O ALCANCE DA SEGURANGA ECONOMIGA - ESG
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O ALCANCE DA SEGURANGA ECONOMIGA >
Mário Rotberg Adjunto da Divisão de· Assuntos Econômieos/ESG
INTRODUÇAO
O homem, desde que a história dá notícia, revelou, como condição imanente à. sua natureza, a expressão de sua insegurança. Insegurança que se manifesta como receio do desconhecido, como medo que internaliza diante dos males a que assiste, como apreensão do que pressente, co~ mo temor do que prevê, como subjacência do seu comportamento, enfim, como condição, reflexa da carência, que transpassa as mais diferentes áreas àa vida humana.
É do domínio do saber o variado elenco de contrapartidas pelo próprio homem criadas para se sentir acautelado, seguro e protegido contra a diversificada natureza. das adversidades que o circundam.
·A princípio, os fenômenos da insegurança foram notados em relação às forças elementares da natureza que o atemorizavam e o levavam à agregação, como o trovão ou o relâmpago. Estes eram fenômenos facilmente per-
ceptíveis por lhe serem exteriores. Com o decorrer do tempo, ao
· tomar consciência de sua existência e interiorização do seu próprio processo, o homem passa a criar defesas necessárias no· vas e constrói, então, amplos e poderosos contrafortes de sua segurança. Assim, o faz em relação à natureza e ao meio social que o envolve, em face de seus diferentes graus de hostilidade. Entretanto, posteriormente perceberá, com o aguçamento de suas perquirições, que· a segurança é um fenômeno, também, de maior profundidade, intimamente ligado ao seu indivisível complexo fisiopsicológico. . Já era do homem primitivo, como vimos, buscar a vida gregária para enfrentar as vicissitudes da vida, bem como, o entregar-se à ação religiosa em suas mais diferentes manifestações. Assim, a adoração ao sol, em contraposição ao raio ou trovão, como o devotamento e a veneração a chefes e deuses ou, ainda, à ação cabalística generalizada, são traços de autode-
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fesa com os quais supunha repor ou emprestar a condição de segurança à sua existência.
Esse contexto, entretanto, foi permeado pela constante preocupação que acompanhou a vida humana, calcada em três· vetores visivelmente delineados quais sejam o da segurança para sua subsistência, para o alcance de elevados níveis de bemestar e para a garantia de ambos em seu futuro.
Todavia, por sua natureza hedonística, o homem desenvolveu sua ação perseguindo os objetivos almejados, mapeando-os sempre com a obtenção de maiores resultados através do menor esforço possível. Para concretizar suas aspirações, pautou-se, preponderantemente, pelo imediatismo, pela consecução de taxas acentuadas de utilização da natureza e de seu relacionamento com a sociedade, despreocupando-se dos efeitos de longo prazo, em seu comportamento.
Sem o perceber, modelou um sistema que, atel)dendo à sua natureza, engendrou infinito número de atividades, distinguidas por multivariadas qualidades dos bens e serviços desfrutáveis, multiplicando-lhes, também, a quantidade para atender às exigências da progre~.são do crescimento populacional.
Construiu, desse modo, no curso da história, as estruturas da sustentação da próprla vida onde sua atividade, ao observar os vetores básicos da própria segurança, desenvolveu-se sob um clima de disputa, onde todos queriam, ao mesmo tempo, estar, pelo menos, igualmente seguros.
Este fato, se trouxe consigo a transformação de sociedades tradicionais em sociedades de alto e sofisticado desfrute, criou, também, diferenças, contradições e contraposições que obrigaram à surgência de instituições apropriadas com regimes definidos, normas, proposições e empreendimentos, capazes de tornar conviventes os homens em sua ação na busca de sua própria segurança.
Edificou-se, dessa maneira, na estrita interdependência dos homens em face da divisão do trabalho, como embrião da tecnologia, para maiores. ganhos de produtividade e fruição do bemestar conseqüente, a profunda interação de estruturas econômicas e regimes cuja operaciona-
. !idade conformou os sistemas econômicos como principal instituição a presidir e a circunscrever a ação do homem.
Prover a segurança do sistema econômico tornou-se, àssim e por conseqüência, condição significativa para que o homem, ao ativar sua capacidade, se sentisse, ele próprio, protegido pelo próprio sistema quanto à sua ação e aos resultados dela provenientes.
A SEGURANÇA ECONôMICA E 1\ EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS ECONÔMICOS
Na busca de segurança econômica, os homens institucionalizaram, em conformidade com as circunstâncias e em diferentes patamares históricos de seu relacionamento, uma progressão de
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sistemas que passaram da organização tribal, com trocas intratribais, para formações de trocas entre tribos, entre comunidades, entre províncias, entre regiões e entre países, com diferentes graus de intensificação. Testemunharam, assim, a existência de estruturas e entidades consonantes com expressões de poder correspondente. Hoje, em estágio superior e em correlação com ·as exigências da formação das nações e do poder nacional de que desfrutam, os sistemas organizam-se como economias supranacionais, complementares na produção e troca, como o reafirmam as diferentes organizações de blocos de países nos últimos trinta e cinco ano.a.
Percebe-se, pois, que, permeado pela necessidade de segurança, o sistema econômico, como instituição, tornou-se entidade de caráter dinâmico, profundamente entrelaçada em seus elementos constituintes, como sua estrutura e seu regime, conjunto este que participa, com diversos graus de plasticidade, do complexo sistema sócio-cultural, por sua vez altamente diversificado, multifacêtico, complexo e
·necessariamente adaptativo. O sistema econômico, como
·seu subconjunto, procurou continuamente harmonizar-se com a extrema variedade do seu meio externo onde despontam, como traços culturais relevantes e que lhe definem as formas, a ciência e a tecnologia, objetivando a materialização das expectativas que dizem respeito à segurança econômica de seus participantes.
Contudo, a condição de segurança plena, efetiva, real, em seu sentido econômico em relação aos indivíduos, até hoje, não tem constatada sua concretização uma vez que as próprias diferenciações, inerentes à natureza humana, dificultam a sua obtenção.
A SEGURANÇA ECONóMICA E . AS ESOOLAS DE PENSAMENTO SóCIO-EOONóMIOO
A segurança econômica, de caráter ideal, proposta pelas formulações das diferentes escolas do pensamento econômico, bem como a prática de suas experiências, resultaram, até hoje, para as sociedades, improfícuas.
Entre as escolas se destacaram, de um lado, aquelas que pretenderam, por meio da socialização da propriedade, garantir as condições de consecução da segurança. Supunham ser a propriedade individual o elemento fundamental de diferenciação entre os indivíduos, geradora de suas desigualdades econômicas, portanto o seu ponto critico, mas que, por outro lado, aciona os homens, como também reconheceram, a desfrutar, com maior ou menor intensidade, das condições daquilo que sentem ser a segurança econômica de sua própria vida.
O PENSAMENTO DiAS ESCOLAS SOCIALISTAS
O pensamento da escola socialista propunha, através de medidas impedientes da concre-
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tização da propriedade em termos individuais, convencer que a segurança estaria sendo desfrutada por todos os indivíduos se estes tivessem introjetada a imagem de que a propriedade de caráter coletivo, ao evitar as discrepâncias relativas às diferenciações econômicas pessoais que existem entre os homens, teria, como resultado, o estabelecimento da segurança econômica de caráter pleno e geral para todos os membros da sociedade.
OS SOCIALISTAS UTóPICOS
Nesse sentido, registram-se as tentativas das diferentes proposições de organização de sistemas econômicos levadas a efeito pelos teóricos do pensamento socialista. Estes, através de diversas correntes, propuseram, entre outras organizações, a formação de colônias tipo comunista como na visão da colônia New Harmony, em Indiana, nos Esdos Unidos, organizada por Robert Owen, o Falanstério, como no caso do Hotel Cooperativo, proposto por Charles Fourier, o Banco de Trocas, por Proudhon, a .oificina Social, por Louis Blanc, a Câmara de Sábios, de Técnicos e Artistas, conforme a proposição de Saint-Simon. ToM das, visando a um associacionismo eivado de espiritualismo de caráter1iberal ou autoritário. En·· tretantot foram experiências ou proposições cuja prática foi negada diante da própria natureza, profundamente complexa, do homem.
Em suas plataformas, esses pensadores, cingidos pelas dlfe-
rentes correntes do socialismo utópico, esgrimiam, através do apelo espiritualista ao voluntarismo dos homens, com a inteira consecução de liberdade, com a igualdade generalizada e ~om a abolição da propriedade privada, condições, segundo eles, inegavelmente adstritas à segurança do homem.·
Entretanto, as relações esta" belecidas em suas arregimentações associacionistas jamais puderam erradicar o espírito do lucro, da concorrência, da disputa e, fundamentalmente, da diferenciação entre os homens, fazendo, assim, com que o socialismo se parecesse inteiramente irreal. Desencorajava-se, por via de conseqüência, a esperança de que pudesse vtr a viger o voltin- ·. tarismo coletivista e a decorrente condição de segurança que daria ao indivíduo o devido alento para a adesão às diferentes organizações propostas pelas correntes do socialismo utópico.
OS SOCIALISTAS DITO-CIENT.tFIOOS
Dian.te do fracasso dos utópicos, a escola socialista capitaneada por Marx, e dita científica} abandonou, com causticidade cri~ tica, os aspectos espiritualistas de suas justificativas. Afiliou-se à concretização da obtenção da segurança plena para o homem por meio da sociedade socialista onde as características fundamentais de sua solidez estariam presas ao caráter material que presidiria a relação entre os ho~ mens e não ao seu espiritualismo.
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Portanto, uma posição supostamente objetivista, totalmente diversa do subjetivismo utopista; e que teria a respaldá-la a existência de contradições materiais, próprias à evolução dos diferentes sistemas. No capitalismo, elas se afiguravam na produção coletiva e apropriação individual dessa produção, na superprodução e no subconsumo ou, ainda, na contraposição decorrente da taxa decrescente de lucro e a inevitabilidade de maior exploração do operário via «mais valia abso-1 uta".
Segundo essa escola, as contradições, geradoras dos conflitos entre classes estratificadas nos diferentes patamares da periodização · histórica, seriam a causa básica e até única da metamorfose ocorrida na convivência da sociedade. Justificava-se, assim, teleologicamente e com um enfoque reducionista, que a persecução à segurança econômica seria a razão das transformações sociais sofridas desde a formação da sociedade comunal primitiva a.tê a ocorrência da sociedade socialista.
Localizado, assim, o ''móvel'' da morfocinética social e emprestando-lhe a conotação histórica e determinista, não restaria senão aos igualitaristas marxistas, como "portadores" do sentimento de segurança definitiva entre os homens, impor, via autoritária e não voluntária, as condições de transformação da sociedade capitalista, para eles insegura, em sociedade socialista soit disant segura.
Para a primeira aplicariam, aproveitando-lhe as contradições
e em concoraanc1a com as prof ecias catastróficas da escola, a ação revolucionária das massas para modificá-la. Isto, a seu ver, seria inteiramente compatível com a necessidade de sincronizar o sistema econômico com a evo-1 ução da história que estaria, a esta altura, a exigir a sociedade socialista. ·
AS IDÉIAS SOCIALISTAS E A REALIDADE . SóCIO-ECONôMICA
Entretanto, a experiência vivida e agora envolvendo todas as proposições, sejam elas das escolas utópicas do socialismo ou das escolas do socialismo dito científico, apresentam seqüelas conseqüentes dos profundos irrealismo e romantismo com que encaram suas desejabilidades em face da fecunda diferenciação que caracteriza a própria espécie humana. Esta confere à luta pela conquista de sua segurança visões que extrapolam qualquer tipo de organização artificial e burocratizada de sua vida, de seus interesses, através de proposições ou de formas monótipas de orga• nização de sistemas. Isto porque o homem, como ser altamente complexo e naturalmente resistente a mudanças que lhe afetem as condiçõe~ de segurança e que já lhe são prevalentes, resiste, inevitavelmente, a essas mudanças. E estas, em face do posicionamento dos indivíduos na clivagem social, podem trazer-lhes insegurança mesmo que representem maior ou novos níveis de segurança para aqueles que dela não desfrutavam em condições
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compatíveis com a dignidade do ser humano.
E a própria experiência da administração da sociedade socialista tem-na posto à prova. Nela, um número de restrições teóricas, antes. projetadas, tiveram de ser e estão sendo, por força da prática social, abolidas e/ou desfiguradas, a fim de que os homens, dada a sua condição natural e em face da degenerescência e obsolescência das idealizações antes mobilizadoras, não extravazem ou concretizem, irrefreavelmente, suas lidimas vontades. Estas, se levadas à prática, confrontar-se-iam, como de fato ocorreu e tem ocorrido, com os fundamentos da segurança do sistema socialista que supunha predições de infalibilidade da segurança econômica individual, mecanicamente garantida, com a transformação socialista da economia.
A DEJtROTA DO RADICALISMO SOCIALISTA DIANTE DA VID~
Se, de inicio, suas previsões postulavam medidas de caráter radical, definitivas, o próprio embate com a vida, com a natureza humana, e com o próprio complexo social, obrigou-o a modificar suas postulações, afastandose elas da concepçã_o radical, mecanicamente niveladora, em termos de uma igualdade humana.
A princípio, propugnavam por uma ideal igualdade aritméticonumérica de condições para todos os participantes .da sociedade inteiramente fantasiosa. Depois, cederam à igualdade de ca-
ráter funcional, também qu1me~ rica, como, também, à igualda" de de caráter proporcional que jamais foram alcançadas, uma vez que as funções dos homens se apresentam multivariadas, para uma mensuração, através de um denominador comum de funcionalidade ou proporcionalidade.
Além disso, a contrapartida do reconhecimento das igualda-. des estaria sujeita, na medida de sua própria avaliação, à própria consideração dos homens que se manifestavam subjetivamente em relação ao problema. E es~ te se acentuava, no que se refere à igualdade proporcional, em face do fato de que a abundância, por maior que seja e conseaüente de diferentes esforços individua'is ou grupais, não conferiu a certeza de que os homens deixariam de disputar os bens e serviços oferecidos pelo banquete da própria transformação da natureza. Diante desse quadro, a obediência à proporcionalidade das necessidades soou irreal e dificilmente seria, por condições naturais, respeitada.
Comprova-o a história, .que, mesmo em períodos de abundância, não registrou menores exigências do homem ou maior coeficiente de confiança para a ma-
. nutenção de seu status, que quer sempre mais elevado diante de qualquer situação de abundân~ eia efetiva.
Acresça-se, ainda, que, em vez da abundância tão decantada pelas diferentes escolas do socialismo produtivista, até hoje, a economia, diante de recursos escassos, apresentou.se, isto sim,
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como carência para atendimento das exigências humanas, residindo, ai, o leit motiv da insegurança econômica.
SEGURANÇA ECONôMICA E O APRIMORAMENTO DE SUA POSTULAÇAO
O que resulta subjacente é que a questão da segurança econômica exige considerações de maior profundidade. E as suposições das escolas socialistas não a. atendem porque vêem a questão da segurança do indivíduo através de uma consciente automutilação de vontade, como no caso da propriedade individual, além de uma constante autovigilia quanto a supostos excessos individuais. Processo exorcizante que se choca com a natureza hedonista do homem e. portanto, f alivel. Dai a recorrência do sistema socialista às limitações impostas, via autoritária, às querenças humanas, o que também, se contrapõe à natureza do indivíduo. Tudo isto torna sumamente frágeis as condições de pretensa igualdade com que justificam a segurança do seu sistema.
A SEGURANÇA E O PENSAMENTO DO CAPITALISMO COMO SISTEMA ABERTO
Diferentemente, o pensamento capitalista colocou a defesa da propriedade individual como resultado de um processo histórico de evolução da sociedade que consubstanciava a continua-
ção do esforço a ser desenvolvido pelo homem para, como prêmio, conseguir, em nível individual, as condições de sua segurança .
. Justamente por isso e pelo· contrário do que apregoa o socialismo, é preciso buscar as raizes da segurança, admitindo a diferenciação e o complexo de contradições existentes entre os homens. Deve-se notar que, do ponto-de-vista filosófico, não se pode admitir que a sociedade e seus indivíduos se apresentem, de uma certa maneira, arrumadinhos com relação às suas vontades. Os indivíduos, por suas características genéticas, apresentam exigências e procuram atendêlas. E, ao fazê-lo, dão corpo à expressão de sua própria potencialidade, com o que ajudam ao restante de seus semelhantes. Portanto, é no seu genoma que está o exigir, o realizar, o lutar por conseguir, o fazer o melhor possível no sentido de premiar com segurança as suas exigências de ordem individual.
O capitalismo, com sua formação de sistema aberto liberal, vê o problema desta maneira. pois pretende que a segurança do indivíduo é. conseqüência do seu crescimento, de sua própria caw pacitação, do seu adestramento técnico, da sua formação cientifica, de seu aprestamento para enfrentar a vida, razão pela qual o individuo é instado a mobilizar toda a sua potencialidade, a colocá-la em· ação, a fim de que a segurança seja alcançada como resultado deste comportamento.
É importante notar que essa visão de segurança traz para a sociedade subprodutos altamen-
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te importantes. Isto porque, nesse processo de persecução à segurança, o homem ejeta diferentes e multivariáveis formas de ação individual que proporcionam aos demais circunstantes novas experiências, novas atitudes, novos comportamentos, novos métodos e processos, novas descobertas, enriquecendo, em maior grau, todo o contexto sócio-econômico. Assim ocorre porque sua potencialidade, posta' à prova, revela uma mobilização maior de suas próprias energias e condições culturais, garantindo, diante da maior diversidade de campos explorados, o futuro aos pósteros e à. própria segurança da sociedade ante a pauta de caminhos abertos que visam à eternização do homem como indivíduo.
Em vez de comprimir ou abafar as potencialidades individuais sob pretexto de que a exacerbação de sua manifestação é anticoletiva, como o admite a formação socialista da sociedade, a sociedade capitalista mobiliza todas as disponibilidades e qualidades que o indivíduo tem como acervo, para, através de suas mais variadas e diferentes expressões, desabrolhar para o futuro uma múltipla estrada social e econômica com múltiplas opções.
Ao invés de ancilosar, de inibir o pensamento do homem, limitando-o, em face do receio de atentar contra a coletividade, como no socialismo filosófico, o capitalismo filosófico, ao por à prova toda a capacidade do indivíduo, todo o seu entusiasmo, toda a sua criação na obtenção
de novos rumos, de novas disponibilidades, assegura a garantia de sua segurança.
Por outro lado, é da sociedade, como entidade, também, proceder no sentido de conseguir o melhor para ela, ou seja, de obter participação consciente e dignificadora da pessoa, evitando as extrapolações individuais, a fim de que não seja atingida como entidade própria, autônoma e cujo elegante digladiar com o indivíduo estrutura o equilíbrio dinâmico entre o que pode a sociedade conseguir e o que pode o indivíduo desfrutar dentro do meio social.
O que releva notar é que ambas as entidades, em assim agindo, fazem com que o cadinho de experiência se engrandeça na refrega entre os seus dois constituintes e enriqueça a própria experiência humana. Esta se valerá desse repositório da história para poder enfrentar os diferentes problemas que se colocam nos processos de desenvolvimento dos diferentes países. E isto torna-se, de um certo modo, tanto mais válido, porque, face a características semelhantes de sua evolução, os processos admitem nomotetia, ou seja, soluções relativamente semelhantes para os seus problemas e, com especialidade, se estes se apresentam equigenéticos.
A SEGURANÇA EiCONõMICA, O INDIVtDUO E A SOCIEDADE
É interessante, também, assinalar que, ao lado do estímulo ao indivíduo para que exija mais
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do ambiente em que vive e do incentivo à sociedade para conseguir melhores condições de seu ordenamento, deflui a observação de que a própria inteligência humana está buscando obter as direções e os caminhos da otimização convivente entre as duas entidades. Isto é, o que deseja a sociedade, como reguladora do comportamento dos indivíduos em termos de sua segurança institucional e o que deseja o individuo em sua própria atividade visando a sua própria segurança.
Nesse desafio de otimização, a inteligência das duas entidades tem adentrado a capacidade humana para perquirir, para perscrutar as melhores formas de equilíbrio permanente e dinâmico entre o que deseja o indivíduo e o que deseja a sociedade para a sua própria segurança.
Esse está sendo o acicate do presente. O embate que está proporcionando a formulação de concepções sistêmicas de organização da· vida, envolvendo os seus diferentes aspectos. Nestes a economia. desempenha, reconhecidamente, relevante papel, já que relacionada com as diferentes manifestações nos mais variados campos e altamente multiplicados da própria ação humana.
Não se trata, portanto, de, através de um processo cultural de condescendência ou de resignação, admitir que o ótimo de convivência indivíduo/ sociedade dê-se em conseqüência de um atentado à própria natureza ge-
nética do individuo. Não se trata de inibir as condições da vontade, da sofreguidão, da avidez, da individualização ou de mitigar a própria personalidade humana.
Pelo contrário, o que cabe é, no atendimento mais profundo do papel dessa personalidade, despertar-lhe e exercitar-lhe a · capacidade, incentivar-lhe as realizações a fim de que se eleve solidamente o patamar do usufruto das riquezas dos bens e dos serviços no futuro. O que cabe é, emprestando a. conotação humanista aos seus procedimentos, que, por sua vez, assegura sólidas taxas de retorno na comparação entre o custo e o benefício sócio-econômico dos empreendimentos, fazer com que cresçam estimulados, ao mesmo tempo, indivíduo e sociedade. Esta, . coibindo, se necessário, as extrapolações da sofreguidão por ele manifestadas e que atinjam a sociedade em seu conjunto. O ideal é permitir, atendendo à caracteristica da natureza humana., que o .motivo que preside o comportamento do indivíduo, como indivíduo, se exprima, embora .a sociedade exerça sobre ele a ação moderadora, harmonizando o seu comportamento conse~ qüente com a necessidade, de equilíbrio do comportamento social, visando a segurança de ambos.
Sendo assim, não se trata, também, de extrapolar os aspectos repressivos do conjunto da entidade social com sentido de abafar, de esmagar exatamente as qualidades que o homem,
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condição imanente.
A <Yl'IMIZAÇAO ECONÔMICA DO RELACIONAMEN'l'O INDIVtDUO E SOCIEDADE
Faz-se mister, também, admitir que o ótimo, desejado no relacionamento econômico homem/ sociedade, tem caráter dinâmico e deve ser conseqüência de um trabalho constante, diuturno, de um desafio que é colocado aos homens como individ uos e aos homens como sociedade, sem que haja por parte dos homens, como indivíduos, um sentido concessivo no que tange à sua personalidade.
Nesse processo, caberá evitar que a prevalência da ação da sociedade sobre o individuo se faça com tàl grau de coerção que lhe desavise a forma de poder. Esta se degenera e enfraquece por comportamentos burocratizantes, pouco produtivos, pouco criativos, originando embaraço à realização econômica, levando o individuo a se sentir ancilosado para a realização de ações, capazes de elevar o nível de desfrute que, indivíduo e sociedade, já possam ter em relação aos bens disponíveis. O importante, também, é que, contra essa ação paralisante da sociedade, o indivíduo disponha dos mecanismos de defesa, para extroverter sua capacidade e, isto, filosófica e cientificamente, lhe deve ser reconhecido, para que a economia usufrua, com devida compatibilização, dos recursos que a natureza, acionada por instituições
g,,p.1.v.t'.1..1.au~g, v.1."&"'~"' ...,.._..., ... ._ .... 'IW'••w para a consolidação e ampliação de sua própria segurança.
E, justamente no contraponto da exploração dessa capacidade do individuo, a história testemunhou o surgimento e a vida de progressivas e diferentes formas de organização econômica. Estas evoluíram, ao perseguir a segurança econômica1 desde as formas primitivas de mercado até as mais desenvolvidas, a exemplo de um mercado nacional uno, consubstanciando, economicamente, a existência politica das nações e dos países.
o homem avançou por essas formas, . passando das feiras localizadas às feiras andantes, entreláçando formações econômicas provinciais e regionais até que estabeleceram os mercados nacionais, buscando, sempret a segurança. sua atividade visou, sempre, condições de vida melhor no futurot explorando o que a natureza lhe proporcionava e obedecendo, como linha geral, aos termos de compatibilidade com o avanço científico e tecnológico. Toda essa evolução apresentou transformações de ordem geográfica, abrangendo áreas cada vez mais avultadas, até a formação de nações e países devidamente fronteirizados. Esse sentido de evolução, ou seja, o da formação nacional, como pais, prendeu-se, fundamentalmente, à. necessidade que os homens apresentavam para, através da mobilização com aquele objetivo, expressa pela expansão mercanti· lista na evolução da história, obter as condições de sua segurança.
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