exerccios fsicos regulares, e no tratamento medicamentoso com antidiabticos orais (apenas

    no diabetes tipo 2) ou insulina. Dessa forma, o conhecimento disponvel no consegue contro-

    lar a doena de modo que no haja complicaes, pois o bom controle metablico depende da

    colaborao do paciente e de sua disposio em seguir o tratamento prescrito para que no

    haja agravamento do quadro (GRUPO DE ESTUDOS EM ENDOCRINOLOGIA E DIABE-

    TES (GEED), 2001).

    Portanto, a factibilidade do tratamento intensivo do diabetes implica, em primeiro lu-

    gar, o desejo e a motivao do paciente para realiz-lo. Em segundo lugar, depende da capaci-

    tao e da habilitao profissionais da equipe multiprofissional que cuida do paciente.

    Frente s inmeras exigncias que o tratamento do diabetes impe, esse diagnstico

    caracterizado como uma das mais exigentes doenas crnicas, tanto no nvel fsico, quanto no

    psicolgico. Viver com essa doena pressupe a adoo de um estilo de vida ajustado situa-

    o de sade, exigindo uma alterao e integrao nas atividades de vida diria e uma adeso

    teraputica permanente e continuada ao longo do tempo para que possam ser evitadas com-

    plicaes graves decorrentes do mau controle glicmico (APSTOLO et al., 2007).

    Entre as exigncias est a automonitorizao da glicemia, que deve ser intensiva, no

    mnimo quatro vezes por dia, como norma, assim como a comunicao entre o paciente e a

    equipe de sade. O tratamento intensivo dinmico e implica em modificaes freqentes do

    esquema teraputico, de acordo com os resultados da automonitorizao. Se o paciente no se

    automonitoriza intensivamente porque no est desejoso de colaborar, ele tambm no

  • colaborar nos outros requisitos do tratamento intensivo. O problema do custo ou do acesso

    automonitorizao tambm pode ser encarado, nesse sentido, como uma barreira ao

    tratamento intensivo. A monitorizao glicmica intensiva pode ser feita de forma contnua ou

    intermitente, mediante mtodos invasivos ou no-invasivos (MALERBI et al., 2006).

    A farmacoterapia resume-se insulina, que em um esquema de tratamento intensivo

    deve procurar imitar, ao mximo, a fisiologia normal de secreo da insulina. O paradigma

    utilizado atualmente o esquema basal-bollus, que tenta imitar os modelos normais de secre-

    o desse hormnio. No indivduo no-diabtico, a insulina secretada em uma quantidade

    baixa e constante ou basal durante todo o dia e aps uma refeio a insulina secretada

    em quantidades maiores ou bollus para compensar o aumento da glicemia provocada pela

    ingesto de alimentos (MALERBI et al., 2006).

    Um avano na insulinoterapia ocorreu com o aparecimento das primeiras bombas para

    infuso de insulina, no final da dcada de 1970. Tratava-se de mquinas de tamanho e peso

    elevados, cuja finalidade era simular o funcionamento do pncreas, mantendo uma infuso

    constante de insulina no tecido subcutneo. Com o decorrer do tempo e, principalmente, du-

    rante a dcada de 1990, graas ao desenvolvimento tecnolgico, as bombas de infuso torna-

    ram-se menores, mais confiveis e passaram a permitir a combinao de vrias velocidades de

    infuso (LIBERATORE; DAMIANI, 2006).

    A terapia do diabetes mellitus tipo 1 com bomba de infuso de insulina representa uma

    modalidade teraputica efetiva e segura, com melhores resultados de controle metablico,

    sendo a maior vantagem dessa modalidade teraputica a reduo do nmero de hipoglicemias

    e maior liberdade de estilo de vida e padro alimentar, embora permanea a necessidade dos

    controles de glicemias capilares. Contudo, quando comparada s outras formas de administra-

    o de insulina, a terapia com bomba de infuso de custo mais elevado (LIBERATORE;

    DAMIANI, 2006).

    A prioridade no tratamento do diabetes devolver ao paciente seu equilbrio metabli-

    co e mant-lo, propiciando um estado o mais prximo possvel da fisiologia normal do orga-

  • nismo, o que no tarefa fcil. Isto implica em conscientizar paciente e famlia sobre o signi-

    ficado do bom controle metablico, conduzindo-o tambm a um bem- estar fsico, psquico e

    social (MALERBI et al., 2006).

    Esse diagnstico ocorre, geralmente, em crianas entre as idades de 5 a 6 anos e entre

    pr-adolescentes de 11 e 13 anos (THOMPSON; GUSTAFSON, 1996).

    Tratando-se de crianas e adolescentes, a adeso ao tratamento ficando sob responsa-

    bilidade dos pais, que relatam enfrentar dificuldades relacionadas reestruturao do cardpio

    alimentar da famlia, motivao do filho prtica regular de exerccios fsicos, adaptao es-

    colar, relacionamento com os demais irmos e com a equipe de sade (ZANETTI; MENDES,

    2001). Soma-se a tudo isso o fato de que o controle metablico, na adolescncia, tende a dete-

    riorar pelo declnio da produo de insulina at zero, pelas mudanas hormonais prprias da

    faixa etria associadas resistncia insulnica, pelo maior risco de hipoglicemia e pela dificul-

    dade em seguir o tratamento recomendado pelos profissionais de sade (DAMIO; PINTO,

    2007).

    Assim, cada vez mais se admite que aspectos emocionais, afetivos, psicossociais, as-

    sim como a dinmica familiar e a relao mdico-paciente, podem influenciar o controle do

    diabetes. Nesse sentido, reconhecida a importncia dos fatores psicolgicos tanto para o sur-

    gimento quanto para o controle metablico do diabetes (CHIPKEVITCH, 1994).

    As complicaes mais freqentemente relacionadas ao diabetes so: hipoglicemia, ce-

    toacidose diabtica aumento de gordura no sangue e o conseqente mau funcionamento dos

    rins , proteinria, neuropatia perifrica, retinopatia, nefropatia, ulceraes crnicas nos ps,

    doena vascular aterosclertica, cardiopatia isqumica, impotncia sexual, paralisia oculomo-

    tora, infeces urinrias ou cutneas de repetio, coma hiperosmolar, entre outras (BRASIL,

    2004). As complicaes a nvel cerebral ocorrem porque o crebro depende dos aportes de

    glicose devido demanda excessiva de energia que as funes cerebrais requerem (GRNS-

    PUN, 1980). Pode-se notar distrbios como: cefalia, inquietude, irritabilidade, palidez, sudo-

    rese, taquicardia, confuses mentais, desmaios, convulses e at o coma.

  • A partir do que foi exposto, pode-se perceber que o diabetes toma propores realmen-

    te preocupantes no mbito da sade pblica, pela dificuldade de preveno primria, pois no

    h uma base racional que possa ser aplicada a toda a populao. As intervenes populacio-

    nais ainda so tericas, necessitando de estudos que as confirmem. As proposies mais acei-

    tveis baseiam-se no estmulo do aleitamento materno e em evitar a introduo do leite de

    vaca nos primeiros trs meses. Sem falar do difcil diagnstico e do igualmente difcil, alm

    de dispendioso, tratamento (SBD, 2007).

    Percebe-se que, embora na maioria das vezes os pacientes tenham conscincia da im-

    portncia de manterem um bom controle sobre a doena e das conseqncias nefastas de um

    mau controle, a adeso ao plano teraputico constitui um ponto crtico do tratamento. Isto

    ocorre porque no basta ter conscincia da doena e suas repercusses, pois a condio crni-

    ca de sade atinge, diretamente, o equilbrio emocional da pessoa e este no determinado

    apenas por aspectos conscientes. Debray (1995) acredita que o diabetes enfrentado diferen-

    temente por cada indivduo, pois depende da estrutura psquica, ou seja, do tipo de organiza-

    o mental de cada um. Esse pressuposto abre a possibilidade de se atentar para os fatores psi-

    colgicos em jogo no tratamento do diabetes (MARCELINO; CARVALHO, 2005).

    A dimenso psicolgica do diabetes

    Os tericos psicossomatistas sustentam que, quando as emoes no podem ser ex-

    pressas por meio de nossos msculos voluntrios, so descarregadas em nossos msculos in-

    voluntrios, afetando rgos como o estmago, intestino, corao e vasos sangneos, poden-

    do desencadear a doena psicossomtica. A suposio mais freqentemente defendida por

    essa corrente de pensamento a de que carregada de agressividade contida, a pessoa no

    agride os outros, mas a si mesma (SILVA, 1994, p.167). A incapacidade de comunicar com

    palavras os prprios pensamentos e sentimentos faz com que a pessoa se expresse (fale)

    com a linguagem dos rgos. Assim, o adoecer de determinado rgo seria um modo in-

  • consciente de o indivduo proclamar seu sofrimento, por no conseguir faz-lo de outra forma

    que no recorrendo via somtica (SILVA, 1994).

    Thernlund et al. (1995) estudaram a possibilidade de o estresse psicolgico ser fator de

    risco para a etiologia do diabetes mellitus tipo 1, em diferentes perodos da vida, representan-

    do uma das formas possveis do corpo expressar o sofrimento psquico. Verificaram que os

    eventos negativos ocorridos nos primeiros dois anos de vida, os acontecimentos que causaram

    dificuldades de adaptao, o comportamento infantil desviante ou problemtico e o funciona-

    mento familiar catico foram ocorrncias comuns dentro do grupo que desenvolveu a doena,

    podendo ser considerados possveis fatores de risco na aquisio do diabetes mellitus tipo 1,

    uma vez que o estresse psicolgico, gerado por situaes semelhantes a essas, pode causar a

    destruio imunolgica das clulas beta do pncreas, causando deficincia na produo de in-

    sulina pelo pncreas.

    Por ser uma doena crnica, potencialmente invalidante, o diabetes determina mudan-

    as internas nas atividades dirias da pessoa. Os sentimentos mais comuns de ser vivenciados

    so regresso, perda da auto-estima, insegurana, ansiedade, negao da situao apresentada

    e depresso (PRES et al., 2007), sentimentos esses que podem gerar um desequilbrio emo-

    cional que ir influenciar no manejo da doena, que exige um controle intenso para evitar a

    ocorrncia de complicaes. As necessidades dirias de automonitorizao levam o paciente,

    muitas vezes, sentir-se escravo do tratamento (MARCELINO; CARVALHO, 2005). As auto-

    ras revelam, ainda, existirem pesquisas que indicam que o diabetes tipo 1 um fator de risco

    para o desenvolvimento de desordens psiquitricas em crianas e adolescentes. As principais

    desordens so: depresso, baixa autoestima e risco aumentado para as adolescentes de distr-

    bio alimentar.

    Nessa faixa etria a questo torna-se ainda mais complicada, pois, necessrio certo

    grau de amadurecimento afetivo e intelectual para que se alcance uma compreenso afetiva e

    racional da doena e, conseqentemente, do que se pode ou no fazer em termos de hbitos

    cotidianos, alm disso, ser portador de uma doena crnica pode limitar relacionamentos gru-

  • pais, fundamentais ao desenvolvimento do adolescente que passam por um momento confli-

    tante buscando, avidamente, novos modelos de identificao, j que esto se afastando de seus

    pais de infncia, o que exige muita compreenso e um grande apoio social famlia, escola e

    comunidade (IMONIANA, 2006).

    O controle do diabetes na adolescncia torna-se, freqentemente, um momento crtico

    para o manejo da doena, pois as restries necessrias se contrapem busca da independn-

    cia, tendncia grupal, noo de indestrutibilidade, aos comportamentos de riscos, entre ou-

    tras, caractersticas dessa faixa etria (MATTOSINHO; SILVA, 2007).

    Em pesquisa realizada com pacientes adolescentes portadores de DM1, Whittemore et

    al. (2002) identificaram que a incidncia de sintomas depressivos maior entre adolescentes

    diabticos do que em adolescentes que no tinham a mesma condio crnica.

    Todavia, a criana e o adolescente so, via de regra, bastante impulsivos. A dificulda-

    de de controle da impulsividade faz parte da caracterstica de personalidade do ser humano

    nessas etapas do desenvolvimento e somente a partir do amadurecimento alcanado na vida

    adulta que os desejos impulsivos so controlados em favor da adaptao realidade. Assim,

    torna-se extremamente difcil e estressante para as crianas e os adolescentes manterem o con-

    trole racional sobre o diabetes, porque vivem de forma intensa uma ambivalncia de senti-

    mentos entre fazerem aquilo que desejam e o que deveriam fazer para manterem os nveis gli-

    cmicos sob controle. Por outro lado, a convivncia precoce com uma condio limitante

    como o diabetes juvenil tem uma vantagem em relao aquisio tardia da doena, pois os

    hbitos de vida ainda esto se estruturando na criana e no adolescente, sendo, em princpio,

    mais moldveis e menos resistentes mudana (MARCELINO; CARVALHO, 2005).

    A literatura sugere que a presena de uma relao ntima entre a organizao emocio-

    nal e o diabetes tipo 1 na etiologia da doena tambm se repete nas conseqncias da enfermi-

    dade. A forma como o paciente vai lidar com os sentimentos que o diagnstico suscita depen-

    der, alm dos recursos internos e da personalidade de cada um, da forma como lhe foi comu-

  • nicado o diagnstico da doena e como a famlia e os amigos reagiram frente notcia (MAR-

    CELINO; CARVALHO, 2005).

    Desse modo, o diabetes considerado por muito autores como uma doena

    psicossomtica, porm, segundo Silva (1994), pode ser considerado tambm como uma

    doena somatopsquica, uma vez que o que define a enfermidade psicossomtica qualquer

    alterao somtica (fsica) decorrente de sofrimentos psquicos, ao passo que a condio

    somatopsquica qualquer alterao psquica decorrente de sofrimento fsico.

    Em relao s mudanas que o diabetes traz para a dinmica familiar, Joode (1976)

    observou que um alto ndice de pais de diabticos tipo 1 apresentam muita ansiedade devido a

    problemas familiares ou conjugais, relacionados ao fato de no aceitarem a doena de seu

    filho e ao sentimento de culpa pelo fator hereditrio envolvido na doena.

    Debray (1995) fez uma anlise da dinmica familiar vivida pelo paciente diabtico

    voltada aos cuidados extremos exigidos pela doena, sendo que, no caso de pais que

    superprotegem os filhos, principalmente no caso de crianas, o excesso de zelo faz com que

    eles percam ou no adquiram um senso de autonomia. Alm disso, a autora sugere que h um

    aspecto inconsciente na superproteo, que pode estar encobrindo uma rejeio inconsciente.

    Foi observado que essa rejeio e superproteo criaram uma falha narcsica em pacientes

    diabticos.

    Ajuriaguerra (1976, p. 838) aponta caractersticas de crianas diabticas e tambm

    inclui, em sua compreenso, a conseqncia da superproteo dos pais: observa-se nessas

    crianas uma instabilidade de humor com irritabilidade, alm de uma imaturidade afetiva que

    se traduz por grande necessidade de proteo, vontade imperiosa, falta de confiana em si e

    uma dependncia prolongada em relao a um ou ambos genitores.

    TMO como estratgia de tratamento do diabetes tipo 1

  • Diante de tantas vicissitudes vivenciadas frente a um diagnstico como o diabetes,

    fundamental a presena de uma equipe interdisciplinar, centrada na busca de integrao dos

    membros de diferentes especialidades, mediante a conjugao dos conhecimentos de reas

    distintas, na qual h respeito mtuo pela particularidade de cada profisso e o reconhecimento

    de que deve haver uma complementaridade para uma ao mais efetiva (TAVARES;

    MATOS; GONALVES, 2005). Desse modo, o trabalho com o diabetes permitiu, ao longo

    do tempo, muitas inovaes relacionadas s modalidades de tratamento, sempre levando-se

    em considerao a melhoria da convivncia dos pacientes com a enfermidade em questo.

    Nesse sentido, no panorama de tratamentos disponveis para o diabetes, o transplante de

    medula ssea tem despontado como uma alternativa promissora e a mais recentemente

    testada. Esse servio est sendo oferecido em alguns centros especializados do mundo como

    uma alternativa experimental teraputica convencional.

    A Unidade de Transplante de Medula ssea do Hospital das Clnicas da Faculdade de

    Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo (UTMO-HCFMRP-USP) um

    centro de referncia pioneiro no mundo em TMO aplicado a diabticos tipo 1. O projeto foi

    aprovado pelos comits de tica em pesquisa institucional e nacional (CONEP) e recebeu

    apoio financeiro do Ministrio da Sade, atravs do Sistema Nacional de Transplantes, da

    companhia farmacutica Sang Stat Medical Corporation, da Frana, que fornece a globulina

    antitimocitria e de vrias agncias financiadoras do Centro de Terapia Celular do

    Hemocentro de Ribeiro Preto (VOLTARELLI, 2004). A equipe mdica responsvel por essa

    iniciativa pioneira coordenada pelo Dr. Jlio Csar Voltarelli.

    Atualmente o Transplante de Medula ssea (TMO) vem se constituindo como

    alternativa eficaz quando os tratamentos convencionais no oferecem bom prognstico, como

    em diversos tipos de neoplasias e doenas hematolgicas. Compondo o quadro de

    diagnsticos que recebem indicaes para efetuar o TMO, tm-se, dentre outros, os seguintes

    quadros clnicos: leucemias (Leucemia Mielide Crnica, Leucemia Mielide Aguda,

    Leucemia Linfide Aguda e Pr-leucemias ou mielodisplasias), linfomas (Doena de Hodgkin

  • e Linfoma No-Hodgkin), tumores slidos, falncias medulares, desordens adquiridas

    (Aplasia da medula, Sndrome mielodisplsica), desordens imunolgicas, alteraes

    hematolgicas, como talassemias, anemia de fanconi, anemia falciforme (ANDRYKOWSKY,

    1994). Mais recentemente o TMO tem mostrado resultados relevantes no tratamento das

    chamadas doenas autoimunes (DAI) (VOLTARELLI, 2004).

    Os primeiros casos em que foi realizado o Transplante de Medula ssea em pacientes

    com doenas auto-imunes, mais precisamente lpus eritematoso sistmico, foram relatados

    em 1997. No Brasil, transplantes autlogos de clulas-tronco hematopoticas (TACTH) para

    doenas auto-imunes graves e refratrias terapia convencional tm sido realizados desde

    1996, principalmente dirigidos a doenas reumticas e neurolgicas, com resultados

    encorajadores. De um modo geral, dois teros dos pacientes alcanam remisso duradoura da

    doena auto-imune, dependendo da natureza e estgio da doena de base (VOLTARELLI,

    2004).

    De acordo com a equipe responsvel pela realizao do primeiro transplante para

    diabetes no mundo, os resultados, at o momento, tm sido animadores. Dos 15 pacientes

    transplantados, apenas dois recidivaram. Um deles foi o primeiro a se submeter ao tratamento,

    e a partir desse revs foi acrescentada uma modificao no protocolo, excluindo-se pacientes

    que tenham tido episdios de cetoacidose anterior a seis semanas de diagnstico, tempo

    mximo para que o paciente ainda tenha reserva de clulas-beta pancreticas e possa ser

    submetido ao TMO (VOLTARELLI et al, 2007).

    O protocolo de tratamento inclui pacientes com idade inferior a 35 anos e superior a

    12 anos, que tenham sido diagnosticados com DM-1 h menos de seis semanas ou que

    estejam na fase assintomtica da doena (fase de lua de mel). Os pacientes so mobilizados

    com ciclofosfamida (2 g/m2) e G-CSF (10 ug/kg/d) e condicionados com ciclofosfamida (200

    mg/kg) e ATG de coelho (4,5 mg/kg) (VOLTARELLI, 2004).

  • Dentre os diferentes tipos de transplante existentes, no diabetes tipo 1 utilizado o

    autlogo. Nesse caso, o doador o prprio paciente, que tem a sua medula retirada durante o

    processo de remisso da doena e preservada para posterior infuso.

    Tomando-se os cuidados acima descritos, evidncias sugerem que, no diabetes

    mellitus tipo 1, a imunossupresso em altas doses associada infuso de clulas-tronco

    hematopoticas (CTH) tem o potencial de impedir a destruio total das clulas pancreticas,

    produtoras de insulina, promovendo sua preservao, o que induziria respostas clnicas

    significativas e prolongadas (COURI; FOSS; VOLTARELLI, 2006). Desse modo, as clulas

    beta-pancreticas voltariam a produzir insulina eficientemente (TANEERA et al., 2006).

    Todos os tipos de transplante de medula ssea atravessam algumas fases que podem

    ser caracterizadas em cinco momentos (RIUL, 1995):

    (1) Preparao pr-transplante: envolve o perodo pr-admissional, a avaliao mdica

    e a admisso do paciente em isolamento protetor na enfermaria.

    (2) Regime de condicionamento: a etapa na qual o paciente recebe a quimioterapia.

    (3) Aspirao, processamento e infuso de medula ssea: a infuso da medula reali-

    zada na prpria Unidade.

    (4) Enxertamento da medula ssea: trata-se da pega da medula, isto , o momento em

    que a medula do doador comea a funcionar no organismo do paciente.

    (5) Alta hospitalar e acompanhamento ambulatorial: a alta ocorre quando o enxerta-

    mento da medula considerado como sendo seguramente bem-sucedido e no se observam

    complicaes do transplante.

    Repercusses psicolgicas do TMO

    As repercusses psicolgicas do TMO no paciente tm sido amplamente estudadas em

    diferentes contextos (BACKER et al., 1994; BELEC, 1992; BRESSI et al., 1995; CHAO et

    al., 1992; COURI; FOSS; VOLTARELLI, 2006; DOW et al., 1999; GRANT et al., 1992;

  • GREENBERG et al., 1992; LESKO, 1990; NEITZERT et al., 1998; VOLTARELLI et al.,

    2007; WELLISH; WOLCOTT, 1994).

    Os primeiros momentos de ecloso de potenciais conflitos psicolgicos antecedem o

    transplante propriamente dito. So os estgios da tomada de conscincia do diagnstico da

    enfermidade e da indicao para o TMO. Nessa etapa pr-TMO instala-se o conflito: realizar

    ou no tal procedimento? A deciso de realizao do TMO cabe, em ltima instncia, ao

    prprio paciente. Nesse perodo pr-TMO, toda a famlia afetada de alguma maneira

    (RIVERA, 1997). Processos de lutos precisam ser elaborados para que o paciente enfrente a

    perda da sade mantendo uma adaptao eficaz frente a situao (ROLLAND, 1998). Essa

    condio tem um impacto sistmico sobre a organizao familiar, que pode ser identificado

    mais facilmente a partir da deciso de submeter-se ao transplante de medula ssea.

    A questo para o paciente, nesse momento, no somente de quem deve saber, mas

    tambm e, principalmente, o que ele quer saber, uma vez que vivencia o conflito necessidade

    versus medo de conhecer pormenores sobre a doena e o tratamento. Os profissionais, nesse

    momento, devem ter a sensibilidade de perceber o limite de cada paciente (TARZIAN;

    IWATA; COHEN, 1999). Tudo o que for efetivamente dito, insinuado ou mal esclarecido

    pelos mdicos a respeito do prognstico, constituir-se- em fator crtico para o desenrolar do

    tratamento (ROLLAND, 1998).

    Se por algum motivo, nessa etapa do diagnstico, faltar aos profissionais tal

    sensibilidade, podem advir problemas para o paciente (HOLLAND; ROWLAND, 1990):

    complicaes mdicas (exacerbao dos sintomas fsicos); sociais (desorganizao

    profissional e familiar); psicolgicas e psiquitricas (incremento de ansiedade, enfrentamento

    pouco efetivo da doena).

    Como j foi apontado, concomitantemente ao impacto do diagnstico surge o conflito

    entre realizar ou no o transplante, que percebido como tratamento salvador, nico meio de

    alcanar a cura (PROWS; MCCAIN, 1997) e, ao mesmo tempo, ameaador (COPPER;

    POWELL, 1998), uma vez que carrega consigo riscos pessoais severos para o paciente: risco

  • de perda da integridade fsica e, no limite, o desfecho fatal. Instala-se, ento, a dvida:

    realizar ou no tal procedimento? Esse questionamento aparece, principalmente, em virtude

    das peculiaridades dessa teraputica (COPPER; POWELL, 1998). Alm disso, aparece a

    incerteza de que o procedimento ser bem-sucedido. Trata-se, por outro lado, da nica

    possibilidade efetiva de cura disponvel atualmente, minimizando as complicaes que ela

    traz a longo prazo. Essa esperana de dispor de uma vida melhor, sem o convvio compulsrio

    com a doena, o principal fator que impulsiona a resoluo pelo transplante (PROWS;

    McCAIN, 1997).

    O TMO um procedimento agressivo que submete o paciente a estressores fsicos e

    psicolgicos: mudanas bruscas e rpidas no quadro de sade, prolongada hospitalizao,

    freqentes procedimentos invasivos, efeitos colaterais do tratamento, exposio a infeces,

    extrema dependncia de cuidados da equipe de profissionais e dos familiares. Em decorrncia

    do impacto dessa teraputica, muitas so as reaes psicopatolgicas que os pacientes podem

    apresentar, dentre elas: distrbios alimentares, transtornos de adaptao, estados de ansiedade

    persistentes, quadros depressivos, irritabilidade, perda da motivao, medo de morrer,

    desorientao, sentimento de tdio, perda de concentrao, dificuldade em estruturar e manter

    suas atividades de vida dirias (MASTROPIETRO et al., 2007). Os estados de ansiedade so

    determinados por temores, dvidas, fantasias e medo frente ao tratamento e doena e os

    transtornos de adaptao podem ser caracterizados como estados depressivos, ansiosos ou de

    depresso ansiosa. A possibilidade de mltiplas complicaes afeta a qualidade de vida,

    podendo acarretar sua depreciao (MASSIE, 1989).

    Foram descritas cinco reaes usuais durante a internao para o TMO: ansiedade,

    angstia, regresso e irregularidades neuropsiquitricas que acometem o sistema nervoso

    central. Tambm so citadas cinco alteraes psicolgicas menos comuns durante o TMO:

    ideao suicida, depresso, ansiedade disruptiva, regresso patolgica e delirium orgnico

    (WELLISH; WOLCOTT, 1994).

  • Ao sarem da enfermaria (ps-TMO) os pacientes deparam com a necessidade de

    enfrentar as limitaes fsicas, a sensao de distoro da imagem corporal e as conseqncias

    dos efeitos colaterais dos tratamentos (LESKO, 1990). Alteraes orgnicas, tais como a

    perda da fertilidade em conseqncia de quimioterapias ou radioterapia, bem como

    modificaes nos hbitos de vida tambm podem ocorrer, com o declnio, por um longo

    perodo, da capacidade produtiva, da independncia e de alguns papis sociais (NEITZERT et

    al., 1998).

    Atualmente, com o sucesso crescente da teraputica, promovendo maior tempo de

    sobrevida, os pesquisadores tm-se preocupado com a adaptao fora do hospital,

    especialmente com a qualidade de vida e o bem-estar subjetivo desses pacientes (BACKER et

    al., 1994; BAKER et al., 1997; BELEC, 1992; BRESSI et al., 1995; CHAO et al., 1992;

    COSTA; FRANCO, 2005; DOW et al., 1999; DRUMONT-SANTANA et al., 2007; GRANT

    et al., 1992; GREENBERG et al., 1992; HOPKINS; BALTIMORE, 1996; LOPES et al.,

    2007).

    Qualidade de Vida (QV)

    Ainda no existe uma definio uniforme do conceito de qualidade de vida, sendo que

    as publicaes nesse campo vm aumentando sucessivamente durante as ltimas dcadas.

    Uma pesquisa na base de dados MedLine revelou um crescimento consistente, embora lento,

    durante os anos 1970 e 1980, at que se observa uma brusca elevao no nmero de

    publicaes nos anos 1990 (OLIVEIRA, 2004). Essa tendncia tem se confirmado na primeira

    dcada de 2000.

    Dado esse nmero crescente de estudos sobre qualidade de vida, emerge a necessidade

    de um entendimento mais aprofundado desse construto terico, a partir de uma compreenso

    de sua evoluo histrica e tendncias observadas, de modo a possibilitar uma apreenso mais

    abrangente de suas definies e aplicaes no mbito do TMO.

  • Qualidade de vida e sade

    O conceito de qualidade de vida, apesar de amplamente utilizado, no apresenta ainda

    uma definio uniforme, o que justifica uma ateno especfica a essa questo. Nesse sentido

    torna-se relevante discorrer brevemente sobre esse construto.

    Qualidade de vida um termo emprestado de campos como a sociologia, filosofia e

    poltica dos anos 1960 e 1970, momento histrico em que os estudiosos comearam a

    demonstrar interesse pelo conceito de qualidade de vida (ALBERECHT; FITZPATRICK,

    1994). Nessas dcadas, o conceito de qualidade de vida estava embasado em concepes

    puramente sociolgicas, destacando os aspectos objetivos do nvel de vida, como os itens de

    conforto, por exemplo, nmero de carros, eletrodomsticos, entre outros.

    No final da dcada de 1970 comearam a ser percebidas as dificuldades em associar os

    dados objetivos aos subjetivos da avaliao de qualidade de vida. Essas questes levaram a

    uma modificao do conceito nos anos 1980, procurando-se incorporar os indicadores de

    subjetividade. Assim, em 1986, na Conferncia de Consenso realizada em Londres, foram

    incorporados outros aspectos ao conceito de qualidade de vida, que passou a incluir as

    dimenses fsica, cognitiva, afetiva, social e econmica (WALKER; ASSCHER, 1987),

    acompanhando as mudanas de paradigma na rea da sade.

    Atualmente, de acordo com especialistas em qualidade de vida da Organizao

    Mundial da Sade (OMS), existem trs caractersticas consensuais do construto qualidade de

    vida, a saber: subjetividade, multidimensionalidade e bipolaridade (OLIVEIRA, 2004).

    Subjetividade: sua influncia no pura ou absoluta, pois h condies externas, presentes

    no meio e nas condies de vida e de trabalho, que influenciam a qualidade de vida das

    mesmas;

    Multidimensionalidade: inclui pelo menos trs dimenses: a fsica, a psicolgica e a soci-

    al, sempre na direo da subjetividade, ou seja, interessa saber como os indivduos perce-

    bem seu estado fsico, seu estado cognitivo e afetivo, suas relaes interpessoais e os pa-

    pis sociais que desempenham em suas vidas;

  • Bipolaridade: o construto possui dimenses positivas, como: desempenho de papis soci-

    ais, mobilidade, autonomia, e negativas como: dor, fadiga, dependncia, enfatizando-se

    sempre as percepes dos indivduos acerca dessas dimenses.

    No presente estudo ser utilizado o conceito de qualidade de vida relacionado

    sade. Na definio adotada, a QVRS ser interpretada como um contnuo dentro da

    escala de bem-estar que cobre aspectos como satisfao, percepo da sade geral, bem-

    estar psicolgico, bem-estar fsico e limitaes decorrentes da prpria doena at a morte

    (PATRICK; ERICKSON, 1987), sendo valorizada a subjetividade, enfatizando-se a

    avaliao do bem-estar subjetivo do paciente dentro do contexto de sua enfermidade,

    acidente ou tratamento (BECH, 1992; BULLINGER et al., 1993).

    Nessa concepo terica, o construto Qualidade de Vida Relacionada Sade

    (QVLS) definido como o valor atribudo vida, ponderado pelas deterioraes

    funcionais, as percepes e condies sociais que so induzidas pela doena, agravos,

    tratamento e a organizao poltica e econmica do sistema assistencial (AUQUIER;

    SIMEONE; MENDIZABAL, 1997).

    O tratamento convencional do diabetes mellitus tipo 1 com insulina retarda, porm

    no evita as complicaes crnicas da doena. Embora a reduo acentuada das

    complicaes crnicas na populao com DM1 tenha sido observada aps o

    desenvolvimento e evoluo da insulinoterapia, os riscos associados s leses dos rgos-

    alvo e hipoglicemia persistem (COURI; VOLTARELLI, 2008). Soma-se a isso o controle

    rigoroso e repetido da glicemia ao longo do dia (insulinoterapia intensiva), que alem de

    difcil de ser realizado, associa-se a episdios freqentes de hipoglicemia (VOLTARELLI,

    2004). Essas restries no cotidiano so responsveis por um comprometimento

    significativo da qualidade de vida dos pacientes, incluindo limitaes funcionais, estresse

    social e financeiro, desconforto emocional e at depresso maior (ANDERSON et al.,

    2001).

  • Qualidade de vida um conceito dinmico, que se modifica no processo de viver das

    pessoas. A satisfao com a vida e a sensao de bem-estar pode, muitas vezes, ser um senti-

    mento momentneo. Porm, acreditamos que a conquista de uma vida com qualidade pode ir

    sendo construda e consolidada em um processo contnuo que inclui a reflexo sobre o que

    define a qualidade de vida para cada um e o estabelecimento de metas a serem atingidas, ten-

    do como inspirao o desejo de ser feliz (SILVA et al., 2005).

    A presena de uma doena crnica degenerativa gera sentimentos diversos, como an-

    gstia, temor e incertezas tanto nos diabticos como em seus familiares. Muitas vezes, os por-

    tadores de DM1 sentem-se frustrados ou mesmo esgotados pelo desconforto dirio do trata-

    mento e da automonitorizao (JACOBSON; DE GROOT; SAMSON, 1994; POLONSKY;

    ANDERSON; LOHER, 1996). Com isso, por maiores que sejam os esforos empregados pe-

    los profissionais de sade, os aspectos relacionados depreciao da qualidade de vida do pa-

    ciente podem dificultar importantes evolues no atendimento ambulatorial, favorecendo me-

    nor aderncia ao tratamento, piora do controle glicmico e maior nmero de complicaes em

    longo prazo (DELAMATER; JACOBSON; ANDERSON, 2001; POLONSKY; WELCH,

    1996).

    Para muitos pacientes, a constante necessidade de automonitorizao e aplicaes di-

    rias de insulina podem se mostrar extremamente desconfortveis, frustrantes e preocupantes

    (POLONSKY, 2001), levando muitas vezes a omisses de doses de insulina, com maior inci-

    dncia de complicaes agudas graves.

    No entanto, pesquisadores do NUCRON (Ncleo de estudos e assistncia em enferma-

    gem e sade pessoas com doenas crnicas) acreditam que, mesmo no sendo possvel mo-

    dificar o curso de uma doena crnica, possvel que as pessoas nessa condio mantenham-

    se saudveis. Para que isso ocorra preciso que enfrentem os desafios decorrentes da condi-

    o crnica, de modo a manterem relao harmoniosa consigo, com os outros e com o mundo

    (SILVA; SOUZA; MEIRELES, 2004; SILVA; TRENTINI, 2002).

  • Por tudo o que foi exposto, a opo teraputica do TMO, embora experimental e de

    risco, parece representar uma alternativa que, se tiver sua eficcia comprovada, poder evitar

    a necessidade de automonitorizao constante por parte do paciente, assim como as complica-

    es da enfermidade, que so reconhecidas como fatores comprometedores da qualidade de

    vida da pessoa diabtica. Nesse sentido, para ampliar os conhecimentos sobre essa alternativa

    inovadora no campo da sade, de extrema relevncia investigar a qualidade de vida de paci-

    entes diabticos tipo 1 que foram submetidos ao Transplante de Medula ssea.

  • OBJETIVOS

    O objetivo deste estudo avaliar a qualidade de vida de pacientes diabticos tipo 1 que

    foram submetidos ao Transplante de Medula ssea, no Hospital das Clnicas de Ribeiro

    Preto, na fase 1 (preparao pr-transplante) e na fase 5 (alta hospitalar e acompanhamento

    ambulatorial).

    Os objetivos especficos consistem em:

    (1) identificar possveis mudanas nos relacionamentos familiares, antes e aps o

    transplante;

    (2) conhecer e comparar o ajustamento psicolgico e a qualidade de vida do paciente

    antes e depois do transplante;

    (3) compreender as expectativas e projetos de futuro elaborados pelo participantes em

    um momento da vida em que eles tm, diante de si, uma nova, mas tambm desconhecida e

    temida, esperana de cura.

  • JUSTIFICATIVA

    O presente estudo se justifica pelas evidncias de que o diabetes uma enfermidade

    preocupante frente dificuldade de deteco, tratamento e controle e, embora exista,

    atualmente, a opo do TMO, reconhece-se que ela implica uma difcil deciso que precisa

    ser tomada em um perodo bastante curto de tempo, em decorrncia do critrio de incluso no

    tratamento.

    Alm disso, a hospitalizao interrompe a forma habitual de vida do paciente, o que

    gera um estado de crise e interfere diretamente sobre seu estado emocional (CHIATTONE,

    1996). Aliado a essas implicaes sobre o funcionamento psicolgico do tratamento, o

    paciente recm-submetido ao Transplante de Medula ssea, ao deixar a enfermaria, no

    retoma as suas atividades rotineiras, nem mesmo as mais bsicas atividades de vida diria.

    Isso se deve ao fato de que, ao sair do hospital, o paciente se encontra bastante debilitado e

    necessita ainda de uma srie de cuidados (OLIVEIRA; SANTOS; MASTROPIETRO, 2005).

    Esses cuidados acabam por resultar em proibies ou restries de atividades, como

    tarefas domsticas (lavar, passar, cozinhar, limpar casa), atividades sociais (evitar multides,

    usar mscara sempre que sair de casa, no freqentar locais fechados) e ocupacionais

    (impossibilidade de retornar ao trabalho, incapacidade de realizar trabalhos pesados e que

    envolvam contato com sujeira) (MASTROPIETRO; SANTOS; OLIVEIRA, 2006;

    OLIVEIRA, 2004).

    FINALIDADE

    Esse trabalho pretende contribuir para o conhecimento das necessidades e dificuldades

    percebidas por esses pacientes, fornecendo insumos relevantes para o planejamento de

    propostas de interveno psicossocial para apoiar o enfrentamento dos perodos crticos do

    tratamento.

    Tratando-se de uma teraputica inovadora para o tratamento do diabetes tipo 1 e tendo

    sido o Brasil o pas pioneiro na aplicao dessa tcnica, este estudo pretende contribuir com a

  • produo e ampliao de conhecimento nessa rea de ponta da medicina, representada pelos

    estudos com clulas-tronco hematopoticas.

  • TRAJETRIA METODOLGICA

    Tipo de estudo

    O presente estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa clnica, uma vez que

    emerge da experincia clnica do pesquisador (BREWER; HUNTER, 1989; DIERS, 1979;

    MILLER; CRABTREE, 1999). Trata-se de um estudo longitudinal prospectivo. De acordo

    com Fletcher, Fletcher e Wagner (1996), Gomes (2001) e Souza et al. (2003), a investigao

    longitudinal acompanharia a linha do tempo, implicando em, no mnimo, duas avaliaes, nas

    quais pretendeu-se avaliar alteraes na qualidade de vida de pessoas diabticas submetidas

    ao TMO.

    As avaliaes dos participantes ocorreram em dois momentos distintos, escolhidos por

    demarcarem pontos crticos do tratamento: pr-TMO (momento de espera pelo transplante) e

    ps-TMO (100 dias aps a infuso da medula).

    Em relao pesquisa clnica, Brewer e Hunter (1989), Diers (1979) e Miller e

    Crabtree (1999) enfatizam que esse tipo de delineamento de pesquisa preocupa-se,

    particularmente, com questes inerentes clnica, devido ao lugar que o pesquisador clnico

    ocupa nesse contexto de sade. Segundo Hulley et al. (2001), a experincia pessoal do

    pesquisador fundamental para escolha do objeto de pesquisa e para o desenvolvimento do

    trabalho.

    Participantes

    A populao foi composta por 14 participantes diabticos do tipo 1, de ambos os

    sexos, submetidos ao Transplante de Medula ssea (autlogo) no Hospital das Clnicas da

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto, no perodo de outubro de 2005 a dezembro de

    2006. Trata-se, portanto, de uma amostra no-probabilstica, de convenincia.

    Foram adotados os seguintes critrios de seleo: estar em atendimento nos

    ambulatrios pr e ps-TMO da UTMO no perodo do estudo; apresentar condies e

  • disponibilidade para colaborar, voluntariamente, com a pesquisa e estar preservado do ponto

    de vista das habilidades cognitivas e de memria.

    Caracterizao sociodemogrfica da amostra

    O Quadro 1 mostra a caracterizao dos diabticos do tipo 1 transplantados, segundo o

    perfil sociodemogrfico.

    N Participante* Sexo** Idade Escolaridade*** Estado civil Profisso/Ocupao 1 Michel M 16 EMI Solteiro Estudante 2 Wiliam M 20 ESI Solteiro Militar 3 Renan M 17 EMI Solteiro Estudante 4 Alex M 27 ESC Casado Auxiliar de enfermagem 5 Carlos M 16 EMI Solteiro Estudante 6 Tbata F 24 ESI Solteira Secretria 7 Raul M 16 EMI Solteiro Estudante 8 Patrcia F 18 ESI Solteira Estudante 9 Camila F 17 EMC Solteira Estudante10 Vincius M 16 EMI Solteiro Estudante11 Iara F 14 EMI Solteira Estudante12 Rodolfo M 24 ESC Solteiro Bilogo13 Jlio M 31 ESC Casado Dentista14 Leonardo M 16 EMI Solteiro Estudante

    * Para preservar o anonimato, todos os participantes foram referidos com nomes fictcios. ** M: Masculino; F: Feminino.*** EMI: Ensino Mdio Incompleto; EMC: Ensino Mdio Completo; ESI: Ensino Superior Incompleto; ESC: Ensino Superior Completo.

    Quadro 1. Caracterizao da amostra em funo do sexo, idade, escolaridade, estado civil, profisso/ocupao, Ribeiro Preto, SP, 2008

    No Quadro 1 observa-se que, dos 14 participantes, 10 eram do sexo masculino. A

    amplitude etria variou de 14 a 31 anos (idade mdia=19,43 anos). Oito participantes

    cursavam o Ensino Mdio no momento da avaliao; 12 eram solteiros e dois, casados. A

    maioria era constituda de estudantes, o que compatvel com a faixa juvenil; os participantes

    com maior idade tinham profisses ou desempenhavam ocupaes tais como: militar, auxiliar

    de enfermagem, secretria, bilogo e dentista.

  • Instrumentos de avaliao

    Seleo dos instrumentos

    A abordagem metodolgica escolhida foi a da pesquisa quantitativa-qualitativa,

    partindo-se do pressuposto de que o ideal a combinao dos dois enfoques para que se

    consiga alcanar uma compreenso mais completa da realidade. De acordo com Minayo e

    Sanches (1993), em um debate acerca dessas abordagens, concluiu-se que ambas so

    necessrias, porm, em muitas circunstncias, insuficientes para abarcar toda a realidade

    observada, podendo e devendo, portanto, ser utilizadas de forma complementar, sempre que o

    planejamento da investigao esteja em conformidade com sua aplicao.

    A abordagem quantitativa atua em nveis da realidade nos quais os dados se

    apresentam aos sentidos, tendo como campo de prticas e objetivos trazer luz dados,

    indicadores e tendncias observveis. J a qualitativa trabalha com valores, crenas,

    representaes, hbitos, atitudes e opinies, adequando-se a aprofundar a complexidade de

    fenmenos, fatos e processos particulares e especficos de grupos mais ou menos delimitados

    em extenso e capazes de serem abrangidos intensamente. Dessa forma, o estudo quantitativo

    pode gerar questes para serem aprofundadas qualitativamente, e vice-versa (MINAYO;

    SANCHES, 1993).

    Considerando-se essa abordagem combinada, um levantamento bibliogrfico foi

    realizado a fim de conhecer os instrumentos utilizados em pacientes transplantados.

    Para obteno de dados subjetivos, referentes histria de vida, impacto do

    diagnstico e do tratamento, estratgias de enfrentamento e reestruturao do cotidiano,

    optou-se pelo uso de um roteiro de entrevista semi-estruturado no pr-TMO e por uma

    adaptao de um questionrio especfico para o TMO, no momento posterior realizao do

    procedimento.

    Em relao qualidade de vida, observa-se uma tendncia utilizao de instrumentos

    especficos aliados a genricos, que de acordo com Linde (1996) so complementares e

    devem ser empregados concomitantemente. Dessa forma, foram escolhidas duas escalas, uma

  • referente qualidade de vida voltada para sade e outra especfica do transplante de medula

    ssea.

    Finalmente em relao s morbidades psicolgicas, foram selecionados escala e

    inventrio que aparecem em outros estudos e que haviam sido traduzidos e adaptados para o

    contexto brasileiro.

    Dessa forma, a escolha dos instrumentos obedeceu as exigncias do referencial

    metodolgico, optando-se pela utilizao de instrumentos qualitativos e quantitativos

    (EILERS; KING, 1998) e na prvia utilizao destes em contextos semelhantes de pesquisa

    (HABERMAN et al., 1993; HEINONEM et al., 2001; KOPP et al., 1998; MARKS et al.,

    1999; MASTROPIETRO, 2003; McQUELLON et al., 1998; MOLASSIOTIS; MORRIS,

    1999; OLIVEIRA, 2004).

    Instrumentos

    (1) Roteiro de entrevista semi-estruturada (APNDICE A)

    O roteiro de entrevista semi-estruturada viabilizou a coleta dos dados relativos

    histria pessoal do participante, histria familiar, vida atual, adoecimento, deciso de

    realizao do transplante de medula ssea, preocupaes atuais e projetos futuros.

    De acordo com Trivios (1992), a entrevista semi-estruturada um dos principais

    meios de que dispe o investigador para a coleta de dados, uma vez que valoriza a presena

    consciente e atuante do entrevistador e oferece a possibilidade de o informante alcanar a

    liberdade e a espontaneidade em suas respostas. Outros estudos (BLEGER, 1993; OCAMPO;

    ARZENO; PICCOLO, 1995) tambm apontam que a entrevista, apesar de insuficiente se

    aplicada como mtodo solitrio, revela-se imprescindvel quando acompanhada de outro(s)

    instrumento(s). No presente estudo, a entrevista semi-estruturada foi utilizada como um

    instrumento complementar.

  • A entrevista semi-estruturada recebe essa denominao porque o entrevistador tem

    clareza dos seus objetivos, de que tipo de informao necessria para atingi-los, de como

    essa informao deve ser obtida, quando e em que seqncia, em que condies deve ser

    investigada e como deve ser utilizada. Esse procedimento proporciona um aumento da

    confiabilidade ou fidedignidade da informao e permite a criao de um registro permanente

    de um banco de dados teis pesquisa, sendo de grande utilidade em settings onde

    necessria a padronizao de procedimentos e registro de dados, como o caso da psicologia

    hospitalar (TAVARES, 2000).

    (2) Questionrio sobre Qualidade de Vida e Recuperao Ps-TMO (ANEXO A)

    A entrevista de recuperao ps-TMO foi desenvolvida com base nas proposies de

    Haberman et al. (1993). O instrumento elaborado por Haberman et al. (1993) composto por

    oito questes abertas, que abordam os seguintes itens: como foi a experincia de voltar para

    casa ps-TMO, como a rotina atual comparada com a que tinha antes do TMO, quais so os

    aspectos em que tem encontrado dificuldades para lidar desde que retornou para casa,

    estratgias de enfrentamento, como descreve a qualidade de vida atual comparada com a que

    tinha antes do TMO e suas preocupaes com relao ao futuro.

    No presente estudo optou-se por aplicar o instrumento adaptado por Mastropietro

    (2003), com acrscimo de mais seis questes, com o objetivo de investigar mais amplamente

    os aspectos da vida cotidiana atual desses participantes, como: se est trabalhando atualmente

    e se o mesmo trabalho que tinha antes do TMO, se est vivendo limitaes para realizar suas

    atividades do dia-a-dia decorrentes de alguma restrio ou problema orgnico; se sente-se

    capaz de realizar suas atividades no dia-a-dia; se acredita que as mudanas que ocorreram em

    sua vida ps-TMO foram positivas ou negativas; se tem desejo de mudar seu cotidiano atual,

    se est satisfeito com sua vida atual; se tem projetos para o futuro e quais so esses planos.

    Tal entrevista objetiva explorar o impacto especfico do TMO na vida dos pacientes.

    Foi utilizada anteriormente no contexto nacional, tambm com adaptaes, por Almeida

  • (1998), Dures et al. (2001), Mastropietro (2003; 2007) e Oliveira (2004), que avaliaram que

    se trata de um instrumento que possibilita conhecer o contexto de vida em que o paciente est

    vivendo na etapa ps-TMO, permitindo, assim, apreender como cada um descreve sua prpria

    vida.

    (3) Inventrio de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (ANEXO B)

    O estresse definido como uma reao psicolgica com componentes emocionais,

    fsicos, mentais e qumicos a determinados estmulos estranhos que irritam, amedrontam,

    excitam ou confundem a pessoa (LIPP; ROCHA, 1994). Lipp (1989) elaborou o Inventrio de

    Sintomas de Stress para Adultos (ISSL), que visa identificar a sintomatologia de estresse em

    adultos e adolescentes a partir de 15 anos. Esse instrumento avalia se o sujeito manifesta

    sintomas de estresse, o tipo de sintomatologia existente (psicolgico ou somtico), bem como

    a fase de estresse em que se encontra.

    composto por trs partes, que se referem s trs fases de Selye (1956): a primeira

    parte avalia sintomas fsicos e psicolgicos das ltimas 24 horas; a segunda parte, sintomas da

    ltima semana e a terceira parte, sintomas do ltimo ms. Tem-se, assim, a fase de alerta,

    seguida pela fase de resistncia e a fase de exausto (LIPP; ROCHA, 1994). Atualmente Lipp

    (2000) acrescentou uma quarta fase, que estaria situada entre a resistncia e a exausto, e que

    foi denominada de quase-exausto. Apesar disso, o ISSL continua composto pelas trs fases

    propostas por Selye, mencionadas anteriormente.

    Apesar de muito difundido entre os pesquisadores e clnicos, at o ano de 1994 no

    existiam estudos de validao desse instrumento. Lipp e Rocha (1994) realizaram um estudo

    com o objetivo de conduzir uma validao estatstica e preditiva do ISSL. Os resultados dessa

    investigao evidenciaram uma boa validade preditiva do instrumento. Em estudo publicado

    posteriormente, Lipp (2000) apresentou resultados mais abrangentes e conclusivos em relao

    s propriedades psicomtricas do ISSL.

  • (4) Escala de Ansiedade e Depresso Hospitalar - Hospital Anxiety and

    Depression Scale (HAD) (ANEXO C)

    Ansiedade e depresso so os transtornos psiquitricos mais freqentemente

    associados a doenas fsicas de uma forma geral. Sintomas de depresso aparecem em

    pacientes, mesmo na ausncia de uma sndrome depressiva, bem como existem vrios

    sintomas associados ansiedade e depresso que acompanham quadros de doenas clnicas

    (BOTEGA et al., 1998).

    Com a finalidade de avaliar, conjuntamente, os sintomas ansiosos e depressivos de

    pacientes hospitalizados foi criada a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depresso (Hospital

    Anxiety and Depression Scale, HAD). A traduo do instrumento para o portugus foi

    realizada por Botega et al. (1998), mediante autorizao de seus autores. Essa verso em

    portugus foi validada entre pacientes internados em uma enfermaria de clnica mdica em 1998

    (BOTEGA; BIO; ZOMIGNANI, 1995). Posteriormente, Botega et al. (1998) utilizaram a HAD

    em pacientes ambulatoriais. A amostra foi composta por 56 pacientes em seguimento mdico

    e 56 acompanhantes de um ambulatrio de epilepsia de um hospital universitrio (BOTEGA

    et al., 1998). Os resultados evidenciaram a capacidade da escala em revelar ao olhar clnico

    casos de transtornos do humor, demonstrando sua adequao tambm para o contexto

    ambulatorial.

    Essa escala constituda por 14 questes do tipo mltipla escolha, divididas em duas

    subescalas, para ansiedade e depresso, com sete itens cada. A pontuao global em cada

    subescala vai de 0 a 21. Trata-se de uma escala para mensurar distress emocional de pacientes

    hospitalizados (ZITTOUN et al., 1997).

    Suas caractersticas principais, de acordo com Botega et al. (1998), so: a) na sua

    construo foram evitados sintomas vegetativos que podem acontecer em doenas fsicas; b)

    os conceitos de depresso e ansiedade foram separados; c) o conceito de depresso encontra-

    se centrado na noo de anedonia; d) a escala destina-se deteco de graus leves de

  • transtornos afetivos em ambientes no psiquitricos; e) de administrao rpida; f) ao

    paciente solicita-se que responda baseando-se na maneira como se sentiu na ltima semana.

    Vrios estudos internacionais foram efetuados nos ltimos anos utilizando tal escala

    no contexto do Transplante de Medula ssea, como os de Broers et al. (2000), Jenkin,

    Liningtin e Leiggh (1995), Mastropietro (2003), Molassiotis et al. (1996), Molassiotis e

    Morris (1999), Oliveira (2004), Wettergren et al. (1997) e Zittoun et al. (1997).

    (5) Questionrio Genrico de Qualidade de Vida relacionada Sade - Medical

    Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36) (ANEXO D)

    A Escala de Qualidade de Vida Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form

    Health Survey (SF-36) um instrumento de avaliao genrica de sade, multidimensional,

    originalmente criado na lngua inglesa, de fcil administrao e compreenso. constitudo

    por 36 questes, que abrangem oito componentes ou aspectos. Estes componentes podem ser

    classificados em dois grandes componentes (WARE; KOSINSKI; KELLER, 1994):

    Componente Fsico: abrange os seguintes componentes:

    Capacidade Funcional: avalia-se tanto a presena, quanto as limitaes

    relacionadas s atividades fsicas, como vestir-se, tomar banho, entre outros. Esse

    aspecto avaliado por 10 itens.

    Aspectos Fsicos: avaliam-se as limitaes fsicas e o quanto estas dificultam o

    desempenho no trabalho e a realizao de atividades dirias. Esse aspecto

    avaliado por quatro itens.

    Dor: avalia-se a extenso e a interferncia das dores fsicas nas atividades de vida

    diria. Esse aspecto avaliado por dois itens.

    Estado Geral de Sade: avalia-se a motivao pessoal na vida do paciente.

    Avaliado por cinco itens.

    Componente Mental: abrange os seguintes componentes:

  • Aspectos Sociais: avalia-se a freqncia da interferncia nas atividades sociais

    devido a problemas fsicos ou emocionais. Avaliado por dois itens.

    Vitalidade: avaliam-se os sentimentos de cansao e exausto e sua persistncia

    durante o tempo. Avaliado por quatro itens.

    Aspectos Emocionais: avaliam-se as limitaes, tais como: para trabalhar ou para

    desempenhar outras atividades devido a problemas emocionais. Avaliado por trs

    itens.

    Sade Mental: avaliam-se os sintomas de ansiedade, depresso, alterao do

    comportamento, descontrole emocional e sua persistncia durante o tempo.

    Avaliado por cinco itens.

    A esses 35 itens soma-se mais uma questo, um item que solicita uma comparao

    entre a sade atual e a de um ano atrs.

    Foi desenvolvida uma verso para a lngua portuguesa dessa escala, aps processo de

    traduo e adaptao cultural, que confirmaram suas propriedades de medida, ou seja,

    reprodutibilidade e validade. A autora concluiu que esse instrumento um parmetro

    reprodutvel e vlido para ser utilizado na avaliao da qualidade de vida de pacientes

    brasileiros portadores de doenas crnicas (CICONELLI, 1997).

    A SF-36 mensura as necessidades humanas bsicas, o bem-estar emocional e funcional

    (WARE; SHERBOURNE, 1992). Como toda escala de qualidade de vida, oferece uma

    estimativa da satisfao subjetiva em diferentes domnios. Na literatura especfica de TMO,

    encontram-se diversos trabalhos que utilizaram esse instrumento (HANN et al., 1997;

    MASTROPIETRO, 2003; MASTROPIETRO et al., 2007; OLIVEIRA, 2004; SILVA, 2000;

    SUTHERLAND et al., 1997).

    (6) Escala de Avaliao Funcional da Terapia de Cncer - Transplante de Medula

    ssea - Funcional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation (FACT-

    BMT) (ANEXO E)

  • A FACT uma escala de funcionalidade especfica para a realidade do cncer.

    subdividida em cinco subescalas, que visam abarcar todas as reas envolvidas no conceito de

    qualidade de vida do indivduo: bem-estar fsico, bem-estar scio-familiar, relao com o

    mdico, bem-estar emocional e bem-estar funcional (McQUELLON et al., 1997).

    Dessa escala geral de funcionalidade em cncer, com o acrscimo de 10 itens, foi

    derivada a FACT-BMT. Para tanto, Cella et al. (1993) realizou um estudo com pacientes

    transplantados e os chamados especialistas em TMO, definidos como mdicos e enfermeiros

    oncologistas com anos de experincia e que trataram pelo menos 100 pacientes

    transplantados. A partir desse estudo, ficou estabelecida uma escala complementar geral.

    Tal escala, na sua terceira verso, ficou composta por seis domnios, a saber: bem-

    estar fsico (sete questes), bem-estar sociofamiliar (sete questes), relacionamento com o

    mdico (duas questes), bem-estar emocional (seis questes), bem-estar funcional (sete

    questes) e preocupaes adicionais (12 questes).

    No estudo de validao para a cultura brasileira, os autores afirmam que o questionrio

    manteve as caractersticas descritas para o instrumento original quanto ao ndice de

    consistncia interna (alfa de Cronbach igual a 0,88), confiabilidade e sensibilidade, podendo

    assim ser utilizado na prtica clnica e em pesquisas (MASTROPIETRO et al., 2007).

    Procedimento de coleta de dados

    Cuidados ticos

    Para a incluso dos participantes no presente estudo foram adotados os procedimentos

    ticos preconizados pela Resoluo 196/96 para pesquisas envolvendo seres humanos

    (BRASIL, 1996). Acima de tudo, obedeceu-se ao princpio bsico de respeito aos voluntrios

    e instituio hospitalar, de acordo com as normas definidas pelo Conselho Nacional de

    Sade. Os participantes foram esclarecidos sobre a natureza e os objetivos do estudo, bem

    como sobre o carter voluntrio de sua participao. Considerando a posio de

    vulnerabilidade em que se encontravam, em funo da dependncia em relao ao servio, a

  • pesquisadora teve o cuidado de explicitar que uma eventual recusa em participar da

    investigao no acarretaria prejuzo para a continuidade do atendimento institucional.

    Tambm se deixou o participante vontade para retirar seu consentimento em qualquer etapa

    do desenvolvimento do estudo. Esses mesmos cuidados foram tomados no contato mantido

    com os pais dos participantes menores de 18 anos.

    O projeto foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa do Hospital das Clnicas da

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto-USP, processo HCRP n 9474/05 (ANEXO F).

    Como parte dos pr-requisitos para anlise do projeto foram colhidas as assinaturas do Chefe

    de Departamento, do Chefe da Clnica Mdica e a do Superintendente do hospital, declarando

    estarem cientes e de acordo com a conduo da pesquisa e os procedimentos de coleta de

    dados.

    Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    (APNDICE B). No caso de participantes com idade inferior a 18 anos, os pais assinaram o

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Pais (APNDICE C).

    Aplicao dos instrumentos

    Conforme mencionado anteriormente, tomou-se o cuidado de esclarecer

    antecipadamente os objetivos do trabalho e as condies de sigilo profissional para cada

    participante e familiares responsveis, sendo que a pesquisa s foi realizada com aqueles que

    concordaram em participar voluntariamente do trabalho e assinaram o Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido.

    A coleta de dados foi realizada em dois momentos: (1) na preparao pr-transplante

    (momento da internao do paciente) e (2) durante o acompanhamento ambulatorial (100 dias

    aps o transplante). Os dois encontros, com aproximadamente uma hora de durao cada um,

    foram realizados com intervalo de aproximadamente 110 dias.

    Os instrumentos foram aplicados individualmente pela pesquisadora, na Enfermaria

    (pr-TMO) e no Ambulatrio da UTMO (ps-TMO), em situao face-a-face. A coleta de

  • dados foi realizada em um ambiente preservado, sempre que possvel em sala reservada,

    resguardando-se os princpios de conforto e privacidade. Foi colocada para os participantes a

    possibilidade de a avaliao ser dividida em dois momentos, caso se sentissem cansados.

    Os instrumentos utilizados so simples e de rpida aplicao. Considerando a situao

    de vulnerabilidade em que se encontravam os participantes, foi oferecida a possibilidade de

    atendimento psicolgico focal de apoio. Esse suporte foi disponibilizado pela psicloga do

    servio, que tambm assessorou o trabalho de abordagem dos participantes e acompanhou a

    coleta de dados.

    A entrevista e o questionrio foram gravados em udio, com o consentimento de todos

    os participantes. Na aplicao da entrevista (fase 1) foi seguido um roteiro semi-estruturado,

    previamente estabelecido para atender aos objetivos do presente estudo. O Questionrio de

    Qualidade de Vida e Recuperao Ps-TMO (fase 5), composto de questes previamente

    elaboradas, tambm foi aplicado em situao face-a-face e audiogravado mediante

    autorizao do participante.

    As demais tcnicas foram aplicadas posteriormente entrevista (ou questionrio),

    segundo os procedimentos preconizados pela literatura especializada, que sero sucintamente

    descritos a seguir.

    Os demais instrumentos administrados constituem tcnicas analticas. Apesar da

    possibilidade de auto-aplicao, a pesquisadora permaneceu o tempo todo ao lado do

    participante, verbalizando as perguntas e assinalando junto do mesmo a resposta que melhor

    se adequava ao ponto de vista do paciente.

    ISSL

    A examinadora solicitou que o participante respondesse a trs quadros: o primeiro

    sobre sintomas experimentados nas ltimas 24 horas (15 itens); o segundo sobre a ltima

    semana (15 itens) e o terceiro sobre o ltimo ms (23 itens).

    HAD

  • A pesquisadora solicitou que o participante respondesse a 14 itens, dos quais sete

    pesquisavam ansiedade e os outros sete, depresso. Cada item tinha uma gradao de 0

    (nunca) a 3 (sempre) e se referiam forma como o paciente se sentia no momento da

    aplicao.

    SF-36

    A pesquisadora solicitou que o participante respondesse a 11 questes sobre como se

    sentia e o quo bem era capaz de fazer suas atividades dirias. Algumas questes eram

    compostas por subitens, de forma que o nmero total de questes somava 36. A gradao das

    opes de respostas variava de um (sim) dois (no) a um (todo tempo) seis (nunca).

    FACT-BMT

    A instruo dada era de que o participante encontraria uma srie de afirmaes

    consideradas importantes por pessoas que estavam enfermas como ele. Dessa forma ele

    deveria julgar at que ponto essas afirmaes eram verdadeiras para ele. As questes eram

    separadas em cinco quadros, com opes de respostas que variavam entre zero (nem um

    pouco) e quatro (muito): bem-estar fsico (sete questes); bem-estar social-familiar (sete

    questes); bem-estar emocional (seis questes); bem-estar funcional (sete questes) e

    preocupaes adicionais (23 questes).

    Procedimento de anlise dos dados

    A seguir sero apresentados os procedimentos de anlise e apurao dos dados de cada

    uma das tcnicas aplicadas.

    Entrevistas e questionrio

    As entrevistas foram transcritas na ntegra. A transcrio das respostas obtidas na

    entrevista e no questionrio aplicados a um dos pacientes foi includa no presente estudo

    (APNDICE D), a ttulo de ilustrao.

    Na anlise do corpus obtido foi utilizada uma abordagem de pesquisa qualitativa, uma

    vez que o objetivo era identificar as concepes, crenas, valores, motivaes e atitudes dos

  • participantes sobre assuntos veiculados pelas questes formuladas. Como mtodo foi utilizada

    a anlise de contedo (BOGDAN; BIKLEN, 1991; MINAYO, 1994; TRIVIOS, 1992).

    Segundo Bogdan e Biklen (1991) e Trivios (1992), so trs as etapas do processo de anlise

    de contedo:

    a) Pr-anlise: consiste na organizao do material. Foi realizada uma leitura geral,

    denominada leitura flutuante, para que o pesquisador entrasse em contato com as suas

    impresses, que acabaram por nortear a dinmica entre os objetivos iniciais, as hipteses que

    surgem e o referencial terico adotado para sua interpretao. Esse processo permitiu,

    mediante a seleo e organizao do material, a determinao do corpus da investigao, que

    a especificao do campo em que a ateno dever ser fixada. Foram estabelecidas unidades

    de registros (unidade bsica mnima para a anlise do documento) e unidades de contexto

    (delimitao do contexto da unidade de registro em uma dimenso que permita compreender o

    significado de tais unidades de registros). Em suma, nessa etapa foi organizado o material e

    foram sistematizadas as idias, mediante a definio das unidades de significado.

    b) Descrio analtica: o material do documento que constituiu o corpus foi submetido

    a um estudo aprofundado, no qual se fez uma transformao dos dados brutos, por meio da

    operao de codificao, em uma tentativa de se chegar ao ncleo da compreenso do texto. A

    partir da classificao e agregao dos dados, foram utilizados os recortes em unidades de

    registros e a escolha de categorias tericas ou empricas que permitiram a especificao das

    categorias. Esses dados foram trabalhados na busca de snteses de idias, ou expresso de

    concepes neutras, isto , que no estivessem unidas a alguma teoria (TRIVIOS, 1992).

    c) Interpretao referencial: na etapa final foi realizado um tratamento dos resultados e

    as interpretaes pertinentes. Os dados trabalhados foram analisados e destacados pelas

    categorias, possibilitando a atribuio de significados para trechos principais.

    Tcnicas analticas

  • As demais tcnicas utilizadas ou seja, os instrumentos padronizados foram cotadas

    e analisadas de acordo com as recomendaes preconizadas pela literatura especializada. O

    procedimento adotado para anlise dos resultados de cada instrumento ser descrito a seguir.

    ISSL

    A correo ocorreu de acordo com as recomendaes de Lipp (2000), somando-se por

    quadro as respostas, tendo dessa maneira o escore bruto de cada fase do estresse.

    Para a obteno da porcentagem de sintomatologia fsica e psicolgica do participante

    em cada um desses quadros, recorreu-se a duas tabelas de correo, que indicam as

    porcentagens correspondentes a sintomas fsicos e psicolgicos, sendo que a maior

    porcentagem revela a forma como o estresse se manifesta.

    O nmero mximo de sintomas esperados para cada fase : seis no quadro 1, para fase

    de alerta; trs no quadro 2; para resistncia, e nove para quase-exausto; e no quadro 3, oito

    sintomas para o diagnstico de exausto.

    HAD

    A cotao desse instrumento foi realizada segundo as orientaes de Botega et al

    (1998), somando as gradaes de cada item, que posteriormente forneceu um escore total para

    ansiedade e outro para depresso, variando de 0 a 21 em cada uma das escalas. O ponto de

    corte utilizado para detectar a presena ou no de sintomas foi de sete.

    SF-36

    A avaliao desse instrumento seguiu as instrues de Ciconelli (1997), sendo que

    aps a aplicao foi atribudo um escore para cada questo, que posteriormente foi

    transformado em uma escala de 0-100, em que o zero corresponde a um pior estado de sade

    e 100 a um melhor, sendo cada dimenso analisada separadamente. No existe,

    propositalmente, um valor geral.

    FACT-BMT

    As pontuaes de cada um dos domnios foi realizada mediante a soma das respostas

    de cada item, com o cuidado de verificar a presena ou no de itens invertidos, de acordo com

  • as recomendaes de McQuellon et al. (1997). Uma vez obtido o escore bruto de cada

    domnio, fez-se a transformao em escore percentual em relao ao nmero mximo de

    pontos de cada domnio (considerado 100%). Semelhantemente a SF-36, considerou-se que,

    quanto mais prximo ao 100%, mais preservado estava aquele aspecto de vida do paciente.

  • RESULTADOS

    As anlises individuais dos resultados podem ser encontradas nos apndices

    (APNDICE E).

    As anlises gerais apresentadas a seguir dizem respeito a uma leitura global dos

    resultados obtidos a partir da aplicao das entrevistas, dos questionrios e das escalas e

    inventrios.

    Entrevistas e questionrios

    As categorias temticas encontradas nas entrevistas e questionrios foram:

    A vida antes do diabetes

    Na maior parte das entrevistas, as lembranas sobre a infncia foram contadas de

    forma bastante superficial. Os participantes argumentaram que no se lembravam muito bem

    dessa etapa da vida.

    No lembro de muita coisa, no, mas sempre fui muito paparicado. (Wiliam, 22 anos)

    Ah, eu no lembro muito no. Eu entrei na escola pequenininha, com dois aninhos, n? [olha pra me que confirma] Lembro da minha av, eu brincava bastante com os meus primos que tm a minha idade, n. (Patrcia, 18 anos)

    A maioria oriunda de cidades pequenas do Estado de So Paulo e Minas Gerais e

    mora com os pais, o que esperado, uma vez que nove participantes tm at 18 anos de idade.

    As famlias so estruturadas e constitudas de poucos irmos (de um a quatro).

    Em relao adolescncia, pela qual a maior parte deles ainda est passando,

    interessante o quanto se percebem como adolescentes tranqilos, que saem pouco.

    Identificaram-se como indivduos mais caseiros e que no apresentavam problemas de

    comportamento. Isso se aplica mesmo para os poucos que j haviam passado pela

    adolescncia h mais tempo.

  • Eu tenho um nmero grande assim de amigos, mas a atividade de sair eu no saio muito. Eu tenho um circulo de amizades bem caseiro, ento geralmente sexta feira a gente vai pra casa de algum, mas no vai pra bar, pra boate muito raro. E escoteiro no final de semana. De sbado escoteiro, de sexta vai na casa de algum. (Raul, 16 anos)

    Nunca fui de sair muito. Comecei a namorar cedo. Nunca tive muitos amigos. (Jlio, 31 anos)

    O relacionamento com os pais foi relatado, em geral, como bom, tranqilo, mas no

    decorrer do discurso puderam ser percebidas algumas contradies, como o distanciamento ou

    dificuldades de relacionamento com um dos genitores.

    Muito bom. Meu pai era mais distante, e agora que t mais prximo eu que no t, mas nunca tive problemas, discusses. Sempre tranqilo. (Wiliam, 22 anos)

    Eu ficava bastante em casa, mas no falava muito com eles.( Renan, 17 anos)

    Assim, por minha parte no tem muito contato no. At hoje... mas eles sabem que eu gosto deles assim, n? (Michel, 16 anos)

    Em relao ao relacionamento com os irmos, pouco foi falado, mas os participantes,

    em sua maioria, definiram as relaes fraternas como normais, ou seja, com afinidades e

    desentendimentos, exceto nos casos em que os irmos no moravam junto com a famlia;

    nesses casos, o relacionamento pareceu ser mais harmonioso.

    Ah bom. Como eu te falei, eles sempre me protegeram muito por ser o caula. Sou mais prximo do meu irmo acima de mim, a gente conversa bastante... mas com os outros muito bom tambm. (Wiliam, 22 anos)

    Quando a gente morava juntas a gente brigava, irmos, n?! Mas depois que ela foi embora a a gente

    ficou mais prxima. (Camila, 17 anos)

    O impacto do diagnstico

  • Ao descreverem os sinais e sintomas apresentados, que os levaram a desconfiar da

    possibilidade de um diagnstico de diabetes, os relatos mostraram uma certa homogeneidade,

    tendo sido mencionadas a polidipsia e poliria por todos os participantes.

    Eu fazia cursinho, n, e eu comecei a perceber que eu tava saindo muito pra ir no banheiro. A eu tinha que sair pra beber gua, levava garrafinha... Cheguei a beber meia garrafinha em uma aula. (Patrcia, 18 anos)

    Eu tava muito cansada, mole, boca seca. Tomava mais gua que o normal, ia mais ao banheiro. (Iara, 14 anos)

    Eu tava comendo muito. No na verdade primeiro eu tava tomando muita gua e, a, ia muito ao banheiro. Da eu comentei com a minha me, e ela falou que devia ser porque aqui era quente. (Camila, 17 anos)

    O emagrecimento rpido tambm foi um dos fatores que pesaram para que

    percebessem que havia algo de errado com sua sade.

    Eu pesava na poca 46 quilos, da eu cheguei a pesar 40. (Tbata, 20 anos)

    Eu tava com a boca muito seca, levantava muitas vezes de madrugada pra molhar a boca, emagreci. Eu achava que era tudo normal, que era o basquete que eu tava fazendo demais, porque eu emagreci de uma vez. (Michel, 16 anos)

    Eu nunca tive, assim, sempre bebi muito pouca gua, quase nunca ia no banheiro, duas vezes por dia, noite, nunca levantava, e sempre tive uma base de 59 a 61 quilos (...) Isso foi numa semana, no sbado eu fui acompanhar minha me, ela foi fazer compras, e me pesei, tava pesando 51. (Renan, 17 anos)

    Fazia muito xixi, bebia muita gua. Era uma sede estranha, sabe, comecei a emagrecer muito, mas como minha famlia magra, nem liguei, mas as pessoas comentavam. (Wiliam, 22 anos)

    Em menor grau, mas no menos importante, foi a descrio de distoro na viso, que,

    para aqueles que depararam com essa dificuldade, representou um susto considervel.

    Mas o que mais me chamou a ateno foi a viso distorcida. Eu olhava o sargento na minha frente e no enxergava direito, no era normal. (Wiliam, 22 anos)

    Na escola eu no enxergava direito na lousa... agora t melhor, mas antes... (Carlos, 16 anos)

    ...tava muito alto, minha vista tambm tinha ficado afetada, da eu tava mais nervosa. (Camila, 17 anos)

  • O diagnstico do diabetes foi comunicado, na maioria das vezes, por um profissional

    da sade, principalmente mdicos ou enfermeiros, e para oito participantes essa comunicao

    foi percebida como bastante descuidada.

    Quem me comunicou foi a mdica do hospital de emergncia, era como se ela falasse que eu tava com uma virose. (Paula, 18 anos)

    O mdico nem me falou que eu tava diabtico, ele perguntou h quanto tempo eu era diabtico. A pra minha me foi um choque. Ela falou: ele no diabtico. (Renan, 16 anos)

    Foi a enfermeira, na hora l. Foi ruim, tambm eu no tinha muita idia... parecia que tinha acabado, assim... (Camila, 17 anos)

    Em alguns casos o diagnstico foi recebido como a confirmao de uma forte suspeita

    que j se tinha antecipadamente, ou porque o paciente j convivia com algum parente

    diabtico, ou porque tinha algum conhecimento prvio sobre a doena.

    Mas num foi surpresa, porque j vinha quase uma semana que eu tinha quase certeza que era diabetes, apesar de no admitir... A gente nega, sei l, acho que por medo de admitir, mas j era certeza. (Renan, 17 anos)

    Em outros casos, o diagnstico pegou o paciente de surpresa, tendo sido detectado o

    diabetes at mesmo em um simples exame de rotina.

    ...ento me pegou de surpresa, foi um susto, uma doena crnica de repente pro resto da vida... (Tbata, 20 anos)

    A famlia foi apontada, nas entrevistas, como tanto ou mais assustada diante do

    diagnstico do que os prprios participantes e a doena foi percebida como fator de mudana

    na dinmica familiar, aproximando os membros e tornando o paciente alvo de maior ateno

    do que percebia ter anteriormente.

  • A me no dormia. Medo que tivesse hipoglicemia, dormia no meu quarto. Ficava o tempo todo, fica ainda em cima pra ver o que eu comia, pra eu comer s o que pode. (Patrcia, 18 anos)

    Ela ficou se culpando: ...porque voc, nunca fez nada pra ningum, porque tua irm... e porque foi escolher justo eu pra ter logo dois filhos diabticos? Mas sempre perguntando por qu. (Raul, 16 anos)

    Acho que eles tiveram um choque maior do que eu, porque eu tava acostumando j, pra mim era normal e eles tavam em processo de conhecimento da doena. (Michel, 16 anos)

    As reaes familiares muitas vezes repercutiram na forma como o paciente lidou com

    a notcia, uma vez que muitos deles no tinham a noo exata de como seria conviver com o

    diabetes.

    Nossa, cheguei em casa, todo mundo chorando. Eu nem achei que era tambm um problema to grande, mas todo mundo chorando... (Camila, 17 anos)

    Porm o diabetes tambm trouxe benefcios, segundo a percepo da maioria dos

    casos, uma vez que aproximou os membros da famlia.

    A gente se aproximou mais. Minha me no quer sair de perto de mim. (Renan, 17 anos)

    Aceitar o diabetes no foi uma experincia tranqila na maior parte dos casos,

    exigindo de alguns participantes um tempo para se adaptar.

    Comecei a querer sair bem menos, a teve uns trs dias que eu fiquei assim no quarto, eu chorava, mas isso no comecinho. A no que eu me isolei, mas eu ficava mais sozinha. (Tbata, 20 anos)

    Tenho que ficar me preocupando toda vez que saio com os horrios da insulina, com hora pra comer, com os efeitos da diabetes. (Iara, 14 anos)

    Para alguns participantes, ter conhecimento do diabetes foi como que uma interrupo

    brusca nos planos futuros.

    E o pior de tudo que eu sabia que com essa doena no poderia seguir carreira, s que a formao superior o sonho da minha vida, ento eu fiquei sem cho. (Wiliam, 22, anos)

    Agora eu nem t pensando no futuro, t s pensando no agora mesmo, que j t bem complicado. (Patrcia, 18 anos)

  • O diagnstico trouxe mudanas na rotina dos participantes, principalmente devido

    necessidade de instituir certas regras de disciplina no cotidiano, que no eram necessrias

    antes do aparecimento da enfermidade.

    No posso com mais doce. Tem que com com regras, n? De trs em trs horas, uma certa quantidade, um certo tanto de caloria. (Alex, 27 anos)

    Ah, mudou assim, porque a gente tem que ter uma alimentao muito regrada, n? O horrio, ento, isso mudou bastante. (Leonardo, 16 anos)

    Ah, eu tive que comear a fazer dieta, n? Tive que me cuidar mais. (Rodolfo, 24 anos)

    Alguns participantes relataram ter encontrado diferentes formas de se adaptar s

    imposies que o diabetes trouxe. Esses modos de enfrentamento permitiram atenuar o

    impacto das restries que governam a vida da pessoa diabtica.

    Mas depois que eu descobri que tinha chocolate diet, esses negcios, que eu podia comer... da eu experimentei, achei normal. Da minha vida voltou ao normal. (Vincius, 16 anos)

    Brigadeiro, bolo era direto na minha casa, n, toda semana. Chocolate, n, eu era muito... a tive que parar com tudo. No como mais nada de acar. Mas eu nem sinto falta. Depois que eu descobri a diabetes eu acordo cedo junto com meu irmo, meu pai e vou caminhar. Ai eu volto pra casa, tomo caf e vou pro computador. No tem nada programado, mas mais saudvel. (Patrcia, 18 anos)

    Associar o diagnstico presena de algum fator desencadeante no foi um exerccio

    fcil para os participantes em geral. Alguns arriscaram o fator emocional como contribuio

    para o aparecimento do diabetes, mas as narrativas elaboradas em nenhum momento tiveram

    uma forma conclusiva.

    Ah, eu acho que o fato de ter sado da minha cidade, de vir pra c e no conhecer ningum. Estresse de vestibular. (Camila, 17 anos)

    Acho que uma doena que no d pra evitar