O aluno

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Tanto alunos quanto professores têm seus conceitos sobre o estudar e o aprender. Não existe uma só interpretação de fatos e situações. Cada pessoa tem sua própria percepção, sua própria maneira de vivenciar experiências, do lugar em que se encontram. E é essa variedade de opiniões e sentimentos interagindo com opiniões e sentimentos de outros indivíduos que enriquece o mundo das idéias, impulsionando-nos para novas percepções.

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O aluno, o estudar e o aprender Yara Curvacho Malvezzi

Extrato da dissertação de mestrado (2000) intitulada:

CONCEITUANDO O ESTUDAR E O APRENDER: Com a palavra, internos de medicina

Tanto alunos quanto professores têm seus conceitos sobre o estudar e o aprender. Não

existe uma só interpretação de fatos e situações. Cada pessoa tem sua própria percepção, sua

própria maneira de vivenciar experiências, do lugar em que se encontram. E é essa variedade de

opiniões e sentimentos interagindo com opiniões e sentimentos de outros indivíduos que enriquece o mundo das idéias, impulsionando-nos para novas percepções.

Dessa forma, EKLUND-MYRSKOG (1997) admite que a interação que surge entre

professores, alunos e a própria proposta educacional da instituição de ensino podem influenciar os estudantes quanto ao modo de entender o seu estudar e a sua aprendizagem.

MIRA Y LÓPEZ (1968) defende que é possível “estudar sem aprender” e “aprender sem

estudar” e REZZANO (1987, p.xi) alicerça esta idéia quando associa o aprender a uma decisão

pessoal do aluno: “O sonho dourado de todos os estudantes, de aprender sem estudar, não é um

mito: a fixação espontânea de conhecimento se realiza sempre que no ato de aprender intervém o

interesse ou a emoção, ou ambos juntos”. Tais afirmativas poderiam ser consideradas polêmicas.

Como separar o aprendizado do estudo? Na verdade, o que ocorre é que a mesma palavra comporta

diferentes significados. Dito de outra forma, cabe perguntar: “O que é estudar? O que é

aprender?”O espaço de discussão amplia-se ainda mais quando se dá voz ao aluno, sujeito das ações.

Assim, é dessas ações que nos deteremos a seguir, relacionando-as ao modo como os

alunos demonstram entendê-las, tangenciando algumas idéias que os próprios professores fazem delas.

O Estudar

“Que o ato de estudar, no fundo, é uma atitude frente ao mundo (...) não

se reduz à relação leitor-livro ou leitor-texto (...) e também é sobretudo pensar a

prática e pensar a prática é a maneira de pensar certo”(FREIRE, 1974).

Para este autor, o sujeito da ação de estudar é o aluno, valorizado em sua individualidade,

de quem se exige uma postura crítica e uma inserção na realidade. O estudante toma decisões e

age, fundamentado na análise de uma realidade que transcende os limites tradicionais (escola, livro,

professor, por exemplo). Dessa forma, o modo como o aluno percebe o estudar vai determinar uma

série de outras ações quanto à busca e ao tratamento de informações, gerando conseqüências no

seu agir.

O contraste entre um estudar que objetiva a obtenção de uma “coleção de

afirmações” ouuma “coleção de idéias” foi estabelecido por BARNES (1995). Este autor identificou

dois modos de estudo: o aquisitivo e o interativo.

No estudo aquisitivo, o aluno entende o conhecimento como algo permanente e pronto, que

deve ser possuído. Transforma o estudo em um aglomerado fixo de idéias e teorias que precisa ser

armazenado. “Aluno e aula são estranhos um ao outro, pois o primeiro se tornou apenas o

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proprietário de um conjunto de afirmações feitas por outra pessoa” (BARNES, 1995). Para receber o

diploma ao final do curso, basta adquirir uma quantidade pré-determinada de conhecimento. No

modo aquisitivo, o aluno pode apresentar as seguintes condutas: esforça-se para memorizar os

conhecimentos, exercita-se, adestra-se em um tema ou técnica ou ainda executa procedimentos

para atingir um determinado objetivo.

Já no estudo interativo, o aluno percebe o conhecimento como resultado de um processo de

interação entre as informações e aquele que procura conhecer. A matéria é apenas um desafio para

questionar, analisar, e testar paradigmas. A tentativa é no sentido de compreender as idéias. As

informações passam por um processamento no qual o indivíduo atua ativamente.

No modo interativo, entendido como o mais adequado, o aluno dedica-se à apreciação ou à

meditação de um assunto e usa o raciocínio para compreendê-lo.

No quadro 3 encontra-se a comparação entre os modos de estudar, segundo BARNES

(1995).

Quadro 3- Comparação entre os modos de estudar (BARNES, 1995)

Variáveis Estudo aquisitivo Estudo interativo

Postura do aluno Passiva Ativa

Características das

informações

Conjunto fixo de

idéias

A informação está

pronta

Idéias vão se

transformando

A informação precisa ser

processada

Busca do

conhecimento

Dependente da

aquisição

Conhecimento

gerado a partir de

idéias isoladas e

proposições desconexas

O cérebro está em

estado neutro

Independente da

aquisição

Conhecimento gerado a

partir de idéias

correlacionadas e

proposições comparadas

O cérebro está

processando

Relações são importantes

Tratamento das

informações

Relações NÃO são

importantes

Preocupação com

fatos e informações

Não procura fazer

comparações

Visão estreita do

assunto

Preocupação com

significados e questionamentos

Procura comparar e

contrastar

Ampla visão do assunto

Questiona as informações

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Conseqüências

no aluno

Armazena as

informações

Ameaçado por

novas idéias

Medo de ser testado

Medo de sair

perdendo num debate

Gera insegurança

Novas idéias aguçam o

interesse

Compreensão ampliada

Intrigado com pontos de

vistas diferentes

Gera segurança

Em 1979, um grupo de pesquisadores liderado por ENTWISTLE já havia ressaltado que o

comportamento do aluno quanto ao estudar é influenciado não somente por suas características

individuais, mas também pelas características de cada situação que enfrenta. Estes pesquisadores identificaram 3 abordagens de orientação para o estudo: significativa, reprodutiva e estratégica.

A orientação chamada significativa inclui características semelhantes às descritas por

BARNES (1995) no estudo interativo, enquanto a orientação reprodutiva guarda relação com o

estudo aquisitivo. Na orientação estratégica, o aluno visa aos resultados de seu estudo, como numa competição.

ENTWISTLE e seus colaboradores (1979) assinalam que as três abordagens descritas para o

estudar podem apresentar um paralelo com a abordagem do ensinar, com professores privilegiando

interpretações pessoais de conteúdos abrangentes ou, diferentemente, insistindo em observar os pormenores dos conteúdos formais, fechados.

Quanto à abordagem que o aluno utiliza em seu estudar, os mesmos autores fazem

referência a duas categorias de estudantes, dependentes ou não de um roteiro a cumprir, a que

denominaram syllabus-boundness e syllabus-freedom. Na primeira categoria estão os alunos que

orientam suas ações de acordo com os limites impostos por regras definidas e prazos pré-

determinados, não por si próprios, mas por profesores ou por instituições de ensino, por exemplo.

Em contraste, na outra categoria descrita, encontram-se aqueles alunos que, para atingirem seus

objetivos, precisam de maior autonomia em seu processo de aprendizagem.

ENTWISTLE e seus colaboradores (1979) enfatizaram a relação do método de estudo com o

sucesso na vida acadêmica e descreveram alunos que se mostram preocupados com a avaliação que

os professores fazem do seu desempenho. Notaram que alguns estudantes procuravam seus

orientadores para descobrirem maiores informações sobre os exames, a fim de orientarem suas

ações para este objetivo. Por esta razão este grupo foi chamado “cue-seeking” exatamente por ser

orientado pela avaliação, apresentando esta “intenção de procura” de regras a cumprir. Em

contrapartida, há o grupo de alunos que recebeu o nome de “cue-deaf”, “surdos à avaliação”, uma

vez que não davam ouvidos às características específicas das avaliações e entendiam que elas eram

um procedimento absolutamente natural para testar o que tivesse sido aprendido.

O Aprender

Ressaltando a importância das características individuais quanto à ação de aprender,

BORDENAVE declarou que “Aprender é um processo que acontece no aluno e do qual o aluno é o agente essencial” (1998, p.38).

PIAGET (1972) entendia que “o conhecimento não se recebe, mas se constrói por meio da

ação do sujeito: um sujeito que pensa e aprende. Pela interação entre este sujeito e o objeto a ser

aprendido é que se dá a construção do seu conhecimento”. Com este pensamento, o autor reforça a

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noção de que a complexa construção da aprendizagem é diferente de pessoa para pessoa, interessando as áreas do conhecimento, das habilidades e dos valores.

Portanto, os conceitos que o estudante tem sobre o aprender, a imagem que faz dele são

parte de sua filosofia individual. Esta imagem pessoal altera-se com o desenvolvimento do indivíduo,

marcando o dinamismo do processo, e o aprofundamento da visão sobre o aprender pode ser

estimulado ou inibido pelo contexto (EKLUND-MYRSKOG, 1997). Lembram que a qualidade docente,

as atitudes dos professores e a proposta educacional da instituição são capazes de influenciar os estudantes quanto à abordagem que darão à sua aprendizagem.

MARTON e SÄLJÖ (1979) identificaram três grupos de aprendizes, de acordo com seu modo de entender a aprendizagem:

os que percebem a influência do contexto em que se dá a aprendizagem e adaptam suas estratégias de aprendizagem ao cumprimento de exigências externas, como provas, prazos, por exemplo (atentos às regras, mesmo que implícitas).

os que percebem a diferença do aprender para a vida e o aprender para a escola (desvinculado da realidade fora da escola), atividade vista como estereotipada e rotineira.

os que passam a perceber a diferença entre o aprender e o real aprender (ou aprender em relação ao compreender), o que já envolve a abstração dos significados. Os alunos, neste caso, têm um visão ampla, mais complexa, mais holística do processo de aprender quanto a seus conteúdos e objetivos.

Desta forma, o aprender pode ser entendido como “o resultado de experiências individuais

no esforço físico e mental de alterar uma formação já existente” (FIGUEIREDO, 1967, p.12) ou “o

processo pelo qual a conduta se modifica em resultado de experiência” (KUETHE, 1977). Este autor,

inclusive, compara a dimensão desse processo além dos limites da escola, onde a intenção do

indivíduo não seria propriamente aprender alguma coisa, mas adquirir o domínio de certas

habilidades, alcançar determinados objetivos. Parece-lhe que a educação formal restringe o sentido

da tarefa de aprender quando lhe impõe um fim em si mesmo, não associando o aprender ao realizar ou ao criar (DEMO, 1996).

Nessa linha de pensamento encontramos REINER que reserva para o professor o papel de

facilitador no processo de aprendizagem, ajudando os alunos a desenvolverem sua criatividade na

busca de respostas e soluções próprias. Defende o que chama o “Método da Descoberta” mas sua

definição de aprendizagem não vai além das idéias mais habituais que a vinculam à reprodução e à

aplicação de informações: “aprendizagem é o entendimento, a incorporação e a retenção de

informações e vivências por parte do aluno, de modo que possam ser por ele reproduzidas e aplicadas correta e concretamente daí por diante, sem ajuda alheia” (1995, p.2).

Mesmo considerando o aprender como “aumentar nosso capital de

conhecimentos” ou“aquisição, por um indivíduo, de conhecimentos que lhe são transmitidos por

outro” o discurso de MIRA Y LÓPEZ (1968) já fazia referência à importância de uma elaboração

pessoal da informação. O que realmente conta para que a aprendizagem efetive-se é a postura

íntima do aluno em relação a ela, defende o autor.

O modelo tradicional de educação, no entanto, trata o aprender como a reprodução de um

conjunto de informações, coisas e fatos que foram transmitidos ao aluno, que recebe este

conhecimento e o armazena na memória. Nesse modelo, o papel principal é o do professor, que

dirige a ação, e suas características principais são semelhantes às descritas por BARNES (1995) em

relação ao estudo que chama de aquisitivo.

MARTON e SÄLJÖ (1979) acreditavam que o aprendiz que se tornasse mais atento à sua

própria aprendizagem estaria melhor equipado para lidar com as múltiplas dificuldades no seu

processo de aprendizagem. REINER (1995) ratifica esse pensamento e acrescenta que, ajudando o

estudante a assumir sua própria aprendizagem, tornando-o mais ativo no processo, seria possível

uma redefinição do lugar do aluno e, consequentemente, uma redefinição do lugar do docente e uma nova dimensão do ensino.

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EKLUND-MYRSKOG (1997) demonstrou a influência do contexto sobre os conceitos de

aprender e nas abordagens utilizadas para a aprendizagem em estudo qualitativo com estudantes de

enfermagem. Notou que as diferenças encontradas entre os alunos do início do curso e os do final poderiam ser amplamente explicadas pelas experiências vivenciadas durante esse período.

Esse mesmo autor classificou em 5 categorias os conceitos que os alunos por ele

entrevistados emitiram sobre o aprender.

A primeira categoria relaciona-se a reter determinadas informações na mente e lembrar de

algumas delas. Aprender está relacionado ao aumento de conhecimento e sua reprodução (aspecto

quantitativo). A partir da segunda categoria, os conceitos se referem à visão qualitativa da

aprendizagem. Assim, o aprender pode estar ligado à compreensão ou à aplicação do conhecimento,

fundamentado na compreensão. O aluno entende que aprender é adquirir e manter este

conhecimento todo o tempo e não só lembrar dele por um período específico. O aprendiz pode

também entender o aprender como a maneira de novas perspectivas se abrirem para si próprio, o

que relaciona a aprendizagem com a possibilidade de uma transformação pessoal deste aluno. A

última categoria descrita pelo autor diz respeito à construção de conceituações próprias por parte do

estudante. Mencionou ainda os diferentes tipos de programas de estudo influenciam a concepção dos estudantes sobre sua aprendizagem.

ANÍSIO TEIXEIRA (1965) ressaltou a importância da associação da aprendizagem à vivência

prática, à realidade: “Só se aprende o que se pratica (seja uma habilidade, seja uma idéia, seja um controle emocional, seja uma atitude ou uma apreciação)”.

MARTON e SÄLJÖ (1979) identificaram 5 diferentes categorias de conceitos que os alunos

tinham sobre a aprendizagem. Assim, o aprender pode ser entendido como aumento de

conhecimento, memorização, aquisição de fatos ou procedimentos (que podem ser retidos ou

utilizados na prática), abstração de significados, ou, por fim, processo interpretativo que objetiva

uma compreensão da realidade. Os três primeiros dizem respeito à natureza reprodutiva da aprendizagem. As duas últimas já se referem a uma atividade de construção.

Vários estudos ratificaram essa categorização proposta por esses autores. Em 1993,

MARTON, DALL’ALBA & BEATY acrescentaram uma sexta categoria de conceitos: aprendizagem vista

como transformação pessoal. Somaram aos conceitos já enunciados, o aspecto existencial da aprendizagem.

ENTWISTLE e seus colaboradores (1979) relacionaram o aprender a três

elementos:intenção, processo e resultado, este entendido como o nível da compreensão atingida.

Estabeleceram, inclusive, a diferença entre estratégia e estilo de aprendizagem, parâmetros

utilizados em muitas classificações.

Estratégia é entendida como o conjunto de meios escolhidos pelo aluno para cumprir uma

determinada tarefa e suas demandas específicas. Já o estilo é uma característica própria do aluno

que traduz o seu modo habitual de lidar com sua aprendizagem. O fato de um indivíduo tender a

usar mais freqüentemente esta ou aquela estratégia vai definir seu estilo.

ENTWISTLE (1979) cita duas estratégias utilizadas por alunos no seu processo de

aprendizagem: a holística e a serialista. A estratégia holística diz respeito à construção do saber,

com associações dos novos conhecimentos com os anteriormente adquiridos, relacionando-os à

experiência pessoal e ao contexto. A estratégia serialista prevê uma sequência mais linear de

operações, um foco de interesse mais estreito, mais direcionada ao cumprimento de tarefas específicas. O autor relacionou cada uma destas estratégias a um estilo de aprendizagem.

No primeiro, chamado aprendizagem para a compreensão, a ênfase é dada à compreensão

ampla do problema proposto e é descrita nos indivíduos que usam preferencialmente a estratégia

holística. Outros indivíduos, os que usam habitualmente a estratégia serialista, adotam o estilo que

se contenta em construir significados a partir de particularidades. É a aprendizagem

operacional.Chama a atenção que, para se entender satisfatoriamente a maioria dos temas

acadêmicos, ambos as estratégias devem ser adotadas. A visão do todo e de suas importantes

associações não devem excluir a minúcia, o detalhamento. Defendem que estudantes ideais são

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aqueles que conseguem criar suas próprias perspectivas além do que lhe foi proposto como objetivo. Vão “além da informação dada”, para citar BRUNER (1975).

Dessa forma, estudantes que sabem escolher a estratégia apropriada para as tarefas

propostas, capazes de integrar e associar novos conhecimentos através de interpretações pessoais

pertinentes exibem um estilo versátil de aprendizagem, comparável, em termos de resultados, ao

descrito como a abordagem profunda no processamento do conhecimento.

ENTWISTLE (1977 e 1979) descreveu dois modos possíveis de processamento cognitivo,

dependentes da maneira como os alunos percebem a tarefa de aprender. Estes alunos irão

processar a informação diferentemente, de acordo com o propósito estabelecido para sua

aprendizagem e irão apresentar níveis diferenciados de compreensão. Chamou de enfoque

profundoou enfoque superficial os dois modos diferentes de o aluno lidar com suas tarefas

acadêmicas. Dizem respeito à intenção proposta para aquela aprendizagem e ao processo utilizado para aprender.

Por enfoque profundo entendeu o processo de aprendizagem que objetiva uma

compreensão substancial da tarefa. O estudante tenta compreender o que o autor quer dizer, num

esforço pessoal de integração dos novos conhecimentos aos anteriormente adquiridos. Os alunos se

mostram ativos neste processo de aprendizagem. Por outro lado, o enfoque superficial utiliza a

repetição, a memorização, produzindo uma visão segmentada de fatos e conceitos, o que impede a

compreensão do todo. Os alunos mostram-se mais passivos nesse processo de aprendizagem e sua intenção é apenas reproduzir o texto.

Essa dualidade de abordagem foi ratificada por estudos realizados por VAN ROSSUM &

SCHENK (1984), MARTON (1976) e citados por MYRSKOG (1997). A abordagem superficial da

aprendizagem foi descrita quando a relação do aprender foi feita com o aumento do conhecimento.

Quando o aprender esteve relacionado a entender, a relação foi com a abordagem profunda.

MYRSKOG (1997) também descreve cinco categorias de estratégias utilizadas pelo aluno de

acordo com a intenção de sua aprendizagem, ao que ele chamou abordagens. A primeira das

categorias descritas pelo autor está relacionada à abordagem superficial, enquanto as outras quatro

guardam relação com a abordagem profunda. Nota-se nesta categorização uma progressão no

tratamento que o aluno empresta às informações. O aluno, no primeiro nível, apenas é um repetidor

do conhecimento, enquanto que, na última categoria descrita, trata o conhecimento numa visão

mais ampla, uma visão do todo, conseguindo então adquiri-lo e mantê-lo sempre, especialmente em

sua futura profissão.

O quadro 4 sumariza essas categorias de abordagens, segundo MYRSKOG (1997).

Quadro 4- Categorias de abordagens do aprender, segundo MYRSKOG (1997)

Categoria Estratégias Intenção

1 Ler Lembrar

2 Ler Compreender e aplicar

3 Ler e relacionar à sua experiência Compreender e aplicar

4 Ler e descrever em suas próprias

palavras

Compreender e aplicar

5 Ler e procurar ter uma visão

globalizada, uma visão do todo

Compreender e aplicar

Esse autor identificou o “salto cognitivo”, a substituição da visão quantitativa da

aprendizagem para uma visão qualitativa, de uma abordagem superficial para uma abordagem

profunda, à medida que os alunos iam se adiantando em seus estudos.

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Os alunos entenderam a importância do compreender para a sua aprendizagem e também

passaram a dar maior importância à própria aprendizagem. Passaram a relacionar a aprendizagem à

sua futura profissão e enfatizaram a importância de compreender como poderiam tirar vantagem de seu conhecimento na prática, e como isto seria útil para atingir alguns objetivos.

Compreender os princípios é a base para que, a partir deles, se construa uma rede de novos

conhecimentos. Não basta fixar fatos ou simplesmente admitir os fenômenos. A cadeia que se inicia

a partir da compreensão dos princípios, que então determinam os fatos e que, por sua vez, explicam

os fenômenos, é que vai garantir a continuidade do processo de aprendizagem, transformando constantemente idéias mais simples em idéias mais complexas.

No entanto, MYRSKOG (1997) alerta que alguns estudantes parecem que nunca

desenvolverão uma visão qualitativa da aprendizagem ou demonstrarão a necessidade de utilizar uma abordagem profunda para sua aprendizagem.

Para a formação de um indivíduo competente, capaz de dar sentido próprio à sua trajetória

de aprendizagem, DEMO (1996) defende que este processo educativo deva estar fundamentado na

pesquisa. Sendo assim, o aprender deve incluir o “questionamento reconstrutivo”, componente

indispensável para as mudanças esperadas pelo processo de aprendizagem. A pesquisa passa a ser

entendida como uma atitude constante de tomada de consciência, de análise crítica da realidade que

alicerça as mudanças daí decorrentes. O autor não defende que a pesquisa necessariamente resulte

em conhecimentos novos. A inovação pretendida seria a “interpretação própria, formulação pessoal, elaboração trabalhada, saber pensar, aprender a aprender” (idem).

A aprendizagem pode ser entendida a partir dos objetivos que o aluno estabelece para esta

tarefa: objetivo de resultado e objetivo de aprendizagem (ELLIOT & DWECK, 1988). Tendo oobjetivo

de resultado, conhecido como padrão orientado para o ego ou para o desempenho, o aluno vai se

preocupar em obter uma avaliação favorável de acordo com suas competências. É encontrado em

pessoas que acreditam que a inteligência é uma capacidade que não sofre influências no processo

de aprendizagem. Já o objetivo de aprendizagem, chamado padrão orientado para a maestria, é

encontrado nos indivíduos que perseguem o aumento de sua competência, num processo dinâmico

em que sua inteligência também vai estar se desenvolvendo.

Essas concepções que o indivíduo tem sobre si próprio e sobre os objetivos que institui são

muito importantes pois levam-no a adotar padrões de comportamento que podem facilitar ou não a sua própria aprendizagem.

No padrão descrito como orientação para o ego, o objetivo do aluno é mostrar-se melhor

que os outros, obtendo o maior número possível de julgamentos positivos, evitando ao máximo os

negativos. Essa busca de superioridade pode se apresentar tanto em condições de competição real e

concreta, como naquelas em que a disputa é meramente uma fantasia, consciente ou não. Neste

padrão, orientado para o resultado, o aluno evita os desafios e demonstra pouco persistência

quando se defronta com dificuldades.

No padrão denominado orientação para a maestria, o estudante prefere os desafios, é

persistente na condução do processo que visa à incorporação dos novos conhecimentos. Segundo

BERGIN (1995), vários pesquisadores têm demonstrado que a orientação para a maestria leva os

alunos a obterem melhores resultados e melhor desempenho e propicia o desenvolvimento de maior

capacidade de adaptação. Esses alunos também costumam trabalhar seu material de estudo com maior profundidade, utilizando estratégias de aprendizagem mais eficientes.

PASK (1976) chamou atenção para algumas características patológicas da aprendizagem.

Se o aluno visa apenas à compreensão alargada dos temas, pode lhe faltar argumento que suporte

cada associação que pretenda fazer. A isto denominou “globetrotting”, fazendo analogia com visitas

esporádicas e superficiais que turistas fazem a sucessivos lugares. Por outro lado, manter sempre a

estratégia serialista, visão fragmentada do todo, na aprendizagem dita operacional, não prepara o

aluno para as necessidades futuras, quando as associações serão indispensáveis e muito mais

abrangentes.

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MARTI (1969) alerta para o fato de que “não há melhor sistema de educação do que aquele

que prepara o jovem para aprender por si mesmo”. É esta noção que fundamenta a perspectiva do

progresso, de criação, de novas conquistas no campo dos saberes, porque só a partir de uma

construção pessoal é que o aprender chegará a significar a mudança consciente de atitude. Somente

assim o aprender passa a ser visto como exploração e descoberta, ao invés de memorização de

informações e técnicas. É o “aprender pensando”, segundo CARRAHER (1986), num contexto em

que pensar sobre um assunto é mais importante que aprender fatos sobre estes assuntos,

privilegiando o desenvolvimento do raciocínio e da inteligência e não, o da memória. (CARRAHER, 1986 e MYRSKOG, 1997).

O caráter de continuidade nesse processo de aprendizagem só estará garantido se o

aluno“aprender a descobrir para, descobrindo, aprender” (POURCHET CAMPOS, 1969). O cenário

que rapidamente e sucessivamente se alterará à sua frente em nosso contexto atual exigirá deste

indivíduo uma postura ativa, de “descobridor” (idem), na busca das informações e de soluções

criativas e competentes. “Assim, a educação como reconstrução contínua da experiência, fica

assegurada como o atributo permanente da vida humana” e o aprender “pode tornar-se um hábito em si mesmo”, conclui TEIXEIRA (ANÍSIO S. ,1965).

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