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Um dos maiores desafios das organizações em tempos instáveis é inclUir a reflexão no dia a dia da operação. o pensador de gestão Jim collins e o empresário abilio diniz mostram como incUtir o Hábito de pensar em Uma empresa, qUalqUer qUe seJa sUa atividade. ela deve ter foco em seUs valores centrais e cUltivar três comportamentos-cHave ALTA GERênciA A entrevista de Jim collins é de autoria de Viviana Alonso, cola- boradora de HSM MAnAGEMEnT. A entrevista de Abilio Diniz é de José Salibi neto, cKO da HSM do Brasil. O texto final é de Adria- na Salles Gomes, editora-executiva de HSM MAnAGEMEnT, com contribuição de Florencia Lafuente. Foto: Jürgen Frank O ALpi E O cOR 24 HSMManagement 91 • março-abril 2012 hsmmanagement.com.br

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Um dos maiores desafios das organizações em tempos instáveis é inclUir a reflexão no dia a dia da

operação. o pensador de gestão Jim collins e o empresário abilio diniz mostram como incUtir o Hábito de

pensar em Uma empresa, qUalqUer qUe seJa sUa atividade. ela deve ter

foco em seUs valores centrais e cUltivar três

comportamentos-cHave

ALTA GERênciA

A entrevista de Jim collins é de autoria de Viviana Alonso, cola-boradora de HSM MAnAGEMEnT. A entrevista de Abilio Diniz é de José Salibi neto, cKO da HSM do Brasil. O texto final é de Adria-na Salles Gomes, editora-executiva de HSM MAnAGEMEnT, com contribuição de Florencia Lafuente.Fo

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SinOpSE

•RosabethMossKanter,deHarvard,jáchamouaatençãoparaumdosmaioresproblemas,oudesafios,dasempresasdehoje:aausênciadereflexãoporseusgestoresnodiaadia.Issopodeserfatalemtemposturbulentos.Masseráqueexisteumaincompatibilidaderealentreestudareempreendernaoperaçãoouissoéperfeitamentepossível?

•ParaJimCollins,areflexão,pormeiodeperguntasconstantes,épossível,sim,evisaprincipalmentetestaroconjuntodevalorescentraisdacorporaçãoetorná-locoerenteosuficiente.Éisso,somadoàcolocaçãodaspessoascertasnoslugarescertosetambémaotriodecomportamentos“criatividade,disciplinaeumadosedeparanoia”,quepodegarantirumsucessoduradouroaosnegócios,comoCollinsdescobriunapesquisaqueresultouemseunovolivro,Vencedorasporopção.

•AbilioDinizadotaosmesmosparâmetrosnagestãodeseuGrupoPãodeAçúcar,olíderdovarejonoBrasil,oquesedeve,emgrandeparte,àtransferênciadeseuDNApessoalàorganização,mastambémaalgumainfluênciarecentedeJimCollinseoutrosconsultoresgerenciaiscomooindianoRajSisodia,autordeOssegredosdasempresasmaisqueridas.Oresultadosãoreflexõespermanentes,quepodemservircomomodeloparaseguir.

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ColliNS SobrE aSHABiLiDADES DE UM GESTORDepois de tanta pesquisa e de quatro livros tão importantes, nos diga: quais são as habilidades de gestão mais importantes?o conjunto das habilidades de gestão que são mais importantes aparece em meu livro Empresas feitas para vencer e continua atual, mas eu aprendi a re-sumi-las em três. Uma é a que pessoalmente considero a habilidade-chave em todos esses anos de pesquisas e experiência prática. a segunda sobressaiu especialmente em nossa última pesquisa em grau de importância. a terceira é a que considero a mais interessante das habilidades, até por ser prosaica e receber pouca atenção, e vale dizer que aparece regularmente em todo nosso corpo de estudo.

Estamos ansiosos para conhecê-las...a habilidade-chave gerencial é a capacidade de escolher as pessoas certas para os cargos certos. Quando, no final de sua carreira, uma pessoa avalia as decisões mais importantes que tomou, pelo menos sete delas acabam sendo relativas a pessoas. isso é tremendamente importante, porque sem as pessoas adequadas, nada pode ser feito, nada acontece.

Já a mais importante conforme nosso último estudo é a capacidade de identi-ficar e permanecer no que denominamos “a marcha das 20 milhas por dia”, ou 32 quilômetros por dia, como um nível de velocidade constante, não muito rápido nem muito lento, na qual a organização deve avançar para não fracassar.

a mais interessante das habilidades é a capacidade de reconhecer um golpe de sorte, seja bom ou ruim, e extrair benefícios de um fato circunstancial. maxi-mizar o valor da sorte é uma habilidade incrivelmente interessante e rara.

que há em comum entre um alpinista e um corredor de longa distância? Aparentemente nada, porque um sobe montanhas com a ajuda de ferramentas e foco nos detalhes do trajeto para chegar ao topo e aí ampliar seus horizontes, enquanto o outro avança em terreno mais ou menos plano mantendo constante o ritmo e evitando paradas para alcançar sua meta em um bom tempo.

Trazida ao mundo dos negócios, porém, a analogia esportiva se mostra perfeita para designar um pesquisador da gestão e um gestor atuante. O estu-dioso precisa formar uma visão ampla daquilo que acontece, o que ele obtém graças ao caminho percorrido, aos instrumentos e a sua concentração em cada trecho, enquanto o gestor deve garantir um fluxo contínuo para seu ne-gócio, sem interrupções nem surpresas. Mesmo no sentido metafórico, eles não se aproximariam.

Esse distanciamento entre o alpinista e o corredor tem sido uma preocu-pação cada vez mais frequente na gestão; vozes como a de Rosabeth Moss Kanter, de Harvard [veja entrevista exclusiva a HSM Management nº 81, página 124], reclamam que um dos maiores problemas das empresas hoje está justamente na ausência de reflexão –e fazer tudo no “piloto automático” parece ser extremamente arriscado, em especial no século 21, na dita “era da learning organization”.

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Há pelo menos um caso recente em que dois desses esportistas, reais e metafóricos, aliaram-se de fato –e com grande sucesso. O alpinista atende pelo nome de Jim Collins, que, além de hábil nas escaladas, talvez seja o pesquisador mais res-peitado da gestão na atualidade e é autor de livros obrigatórios na área. O corredor se chama Abilio Diniz, maratonista que é fundador e chair-

man do Grupo Pão de Açúcar, o maior grupo varejista do Brasil.

Leitor antigo da obra de Collins, que depois lhe foi pessoalmente re-comendado pelo empresário Jorge Paulo Lemann (da AB InBev), Abilio levou sua equipe de liderança para um workshop intensivo de dois dias com Collins em Boulder, Colorado, em março de 2010 e, oito meses de-pois, trouxe-o a São Paulo a fim de

abilio SobrE VALORESQuais são as habilidades gerenciais que o Grupo pão de Açúcar mais busca em gestores?Eu pessoalmente tenho quatro valores, coisas minhas que desenvolvi ao lon-go da vida e que definem bem quem eu sou: humildade, determinação e garra, disciplina e equilíbrio emocional. o que houve é que, no workshop que fizemos em 2010 com o Jim Collins, nós os materializamos, e esse meu DNa passou a ser o DNa corporativo, a maneira como a empresa é e o que guia seus membros em suas mínimas decisões. o Jim ficou muito entusiasmado porque conseguimos sintetizar tudo em quatro coisas, em vez de fazer aque-les tratados extensíssimos.

na prática, esses valores são tão importantes quanto as habilidades geren-ciais? por exemplo, para serem contratadas no grupo, as pessoas são avalia-das principalmente nesses quatro termos?Para os cargos de nível hierárquico mais alto, já cuidamos, sim, para que os selecionados tenham aderência aos nossos valores. É um filtro muito impor-tante. agora, estamos fazendo essa cultura chegar às bases também, as mais distantes inclusive. Fazemos isso dando o exemplo, para que pensem: “Eles es-tão realmente comprometidos com esses valores, pois fazem aquilo que falam”.

Se você tivesse de escolher apenas um valor para selecionar pessoas, qual seria?

Equilíbrio emocional. a nós interessam as pessoas que procuram viver em equilíbrio, combinando vários papéis e atividades. Você tem o papel de profis-sional, o de pai, o de marido, o de filho, o de esportista quando é o caso, o de uma pessoa que faz um trabalho comunitário qualquer. E tem as atividades de trabalho, estudo, descanso, lazer.

É o equilíbrio emocional que faz as pessoas saberem receber bem uma crítica, não responder de improviso, não se exaltar antes do tempo, saber

ouvir os outros etc.

Mas seus funcionários realmente conseguem combinar esses papéis e ati-vidades?Sim! Nós não queremos sacrifício. aliás, eu odeio sacrifício, pessoalmente. Que-

remos dedicação, o que vem naturalmente com a aplicação dos nossos valores.

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reverberar o mesmo encontro por mais duas horas entre 400 funcioná-rios do grupo (o que, por sua vez, foi reverberado entre 1,2 mil gerentes de loja e assim por diante).

“Eu já me identificava muito com as ideias do Jim Collins, mas o workshop no Colorado foi especial-mente importante para todos nós. Não é que Collins nos tenha trazi-

do tantas novidades assim; o que ele fez foi sublinhar coisas em que acreditávamos e, então, passamos a acreditar muito mais nelas, o que é algo vital para podermos agir”, ex-plicou Abilio a HSM Management. Collins provocou a reflexão dos 11 executivos seniores do Grupo Pão de Açúcar e cumpriu seu papel de apoiar a ação.

Esse alpinista estudioso da ges-tão e esse corredor empresário, entrevistados com exclusivida-

de por HSM Management, po-dem ajudar o leitor a enten-

der como reflexão e prática se implementam e se reforçam

mutuamente em uma orga-nização.

EM MARcHAQuem conhece Jim Collins sabe que ele não aceita qualquer cliente; o estudio-

so precisa acreditar no negócio em questão. Se isso não acontecer

depois de uma ou mais baterias de perguntas, ele pede desculpas gentil-mente e abre mão do trabalho.

Collins aceitou trabalhar para o Gru-po Pão de Açúcar por acreditar nele, até porque se encaixa bem no perfil de empresa “10 vezes mais” (10X, ori-ginalmente) que ele descreve em seu novo livro, Vencedoras por opção: in-certeza, caos e acaso – por que algumas empresas prosperam apesar de tudo, a ser lançado no Brasil em breve pela HSM Editora e o único ainda não lido por Abilio Diniz.

Em primeiro lugar, o Pão de Açú-car começou como uma doceira, em 1948, e atualmente tem faturamento de R$ 52,6 bilhões, lucro de R$ 718 mi-lhões (dados de 2011), 1.803 lojas em 18 estados e mais o Distrito Federal, e 149 mil funcionários espalhados pelo Brasil, somando Pão de Açúcar, Extra Hiper, Extra Super, Minimercado Ex-tra, Assaí (atacado), Ponto Frio, Casas Bahia, postos de combustíveis e dro-garias. Como Collins explicou a HSM Management, “as ‘10 vezes mais’ são organizações que começaram com três funcionários e se tornaram a In-tel; que tinham três aviões e viraram a South west Airlines; que contavam com cinco colaboradores em um sala de Albuquerque e se transformaram na Microsoft. Têm histórias excepcionais, porque enfrentaram tudo; cada uma delas é uma em milhares”.

Em segundo lugar, apesar dos altos e baixos de sua trajetória, o Pão de Açú-

ColliNS SobrE A SORTEEm Vencedoras por opção, o sr. menciona a habilidade gerencial de se apropriar de algo que acontece por acaso, seja sorte ou azar, em seu be-nefício. É incomum ouvir a palavra “sorte”, ou “acaso”, de um cientista. Explique, por favor...maximizar o valor da sorte, no sentido de acaso, é uma habilidade incrivel-mente interessante e rara. Nessa pesquisa ficou evidente que o sucesso das empresas está relacionado também com o que chamamos de retorno sobre a sorte [rol, na sigla em inglês], uma espécie nova de roi [risos].

Qual seria um exemplo de boa sorte?bill Gates é um bom exemplo de nossa noção de retorno sobre a sorte. En-quanto estava na graduação em Harvard, seu amigo Paul allen lhe contou que tinha lido um artigo sobre um novo computador pessoal que seria lan-çado, o altair, e que eles deveriam ser os primeiros a escrever a linguagem de programação que o tornaria acessível às pessoas comuns.

É aqui que aparece o golpe de sorte. É claro que outras pessoas também poderiam ter aproveitado, eles não eram os únicos com a possibilidade de entrar para o mundo da programação de software. o notável é que bill Gates saiu de Harvard, abandonou sua carreira e se mudou para albuquerque, no Novo méxico, perto da altair, e trabalhou 20 horas por dia durante semanas para ser o primeiro a programar a linguagem basic. Gates conseguiu um retorno inacreditável ao agir a partir desse golpe de sorte. E em toda sua carreira mostrou uma grande capacidade de reconhecer a sorte e tirar van-tagem dela.

E um exemplo de acaso ruim?Foi o que aconteceu com a Progressive, seguradora que, no final dos anos 1980, viu ser aprovada na Ca-lifórnia a regulamentação Prop 103 [que diminuiu os bônus das seguradoras a fim de reduzir os preços cobrados]. os negócios da empresa saíram arra-nhados da noite para o dia e seu CEo, Peter lewis, aceitando a maré ruim, entendeu que o problema era que os clientes odiavam as companhias de seguros e construiu uma empresa melhor, com estratégia mais adequada e serviço mais eficiente. o azar virou sorte.

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car tem, sim, desempenho notável: sua ação, listada em bolsa de valores des-de 1995, subiu de um valor médio de R$ 36,36 em 2006 para R$ 79 no dia 17 de fevereiro último.

Mais importante ainda, Abilio Diniz está muito mais para o modelo de ges-tor Roald Amundsen do que para Ro-bert Falcon Scott. No novo livro, Collins usa como ilustração a história dos dois exploradores que, em 1911, formaram expedições concorrentes para chegar pioneiramente ao polo sul. Enquanto Amundsen estabeleceu um limite de 20 milhas (32 quilômetros) por dia de avanço para manter sua equipe afasta-da do risco de exaustão, Scott pressio-nou seu pessoal para chegar primeiro. Resultado: a expedição de Amundsen atingiu o polo sul e a de Scott morreu no caminho.

Em seu estudo, com Morten T. Han-sen, de Berkeley, Collins concluiu que os líderes das companhias “10 vezes mais” sempre têm três comportamen-tos: disciplina fanática, criatividade empírica e paranoia produtiva. Abilio Diniz materializa os três.

DiScipLinA, cRiATiViDADE E pARAnOiA pRODUTiVAJim Collins é um exemplo ambulante de como um enfoque disciplinado e me-tódico permite enfrentar qualquer desafio. Em uma planilha de cálculo, carrega estatísticas minuciosas sobre o uso de seu tempo –50% dedica-do à criatividade, 30% ao ensino e 20% a outras atividades–, que controla com um cronômetro de bolso. Mas a disciplina que

abilio SobrE A FELiciDADEQual é, digamos assim, o percentual de autenticidade do slogan “pão de Açúcar, lugar de gente feliz”?Cem por cento. Não é apenas retórica oportunista dos tempos atuais. Ele vem de campanhas de propaganda de décadas atrás e há muito tempo foi adotado como modo de vida nesta organização. Nós somos uma empresa que corre e busca sempre a felicidade.

Quem olhar pelo rude lado capitalista pode dizer que fazemos isso porque queremos que nosso funcionário trabalhe mais, esteja mais comprometido e que cada um atenda melhor nossos clientes, opere melhor as nossas lojas, para que tenhamos uma performance melhor e maior retorno para os acionistas.

Não é mentira, mas vamos além disso. acreditamos que é importante ser uma empresa que seja referência e que faça falta. Pensamos: “Se amanhã deixássemos de existir, que falta faríamos para o brasil e para o mundo?”.

Uma vez, o filósofo Mario Sergio cortella fez uma provocação [HSM MA-nAGEMEnT nº 82, página 92] com a pergunta: “Se sua empresa não exis-tisse, que bem ela faria?”.Nós nos orgulhamos do fato de que faríamos mais falta do que bem. Se dei-xássemos de existir, quem estaria inserido como nós nas comunidades? Quem iria fazer as maratonas de revezamento? Quem estaria trabalhando para a sociedade o tempo inteiro com programas de reciclagem e educação ambiental? Nós acreditamos no que fazemos, não é pelo dinheiro. Nós acre-ditamos que nossa finalidade é maior que simplesmente transferir mercado-ria e dar lucro para os acionistas. realmente perseguimos a ideia de ser uma empresa do bem.

Se eu perguntasse o mesmo a seus funcionários, eles passariam a mesma percepção? [risos]Estou certo de que sim. Emitimos sinais constantes a nossos funcionários

de que, “tanto quanto podemos, queremos que você seja feliz, porque a vida deve ser vivida com alegria”. Quando a base sente que há uma comunicação

de cima para baixo que fala em muitas coisas de eficiência, mas também defende qualidade de vida, ela começa a incorporar isso. E os programas que lançamos, como a redução de 50% na carga de trabalho de finais de semana nas lojas para nossos gerentes e o cartão da mãe, uma espécie de auxílio-creche, ambos de 2011, confirmam essa mensagem.

“SEr CriatiVo É SEr HUmaNo. o DiFíCil É SEr DiSCiPliNaDo, E É iSSo QUE DiFErENCia”

JiM cOLLinS

ele localiza nas empresas “10 vezes mais” é a da “marcha das 20 mi-lhas”, um princípio-chave segundo o qual as metas parciais de um ne-gócio nunca devem ser trocadas pelo afã de chegar mais rápido à meta final ou superá-la. A marcha das 20 milhas é crescer 20% todo ano e não mais, como conseguiu a empresa

de equipamentos médicos Stryker. Para Collins, a disciplina é a única maneira de progredir. “Acredito que ser criativo é ser humano, é algo natural a todos nós. O difícil é ser disciplinado, e é isso que diferencia uma pessoa”, afirma. O esporte é um elemento disciplinador por excelên-cia e, ao estender seu DNA esportista

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ao grupo, Diniz tornou a disciplina um dos quatro valores de sua cultura [veja quadro na página 27].

“A inovação é importante, mas não tanto quanto pensamos”, defende Collins. “Cada setor de atividade tem um limiar de inovação. Em alguns, como o de biotecnologia, é muito maior, mas em outros, como o de aviação comercial, é relativamente baixo. O importante é que cada or-ganização detecte qual é o limiar de inovação necessário. Inovar além desse ponto não leva a resultados ex-cepcionais”, garante o especialista.

O leitor diria que o Grupo Pão de Açúcar é inovador? Os consultores es-pecializados em varejo associam esse adjetivo a ele com muita frequência. Afinal, um grupo supermercadista que há anos liga sua imagem à aura “cool” do esporte, em vez de se concentrar nas ofertas de produtos, como é a conven-ção do setor, não pode não ser conside-rado inovador. As causas ambientalis-tas que a corporação abraçou também contribuem para o posicionamento, assim como os “conselhos de clientes” das lojas, algo que existe desde 1993.

Uma pessoa criativa consegue dis-ciplinar-se? “Não disponho de evi-dência científica, mas acredito que é mais fácil o inverso, ou seja, passar da disciplina para a criatividade, já que a criatividade é o estado natural do ser humano. Quase tudo o que o

homem criou desde a Antiguidade nasceu do impulso criativo, mas a grande maioria das pessoas não é disciplinada”, analisa Collins. Pare-ce que foi exatamente isso que acon-teceu com o Grupo Pão de Açúcar.

E quanto à paranoia, que, para Collins, é quase um sinônimo de prudência e preparo contra riscos

assimétricos? Bem, a movimentação cons tante de Abilio Diniz parece ser um sintoma dela. “Primeiro, abrimos o capital em 1997. Depois, tomamos a decisão, eu e meus filhos Ana, João e Pedro, de que profissionalizaría-mos nossa empresa para perpetuá- -la e, fazendo workshops com John Davis entre 2001 e 2002, definimos os movimentos para o futuro nessa direção. Entre 2003 e 2007, começa-mos a transição”, conta Abilio.

Ana e João, que atuavam lá, retira-ram-se, Abilio tornou-se chairman e fizeram-se as duas primeiras tentati-vas de ter um CEO que não fosse da família –o primeiro era de dentro da empresa (Augusto Cruz) e o outro de fora (Cássio Casseb). “Tivemos mui-tas dificuldades, mas foi um grande aprendizado. Eu dei uma liberdade imensa para que eles aprendessem com os erros e acertos, e crescessem com isso, e entendi que é preciso fi-car mais vigilante”, reflete Abilio.

Não deu certo e, em 2007, o con-sultor Cláudio Galeazzi [veja entre-vista dele em HSM Management nº 64, página 14] assumiu o posto para fazer uma espécie de “transição-

-turnaround”, com mandato defi-nido em dois anos. “Dessa vez eu

avisei: ‘Quando for fazer alguma coisa que seja contrária ao

que eu penso, você vai ter de me convencer. Se eu ti-ver dúvidas, levarei para o conselho, e, se nem ao conselho for persuadido, você não vai fazer.” No iní-cio de 2008, Enéas Pestana,

que entrara na empresa em 2003 vindo do Carrefour, já

era “paranoicamente” es-colhido, e preparado, para

ser o CEO.

JOBS E LEMAnnAbilio Diniz foi um dos palestrantes da última HSM ExpoManagement, o megaevento de educação executiva da HSM que acontece todo mês de novembro em São Paulo, e, duran-te sua palestra, algo surpreendente

ColliNS SobrE A HUMiLDADEO sr. diz que as perguntas são armadilhas que o capturam. Qual é sua pergunta atual?Uma delas é relativa aos jovens líderes de agora: que importância a humil-dade terá em ambientes tão mutantes e no cenário de um mundo organi-zado em redes? Será mais ou menos pronunciada?

O sr. já começou a esboçar a resposta?Por enquanto, tenho alguns pensamentos a respeito. Não sou especialista em redes sociais ou em colaboração não hierárquica, mas tento responder a isso com base em nossa pesquisa e no que é duradouro, independente-mente das circunstâncias.

os grandes líderes sempre estão a serviço de algo –um produto, uma causa, uma cultura. Constroem coisas, podem ser ambiciosos e ter sua idiossincrasia, ou uma personalidade difícil, mas dedicam todo seu esforço a algo maior do que eles mesmos, e isso é humildade.

Havendo líderes de verdade nesta geração, haverá humildade, como sempre houve em todas as gerações.

“tiVEmoS mUitaS DiFiCUlDaDES [Na traNSição], maS Foi Um GraNDE aPrENDizaDo"

ABiLiO Diniz

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ocorreu. Ele abriu o microfone para a plateia, dispondo-se a responder a qualquer pergunta, e ninguém o questionou sobre um dos assuntos do ano da mídia de negócios brasi-leira: sua tentativa frustrada de aqui-sição do Carrefour.

A explicação para o silêncio? Con-forme apurou nossa reportagem, tra-duzia o respeito e o apoio dos gestores a Abilio Diniz e à internacionalização de empresas brasileiras de modo geral, além de sua concordância com a con-tribuição do governo brasileiro para isso, nos moldes do que faz o governo dos Estados Unidos. Além disso, Abilio Diniz era percebido como um “Steve Jobs brasileiro” e o público o justificou citando as dificuldades pessoais que ele enfrentou –da briga com a família ao sequestro– e a volta por cima, sua paixão pelo negócio e o fato de ele se expor publicamente em nome disso, a ligação com pra-zer e felicidade que suas lojas buscam promover (a exemplo dos iPads).

À primeira vista, no entanto, Steve Jobs parece estar mais para Scott do que para Amund sen, certo? Não na visão de Collins: “Jobs evoluiu com o tempo. No início, ele realmente era criativo e pouco disciplinado, mas melhorou bastante”. Ele continua: “Quando Jobs voltou para a Apple, em 1997, uma das primeiras coisas que fez foi fortalecer o produto básico da empresa, o Mac. Não pulou para o iPod ou o iPhone; isso surgiu depois. Ele organizou as contas e procurou o melhor pessoal de opera-ções, o que o levou a Tim Cook”.

Como o especialista lembra, Jobs disse a Cook uma frase lapidar: “Não faremos uma grande diferença se for-mos criativos, mas nossos produtos fa-lharem”. Jobs e Cook personificaram a dupla “criatividade e disciplina”.

Outro espelho em que podemos olhar para entender tanto Abilio Diniz como o tipo de gestor que Jim Collins prega é Jorge Paulo Lemann, da AB Inbev. Trata-se de

abilio SobrE O ApREnDizADOpor que, em 2010, você criou um programa de liderança na Fundação Getulio Vargas?Para aprender. Há algum tempo eu tenho buscado melhorar mais e mais minhas técnicas de liderança. Daí surgiu meu curso, que já formou quatro turmas, porque é ensinando que a gente aprende, essa troca é insuperável.

Eu sempre fui uma pessoa que procura aprender, até por ambição mesmo: quero ser hoje melhor do que eu era ontem e amanhã vou querer ser melhor do que eu sou hoje. Já formamos 200 alunos na FGV.

isso vale só para a gestão?Não! Eu busco aprender muita coisa; por exemplo, fico estudando a lon-gevidade, ou seja, como se pode viver mais com qualidade.

É um aprendizado com objetivo... Além de ensinar para aprender, você encontrou outras ferramentas que viabilizem o aprendizado no dia a dia? Fico pensando no livro que já vendeu 250 mil exemplares (e o

segundo está a caminho) ou no blog com 45 mil views mensais, ou ainda nos seus 139 mil seguidores de Twitter...

Sim, por exemplo, tem um jovem que trabalha comigo já há alguns anos, com graduação e mestrado em educação física, que está fa-zendo agora o doutorado na Universidade de Sevilha. Ele viaja o mundo inteiro atrás de coisas interessantes para a gente apren-der sobre atividade física, longevidade, retardar o envelhecimento.

Ele captura esse conhecimento e o troca comigo para aprendermos juntos.aprender é uma conquista permanente e por isso é tão fascinante.

acredito que a companhia incorporou também essa característica mi-nha em seu DNa.

um cliente ao qual Collins é bastante ligado e também de um amigo pessoal de Abilio. “O Jorge tem uma trajetória muito parecida com a minha. Ele jun-

tou Brahma e Antarctica na Ambev, como as aquisições que nós fize-mos. Depois, ele internacionalizou-se; se vou me internacionalizar ou não, vai depender de como fica o mundo. O Jorge é um dos empresá-rios que eu mais admiro e de quem tenho a honra de ser amigo”, conta

Abilio Diniz não quis comen-tar o episódio Carrefour-Casino-BNDES com HSM Management. A esse res peito, apenas declarou: “Eu e meu sócio Jean-Charles [Na-ouri, presidente do grupo francês

Casino] estamos bem, buscando soluções e confirmando aquilo que eu sempre falo: empresários não brigam; briga é para namorados”.

pESSOAS cERTAS nOS LUGARES cERTOSAbilio Diniz não poupa elogios a seu CEO, Enéas Pestana. “Ele se pre-parou durante dois anos para ser o CEO, profissional e pessoalmente. Fez coaching, avaliações, trabalhou a si mesmo em terapia, buscou cada vez mais o autoconhecimento, e é hoje um dos dois grandes exemplos que tenho para mim de pessoa que cresceu extraordinariamente –o outro é o presidente Lula. Graças a isso, hoje o Enéas lida com as outras

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pessoas do time de uma forma fan-tástica”, diz o empresário.

Não apenas Pestana, mas todo o atu-al time da alta gerência do Grupo Pão de Açúcar é de primeira linha, segundo Abilio. “Temos um Pelé em cada posi-ção –logística, TI, estratégia, operação, comercial”, diz ele, orgulhoso. “Jim Collins nos recomendou que pelo me-nos 95% dos cargos-chave da empresa tivessem as pessoas certas e fizemos trocas tão radicais quanto colocar a ex-ecutiva de RH em estratégia”, lembra o líder do Grupo Pão de Açúcar.

Para ter as pessoas certas nos lugares certos continuamente, é pre-ciso, contudo, ser capaz de atraí-las e o Grupo Pão de Açúcar entendeu bem isso. Seu programa de trainees era concorrido –começava com 30 mil inscrições e terminava com

50 sele-c iona-d o s – , p o r é m

os candi-datos prioriza-

vam o trabalho na administração cen-tral, não nas lojas. “Mas, do programa de 2012 em diante, es-peramos atrair muitos

desses talentos para as lojas.”

O grupo tem tomado medidas mui-to concretas para ampliar sua atra-tividade. “Eu digo que 2011 foi o ano dos nossos cola boradores. Reorga-nizamos a comunicação para que as bases sintam nossa preocupação com sua felicidade; fizemos uma manobra estatística para que as gerências de loja passassem a tirar, no mínimo, dois fins de semana de folga por mês, o que é um enorme avanço para quem trabalha no varejo; criamos o cartão da mãe, que é um auxílio-babá, entre outras coisas”, comenta Abilio.

REFLEXÃO cOMO HÁBiTOPara Jim Collins, o diferencial de empresas como suas “10 vezes mais” ou o Grupo Pão de Açúcar pode ser resumido em “saber nave-gar no caos”. “Durante a segunda metade do século 20, muitos de nós, norte-ameri canos, nos acostuma-mos com a falsa ideia de segurança e a retransmitimos, mas o fato é que sempre vivemos e viveremos na ins-tabilidade e as empresas que lidam com isso têm vantagens.”

E o que a instabilidade exi ge? Um apren der constante, o que, por sua vez, requer reflexão. É injusto dizer que o Grupo Pão de Açúcar incorpo-rou a reflexão em seu DNA ape nas depois de Collins e outros gurus; tra-ta-se de um processo de anos –a sala

compartilhada da alta gerência [veja a foto acima] vem do final dos anos 1990, a plenária das segundas-feiras de manhã com 400 pessoas que re- presentam as 149 mil também é prata da casa. Porém o hábito da re-flexão talvez tenha ficado mais siste-matizado no grupo sob a influência de Collins e outros pensadores.

A reflexão dentro da ação talvez equivalha à palavra “diagnóstico”, muito usada por Abilio Diniz e que significa fazer todo tipo de pergunta antes de tomar decisões. Jim Collins é famoso por gostar de perguntas também; ele as formula visando a coerência dos valores corporativos.

Como Collins resumiu: “O poeta T.S. Eliot já disse que ‘o fim de toda exploração nossa será chegar aonde começamos e conhecer o lugar pela primeira vez’. Creio que as verdades que descobrimos há muito tempo às vezes desaparecem de nossa vista e necessitamos voltar a elas frequen-temente –em especial, quando tudo a nosso redor muda tanto”.

Ou seja, essa tão urgente aliança en-tre reflexão e prática pode ser adquiri-da, sim, como recomenda Jim Collins e como comprova o Grupo Pão de Açú-car. Com ou sem parcerias externas.

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HSMManagement 91 • março-abril 2012 hsmmanagement.com.br32