O ÁLCOOL COMO REMÉDIO E VENENO NA FICÇÃO DE … · remédios caseiros para as pessoas doentes...
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O ÁLCOOL COMO REMÉDIO E VENENO NA FICÇÃO DE CARSON
MCCULLERS: REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA
Júlia Reyes
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Minha pesquisa de doutorado investiga a ficção da escritora estadunidense Carson
McCullers (1917-1967) estabelecendo um diálogo entre a análise literária e a teoria mimética
desenvolvida pelo pensador francês René Girard (1923-2015). Em linhas gerais, trata-se de
efetuar uma análise literária de obras escolhidas de Carson McCullers dialogando com as
reflexões girardianas e abordando temas como a violência e suas dinâmicas e; em um polo
oposto, destacando valores como a amizade, a fraternidade e a compaixão, sentimentos que
seriam contrários ao rancor, ao ressentimento, aos ciúmes, à inveja e à vingança, ou seja, aos
sentimentos baixos inscritos em situações de conflito violento segundo Girard. Verifico se
Carson McCullers aborda situações de violência que ocorrem em torno de seus personagens
outsiders, tais como surdo-mudos, anões, adolescentes tomboys, homossexuais, negros,
judeus, mulheres, alcoolistas e resolve tais conflitos de formas violentas e especialmente não-
violentas. Tanto McCullers quanto Girard se preocuparam com a questão das vítimas de
violência em suas obras. Girard investiga como os conflitos humanos ocorrem em diferentes
contextos, dialogando com a literatura em Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961),
com a antropologia em A Violência e o Sagrado (1972) e com os Evangelhos e textos bíblicos
em Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978). Já McCullers, em suas histórias,
descreve situações de violência que ora são resolvidas através de desenlaces violentos ora
através de desenlaces fraternos e inusitados. Ambos os casos podem firmar diálogos com as
reflexões de Girard. O álcool aparece no conto “A Domestic Dilemma”, presente em The
Ballad of the Sad Café: the novels and stories of Carson McCullers (1951), na novela “The
Ballad of the Sad Café”, no conto “Instant of the Hour After” e no conto “Who Has Seen the
Wind?”. Na novela “The Ballad of the Sad Café”, destaco a descrição do efeito que o uísque
fabricado pela srta. Amelia Evans causava em quem o consumia. Além de “The Ballad of the
Sad café” ser uma de suas obras mais importantes, a descrição do efeito do uísque de srta.
Amelia Evans nos trabalhadores têxtis de uma pequena cidade no Sul do Estados Unidos
configura-se como um ponto significativo de sua obra. Com a personagem srta. Amelia
Evans, Carson McCullers apresenta uma mulher que fabrica uísque e também fabrica
remédios caseiros para as pessoas doentes na cidade. O álcool, portanto, na ficção – e também
na vida pessoal da autora – tem uma presença significativa. O álcool pode ser usado para a
cura, como na fabricação de remédios caseiros para os moradores da cidade e para o estímulo
à contemplação através do consumo de seu uísque. Ao mesmo tempo, investigo como o álcool
pode ter um efeito nocivo em outros contos. Destacando a presença do álcool na ficção de
McCullers, abordo o tema da violência, observando como o álcool pode estar relacionado, na
obra de McCullers, tanto a episódios de profunda violência e destruição quanto a episódios de
fraternidade e contemplação. Busco assim lançar possibilidades de interpretação de sua obra
relacionando crítica literária e as concepções propostas por René Girard sobre a violência,
inaugurando novas perspectivas de leitura para a ficção de Carson McCullers e buscando
assim divulgar essa escritora ainda pouco conhecida no Brasil.
Palavras-chave: Carson McCullers. René Girard. Álcool. Violência.
O PARADIGMA MARY ROGERS: FEMINICÍDIO E DESAPARECIMENTO DE
MULHERES NAS OBRAS DE EDGAR ALLAN POE E ROBERTO BOLAÑO
Guilherme Mattos de Carvalho Nunes
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Edgar Allan Poe afirmou, em The Philosophy of Composition (1846), que “a morte de
uma bela mulher é, inquestionavelmente, o assunto mais poético do mundo”, demonstrando
consciência manifesta de uma das principais obsessões em seus trabalhos. Mary Rogers,
conhecida pela imprensa americana como "the Beautiful Cigar Girl", apareceu morta no rio
Hudson em 1841 e o crime nunca foi solucionado. Imediatamente, a imprensa sensacionalista
urbana, recém-nascida, percebeu o potencial comercial das investigações e dissecou o cadáver
em suas páginas. Em The Mysterious Death of Mary Rogers: Sex and Culture in 19th-Century
New York (1995), a pesquisadora Amy Gilman Srebnick defende a tese de que a morte de Mary
Rogers deu forma e substância aos medos de desprotegidas mulheres em uma cidade cheia de
gangues e homens solitários perambulando pelos bares, hotéis e parques públicos. Para a
historiadora americana, o mistério da “morte da cigarreira”, como também é chamado, marca
“o ponto no qual a saga da morte feminina violenta tornou-se um crítico, talvez definitivo,
aspecto da cultura urbana moderna”. Poe se inspirou no caso e escreveu O mistério da morte
de Marie Rogêt (1842), um dos três livros que fundam o gênero no ocidente. Ao tomarmos
como premissa que Edgar Allan Poe lançou, na década de 1840, as bases do que hoje se entende
como literatura policial, é preciso analisar as condições de nascimento ー uma arqueologia ー
desse gênero, e por que os temas da mulher morta e da mulher desaparecida se tornaram centrais
em sua obra. Este trabalho visa a compreender, portanto, como o momento em que emerge a
literatura de Poe faz com que sua obra seja impulsionada a ponto de se transformar em um
paradigma de entretenimento para consumo, isto é, como as narrativas do feminicídio
cooperaram para a fundação da modernidade. A motivação dessa análise se deu, sobretudo, a
partir da percepção de que há, sem dúvida, a proliferação de narrativas sobre o feminicídio e o
desaparecimento de mulheres no cenário narrativo contemporâneo. Não se trata apenas de uma
literatura acadêmica ou de elite, mas de uma produção (inclusive audiovisual) comercial de
grande alcance, com um público consumidor bastante fiel e previsível. Além disso, em uma
perspectiva comparativa, a dissertação em construção analisa o romance 2666 (2004), do autor
chileno Roberto Bolaño. Um dos principais alicerces do romance é a sucessão de estupros,
feminicídios e desaparecimento de mulheres na cidade de Santa Teresa (nome fictício de
Ciudad Juárez, na fronteira entre os Estados Unidos e o México), desenvolvidos no capítulo
intitulado “A parte dos crimes”. Se a obra de Poe se inscreve no período que se convencionou
chamar Segunda Revolução Industrial, com a emergência das máquinas a vapor, da eletricidade,
da imprensa popular urbana e da vida citadina como a conhecemos hoje, por outro lado é
necessário circunscrever a obra de Bolaño em um problema territorial latinoamericano,
globalizado, fronteiriço. Enfim, como se produz o homo sacer das margens (fronteiras)
latinoamericanas? Por que são mulheres? Por que Roberto Bolaño deixou tantas pistas que
apontavam para o problema do feminicídio em Santa Teresa como uma chave para a
compreensão do contemporâneo, particularmente a questão do capitalismo de fronteira e do
capitalismo de entretenimento?
Palavras-chave: Literatura Policial. Feminicídio. Desaparecimento. Mulheres.
“PÍNCHE, CABRONA, VOU TE MOSTRAR QUEM MANDAAQUI”: CENAS DE
VIOLÊNCIA EM WHAT NIGHT BRINGS, DE CARLA TRUJILLO
Nathália Araújo Duarte de Gouvêa
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Apesar de atos de agressão física ou verbal encontrarem-se presentes em qualquer
sociedade e cotidianamente aparecerem na mídia, a representação de violência na literature
pode causar um impacto duradouro nos leitores. O machismo, a repressão e o preconceito geram
explosões de violência contra mulheres em várias partes do mundo. Sistemas opressores
frequentemente instituem uma grande quantidade de fatores geradores de agressão em grupos
dominados: padrões de abuso para manter a dominação, justificativas sociais, sigilo ou falta de
representatividade são alguns. Nas sociedades ocidentais, as mulheres tendem a ser vistas como
submissas, ou até, como as guardiãs das regras mas nunca as autoras delas. Na comunidade
chicana, um sistema patriarchal, há uma tendência forte de mulheres serem ostracizadas das
decisões públicas relevantes. As práticas do machismo inebriam e influenciam a estrutura de
poder. O romance What Night Brings de Carla Trujillo apresenta o processo de amadurecimento
de uma menina chicana em seus anos iniciais da puberdade passados em San Lorenzo,
Califórnia. Lá ela reside com sua irmã Corin, com seu pai extremamente controlador e violento
e com a sua mãe submissa. Essa criança, Marci Cruz, gradualmente descobre questionamentos
internos cruciais ao seu desenvolvimento identitário. Carla Trujillo dramatiza os conflitos
íntimos que Marci enfrenta ao perceber que seu desejo por outras meninas entra em choque
com as normas sociais e culturais. Sua resistência às normas socio-culturais cria um espaço de
confrontamento ao iniciar uma jornada de auto-descoberta e vagarosamente desconstruir os
binarismos hegemônicos que encontra diariamente. Seu desenvolvimento identitário e
sentimento de pertencimento são afetados pela dinâmica familiar e pelo ambiente religioso ao
seu entorno, fato que lhe permite realmente analisar a estrutura de sua comunidade e o que lhe
é exigido enquanto mulher e filha. No romance em questão, o efeito da violência doméstica
praticada contra crianças é narrado em detalhes gráficos por Marci, uma das vítimas. A
especialista em saúde mental de chicanas/os, Yvette Flores-Ortiz, traz que a violência a crianças
inserida na dinâmica doméstica é comum. Se uma criança transgride a hierarquia ou as regras
da casa, pais estão culturalmente autorizados a puní-las fisicamente como forma de educá-las
ou discipliná-as. Homens inseridos em sistemas de poder que endossam o machismo tendem a
ser chauvinistas, emocionalmente indisponíveis e controladores de sua família. Serão usadas as
noções sobre socialização chicana e violência de Carla Trujillo, Glória Anzaldúa, Yvette Flores-
Ortiz, entre outras. Também a noção de fato social de Èmile Drukheim para entender questões
de socialização como formas de agir, pensar e sentir externas ao indivíduo por estarem
entrelaçadas a um poder coercitivo.
Palavras-chave: Literatura chicana. Violência doméstica. Heterossexualidade compulsória.
VIOLÊNCIAS E EXCLUSÃO: UMA LEITURA DO CONTO MADRUGADA, DE
ONDJAKI
Renata Cristine Gomes de Souza
UFF - Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura
RESUMO
A literatura contemporânea procura trazer à tona a história dos vencidos, daqueles que
se encontram em um lugar de subalternidade. Sujeitos que antes não passavam de
personagens secundários passam a figurar os papéis centrais nas tramas. Essa visibilidade
mostra como as trajetórias dessas personagens são cercadas de violências, dentre elas o
apagamento, pois mesmo com o papel central nas narrativas, vemos que há a representação de
seu não lugar social. O passado de seus semelhantes – seja seu povo, pessoas com a mesma
raça, gênero ou classe – e o não lugar a eles relegados exemplificam como suas trajetórias
são marcadas pela crueldade e exclusão. Segundo a estudiosa Maria da Glória Bordini,
vivemos em um tempo em que os atos de violência estão muitos presentes. Tais atos
determinam a divisão social e criam espaços de exclusão. O presente artigo pretende tratar do
conto Madrugada, de Ondjaki, que tem como tema essas violências às quais o indivíduo
subalternizado está exposto. Dessa forma veremos como a condição e a identidade da
protagonista faz com que ela esteja exposta a vários tipos de violência, que são descritas ao
longo das quatro páginas que formam o texto. Apesar de curto, o conto tem uma força brutal,
mostrando que a classe e o gênero são determinantes para o desenvolver da história. O nome
do livro, E se amanhã o medo, diz muito sobre os contos que estão nele, histórias de um
passado que se reflete no presente e que se estendem para o amanhã. Há o medo de que as
ficções que lemos ao longo do livro ainda sejam possíveis no amanhã (e, infelizmente são,
visto que o livro foi publicado há cerca de 12 anos). Parte das histórias trata dessa relação
entre o medo e a violência, medo de não conseguir resistir, medo de ser que se é, medo de
uma felicidade momentânea, até mesmo o medo do outro, “do mais forte”. “Madrugada”,
conto composto por longos parágrafos, não tem diálogos, repletos de descrições, o que
ressalta o apelo visual das cenas narradas. O texto não foge dessa esfera do medo que permeia
o livro ao qual pertence. Ele tem como uma das temáticas o medo que é viver na cidade,
exposta a qualquer tipo de violência, e, mais do que isso, trata do horror que é ser uma mulher
nas ruas sem os direitos básicos de higiene e de proteção ao próprio corpo. Do medo de ser
uma minoria pertencente ao gênero feminino. No texto vemos uma série de violências pelos
quais passa uma moradora de rua que, menstruada, lida com a animalização, a exclusão, e a
violência. O conto se diferencia da grande maioria dos textos angolanos da
contemporaneidade, por não trazer uma relação com a história e nem com o espaço angolano.
Como não há indícios de localização na há história, o seu cenário pode se tratar de qualquer
cidade, em qualquer país. Luanda, Rio de Janeiro ou Maputo, não temos uma descrição que
nos dá indícios através das imagens criadas pelo narrador. Dessa forma o texto se distancia de
uma criação de imagem nacional que costumamos ver nos textos angolanos e que vemos em
outros contos que compõem o livro. Em nossa análise traremos teóricos como Linda
Huctheon, Maria da Gloria Bordini, Gayatri Spivak e Paul Ricoeur.
Palavras-chave: Violência. Subalternidade. Mulher. Exclusão.
CANTANDO A ESCÓCIA: A MEMÓRIA PRESERVADA EM CANÇÕES E
POEMAS EM A SCOTS QUAIR, DE LEWIS GRASSIC GIBBON
Carolina de Pinho Santoro Lopes
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Canções e poemas são parte fundamental da herança cultural de uma comunidade,
constituindo um elemento importante da memória coletiva. Segundo Maurice Halbwachs
(2015, p. 102), a memória coletiva se distingue por “uma continuidade que nada tem de
artificial, pois não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na
consciência do grupo que a mantém”. Assim, a memória está ligada à permanência e faz parte
da vida dos membros de uma comunidade. O objetivo deste trabalho é analisar como a
presença de canções e poemas em A Scots Quair (1932-4), de Lewis Grassic Gibbon, reflete
uma mudança de atitude em relação à tradição escocesa ao longo do tempo. Lewis Grassic
Gibbon é o pseudônimo adotado por James Leslie Mitchell (1901-1935) em suas obras mais
relacionadas com a Escócia. O interesse do autor por história e sua preocupação com a
desigualdade social têm forte influência em seus textos. Simpatizante de correntes de
esquerda, Gibbon se considerava “um escritor revolucionário”, chegando a declarar que
odiava o capitalismo e que todos os seus livros seriam “propaganda explícita ou implícita”
(GIBBON, 2001, p. 738-9). Ele produziu sua obra no período que ficou conhecido como a
Renascença Literária Escocesa moderna, caracterizado pela preocupação de, por meio de uma
reavaliação da história e da literatura nacionais, buscar entender o que formaria a identidade
escocesa e apontar o melhor caminho para o futuro da nação. Assim, é relevante se levar em
consideração o posicionamento político do autor na análise de seus textos. A trilogia A Scots
Quair tem como fio condutor a história de Chris Guthrie entre 1911 e os anos 1930,
acompanhando desde a adolescência até a vida adulta da personagem e mostrando também as
transformações na sociedade escocesa nesse período. Os três romances – Sunset Song, Cloud
Howe e Grey Granite – se passam em lugares ficcionais, mas localizados pela descrição do
autor no nordeste da Escócia, onde ele nasceu. A mudança de cenário a cada obra da trilogia
espelha a transição de uma sociedade rural para um ambiente urbano e industrializado. A
abordagem dos poemas e canções presentes na trilogia sofre mudanças ao longo dos três
romances. Como o título de Sunset Song sugere, as cantigas têm papel de destaque nessa obra,
fazendo parte do cotidiano da comunidade rural retratada. A título de ilustração, podemos
citar a canção The Flowers of the Forest, um lamento aos mortos em uma batalha do século
XVI, que é retomada em referência à Primeira Guerra Mundial. A saída de Chris do ambiente
rural marca uma mudança no tratamento dispensado pela comunidade à tradição folclórica e
literária. Em Cloud Howe, segundo romance do Quair, as referências a Robert Burns, poeta
nacional da Escócia, passam a ser mais irreverentes, a exemplo de: “lá nasceu o poeta Robert,
o que dormiu com quase tantas mulheres quanto Salomão, só que nem todas de uma vez”
(GIBBON, 2006, p. 271). Além disso, uma cantiga de Burns, Up in the Morning Early, que é
entoada de forma séria no casamento de Chris em Sunset Song, é parodiada em um protesto
no último romance, Grey Granite. Assim, a abordagem dos poemas e canções vai
modificando-se, com a subversão do enfoque mais sério usado antes, mas sem que eles
deixem de fazer parte da memória da comunidade.
Palavras-chave: Memória. Ficção escocesa. Canções.
A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E SEUS PRECURSORES: A TERCEIRA
GERAÇÃO DE ESCRITORES JUDEUS, SAMUEL RAWET E ELISA LISPECTOR
Débora Magalhães Cunha Rodrigues
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A literatura contemporânea tem apresentado especial preocupação com questões que
dizem respeito à memória, à identidade e à mobilidade. Segundo as organizadoras do volume
O futuro pelo retrovisor – inquietudes da literatura brasileira contemporânea, “a atual literatura
brasileira está caminhando neste momento para uma releitura das tradições da modernidade,
saqueando ou revisitando o passado” (CHIARELLI; DEALTRY; VIDAL, 2013). A produção
literária contemporânea, portanto, notabiliza-se por aprofundar, questionar e (re)inventar as
tradições, as origens e seus percursos pelo mundo. Entretanto, para compreender a literatura
brasileira contemporânea será necessário esclarecer o que é o contemporâneo. Karl Erik
Schollhammer afirma que o contemporâneo “não é aquele que se identifica com seu tempo, ou
que com ele se sintoniza plenamente. O contemporâneo é aquele que, graças a uma diferença,
uma defasagem ou um anacronismo, é capaz de captar seu tempo e enxergá-lo”
(SCHOLLHAMMER, 2009, p.9). O que define o contemporâneo é, sobretudo, a capacidade de
distinguir as contradições e as nuances de seu tempo. Schollhammer continua sua elucidação
afirmando que a literatura contemporânea não é obrigatoriamente aquela que representa a
atualidade “a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a faz perceber as
zonas marginais e obscuras do presente” (2009, p.10). A capacidade de enxergar as sombras e
aquilo que não se vê com clareza, porque é sempre ocultado pelas ilusões cotidianas, são marcas
do contemporâneo. Deste modo, o escritor “parece estar motivado por uma grande urgência em
se relacionar com a realidade histórica”, mesmo que reconheça a impossibilidade de capturá-la
(2009, p. 10). O escritor é, portanto, o sujeito que, atento às sombras e às nuances da realidade,
intenta expressá-las de forma a dar a ver o que o cotidiano tenta esconder. Sendo assim, dentre
os escritores brasileiros contemporâneos, um grupo tem se destacado pelo desenvolvimento de
uma literatura atenta às sombras provocadas pelas narrativas canônicas, assim como às questões
referentes à memória, à identidade e à mobilidade. São os escritores da “terceira geração” –
brasileiros descendentes de imigrantes judeus, nascidos entre as décadas de 1960 e 1970, cuja
literatura ecoa as origens familiares – como denominou Eurídice de Figueiredo (2016, p. 81).
Este grupo é composto por escritores destacados como Noemi Jaffe, Michel Laub e Tatiana
Salem Levy, entre outros. Para Eurídice Figueiredo, estes escritores produziram ao menos uma
“narrativa de filiação” na qual tentam “refazer o percurso de chegada dos imigrantes e a
construção de uma família brasileira, sem abandonar as raízes judaicas” (2016, p. 81). Este
grupo relaciona-se com a realidade histórica, assinalando a urgência de se (re)pensar o passado,
a tradição e o estrangeiro, visto que estamos vivendo a “era do refugiado”, como assinalou Said
(2003, p. 47). Deste modo, pretendemos analisar em que medida a produção literária destes
autores contemporâneos colabora para a releitura de escritores como Samuel Rawet e Elisa
Lispector que, embora tenham recebido crítica favorável, foram esquecidos e somente agora
retornam à cena literária. Podemos considerar estes autores os precursores de nossos
contemporâneos, em especial da “terceira geração”? De que forma Rawet e Lispector
distinguiram as contradições e nuances de seu tempo, para que voltem a ser lidos pela atualidade
de seus textos?
Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea. Narrativa de filiação. Terceira geração.
Samuel Rawet. Elisa Lispector.
UMA CONSCIÊNCIA DA IMORTALIDADE EM ACROSS THE RIVER AND INTO
THE TREES, DE ERNEST HEMINGWAY, E DU CÔTE DE CHEZ SWANN, DE
MARCEL PROUST
Manoela Caroline Navas
UNESP/Ibilce – Programa de Pós Graduação em Letras
RESUMO
A presente comunicação tem como objetivo estudar as similaridades e divergências da
construção de mecanismos de confronto ao tempo e à morte nos romances Du côte de chez
Swann (1913), de Marcel Proust, e Across the river and into the trees (1950), de Ernest
Hemingway, com o objetivo de compreender como se dá a busca por uma consciência da
imortalidade frente ao obstáculo do dado finito da morte, e como isso pode estar associado ao
trabalho árduo de elaboração do lembrar e do escrever. A proposta deste trabalho começa com
a transcrição de um trecho de uma carta de Hemingway para seu amigo Arthur Mizener, em
22 de abril de 1950, sobre uma das suas obras recém-editada para publicação: “I am happy if
you like what you have seen of the book. I would like it [to] be better than Proust if Proust
had been to the wars and liked to fuck and was in love” (HEMINGWAY, apud BAKER,
1985, p. 691). A obra citada por Hemingway é seu romance Across the River and into the
Trees, publicado no mesmo ano. O conteúdo do relato revela uma comparação pouco
explorada ainda pelos estudiosos de Hemingway: uma relação com o autor francês Marcel
Proust. Qual seria então a conexão entre o romance e a obra-prima proustiana Em busca do
tempo perdido? Além disso, haveria alguma relação com o dado histórico da guerra e em que
medida isso diferencia as duas obras? Na tentativa de elaborar uma resposta, propomos,
primeiramente, estabelecer a chave do gênero dos dois romances, dado o caráter
autobiográfico encontrado nas obras (SAVIETTO, 2002), bem como será feita uma análise
das suas estruturas considerando suas complexas trocas temporais e suas reverberações no
trato com o tempo presente e com o tempo passado. Vale aqui uma colocação dada por
Gagnebin (2009) sobre a escrita proustiana ser “um trabalho de travessia, de prova, de escuta,
de exploração tateante de um imenso território desconhecido” (p.159). Essa citação tem como
intuito demonstrar as dimensões que assumem os relatos do narrador em Du côte de chez
Swann, que vão para além das enumerações das lembranças felizes, à qual muitas vezes a obra
é reduzida. Para se alcançar essas dimensões, a construção da narrativa assume um
mecanismo de trocas temporais disparadas pelo narrador em primeira pessoa, Marcel, que
acabam por evidenciar o imediatismo do tempo presente. E o mesmo pode ser dito sobre o
romance de Hemingway, contudo uma diferença evidente é o tratamento dado às conexões
estabelecidas nos narrativas. O narrador de Proust, Marcel, auxilia o leitor a se enveredar por
suas conclusões, enquanto que o Coronel de Hemingway deixa o trabalho de conexões a cargo
do leitor. Após, será apresentada uma análise no que concerne a identificação dos usos e
elaborações das memórias voluntárias e involuntárias (BAKER, 1974); (RICOEUR, 1995),
bem como as construções textuais que disparam essas memórias (STOLTZFUS, 2003).
Estabelecidas essas primeiras noções, poderão, por fim, serem abordados como ambos os
romances lidam com essas memórias para a construção de mecanismos de reconhecimento da
morte e do tempo (GAGNEBIN, 2009) que serão a chave para o entendimento desses
obstáculos, para que seja por fim possível desenvolver uma consciência de sobrevivência e,
consequentemente, o aspecto simbólico da imortalidade.
Palavras-chave: Hemingway. Memória. Proust. Sobrevivência.
O CONFLITO DE GÊNERO EM NA NOITE ESTRELECIDA: TORNANDO A
GALÍCIA UMA TERRA DE HOMENS
Thayane Gaspar Jorge
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
O discurso da herança celta serviu de fomento para a articulação e projeção dos
discursos nacionalistas do século XX tanto em um país como a Irlanda quanto em lugares onde
sua aceitação ainda é controversa e polêmica, como é o caso da Galícia. A raça celta e o passado
comum destas duas regiões, conforme a revisão histórica feita no livro Lebhar Gabhála
Éireann, tornaram a ideia do celtismo um recurso basilar para que Irlanda e Galícia
legitimassem seus anseios pela independência dos domínios britânico e espanhol,
respectivamente. Contudo, o tropo do celtismo sofreu uma deterioração a partir do discurso do
estereótipo colonial que feminizava as colônias e masculinizava as metrópoles. A feminização
das terras irlandesa e galega servia de argumento para endossar o exacerbado sentimentalismo
melancólico em detrimento da razão, do que resultava uma incapacidade de se autogovernar
por conta da sua inferioridade face às terras ditas masculinas que as subjugavam. William B.
Yeats e Ramón Cabanillas, autores expoentes do movimento nacionalista que buscavam uma
(re)valorização da cultura, idioma e literatura de seus países, e abordaram essas questões de
conflito de gênero nos poemas “The wanderings of Oisin” e “Na noite estrelecida”. Ambos se
desfizeram das figuras femininas, já amaldiçoadas pelo discurso imperialista, e buscaram a
virilidade de heróis celtas, como Oisin e Rei Arthur, como uma nova estratégia para subverter
esse estereótipo pejorativo. Através dessas obras, eles fizeram da Irlanda e da Galícia uma terra
de homens fortes capazes de lutar contra Grã Bretanha e a Espanha. O celtismo se torna o
sustentáculo do discurso nacionalista e fica no cerne da construção identitária e da resistência
cultural contra a hegemonia das metrópoles representadas pela Grã Bretanha e a Espanha. Esse
discurso e a utilização do mito celta protohistórico como a reivindicação de uma raça que diferia
do restante da Europa era algo perigoso que a qualquer momento poderia conceder ao
movimento nacionalista um caráter racista que poderia criar obstáculos na aceitação dessa
teoria. Contudo a virada utilizada para inviabilizar o movimento não passou pelo
questionamento do conceito de raça, mas pela associação entre o celtismo e o gênero feminino.
Por trás desse questionamento, encontramos também uma moralização em cima das
expectativas que recaíam sobre as mulheres dessa época em contraposição com a realidade das
mulheres galegas do começo do século. A origem céltica passou a representar
subdesenvolvimento, pensamento acrítico e imoralidade das mulheres galegas. No século XX,
proliferam-se narrativas que buscam fixar imagens de mulheres galegas que expressavam sua
sexualidade mais livremente. Há de se mencionar a situação atípica das mulheres galegas neste
contexto. De fato, as mulheres galegas gozavam de uma maior autonomia neste momento, em
contraste com outras localidades. E os fatores para essa situação eram as tradições e
principalmente a forte emigração masculina que incumbia as mulheres a serem chefes do lar, a
trabalharem e a criarem os filhos. Recaía sobre as mulheres responsabilidades que costumavam
serem exclusivas do gênero masculino.
Palavras-chave: literatura galega; celtismo; gênero.
O DISCURSO PEDAGÓGICO MATRIMONIAL N’A DEMANDA DO SANTO GRAAL:
A RAINHA GENEVRA COMO MODELO DE FEMINILIDADE MEDIEVAL
Ana Luiza Magalhães Poyaes
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
A necessidade de controlar e vigiar as mulheres não são exclusivos da Idade Média,
porém é nesse período que a custódia se dá através da religião, onde o caráter moralizante das
Reformas Gregorianas perpassa toda a sociedade ocidental, desde o século XI. A consagração
do casamento aparece como um estatuto inquebrável, um código do comportamento coletivo
que deve ser seguido por toda a sociedade para garantir uma normatização das relações de
poder, instituindo dentro do matrimônio as definições de domínios e funções que seriam
relegadas a cada um dos sexos. O modelo conjugal cristão que está em voga na Idade Média
caracteriza-se pela valorização da virgindade das mulheres, pelo controle territorial e pela
obediência feminina à figura masculina, reforçando o caráter hierárquico da relação entre o
casal (DUBY, 1989, p. 18). A Demanda do Santo Graal é uma novela de cavalaria do século
XIII, tem origens na cultura celta, em textos franceses medievais e na Matéria de Bretanha.
Seu conteúdo foi, entretanto, cristianizado. É através da presença de princípios cristãos na
obra que podemos observar como o discurso eclesiástico visava moldar as feminilidades
medievais por intermédio do casamento – sendo a castidade, a devoção e a obediência as
principais características exigidas para uma “boa esposa”, modelo amplamente propagado por
intelectuais e eclesiásticos. A personagem Genevra é representada como um modelo desse
ideal que se estabelecia no seio da sociedade medieval, onde as rainhas e damas da alta
nobreza deveriam servir de exemplo para as demais mulheres. A infidelidade conjugal é outra
característica importante a ser observada na personagem, Genevra representa a mulher
católica que subverte princípios moralizantes da Igreja, como o matrimônio, mantendo uma
relação extraconjugal. A infidelidade de Genevra, desse modo, pode ser compreendida como
uma desobediência às normas de controle tão exaltadas e sacramentadas pela pedagogia
clerical. A traição da rainha estava ligada à insubordinação ao seu papel de mulher casada, em
que a fidelidade e submissão eram critérios fundamentais da lógica matrimonial imposta pela
pastoral do bom casamento, “onde a boa esposa é, por isso mesmo, boa cristã, irrepreensível
aos olhos de Deus” (VECCHIO. 1990, p.171). Ao escolher o texto A Demanda do Santo
Graal, tenho em vista a afirmação da historiadora Lênia Mongelli, segundo a qual se trata de
“um texto considerado o maior monumento literário da Idade Média portuguesa” (1995, p.
12), para a partir de então entrar em contato com os princípios do pensamento cristão
medieval português. A metodologia utilizada é analise do discurso, visando investigar a
retórica presente d’A Demanda do Santo Graal. O presente artigo busca analisar indícios de
como se davam as relações conflituosas entre dogmas católicos e a formação do arquétipo de
mulher casada através da literatura.
Palavras-chave: Matrimônio. Mulheres. Literatura Portuguesa. Idade Média.
OS SERMÕES DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA/ DE PÁDUA: ELEMENTOS
RETÓRICOS, TEOLÓGICOS E CONTEXTUAIS
Émili Feitosa Olenchuk
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Santo Antônio de Lisboa / de Pádua viveu entre 1191 e 1231, período conhecido como
Baixa Idade Média (século XIII ao XV), estudou nos centros de ensino mais proeminentes de
Portugal em sua época, Mosteiro de São Vicente e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, o que
lhe possibilitou assimilar vasto conhecimento que seria usado posteriormente na pregação e
no combate aos hereges, sobretudo os cátaros. Em uma época de efervescência religiosa, em
que os fiéis exigiam maior participação na vida eclesiástica, e de crescentes críticas, os
movimentos mendicantes foram o sustentáculo de Roma: os dominicanos com os estudos e
com a pregação, e os franciscanos com a pregação por meio sobretudo da vida exemplar. É
também nesse período que tem início o estabelecimento de uma arte de pregar medieval, que
possuía como referência a própria prédica dos primórdios do Cristianismo, baseando-se em
Jesus Cristo e no apóstolo Paulo. Além de tais referências, Antônio baseou-se nos Padres da
Igreja, principalmente Santo Agostinho e Gregório Magno; em autores pagãos como
Aristóteles, cuja filosofia e retórica se expandiram no ambiente religioso cristão; e em
diversos preceptores do século XIII, dentre eles Guiberto de Nogent, propulsor da
interpretação polissêmica das Escrituras, e Alan de Lille com o mais poderoso tratado
retórico produzido após Doutrina Cristã. O frade minorita compôs cinquenta e três Sermões
Dominicais e vinte Sermões Festivos, além de quatro sermões destinados às festas de Nossa
Senhora entre os anos 1227 e 1231. A obra obedece ao plano da liturgia do ano. Valeu-se de
todo o conhecimento adquirido nos mosteiros pelos quais passou e da ars praedicandi do
período, mostrando-se bastante familiarizado com as questões de seu tempo. Criticou
severamente aos sacerdotes iníquos, organizou de forma sistemática a teologia da Trindade e
se pôs como eco estrondoso do IV Concílio de Latrão. A importância de Antônio residia
justamente no fato de reunir em torno de si conhecimento substancial e conversão total ao
franciscanismo, evitando, assim, uma clericalização que tiraria o atrativo da ordem
franciscana. Em seus sermões, destinados aos pregadores, é possível verificar a presença de
vários elementos persuasivos que possuem como objetivo alcançar a benevolência do ouvinte
e, assim, atingir o propósito máximo, no dizer de Santo Agostinho: instruir para convencer e
comover. Para alcançar tal propósito, fez amplo uso das cláusulas, das Ciências Naturais, dos
Pais da Igreja, de escritores pagãos e dos bestiários medievais. Este último foi de vital
importância principalmente na pregação contra os hereges cátaros, que negligenciavam a
natureza como algo puro e de onde se poderia retirar preceitos espirituais ocultos. São esses
os objetos retóricos, textuais e contextuais, a serem observados na comunicação.
Palavras-chave: Retórica. Sermões. Santo Antônio. Idade Média.
TRÁGICO DESTINO DOS TRIÂNGULOS AMOROSOS NA NOVELA CAMILIANA
– UMA ANÁLISE DAS PERSONAGENS DE AMOR DE PERDIÇÃO E A SEREIA
Guilherme Nogueira Milner
UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
RESUMO
Escrita por Camilo Castelo Branco em 1862, a novela Amor de Perdição é, sem
dúvidas, um dos grandes clássicos da literatura portuguesa oitocentista. Livro muito lido,
muito conhecido e que, por um bom tempo foi bastante estudado, vai contar a história dos
apaixonados Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, jovens ligados por uma grande e
sincera paixão que não poderia ser consumada visto o ódio entre a família Botelho e a
Albuquerque. Assim sendo, o primeiro triângulo amoroso da obra vai ser entre Simão, Teresa
e seu primo, Baltasar Coutinho, a quem ela foi prometida. Esse, que acaba assassinado por
Simão, dando lugar ao segundo triângulo amoroso da novela, entre Simão, Teresa e Mariana.
O pundonor de Tadeu de Albuquerque e Domingos Botelho, faz com que seus filhos ladrilhem
o caminho para a morte. Deixam-se morrer, primeiro, Teresa no convento, depois, Simão no
caminho para o degredo nas Índias. Mariana, que também não teve seu amor correspondido
por Simão, comete suicídio se jogando ao mar para abraçar o cadáver do amado. Todas as
personagens principais, assim, marcadas por um destino trágico: o suicídio. Este que, aqui,
estudamos de acordo com o trabalho teórico sobre a morte-voluntária conforme proposto por
Durkheim, Solomon e Stengel. Em A sereia, 1865, com um enredo parecido ao de Amor de
Perdição, os jovens também se apaixonam, só que, da mesma forma, encontram na família,
contra o relacionamento dos dois, o empecilho para consumir esse amor. Gaspar de
Vasconcelos, apaixonando por Joaquina Eduarda, era, contudo, prometido em casamento para
sua prima. Vemos que, se Teresa foi para o convento e Simão para a prisão pelo assassinato de
Baltasar, Gaspar acaba por roubar dinheiro de seu pai, Pedro de Vasconcelos, e seu tio, e foge
do país com Joaquina Eduarda. As dificuldades, todavia, forçam o casal a se separar,
começando, enfim, o rumo para desfecho trágico da narrativa e do triângulo amoroso.
Afastado de Joaquina e lidando com a intransigência de Pedro de Vasconcelos que ainda exige
o casamento com sua prima – que, também, acaba por morrer –, Gaspar tenta, sem sucesso,
cometer suicídio. Por sua vez, Joaquina Eduarda, longe do seu amado e se sentindo
abandonada, enlouquece. O reencontro dos apaixonados acontece tempos depois, com Gaspar
já usando o hábito eclesiástico, em um momento em que ele é chamado para dar os últimos
sacramentos para Joaquina Eduarda. O saldo dessa aproximação é a morte de Gaspar e o
suicídio por afogamento de Joaquina. Assim sendo, tanto em Amor de Perdição quanto em A
sereia, podemos perceber que o triângulo amoroso entre casais que não podem ter seu amor
consumado, geralmente pela intransigência ou o pundonor dos pais dos apaixonados, resulta
sempre na morte dos amantes que deixam-se morrer, quando não eliminam antes o rival.
Afinal, segundo Menninger, o suicídio uniria o “desejo de matar, o desejo de ser morto e o
desejo de morrer”. Afinal, o que seria a vida terrena perto da promessa de felicidade eterna na
outra vida? Neste trabalho, então, me preocupo em apresentar essa relação do Eros e
Thanatos, como proposta de acordo com Freud na novela camiliana, analisando a passagem
das personagens até seu derradeiro fim, sem esquecer, também, um outro famoso triângulo
amoroso do período romântico, de um livro supostamente responsável por uma grande onda
de suicídios na Europa, Os sofrimentos do Jovem Werther, que narra o amor da personagem
que dá nome ao livro pela bela Charlotte, prometida de Albert.
Palavras-chave: triângulo amoroso; suicídio; romantismo; Camilo Castelo Branco.
MULHERES LOUCAS. O MOMENTO DA LOUCURA NAS PERSONAGENS
FEMININAS DE CAMILO CASTELO BRANCO
Nayara Helenn Carvalho dos Santos
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
O século XIX foi uma época difícil para as mulheres. Camilo Castelo Branco constrói
suas personagens em meio a um contexto histórico opressor de uma sociedade onde os
homens tinham direitos e elas não. As mulheres tinham poucas opções de escolha na vida. No
início, para as fidalgas, as únicas duas alternativas viáveis eram o casamento ou o ir para o
convento, o que era marca do absolutismo na época. Já para as moças de família humilde,
restava a peleja da lavoura nos campos, o trabalho pesado no comércio, e depois de alguns
anos, nas fábricas. Quando as personagens são analisadas, notam-se aspectos vivenciados por
gerações femininas com modos diferentes do comportamento que era esperado para elas.
Comportamento medido pelo comedimento e pelo recato. No momento em que essas
mulheres saem do padrão, suas atitudes são interpretadas como indício de loucura, em uma
tentativa de justificar a rebeldia das moças. Personagens como Joaquina Eduarda do romance
A Sereia e Maria de Nazaré também conhecida como A doida do Candal, são consideradas
loucas quando demonstram características como inquietação, imprudência, excessos
passionais e se deparam com o destino que as alcançam ao final da história. Depois da
loucura, vem a morte. O principal objetivo da pesquisa é mostrar como as personagens
camilianas se relacionam com a sociedade portuguesa desse período, como Camilo dava
importância ao papel das mulheres com seus respectivos destinos e porque elas recebiam
atestado de loucura por agirem em desespero em meio a uma sociedade controladora e
machista. Muitas das obras de Camilo carregam, no título, referência ao feminino, como por
exemplo: A bruxa de monte Córdova; A mulher fatal; A viúva do enforcado; A doida do
Candal; A sereia; a Brasileira de Prazins; O retrato de Ricardina; entre outras. Isso mostra
como o autor ressalta o papel da figura feminina e como ele as inclui em problemáticas
sociais importantes para o desenvolvimento de Portugal. Nos romances camilianos a figura
feminina ganha espaço para atuar como protagonista. Diferente do que era esperado por uma
sociedade misógina, as mulheres descritas por Camilo não eram vistas como tolas. Elas
tinham capacidade de pensar, tomar decisões e eram relevantes na sociedade. Mesmo com
toda a padronização que existia no comportamento feminino da época, essas personagens
eram movidas pelo desejo apesar de haver o sentimento de culpa em meio a suas ações.
Talvez o desejo, o arrependimento, a saudade, a sexualidade, a infelicidade são características
que, naquela época, eram chamadas de loucura pelos conservadores.
Palavras-chave: Mulheres. Loucura. Personagens. Camilo.
IDENTIDADE EM TRÂNSITO: “CADERNOS DE MEMÓRIAS COLÔNIAS”, DE
ISABELA FIGUEIREDO
Elisangela Silva Heringer
UFF/CEDERJ
RESUMO
O presente trabalho, que tem como objeto literário a obra Cadernos de memórias
coloniais, de Isabela Figueiredo, pretende analisar como a memória evocada no livro e a teoria
pós-colonial permitem ou provocam uma outra leitura da presença colonial em Moçambique
através da problematização das identidades e dos discursos colonialistas. O pós-colonialismo e
a sua intenção de revisitação e de revisão do período imperial e colonial a partir das vozes
marginais, dos borramentos das fronteiras e do uso da ironia como estratégia política e textual
procura subverter, questionar e problematizar a presença do colonialismo em terras africanas
bem como a consequências vivenciadas por colonos e colonizados com a independência das
colônias. Desta forma, as tensões discursivas e identitárias se verificam em trânsito entre o
vivido pela narradora e o defendido no discurso colonial, visto que diferentes papéis
“identitários” são assumidos pela personagem: de colonizadora a regressada. Considerando que
a obra se origina do blog mantido pela própria autora, questões como memória pessoal e
memória coletiva perpassam o texto que se faz em uma espécie de diário, verificando como o
processo mneumônico resgata fragmentos e vestígios da história pessoal que parece ser
moldada pela história do processo de colonização e independência da nação africana. Além
disso, tensiona-se problematizar como estratégias textuais reforçam o posicionamento político
e ideológico da autora-personagem na obra posta em análise. Para tais reflexões, valemo-nos
de teóricos da memória como Todorov, Paul Ricoeur, Maurice Halbswachs, Beatriz Sarlo e
Myrian Sepúlveda dos Santos e, para nos auxiliar nas análises sobre identidade e discurso
colonial, convocaremos Stuart Hall, Boaventura Santos e outros. E, pensando nas estratégias
textuais da ironia, os postulados de Linda Hutcheon e de Lélia Parreira Duarte. Destarte, unindo
teoria e análise textual, história oficial e memória pessoal, e trânsito espacial, uma tentativa de
problematizar um “eu” inscrito em textos autoficcional se esboça.
Palavras-chave: pós-colonial. Identidade. Memória. Ironia.
SUBJETIVIDADES E CORPOS EM TRÂNSITO: CONCEPÇÕES DE “LAR” EM MY
BROTHER DE JAMAICA KINCAID E AT THE LISBON PLATE DE DIONNE
BRAND
Fernanda Vieira de Sant’Anna
UERJ/PPGL-FAPERJ
Jânderson Albino Coswosk
UERJ/PPGL-Ifes
RESUMO
Compreende-se que não há um entendimento fixo ou definitivo para “lar”,
especialmente quando lidando com subjetividades diaspóricas. Isto posto, pode-se desdobrar
múltiplas configurações de “lar” e sua relação com espaço, lugar e corpo, junto de
pertencimento/não-pertencimento e o entre-lugar. Para sujeitos diaspóricos, aqui fisicamente
e/ou socialmente deslocados, como povos originários que foram “estrangeirizados” em suas
terras nativas (MINH-HA, 1991, p. 261), como dito por Avtar Brah (1998), ‘lar’ é um lugar
mítico de desejo no imaginário diaspórico, é um lugar de não retorno, mesmo que seja possível
visitar o território geográfico que é visto como local de ‘origem’ (BRAH, 1998, p. 192). Este
trabalho pretende desdobrar a des(re)construção de “lar” imbuído em subjetividades no entre-
lugar através da escrita autobiográfica de My brother (2012 [1997]), de Jamaica Kincaid, bem
como do conto At the Lisbon Plate, de Dionne Brand, extraído de seu livro de contos Sans Souci
and Other Stories (1989). O remapear de Kincaid de lar e sua terra natal, Antigua, se coloca
como consideravelmente ambivalente enquanto descreve a paisagem e retrata o que confere
especificidade a um dado local, que é uma constelação de relações sociais particulares
(MASSEY, 1994, p. 154). Brand situa a inserção do corpo negro feminino nas mobilidades
globais – o corpo enquanto local primeiro de movimento, lar e espaço, representando esse corpo
diaspórico enquanto um “devir-corpo” – “corpo-mulher”, “corpo-lésbico”, “corpo-espaço-lar”.
O conto de Brand desafia regimes de corpos sexualizados e racializados, vítimas do patriarcado
e das heranças coloniais que os expõem como modelos únicos das diásporas pretéritas e
contemporâneas, dos afetos e da vida. Assim, tais deslocamentos permitem-nos notar a
heterogeneidade desses movimentos, os processos de subjetivação que neles ocorrem, além da
impossibilidade de capturar a complexidade dessas massas de corpos dispersas pelo mundo.
Levando em consideração que o feminino em trânsito também ocupa um território liminar que
é múltiplo, diverso e ambivalente (ALMEIDA, 2015, p. 59-60), um “lugar” como “lar” pode
ser entendido como um processo, ao invés de um ponto geográfico fixo. Contudo, é importante
ressaltar que “lar” como metáfora não pode ser considerado uma mera abstração, mas “a
materialidade discursiva de relações de poder” (BRAH, 1998, p. 198, tradução nossa). Em
síntese, como supramencionado, este trabalho se propõe a ampliar os conceitos de “lar” em
subjetividades diaspóricas, através da obra de Kincaid e Brand, At the Lisbon Plate (1989) e
My brother (2012 [1997]), debruçando-se sobre questões como outramento, pertencimento em
sujeitos confrontados pelo des-locamento e de que modo o corpo feminino negro se
instrumentaliza como um mapa, ao codificar suas relações com lar, espaço, gênero e raça.
Palavras-chave: Des-locamento. Entre-lugar. Lar. Corpo. Subjetividades em trânsito.
A IMAGINAÇÃO AFRICANA EM BLACK MAMBA BOY E THE ORCHARD OF
LOST SOULS DE NADIFA MOHAMED
Valeria Silva de Oliveira
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A presente comunicação objetiva apresentar reflexões sobre algumas temáticas que
permeiam as obras Black Mamba Boy e The Orchard of Lost Souls, de Nadifa Mohamed. Críticos
têm tentado descrever as especificidades da literatura africana desde seu surgimento nos círculos
acadêmicos na década de 50. Segundo F. Abiola Irele (2001), um proeminente crítico de
literatura africana da época, o alemão Janheinz Janh (1961, 1966), sugeriu o termo “literatura
neo-africana” para se referir a “[...] um corpus específico de escritos produzidos por Negros na
Idade Moderna e em línguas europeias em ambos os lados do Atlântico [...]” (IRELE, 2001 p.3,
tradução minha). Esses escritos seriam caracterizados por conterem uma visão comum
compartilhada por africanos e afrodescendentes. Nos Estados Unidos na década de 60, escritores
e críticos associados ao Movimento das Artes Negras entendiam a experiência do ‘ser negro'
como parte integrante da literatura negra. Segundo Irele (2001), embora o alemão e os críticos
do movimento realizassem os seus estudos literários a partir de perspectivas e contextos
específicos, ambos convergiam ao pensar a escrita criativa produzida por africanos e
afrodescendentes como meio de expressão de uma identidade negra. Dessa forma, a imaginação
africana e afrodescendente se manifesta como um importante marcador e valorizador das
diferenças. Outra característica comum da escrita criativa negra é a convergência temática. No
caso da literatura africana especificamente, há uma tendência ao engajamento com questões
locais e históricas devido a uma recente experiência colonial traumatizante que permeia a
consciência coletiva até os dias atuais. Assim, a narrativa ficcional se realiza como meio de
resistência e reflexão dessa experiência, ao mesmo tempo em que reconstitui memórias e
questiona as versões estabelecidas pelo discurso do colonizador. Na esteira das escritas
periféricas surge a somali Nadifa Mohamed, filha da diáspora africana. Inspirada pela experiência
de seus familiares e pelos testemunhos das mulheres somalis, a escritora resiste ao apagamento da
memória de sujeitos africanos através da escrita imaginativa. Black Mamba Boy e The Orchard of
Lost Souls se destacam por se tratarem de obras que narram as experiências de sujeitos
deslocados geograficamente e moralmente. Esses sujeitos ocupam o espaço entre-lugar do
imaginário coletivo ao mesmo tempo em que se encontram em busca da construção e o
entendimento de suas identidades. Segundo Glissant (1999, p. 63), a criatividade seria vital no
processo de preencher as lacunas deixadas por uma versão imposta pelo colonizador. Assim, o
imaginário entra em ação reconstituindo histórias locais, reconstruindo vivências e transformando
as tradições através da literatura. Além de preencher as lacunas deixadas pela história oficial,
essas obras também contribuem para denunciar natureza da origem de traumas que são
compartilhados por uma consciência coletiva por diversas gerações.
Palavras-chave: Imaginação Africana. Memória. Violência. Linguagem.
JAMAICA KINCAID E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE SUAS
NARRADORAS EM A SMALL PLACE (1988) E MY BROTHER (1997)
Walter Cruz Caminha
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo a investigação dos principais elementos que constituem
as identidades das narradoras nas obras A Small Place (1988) e My Brother (1997), ambas da
autora antiguana Jamaica Kincaid. Ainda jovem, Kincaid mudou-se para os Estados Unidos,
país historicamente conhecido por suas práticas colonizadoras, e lá tornou-se uma escritora
renomada. Seus romances e textos não-ficcionais trazem representações de sua terra natal e do
Caribe de modo geral, representações estas que são inundadas de nostalgia e duras críticas.
Através do uso de elementos autobiográficos, em especial detalhes de sua infância e
adolescência na ilha de Antígua, Jamaica Kincaid descreve a vida em um país que passou por
processos de colonização e descolonização longos e devastadores. Como sugerido por Susheila
Nasta em seu artigo "‘Beyond the Frame’: Writing a Life and Jamaica Kincaid’s Family
Album” (2009), Kincaid re-imagina seu passado em uma obra de escrevivência ao invés de
escrever sua autobiografia nos moldes tradicionais. Em A Small Place (1988), a autora usa as
características de um guia turístico para denunciar ao visitante inglês contemporâneo - cujos
ancestrais foram responsáveis pela colonização da ilha – a pobreza e exploração presentes em
Antígua, além da negligência dos governantes em relação aos habitantes da ilha. O texto não-
ficcional também faz uma reconstrução da história do país já que apresenta o ponto de vista do
colonizado, confrontando o registro histórico eurocêntrico amplamente divulgado nos livros
didáticos. Já em My Brother (1997), Jamaica Kincaid escreve um memoir baseado na relação
com sua família em Antígua. Após décadas sem retornar, a narradora-personagem faz diversas
viagens à ilha em um curto espaço temporal para visitar seu irmão mais novo, que está morrendo
devido a complicações da AIDS. Estas viagens levam a uma reconstrução de seu passado em
Antígua, onde morou com sua mãe, padrasto e irmãos até os 16 anos, quando migrou para os
Estados Unidos. O resgate deste passado traz referências constantes a sentimentos de
pertencimento e não-pertencimento, já que o deslocamento geográfico e o longo período
afastada, além de sua relação turbulenta com a mãe, tiveram um caráter decisivo em seu
amadurecimento pessoal e profissional. Em ambas as obras, podemos observar características
da construção da identidade das narradoras através de três perspectivas principais: o uso da
língua inglesa como ferramenta de colonização e manutenção de poder sobre as colônias e,
posteriormente, seu uso como forma de denunciar e combater práticas coloniais; a importância
da reescrita da História através de um olhar descentralizado e não-europeu, o ponto de vista do
colonizado; e, por fim, o uso de elementos autobiográficos de Jamaica Kincaid na construção
da narrativa e das narradoras de suas obras.
Palavras-chave: Identidade. Pertencimento. Pós-colonialismo.
AS MÚLTIPLAS VOZES POÉTICAS E ELEMENTOS PROTOFEMINISTAS NA
POESIA DE ANNE BRADSTREET
Aline Fernandes Thosi
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Anne Bradstreet (1612-1672), nascida Anne Dudley em Northampton na Inglaterra,
foi a primeira pessoa nos Estados Unidos da América colonial a ser publicada como poeta.
Seu primeiro trabalho, The Tenth Muse Latetly Sprung Up in America, havia sido publicado
em Londres pelo seu cunhado sem seu consentimento ou conhecimento em 1650. Apesar de
não ter estudado em uma escola por ser mulher, Bradstreet teve acesso a uma boa educação. O
pai da poeta, Thomas Dudley, educado dentro do contexto da tradição elisabetana, dedicou-se
a compartilhar os mesmos estudos e leituras com a filha. Enquanto ainda residia na Inglaterra,
a poeta passava boa parte de seu tempo na biblioteca do Conde de Lincoln, onde seu pai
trabalhava. Por ter lido diversos autores clássicos e contemporâneos, tais como Virgílio,
Plutarco, Tito Lívio, Plínio, Suetônio, Homero, Hesíodo, Ovídio, Sêneca, e Tucídides, assim
como Spencer, Sidney Milton, Raleigh, Hobbes e Du Bartas, podemos presumir que
Bradstreet incorporou em sua escrita padrões da cultura retórica elisabetana, o que levou seus
contemporâneos a acusarem-na de copiar poetas masculinos. Apesar de ser Puritana,
Bradstreet não escrevia apenas sobre religião e família. A poeta dedicou-se a escrever também
sobre assuntos públicos tais como política e história. A sua voz poética pública sustentava o
direito das mulheres de escrever e debater sobre assuntos que, no século XVII, eram de
domínio exclusivamente masculino. Ann Stanford (1975, p.1) afirma que “seus escritos
desafiavam a política inglesa, engajavam-se em embates teológicos e dissecavam a história da
civilização.” Seus trabalhos mostram sua determinação em escrever em defesa da capacidade
intelectual das mulheres, opondo-se aos mais conservadores e dogmáticos de seus
contemporâneos. Ainda de acordo com Ann Stanford (1996, p.376), “[...] para Anne
Bradstreet, este dogma não significa que as mulheres não deveriam usar nunca a sua
inteligência. [...] Em outras palavras, ela não aceitaria mulheres confinadas apenas a assuntos
domésticos como era esperado por John Winthrop.”1 Além de sua voz poética pública voltada
para temas gerais, há outras vozes a escutar em seus poemas. A sua voz poética privada
também não se mostra conformada com os dogmas impostos por sua religião. Heidi L.
Nichols (2006, p.118) comenta que apesar dos puritanos serem considerados pessoas severas
e não expressarem seus sentimentos abertamente, o trabalho de Bradstreet veio acabar com
mais este estereótipo. A poesia de Bradstreet dialoga não somente com o momento em que
viveu, mas representa também uma reação, um desconforto com esse momento. Sua voz
poética foi construída dentro de um contexto histórico opressor que se mostra em seus poemas
engajada com a quebra da tradição patriarcal do século XVII. Este trabalho dedica-se à análise
das múltiplas vozes poéticas de Bradstreet, afim de explorar elementos protofeministas em
seus poemas.
Palavras-chave: Anne Bradstreet. Vozes Poéticas. Protofeminsmo.
1 “Yet for Anne Bradstreet this dogma did not mean that women were not to use their wits at all. […] In other
words, she would not have women confined to household affairs to the extent expected by John Winthrop.”
(Tradução minha)
DA VIVACIDADE DE LADICE À PASSIVIDADE DE MACABÉA:
ESTUDO COMPARATIVO DE EXALTAÇÃO, DE ALBERTINA BERTHA E A HORA
DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR.
Danielle da Silva Leal
UERJ - Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Letras
RESUMO
Os romances Exaltação e A Hora da Estrela são obras singulares da literatura
brasileira, ambas do século XX, mas separadas por mais de 60 anos. Na obra de Clarice
Lispector, aspectos como ingenuidade, anonimato e sua não presença no mundo, sua vida
miserável e seus sonhos ínfimos, chamam a atenção não só por sua construção, mas também
por sua essência, oca e fascinante. Em contraposição a toda essa passividade e silenciamento
diante da vida, está a protagonista do romance de Albertina Bertha, Ladice, personagem
romântica por excelência, que pulsa vida e ambições dignas de uma sonhadora. Exaltação,
livro de estreia da escritora carioca, apresenta tons de inovação e introspecção, este último
traço tendo sido muito caro a Lispector. Bertha, inserida na produção literária feminina do
início do século XX, romancista e ensaísta, teve participação ativa na imprensa periódica do
dado período. Lispector, autora que possui obras fundamentais para o cenário literário
brasileiro, cujo reconhecimento é inquestionável. A hora da estrela conta com vasta fortuna
crítica, que engloba as mais diversas temáticas apresentadas no livro. Por meio de estudos
realizados na área, o presente trabalho busca explorar a temática comparatista, levando em
consideração o período ao qual foram escritos os romances, bem como os entrecruzamentos e
divergências das personagens. O silêncio de Macabéa e o grito pela liberdade de Ladice
compõem as disparidades entre elas. Ao passo que, o de Clarice, se esconde à sombra de
todos, vivendo uma vida digna de pena, sem paixão pela mesma, muito menos ambições e
desejos vivaces e fervorosos. Ao contrário, a personagem o grito de Albertina Bertha mostra-
se para o mundo, sem medo de expor seus sentimentos, que não são levados a sério devido à
sua idade precoce e ao fato de ser mulher; Ladice vive em prol de um amor fantasioso,
pujante, que lhe dá sentido à existência. Tendo como base o processo de construção das
personagens, o presente trabalho pretende analisar duas obras de autoria feminina importantes
para o romance moderno brasileiro. Além de resgatar e ressaltar a importância de Albertina
Bertha nesse cenário, uma vez que a autora foi negligenciada pela historiografia e pela crítica
literárias. O viés comparatista do trabalho possibilita estudar Macabéa e Ladice: seus aspectos
em comum, envolvendo o caráter introspectivo, e suas divergências, principalmente no
tocante à construção de ambas e como se configuram nas narrativas romanescas em questão.
As duas protagonistas se aproximam no que tange à opressão. Entretanto, são opressões
sentidas de formas completamente diferentes. Macabéa, retirante, ignorante e mulher, é
fortemente oprimida, mesmo sem se dar conta, pela sua condição [mínima] social. Já Ladice,
muito esperta e atenta aos mecanismos de opressão, luta contra todas as imposições de uma
sociedade machista e hipócrita através de seu comportamento transgressor. Além disso,
vincular a essa pesquisa a temática muito recorrente em Clarice e explorada em Albertina, em
Exaltação: a interiorização dos personagens principais. A subjetividade, “o olhar para
dentro”, aproxima Ladice e Macabéa em um eixo temático e formal. E a construção dessas
mulheres as conecta e, ao mesmo, repulsa, considerando o olhar da época e a motivação para
tais caracterizações.
Palavras-chave: Escrita feminina. Viés comparatista. Passividade. Vivacidade. Clarice
Lispector. Albertina Bertha.
AS MULHERES DE MARIA BENEDICTA BORMANN/DÉLIA E CAROLINE VON
WOLZOGEN: REFLEXOS DO FEMININO NOS PRIMÓRDIOS DA SOCIEDADE
BURGUESA ALEMÃ E BRASILEIRA
Juliana Oliveira do Couto
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
A Europa do século XVIII foi palco de uma drástica reconfiguração social provocada
pela ascensão e consolidação da burguesia, o que ocasionou uma alteração dos valores vigentes
e, consequentemente, uma nova visão do papel feminino na sociedade. Esta nova forma de vida
nos centros urbanos contou, porém, com um imenso abismo entre os gêneros: enquanto os
homens viam-se ante o progresso dos self made men, as mulheres ainda se encontravam sob o
jugo de uma sociedade criada por homens e para os homens. Os valores em voga, desse modo,
pautavam-se em uma rígida vigilância dos passos femininos, restringindo as mulheres e
meninas ao espaço doméstico, além da oferta de uma educação substancialmente inferior à
concedida aos meninos, a fim de prepará-las desde a mais tenra idade para a única função social
possível: o papel de mãe e esposa. As terras brasileiras abrigaram estes acontecimentos e suas
implicações somente no século seguinte. Vale salientar que esta reviravolta histórica não se
restringiu ao âmbito social, transpondo-se ao terreno literário seja ratificando, seja exprobando
os novos valores em voga. É justamente neste contexto que surge o romance moderno, grande
responsável por apresentar via literatura a nova estrutura social. Através da literatura do
período, apresenta-se ainda o ideal do amor romântico, calcado na idealização e na separação
dos corpos, o que reflete o modelo de virtude vigente. É nesta conjuntura que surgem os
romances alvo do presente trabalho: Agnes von Lilien, obra de Caroline von Wolzogen, surgida
na Alemanha em fins do século XVIII, e Lésbia, criação de Maria Benedicta Bormann (ou
Délia), vinda a lume no Brasil do fim do século XIX. O afastamento cronológico se justifica
pelo fato de as condições sociais dos países se tornarem análogas apenas através do
distanciamento temporal, afinal o Brasil presenciou as rupturas ocorridas em solo europeu
somente um século mais tarde. No que se refere ao conteúdo das obras, Lésbia se apresenta
como uma crítica feroz à posição feminina em uma sociedade que somente promove o seu
engessamento. A autora retrata uma protagonista consciente da gama de limitações à qual está
submetida e que encontra um meio de elevar sua voz em pleno domínio do patriarcado no
campo literário. Agnes von Lilien, por sua vez, não exibe o mesmo tom ácido, ao contrário: sua
protagonista adequa-se ao ideal de virtude imposto às mulheres de sua época, mas, ao longo da
obra, toma plena consciência dos encargos advindos deste ideal de conduta. A análise das obras
em questão configura-se, portanto, como o estudo de um importante marco no trajeto da história
das mulheres na forma como este comparece no discurso literário via pena feminina, isto é, as
protagonistas de Délia e Caroline von Wolzogen são mulheres criadas por mulheres em um
período de império da escrita masculina. Observar o peso das vozes destas mulheres se
apresenta, por conseguinte, como um retorno aos primórdios de uma problemática que, em
pleno século XXI, encontra-se longe de estar esgotada.
Palavras-chave: Papel da mulher. Délia. Caroline von Wolzogen.
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NA LITERATURA DE
ENTRETENIMENTO BRASILEIRA – O PAPEL DAS LEITORAS-ESCRITORAS
Luciana Bastos Figueiredo
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Os dados divulgados pela quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do
Instituto Pró-livro, divulgada em 2016, mantém a afirmativa de que mulheres leem mais que
homens, principalmente entre os jovens de 14 a 25 anos, e aponta que a produção editorial
brasileira deste segmento cresce com vigor. Surgem, então, algumas hipóteses para justificar
esse crescimento: a) as mulheres avançam mais nos estudos e, consequentemente, atingem
níveis de escolaridade mais altos que as colocam em contato mais frequente com a literatura;
b) existem mais títulos principalmente indicados para elas do que para eles; c) a figura
feminina presente nesses livros é um fator de sedução no momento da escolha da próxima
leitura. Além disso, a meu ver, esse fenômeno pode ser reflexo de um cenário social recente
em que a mulher vem recebendo maior atenção e suas questões, ganhando maior visibilidade.
Há um novo tipo de movimento de mulheres, um novo tipo de feminismo, que pode estar
influenciando as novas vozes literárias femininas que estão transformando o mercado editorial
brasileiro. Destaco a literatura de entretenimento produzida, a partir dos anos 2010, pelo que
estou chamando de leitoras-escritoras: leitoras ávidas de romances femininos – inicialmente,
em sua maior parte, estrangeiros – que se tornaram escritoras expoentes utilizando-se
majoritariamente de plataformas digitais de autopublicação, para publicar livros que
abordassem o comportamento e a vida das adolescentes e jovens mulheres dos dias de hoje, e
de suas redes sociais, para manter estreito relacionamento com as leitoras conquistadas.
Diante dessa complexificidade de fatores, um constitui meu problema principal: a figura
feminina na literatura, presente nos livros que tanto atraem a atenção das leitoras, como
agente para a construção de marcos identitários contemporâneos. Então, interessa a mim
conhecer e estudar os conceitos de feminino e feminilidade que estão sendo apresentados
nessas obras. Parto do pressuposto de que tanto o fazer literário das leitoras-escritoras quanto
a experiência de leitura dessas jovens mulheres contemporâneas são instrumentos de
transformação e libertação através da linguagem, e cujos sentidos e possibilidades serão
internalizados pelo grande grupo de leitoras, para onde convergem, na essência, os dois
grupos citados – leitoras-escritoras e jovens mulheres contemporâneas. É a leitora, a partir de
sua experiência com a literatura, com a leitura e com o prazer experimentado, quem vai
definir essa literatura de entretenimento, e, como uma consequência lógica, o mercado
editorial e novamente as leitoras-escritoras, criando um círculo que se retroalimenta.
Importante questionar aqui, então, se esse círculo tão profícuo vai estagnar-se e apenas
reproduzir discursos pré-fabricados ou se continuará produzindo novos significados no
tocante à identidade feminina e ao lugar da mulher na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Literatura contemporânea brasileira. Literatura de entretenimento.
Identidade feminina. Leitura. Leitoras-escritoras.
PERCEPÇÃO, TÉCNICA E LITERATURA NA BELLE ÉPOQUE
Eliane Waller
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Nesta comunicação serão apresentados os elementos a serem estudados em minha tese
“Percepção, choque e técnica na Belle Époque”, como doutoranda em Teoria da Literatura e
Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O trabalho de pesquisa se
concretizará a partir da análise da relação entre literatura e a técnica, no contexto da
modernização da percepção e da experiência urbana, nas primeiras décadas do século XX.
Buscará, também, perscrutar as mutações por que passa a subjetividade moderna, sobretudo no
que diz respeito às diferenças de percepção do indivíduo, suas novas relações espaço-temporais,
vinculadas e relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação,
informação e deslocamento. A pesquisa partirá da análise da concepção de modernidade
neurológica, com base nas reflexões de Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e Georg Simmel.
Esses pensadores fixaram-se na ideia de que tal concepção provocou um novo registro de
experiência subjetiva, caracterizado por choques físicos e perceptivos. Segundo Georg Simmel
(1950): “A modernidade envolveu a ‘intensificação da estimulação nervosa’, que resulta da
mudança rápida e ininterrupta de impressões interiores e exteriores”. Apesar da excelente
contribuição da Profa. Flora Sussekind, em Cinematógrafo das letras (1987), no qual ela sugere
uma história da literatura brasileira que leve em conta suas “relações com uma história dos
meios e formas de comunicação”, esse estudo pretende discutir a maneira como a literatura
assimilou essas inovações. O que Sussekind procurou fazer foi examinar de que forma a
aproximação da literatura com o horizonte técnico passa a “enformar” a produção cultural:
“Não se trata mais de investigar apenas como a literatura representa a técnica, mas como,
apropriando-se de procedimentos concernentes à fotografia, ao cinema, ao cartaz, transforma-
se a própria técnica literária”. (SUSSEKIND, F.: 1987, p. 23-4). Esse estudo pretende
aprofundar os estudos nos teóricos que discorrem sobre a concepção neurológica da
modernidade e identificar, em textos de Lima Barreto (1881-1922) e João do Rio (1881 – 1921),
como ocorreram modificações nos modos de percepção do sujeito, não só em relação a toda a
mudança de cenário ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, num momento de grandes alterações
físicas, geradas pelo famoso “Bota -Abaixo”, mas também como os intelectuais da época
lidaram, em seus textos, com a tecnologia que transformava o cotidiano dos cidadãos. A
pesquisa apresenta a proposta de analisar os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha
e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá e contos escolhidos de Lima Barreto; as crônicas de
João do Rio (Vida Vertiginosa, Cinematógrafo), de Benjamim Costallat (Mistérios do Rio),
crônicas escolhidas de Olavo Bilac, publicadas na Gazeta de Notícias e reunidas por Antonio
Dimas; romances de Coelho Neto (Turbilhão, Esphinge) e de João do Rio (A profissão de
Jacques Pedreira), à luz da concepção teórica de modernidade neurológica, ou seja, a questão
das mutações por que passa a subjetividade moderna no que tange à percepção, no período da
Belle Époque.
Palavras-chave: Lima Barreto e João do Rio. Literatura e imprensa. Percepção. Sujeito.
Modernidade.
ESTÁTUA EM ROCHA VIVA: PERCEPÇÕES DE LUGAR, TEMPO E PESSOA EM
OS SERTÕES
José Maurício M. Bahri
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
No contexto das transformações que ocorreram ao longo do século XIX, o Liberalismo
tornou-se a principal corrente política e ideológica de um grupo que se firmava como
hegemônico no poder: a burguesia. Naquele momento, o Capitalismo estava se consolidando
como sistema. Após as revoluções que ocorreram ao longo do século, somadas aos debates
acerca dos direitos civis e da democracia, o Liberalismo teve um forte apelo entre a classe
burguesa, que adquiriu hegemonia política ao controlar os principais postos de comando na
estrutura burocrática que passou a constituir os Estados modernos. No seio deste processo, a
ciência concorreu para justificar a preponderância das classes mais abastadas sobre as mais
pobres, e dos povos “civilizados” sobre o que se considerava primitivo à época. No Brasil,
com a chegada do “bando de ideias novas”, e o fortalecimento de um corpo de intelectuais até
então alijados de participação política, os conceitos e teorias vindos da Europa e dos Estados
Unidos comporão a complexidade do movimento que ficou conhecido por geração de 1870.
Tais intelectuais não só reivindicaram uma presença mais efetiva na vida nacional como se
propuseram a pensar o país. No mesmo período, São Paulo começou a despontar com o
deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste, e foi particularmente atuante no
regime instaurado com a proclamação da República em 1889. Destarte, a elite paulista criou
recursos que visavam o melhor aproveitamento do solo nas plantações de café, tais como as
escolas agrícolas e a escola politécnica, bem como os institutos que cumpriam resgatar a
memória do estado na intenção de justificar a preponderância de São Paulo sobre o Brasil.
Portanto, aliando as ideologias de classe muito bem assimiladas por essa elite, que cresceu
política e economicamente na virada do século e a atividade dos intelectuais, chegamos ao
papel que Euclides da Cunha exerceu como escritor neste cenário. Não é demasiado reiterar
que o escritor foi um intelectual que se aproximou das elites paulistas no decorrer de sua vida,
e que manifestou parte dos conceitos científicos difundidos entre elas. Tais conceitos e a
crença firme do autor na ciência foram determinantes para sua escrita que é, ao mesmo tempo,
abrangente e labiríntica. E com isso queremos mencionar não somente a tentativa de abarcar
vários ramos de estudo – Antropologia, Sociologia, Botânica, Geologia etc. -, mas também o
emprego propositado de termos que confeririam à obra o caráter de um verdadeiro tratado.
Considerando sua colaboração para o jornal O Estado de São Paulo e a atuação como
correspondente durante a Guerra de Canudos, o presente trabalho pretende fazer uma leitura
que se utiliza da metáfora de uma estátua que vai se construindo ao longo das páginas de Os
Sertões, para o que contribui a compreensão de uma união entre as concepções de lugar,
tempo e pessoa. Iniciaremos com uma abordagem da pessoa que é o próprio Euclides da
Cunha, partindo de um pequeno estudo sobre o Liberalismo e suas concepções de classe, para
então verificar como esse observador se comporta ao narrar a Guerra de Canudos e
pormenorizar a região sertaneja, seu clima, seus habitantes e sua cultura.
Palavras-chave: Intelectuais. Elites paulistas. Século XIX. Ciência. Liberalismo. Euclides da
Cunha. Canudos.
UM ESTILO DE VIDA POR TRÁS DOS BASTIDORES DA BELLE ÉPOQUE:
UMA LEITURA DO CONTO “UM E OUTRO” (1913), DE LIMA BARRETO.
Márcio Revorêdo Rodrigues
UERJ – Programa de Pós-graduação em Letras
RESUMO
O conto Um e Outro, escrito por Lima Barreto em 1913, revela, sob o ponto de vista
narrativo, imagens de uma Belle Époque e uma breve representação da alma de sujeitos que
figuram o cenário do Rio em transformação; e, nos desperta para como os hábitos, os
costumes, as experiências urbanas e humanas foram atravessadas pelas mudanças
progressistas da época. As novidades científicas, tecnológicas, capitalistas invadem,
simultaneamente e com velocidade, corpo e alma desses sujeitos, que parecem despreparados,
naquele tempo/espaço, a lidar com as provocações surgidas pela transformação da cidade,
pela alteração de pensamentos e comportamentos, pelo superestímulo injetado às sensações
humanas. Através da leitura do conto, buscaremos compreender essas alterações, mudanças e
transformações – do tempo, do espaço, do sujeito – ao observarmos a representação das
personagens que figuram a narrativa. Podemos aproximar a narrativa Um e outro da
linguagem cinematógrafa – um dos símbolos da época – não só pela linguagem empregada,
mas pelas sensações que chegaremos a tomar enquanto observadores das ações da
protagonista, e, também, pela sugestão de ângulos e movimentos escolhidos pelo
“cinegrafista”. Através do discurso indireto-livre – e a exibição do fluxo de consciência –,
percebe-se a fusão entre o narrador-observador crítico barretiano e sua personagem-
protagonista. Ajustado à linguagem cinematógrafa, o narrador funde suas observações,
dotadas da experimentação do contexto da sociedade capitalista da fase de remodelamento do
Rio de Janeiro, com a consciência de Lola (a protagonista), a qual representa uma estirpe de
sujeitos modernos. Por se tratar de um conto, o nosso olhar para a narrativa será como o de
assistir a um curta-metragem, cujo cenário é enriquecido pelo contexto da Belle Époque
carioca, e o de assumir o papel de observadores das ações das personagens, do pano de fundo
e dos signos da época, sem deixarmos de apontar, no campo da linguagem, aspectos do
roteiro: a narrativa garante esse espaço para a representação de sujeitos do contexto da
modernidade em formação. É preciso, no entanto, inicialmente, compreender essa cidade que
serve de “pano de fundo” para a narrativa, porque os nossos olhares precisarão estar sensíveis
às experiências tanto urbanas quanto íntimas: a cidade pode inteferir na vida dos indivíduos
tanto quanto a vida dos indivíduos pode interferir na cidade. A ideia de uma análise próxima
da vivência (ou da experiência de vida) permitirá que enxerguemos os dois lados da moeda: o
físico e o emocional de uma cidade e de seus indivíduos, de uma Lola (a protagonista) por
fora e por dentro. Em Um e outro, ganha relevo a denúncia do materialismo vazio e estúpido
superestimulado pelos valores capitalistas que interpenetravam à cidade, alastrando-se por
meios tão sedutores quanto estratégicos, pelos quais se oportunizava consumir desde artefatos
mecânicos e tecnológicos a estilos de vida veiculado e ilustrado em revistas e filmes. Lola
“morde a isca” desse “mercado” e deixa-se levar por inteira, não percebendo que quanto mais
consumisse e quanto maior fosse a sensação de grandeza e liberdade, mais acorrentava-se à
“escravidão” do capitalismo.
Palavras-chave: Narrativa brasileira. Lima Barreto. Belle Époque carioca.
CALIBAN: A LITERATURA FESCENINA DE COELHO NETO NO GRANDE
SÉCULO XIX
Renata Ferreira Vieira
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Caliban era um dos pseudônimos mais conhecido na carreira profissional do escritor
maranhense Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934). Tomado da peça shakespeariana
A Tempestade (1611), Caliban foi o nome buscado pelo Coelho Neto para assinar uma vasta
literatura fescenina do autor, repleta de “contos e poemas brejeiros” inspirados da cultura
popular da Fescênia, cidade da Etrúria onde o antigo povo romano celebrava orgias em
homenagem ao deus Baco, surgindo daí a origem do adjetivo fescenino para designar
libertino, licencioso ou obsceno. Essa literatura foi publicada, anteriormente, na coluna
satírica “O Filhote”, do jornal carioca Gazeta de Notícias, entre 2 de agosto de 1896 e 28 de
maio de 1897. Tendo fortes marcas do humanismo renascentista de Boccaccio e Rabelais,
esses textos foram reunidos em 6 volumes e publicados pela prestigiosa editora Laemmert em
1897 e 1898, com o título Álbum de Caliban. O sucesso de vendas dos seis volumes de Álbum
de Caliban, na última década do século XIX, trouxe de volta as “brejeirices de Caliban”, em
1905, na revista carioca O Malho, em formato de novelas ilustradas para agradar ao “público
de calças e causar invejar ao outro” (O Malho/RJ, 14/01/1905, p.4). Com textos semelhantes à
edição de estreia, Álbum de Caliban conquistou o gosto popular e rendeu ao O Malho um
aumento considerável de sua tiragem. O livro tornou-se na “sensação do momento”. Segundo
a imprensa, os “textos picantes” de Caliban, ao lado das “caprichosas ilustrações” de mulheres
seminuas, eram um regalo para todos que buscavam um “alegre passatempo” em meio à
“árdua labuta diária do ganha-pão” (O Malho/RJ, 21/01/1905, p.4). Após a repercussão em O
Malho, uma nova série do Álbum de Caliban foi reeditada em brochura (com fotos de
mulheres nuas) e colocada à venda nos pontos de jornais de Braz Lauria, na Rua do Ouvidor,
no centro da cidade do Rio de Janeiro. A partir desse contexto, a comunicação apresentará como
o escritor Coelho Neto construiu sua imagem de autor de literatura fescenina, nas décadas de
1890 e 1910, por meio do pseudônimo de Caliban para atender o mercado da “leitura alegre”, que
surgia nas práticas do comércio livreiro carioca para publicação de livros de conteúdos
licenciosos e pornográficos. Com o objetivo de compreender a construção do “obsceno e
brincalhão” Caliban pela escrita fescenina de Coelho Neto (A Notícia/RJ, 18/02/1898, p. 2),
este trabalho terá dois focos de interesse. O primeiro foco é a compreensão dos processos de
criação desse pseudônimo, que permitia Coelho Neto a expor sua “persona” mais atrevida e
desafiadora nos textos destinados para o mercado da “leitura alegre”. O segundo foco de
interesse é a investigação sobre a trajetória (de êxitos) de Caliban pelos jornais e pela livraria-
editora Laemmert na última década do século XIX, como também pelos circuitos alternativos
para a produção e venda de “livros perigosos”, das revistas cariocas O Malho e O Rio Nu na
primeira década do XX. Para cumprir o objetivo do trabalho, a pesquisa levantará
informações sobre a atuação de Coelho Neto no mercado da “leitura alegre” e a primeira
circulação do livro Álbum de Caliban durante o grande século XIX no Acervo da Hemeroteca
Digital Brasileira da Biblioteca Nacional, por meio dos pressupostos teóricos da história do
livro e da leitura (CHARTIER, 1990).
Palavras-chave: Coelho Neto. Caliban. Literatura fescenina.
PONTO DE VISTA NARRATIVO E SUBJETIVIDADE EM VIDAS SECAS, DE
GRACILIANO RAMOS.
Andréia Queila Santos Gomury
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
A partir do esquema historiográfico teleológico realista apresentado por SODRÉ
(1964) e por BOSI (2006), observamos uma progressão evolutiva nos modos de representação
do real no sertanismo: sertanismo romântico como “pequeno realismo da minúcia” (1964, p.
324); sertanismo naturalista como “concepção mimética da prosa” (2006, p. 207); sertanismo
modernista um realismo de “visão crítica” (2006, p. 389). Esse esquema historiográfico pode
ser compreendido, em termos barthesianos, como um progressivo aumento do efeito de real
produzido pela nossa literatura, do romantismo ao modernismo, em direção àquilo que
BARTHES (1988) chama de “ilusão referencial”. Para Bosi e Sodré, Graciliano Ramos atinge
seu ponto alto com Vidas Secas, visto como “obra prima da sobriedade formal” na qual “o
esforço de objetivação foi bem logrado” (BOSI, p. 403). A leitura temática das obras de
Graciliano, em especial Vidas Secas, é questionada por CANDIDO (1989). Tal
questionamento vai ao encontro da análise de CRISTÓVÃO (1986) em relação ao ponto de
vista em 3ª pessoa em Vidas Secas. Por meio dessa análise, podemos entender a construção
deste ponto de vista na obra de Graciliano. O escritor não apreciava o tipo de narrador
onisciente, pois ultrapassava a experiência individual por saber demais, e incorreria na
inverossimilhança, violando o critério estipulado por ele do que seria a verdade na escrita.
Mesmo com a alegação de Cristóvão de uma “onisciência verdadeira da 3ª pessoa nas
descrições exteriores”, esta pode ser contestada quando lembramos, com RABATEL (2008),
que a ideia de uma “focalização zero” não resiste à análise, tampouco a de focalização
externa”, pois não há outra instância enunciativa e narrativa, além do narrador e personagem.
Segundo PAGEAUX (2011), “a imagem é uma espécie de língua, de língua segunda para
dizer o Outro e, consequentemente, para dizer um pouco de si, de sua cultura” (p.111).
Pageaux ainda explica que “num dado momento histórico, numa sociedade determinada e
num quadro cultural estabelecido, não se pode dizer tudo e qualquer coisa sobre o Outro” (p.
113). Essas afirmações podem ser suplementadas pela teoria da referenciação de MONDADA
& DUBOIS (2003). Para elas, a referenciação não está ancorada em um “valor de verdade”,
mas em verdade enquanto construção. A construções dos objetos de discurso é marcada pela
instabilidade das categorias, ou seja, “o problema não é mais, então, de se perguntar como a
informação é transmitida ou como os estados do mundo são representados de modo adequado,
mas de se buscar como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas, estruturam e dão
sentido ao mundo” (2003, p.20). Segundo Rabatel “o sujeito, responsável pela referenciação
do objeto, exprime seu PDV, tanto diretamente, por comentários explícitos, como
indiretamente, pela referenciação, isto é, pelas escolhas de seleção, de combinação, de
atualização do material linguístico”. Percebemos em Vidas Secas, por meio, também, da
análise dos vocábulos, as marcas de subjetividade do narrador, a posição assumida que deixa
marcas de si em seu processo criador; as marcas de um Eu (o narrador) que constrói a imagem
do Outro, do sertanejo, no caso. Portanto, mesmo sendo considerado um romance
regionalista, marca não uma adesão pura e simples às tendências literárias dominantes da
época, mas as contemporiza e ultrapassa.
Palavras-chave: Historiografia. Imagem. Ponto de vista. Vidas Secas.
O TRÁGICO E OS DIFERENTES MODOS DE PERCEPÇÃO DA LITERATURA DE
LÚCIO CARDOSO
Erica Ingrid Florentino Gaião
UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
RESUMO
Lúcio Cardoso (1912-1968) é um autor importante para a historiografia da Literatura
Brasileira, pelo conjunto de sua obra que inclui romances, novelas, contos, poesias, peças
teatrais, roteiros para o cinema e autobiografia, pela sua intensidade narrativa, pela forma
poética com a qual desenvolve os seus temas e pelo movimento literário que participou entre
os anos 30 e 40, um período de grande relevância para a literatura nacional, conhecido como a
“Era do romance brasileiro”. Sua expressão no cenário da literatura decorre do fato de ter
aderido ao projeto intimista, a partir da publicação de seu terceiro livro, A luz no subsolo
(1936), consagrando-se como um autor da vertente psicológica do romance brasileiro,
imediatamente após ter publicado dois romances reconhecidos pela crítica literária como
obras de cunho regionalista, tendência da Literatura Brasileira predominante no período. Do
universo criado por Lúcio Cardoso emergem seres dominados por forças antagônicas, e na
constituição de suas personagens a presença do trágico se firma como a representação de um
dos aspectos fundamentais da condição humana. No antagonismo entre as forças – que ocorre
no centro da oposição apolínea e dionisíaca –, articulado pelas paixões, encontra-se a potência
que move as ações de suas personagens angustiadas, aflitas e ávidas por uma verdade
existencial e metafísica. Portanto, a experiência do trágico em Lúcio Cardoso remete o leitor à
identificação das condições existenciais circunscritas na própria realidade na qual o sujeito se
insere: a iminência da morte, a inexorabilidade do tempo, as relações com o Outro, o medo e a
angústia que contornam as experiências humanas, são fatores geradores de conflitos revelados
nos cenários construídos por Cardoso. Tomando como referência o trágico enquanto categoria
estética, a presente pesquisa tem por objetivo confirmar a existência de um fio condutor que
unifica a produção artística de Lúcio Cardoso, tendo como objeto de análise um corpus
ficcional composto por diferentes gêneros narrativos. Supõe-se que o fio condutor que
interliga as obras do ficcionista mineiro estrutura-se a partir da configuração do espaço e da
construção de suas personagens, estas dotadas de características específicas, mormente quanto
à questão relacionada ao dilaceramento interior e à morte, aspectos que permeiam a estética
trágica enquanto categoria da condição humana. Para comprovar tal hipótese tomou-se como
referencial ficcional as novelas Mãos vazias (1938) e O enfeitiçado (1954), o conto “A
escada” (1947) e a peça O escravo (1945). Obras escritas e publicadas em momentos distintos
da trajetória de Lúcio Cardoso, mas que apresentam elementos comuns no tocante aos espaços
e às personagens, embora as estruturas dos enredos sejam diferenciadas. Diante de um projeto
estético tão amplo e singular, entende-se que a relevância da pesquisa apoia-se
estrategicamente na intenção de investigar diferentes textos de Lúcio Cardoso, tendo como
referencial perspectivas comuns, para comprovar a hipótese de que a diversificada produção
artística empreendida por Cardoso está alicerçada por um fio condutor que a unifica.
Ademais, a presente proposta, amplia o olhar sobre um autor tão importante para a Literatura
Brasileira.
Palavras-chave: Trágico. Lúcio Cardoso. Literatura Brasileira.
HOMO FABULATOR: O ETERNO JOGO DA FÁBULA E DO MITO
Guilherme de Figueiredo Preger
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
O presente resumo investiga as relações teóricas entre fábula e mito segundo a obra de
vários autores. Inicia debatendo a tese histórica de Yuval Noah Harari da “Revolução
Cognitiva” do Homo Sapiens que postula o mito como uma “ordem imaginada” social, porém
inexistente. O que caracteriza a espécie do Homo Sapiens, segundo o historiador, é sua
capacidade de produzir ficções que funcionam como ordens imaginadas e permitem a
colaboração simultânea de milhões de indivíduos. Depois o estudo enfoca a tese de Italo
Calvino de que a fábula precede o mito, num jogo entre variação e constância. O mito é uma
fábula privilegiada ou hegemônica e funciona como um “atrator de fábulas”, ou um filtro de
narrativas, selecionando as histórias que são do interesse das classes dominantes. A fábula, no
entanto, representa uma pulsão combinatória da fala e funciona como um “pulmão” do mito,
variando e oxigenando o repertório de narrativas sociais. Em seguida, aborda a concepção
cibernética de Bruce Clarke da narrativa como “organização social de traços”. Todo traço é
uma distinção entre um espaço marcado por uma observação e outro não marcado. Porém,
aquilo que não é marcado “reentra” necessariamente no marcado, como contexto não
observado ou como inconsciente. A narrativa é o jogo entre o que se diz e o que se observa e
também com aquilo que é silenciado e não visto. Em seguida, o tema clássico de Roland
Barthes da mitologia no mundo contemporâneo é discutido com sua concepção de que o mito
é uma “fala roubada”. A mitologia é um sistema semiológico secundário no qual um signo
material ocupa o lugar de significante. Com isso, um processo de significação sequestra o
lugar do significado anterior, deformando-o. Em seguida, numa interlocução com as obras
clássicas de Platão e Aristóteles, é realizada uma comparação entre a distinção fábula/mito e
diegesis/mímesis. Enquanto Platão reprova o poder ilusório da mimese, valorizando a diegese,
Aristóteles irá privilegiar a primeira em detrimento da segunda. Toda sua Poética se desdobra
numa discussão sobre a tragédia enquanto forma mimética. Finalmente, é proposta uma
comparação última com os conceitos de mutação e metamorfose, retirados tanto das ciências
biológicas, como das teorias semióticas de Julia Kristeva e Roland Barthes. Em particular, as
camadas conceituais de genotexto e de fenotexto são aquelas que produzem os efeitos textuais
da mutação e da metamorfose. Não há entre elas relação de causa e efeito, mas sim uma
relação não linear. Mutações no código linguístico provocam metamorfoses estilísticas. As
fábulas são assim veículos de mutações, enquanto os mitos são submetidos a deslocamentos
metamórficos. Todas essas teorias ajudam a defender a tese de que mais do que Homo
Sapiens, a espécie é antes a do Homo Fabulator. Fabulator é aquele que fala e fabula. Em
conclusão, o mito representa um controle sobre o ato da fala que gera a fábula, restringindo
sua proliferação e diversificação.
Palavras-chave: Fábula. Mito. Narratologia. Diegese. Mimese.
O SERTANEJO GRACILIÂNICO EM PERSPECTIVA INFRAGENÉRICA
Thayane Verçosa da Silva
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
No período entre março de 1941 e agosto de 1944, Graciliano Ramos colaborou
ativamente com a seção “Quadros e Costumes do Nordeste” de Cultura Política: Revista Mensal
de Estudos Brasileiros, o principal veículo doutrinário do Estado Novo. No artigo “A vida
sertaneja entre a ficção e o testemunho: os ‘Quadros e Costumes do Nordeste’ de Graciliano
Ramos” (2015), Thiago Mio Salla observa que “os textos [...] destacam-se [...] em função dos
recursos retórico-estilísticos mobilizados pelo escritor” e que “costumavam orientar-se pelo
efeito de ficção, aproximando-se, sobretudo, dos protocolos do conto e do retrato, seja de tipos,
seja de situações”. Na sequência, ele também afirma que “por mais que Graciliano se valesse da
ênfase em elementos ficcionais [...], avulta também a construção do efeito de real, em
decorrência, sobretudo, do enquadramento documental”. Para o autor, portanto, o efeito de real
está estritamente ligado ao documental, em oposição ao ficcional, oposição que não se mantém
em face da leitura dos célebres ensaios em que Roland Barthes tratou do assunto. Para Barthes, o
efeito de real emerge da “colusão direta” de um significante e de um referente, em detrimento do
significado, algo verificado nas mais diversas manifestações discursivas, verbais e não verbais:
“Há um gosto de toda a nossa civilização pelo efeito de real, atestado pelo desenvolvimento de
gêneros específicos como o romance realista, o diário íntimo, a literatura de documento, o
noticiário policial, o museu histórico, a exposição de objetos antigos, e principalmente o
desenvolvimento maciço da fotografia, cujo único traço pertinente (comparada ao desenho) é
precisamente significar que o evento representado realmente se deu” (BARTHES, “O discurso da
história”, 1967). A objetividade do que “realmente se deu” aparece como “uma forma particular
de imaginário, o produto do que se poderia chamar de ilusão referencial”, afirma Barthes,
concluindo: “Essa ilusão não é exclusiva do discurso histórico: quantos romancistas [...]
imaginam ser ‘objetivos’ porque suprimem nos discurso os signos do eu!” (Ibidem). Assim,
perguntamo-nos qual é a linha que separa, afinal, o documental do ficcional na obra de
Graciliano. Essa questão só pode ser enfrentada a partir de uma leitura “infragenérica”
(ARAÚJO, 2015) dos escritos do autor, isto é, de uma leitura que, sem ignorar ou negar a
existência de gêneros discursivos diversos, busca justamente rastrear o processo de constituição
dos mesmos. Ao tratar dos “Quadros” de Graciliano, Salla (2015) também afirma que: (a) “nos
textos que têm como cenário uma pequena cidade sertaneja, de maneira semelhante ao que fizera
em Caetés (1933) [...], a ênfase do cronista recai sobre o registro do cotidiano rasteiro da
municipalidade, povoado de tipos miúdos que se moviam na província ‘insípida’”; (b) “[n]as
crônicas que privilegiam o espaço rural [,] [...] tomam corpo, principalmente, uma galeria de
chefes rurais, mandões da mesma estirpe de Paulo Honório, de S. Bernardo (1934)”. Propomos,
então, uma análise da figuração do sertanejo em Graciliano, em duas partes: (i) comparação entre
a construção dos “tipos miúdos” dos “Quadros” e a dos personagens de Caetés; (ii) comparação
entre a construção dos “chefes rurais” dos “Quadros” e a de Paulo Honório.
Palavras-chave: Sertanejo. Graciliano. Perspectiva Infragenérica. Efeito de Real.
OS MUNDOS FICCIONAIS DE CONCEIÇÃO EVARISTO
Angélica Maria Santana Batista
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte em 1946.
Conciliando maternidade, docência e estudos (é mestre em literatura brasileira pela PUC e
doutora em literatura comparada pela UFF), conseguiu ser publicada em diversas antologias e
foi agraciada em 2015 com o prêmio Jabitu com seu livro de contos Olhos d’agua. Sua
literatura se propõe a ser uma “contrafala ao discurso oficial, ao discurso de poder” (Evaristo,
2004, p. 3), visto que, para a escritora, a representação dos negros, em especial da mulher
negra, nunca foi bem estruturada, pois o discurso oficial sempre foi branco, eurocêntrico e
elitista. Assim, torna-se necessário contar histórias, casos, personagens, tempos e espaços
ignorados. Os referentes extratextuais podem ser imitados ou desafiados de acordo com os
diferentes modos de sensação de realidade erigidos pelo texto. Dependendo da “fidelidade” da
realidade simulada, podem-se erigir diferentes gradações de realismo. A configuração da
realidade é a configuração de um dado mundo que respeita as construções ficcionais. Os
diferentes mundos possíveis ficcionais são escolhas e estratégias do autor em consonância
com os modos de leitura do receptor. Pode-se afirmar, por outro lado, que é possível inferir
que a narrativa contemporânea é uma criadora de mundos complexos, tendo em vista a
necessidade de perspectivação da contemporaneidade. Isso se dá pela insurgência de novas
forças que questionam e relativizam o próprio surgimento (e consistência) dos discursos. O
sentimento de fragilidade dos discursos nutre a produção de autores cujos mundos criados
tematizam histórias de personagens marginalizadas. Se as verdades não são eternas, as
figurações e representações também não o são. O centro questionado não é o falso
desaparecimento de ideologias, mas sim a multivisão e a inter-relação de mundos possíveis
(redimencionados quando se trata de ficção). Os textos de Conceição Evaristo constroem um
mundo que se insurge contra a representação tradicional da mulher negra. Isso ocorreu no
decorrer da história das ideias no Brasil porque “consideradas primitivas, as atividades
desempenhadas pelos afro-brasileiros eram vistas como uma patologia, evidenciando o
reflexo de um período de plena vigência do determinismo discursivo em que a hierarquia das
raças era pauta principal dos debates”. (SILVA, 2010, p.52). Como resposta a essa hierarquia,
os mundos representados nos textos de Conceição Evaristo são receptáculos de vivências de
mulheres, ou seja, são mundos formados por micromundos que, entrelaçados, são a resistência
contra a história oficial. Para a autora, narrar a diversidade de histórias de diferentes mulheres
negras é perpetuar a memória de um grupo a que ela pertence, é lutar contra a desmemória,
aspecto presente na realidade de culturas marginalizadas.
Palavras-chave: Mundos ficcionais. Conceição Evaristo. Personagem. Memória.
Contemporaneidade.
QUEER AS FOLK: A RESISTÊNCIA RADICAL DE HARRY/HARRIET COMO
IDENTIDADE HÍBRIDA EM NO TELEPHONE TO HEAVEN (1987) DE MICHELLE
CLIFF
Priscila Reis Catalão
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
É seguro afirmarmos que não cabe mais analisarmos a produção literária
contemporânea de acordo com os padrões eruditos da tradição eurocêntrica e hegemônica que
durante muito tempo nortearam as teorias literárias. Ao debater assuntos como gênero, as
políticas de identidade e sexualidade, raça e classe devemos levar em consideração o mundo
globalizado e extremamente plural em que estamos inseridos. No entanto, uma breve pesquisa
pelos textos teóricos da área nos faz crer que muitos discursos críticos ainda pautam suas
análises das subjetividades representadas nos romances contemporâneos conforme um padrão
“branco, heterossexual, masculino e ocidental”. Se faz mister que novos olhares sejam
inseridos nos debates das políticas de identidade, gênero, raça e classe. É importante notar que
métodos que não consideram a hibridização das identidades no mundo globalizado não dão
conta da análise de obras como o livro No telephone to heaven (1987) da autora jamaicana
Michelle Cliff. Aqui nos propomos a analisar a personagem Harry/Harriet presente no livro de
Cliff com foco na hibridização de sua identidade e na performance de gênero, afinal
Harry/Harriet pode ser descrita como uma personagem que não se enquadra em padrões
heteronormativos ou mesmo que se recusa a se submeter a binarismos impostos pelo
patriarcado. Além disso, iremos levar em consideração a posicionalidade da personagem em
relação à sociedade jamaicana como está retratada no romance ele/ela expressa sua oposição
política através do que Angelique V. Nixon em sua dissertação “‘Relating across Difference’:
Caribbean Feminism, bell hooks, and Michelle Cliff’s Radical Black Subjectivity.’ chama de
“Radical Black Subjectivity” . Entre muitas identidades interessantes presentes no romance, é
fácil identificar Harry/Harriet como uma das mais fascinantes. A representação de sua
subjetividade como a personificação da resistência política é complexa e cheia de camadas.
Podemos analisar Harry/Harriet através da perspectiva da performatividade de gênero,
levando em conta a abordagem de Judith Butler em seu livro Problemas de gênero (1990) que
nos diz que a mera existência de subjetividades incoerentes como Harry/Harriet já põe em
cheque a noção que temos do que é uma pessoa per se e os próprios conceitos de sexo, gênero
e sexualidade, assim como também devemos encarar as relações de poder presentes na
sociedade jamaicana apresentados através da vivência de Harry/Harriet. Além disso, também
há espaço para a análise da personagem como uma metáfora para a ambiguidade da
identidade Crioula enquanto subjetividades híbridas e também como a súplica da própria terra
natal para que seus filhos retornem e lutem contra os efeitos nefastos do imperialismo. Vemos
então que No telephone to heaven é um romance que representa como a literatura pode servir
de ferramenta de resistência em um mundo onde países como a Jamaica ainda sofrem os
danos calamitosos causados por processos colonizadores e mais ainda, estão subjugados ao
imperialismo canibalista de nações hegemônicas. Sendo assim, propomos a análise de um de
seus protagonistas para que possamos sempre trazer à luz questões que não devem e nem
podem ser esquecidas.
Palavras-chave: Identidade, Hibridização, Gênero, Decolonização, Ficção Caribenha.
COMO AS PERSONAGENS DE THE COLOR PURPLE E THE BLUEST EYE
TRADUZEM O DRAMA DA MULHER NEGRA NOS ESTADOS UNIDOS PÓS-
COLONIAL
Patricia Bellas Raiz
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Estamos enfrentando um apavorante retrocesso na luta contra o racismo. Os Estados
Unidos testemunham afro-americanos sendo mortos pela polícia em todo país e, em alguns casos,
os policiais brancos sequer são punidos. No presente artigo, pretende-se analisar através da
literatura, a questão de raça, gênero e trauma de afro-descendentes nos Estados Unidos pós-
colonial. Os romances The color purple da autora Alice Walker e The Bluest eye de Toni
Morrison são os objetos de estudo deste artigo e serão usados de forma comparativa. The Bluest
eye se passa em 1940, quando termina The Color purple, fazendo com que o paralelo das
histórias de vida das duas personagens seja em um contexto bastante aproximado. As
personagens principais de ambos os livros serão analisadas tanto sob a ótica do abuso sexual e
físico quanto emocional. Esse abuso tem a forma de figuras patriarcais afro-descendentes que
colocam as mulheres em questão em uma posição de inferioridade, silenciando suas vozes com
violência. No pós-colonialismo, elas deixam de ser propriedade do Estado para se tornarem
propriedade dos chefes de família, pais e/ou maridos. "You better not never tell nobody but God.
It´d kill your mammy." (THE COLOR PURPLE, 1982, p.1). Por serem apenas objetos nas mãos
de ambos, as mulheres se sentiam mais à vontade na companhia de amigas do mesmo gênero,
com quem podiam desfrutar de cumplicidade e sensação de segurança. Celie e Pecola lidam com
os traumas sofridos na infância de maneiras bastante diferentes e os desdobramentos decorrentes
disso ditam os destinos das personagens. Ambas são negras, jovens, pobres e lidam com a solidão
emocional. Pecola tem uma família violenta e alienada em relação à filha, já Celie perde a única
pessoa que a ama, sua irmã. Por estar intrinsecamente ligado aos abusos sofridos, também será
ressaltada a questão da beleza negra em relação às duas. Umberto Eco, em História da feiura,
afirma que "muitas vezes, as atribuições de beleza ou de feiura eram devidas não a critérios
estéticos, mas a critérios políticos e sociais." (2014: p.12). As meninas/mulheres têm uma relação
conflituosa com seus corpos, vendo-os não por seus próprios olhos, mas como um reflexo do que
a sociedade vê. Além disso, através da repetição de suas supostas falhas e fraquezas, acabam
aceitando a condição de inferioridade imposta pelo dominador. Suas identidades nesse aspecto
são criadas à partir do olhar do outro e assimiladas como tal, fazendo com que Pecola entre no
mundo da fantasia e Celie no mundo da invisibilidade como tentativa de sobreviver às pressões e
ameaças externas. Através de pontos em comum nas trajetórias divergentes das duas personagens,
será traçado um paralelo de como sujeitos femininos negros e pós-coloniais são retratados pelas
suas respectivas autoras.
Palavras-chave: Abuso, trauma, The color purple, The bluest eye, pós-colonialismo.
LITERATURA DA RESILIÊNCIA: A ESCRITA DE CAROLINA MARIA DE
JESUS.
Thiago Cesário Veloso
FEBP/UERJ/NEAB/SEEDUC
RESUMO
Este trabalho empenhou-se em refletir na literatura da resiliência, a literatura
feminina que resiste a dificuldade, porém que se faz. Dentre tantas escritoras da literatura
que designamos de literatura da resiliência, nos debruçamos na obra e vida da escritora
afro-brasileira Carolina Maria de Jesus e como se deu as produções de suas obras
literárias. Toda essa resistência, sobretudo na literatura, gera uma escrita que precisa se
sobressair e dá um outro acréscimo a literatura latino-americana o que gostaríamos de
conceituar de literatura da resiliência que é a habilidade de sobreviver aos infortúnios.
Toda essa luta traz para dentro do texto as marcas dessa resiliência e faz nascer uma
escrita que capta a atenção de leitores/as. Inicialmente o termo resiliência era designado
exclusivamente para a engenharia e ultimamente veio ser ressignificado na área de
humanas e constitui ter a capacidade de voltar ao seu estado normal após sofrer uma forte
pressão ou situação crítica na tentativa de alterar o seu estado natural. Utilizando-se desse
termo com a intenção de trazer esse termo para o campo literário sobretudo analisando a
escrita feminina. A escrita dessas mulheres muitas vezes enfrentou o anonimato para
poder constituir uma literatura que fosse captada pelo público em geral. Essa ação não se
deu somente na escrita, todavia na leitura também ao qual estavam limitadas somente aos
livros de culinária ou aos romances que eram feitos para mulheres. Dentre tantas
escritoras que se empenharam em criar romances, contos e memórias, gostaríamos de
trazer à baila uma escritora brasileira que faz parte do grupo de mulheres que ousaram
escrever e se junta a essa literatura de resiliência: Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra
e moradora de uma das primeiras favelas de São Paulo. A criação das suas obras nasce de
ambientes insalubres, mas que a escritora faz uma literatura que se destaca no cânone
brasileiro e alcança notoriedade mundialmente sendo até hoje um livro lido com inúmeras
edições. Nos debruçamos sobre sua biografia e obra por se tratar de uma mulher que
resistiu ao preconceito, machismo e as lutas que travava diariamente com a fome. É
importante ressaltar as obras de Carolina Maria de Jesus que trazemos na discussão do
presente artigo. Sua obra resiste ao tempo e até hoje tem sido resiliente mesmo diante de
alguns críticos que afirmam que seus livros não são considerados obras literária pela
forma como foi escrito. Padrões, lugares de escrita, gênero foram alguns de padrões que
estabelecidos procuraram afastar essas mulheres do oficio literário. E as obras
Carolineanas sobrevivem e consegue ser como uma flor em meio ao deserto. Mesmo não
tendo apoio financeiro para o lançamento de outros livros, Carolina se conecta a outras
escritoras que também não tiveram o apoio mas que investem dos poucos recursos
financeiros para que fossem publicados.
Palavras-chave: Literatura; Carolina Maria de Jesus; escrita feminina