O Antirracismo No Brasil_2014

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  • 8/20/2019 O Antirracismo No Brasil_2014

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      N T IR R C IS M O N O R S I L

    Por Flavia Bios- e Edilza Sotero**

    o

    primeiro jornal criado para combater a discriminação

    racial no Brasil surgiu no Riode Janeiro, em

    1833. O

      -

    men de Côr

    trazia no seu cabeçalho um trecho da Con-

    stituição Brasileira promulgada em 1824:  todo Cidadão

    pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos

    e militares, sem outra diferença que não seja a de seus

    talentos e

    vi r tudes 

    Pinto, 2010: 24 . A partir do final do

    século 19, depois do fim da escravidão e com a amplia-

    ção dos direitos de cidadania para a população negra

    do país, aumentaram as reivindicações da população

    negra. Nesse período, intensif icou-se o surgimento de

    jornais da imprensa negra com vista a problematizar e

    combater manifestações do que chamavam na época

    de preconceito de cor. Aliás, a imprensa negra foi um dos

    objetos mais estudados pela Sociologia Brasileira, tanto

    por Roger Bastide  1898-1974 como por Florestan Fer-

    nandes

     1920-1995 ,

    nas décadas de

    1950

    e

    1960.

    Foi

    a partir de jornais escritos por negros do pós-abolição

    e da geração nascida no início do século

    XX ,

    que a so-

    ciologia teve acesso ao universo e às reivindicações dos

    afro-brasileiros.

    Mas a imprensa não foi o único canal de expressão dos

    protesto negros. Desde o fim da  a Guerra Mundial, pelo

    menos, surgiram associações com fmalidades recre-

    ativas e/ou beneficentes. Algumas dessas entidades

    foram aos poucos se tornando espaços de organização

    política contra o preconceito e as discriminações raciais.

    A instituição mais famosa dos anos de

    1930

    foi a Frente

    Negra Brasileira  1931-1938 . Surgida na cidade de São

    Paulo, a Frente Negra teve filiais em cidades do interior e

    nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Rio

    Grande do Sul. Durante os anos de existência, atuou em

    várias frentes, principalmente alfabetização e recreação,

    até ser posta na ilegalidade pela ditadura Vargas.

     o pós-2

    a

    Guerra Mundial, renasce o

    at ivismo

    que teve

    no Teatro Exper imenta l do Negro TEM) e na figura de

    Abdias do Nascimento  1914-2011 suas principais

    expressões. Notável no TEN é a ênfase estética e dra-

    matúrgica voltada para a superação dos estereótipos

    de personagens negros. Uma marca das organizações

    nesse novo período

    é

    o uso da linguagem artística para

    introdução de um debate racial com finalidade de inserir

    o negro em espaços de poder, como a polít ica. Contudo,

    a crítica ao racismo seria novamente calada com o es-

    tabelecimento da Ditadura Militar, em

    1964,

    especial-

    mente após o recrudescimento do Regime.

    Somente com as lutas pela democratização do Brasil,

    voltaríamos a ver um movimento social pujante, cuja

    concepção se fez na tradição política do movimento

    social negro de períodos anteriores e nas entranhas da

    rede de lutas políticas contra o regime militar. Em 1978,

    houve seu marco inaugural, nas escadarias do Teatro

    Municipal de São Paulo, onde surgiu o MUCDR Movi-

    mento Unificado Contra a Discriminação Racial), que

    depois veio se chamar MNU Movimento Negro Uni-

    ficado). De lá para cá, proliferaram no país inteiro orga-

    nizações, coletivos, jornais antirracistas, cujo projeto era

    lutar por justiça social e igualdade entre negros e bran-

    cos no país.

    Nesse sentido, as mudanças culturais vivenciadas pelo

    Brasil, que agora se vê cada vez mais como um país

    multirracial, multicultural e pluriétnico, foram uma con-

    strução lenta, envolvendo conflitos diversos; o principal

    deles expressou-se na luta do ativismo negro contra o

    mito da democracia rac ial originado do nacionalismo

    político brasileiro, que pregava a nossa excepcionali-

    dade cultural frente a outros países, como os EUAantes

    dos direitos civis até 1964 e a África do Sul durante o

    Apartheid  1948-1994 .

    Por aqui, acreditávamos que nosso preconceito era

    mais brando quando comparado ao norte-americano

    ou ao sul-africano.

     

    surgimento de uma nova aborda-

    gem na Sociologia das Relações Raciais, desenvolvida

    por Car los Hasenbalg e Nelson do Vale e Silva, no fmal

    da década de 1970, foi decisivo para abalar a crença

    nacional na democracia racial. Baseados em dados es-

    tatísticos consistentes e pesquisas sérias sobre a situa-

    ção dos negros no Brasil. os autores inauguram uma

    linha de pesquisa prolífica, mostrando que entre nós a

    hierarquia racial era bastante nítida na pirâmide sócio-

    ocupacional, e particularmente efetiva na reprodução de

    desigualdades educacionais e no mercado de trabalho.

    Desde então, militantes negros, atentos para a produção

    das ciências sociais, valeram-se dessas pesquisas e de

    seus resultados para reverter a lógica da dominação de

    cunho racial. Uma de suas estratégias mais exitosas foi

    debater em fóruns públicos a realidade do negro e rei-

    vindicar polít icas públicas concretas para a superação

    do racismo, seja na educação, na segurança pública, no

    mercado detrabalho, na saúde, ou mesmo na mídia.

    Nos últimos anos, o Brasil tem passado por intensas

    transformações culturais e políticas. Uma das caracter-

    íst icas mais marcantes do momento atual

     

    o ascenso

    de reflexões sobre racismo na esfera pública nacional.

    Se no passado era comum ao cientista social dizer que

    o Brasil era o país do racismo cordial ou que o brasileiro

    tinha preconceito de ter preconceito, atualmente a re-

    alidade parece bem outra.   racismo já é tema de dis-

    cussão e as novas gerações não negam a existência de

    comportamentos e práticas preconceituosas entre nós.

    No entanto, ainda não sabemos lidar com as lógicas ne-

    fastas do mercado e da publicidade brasileira, que não

    conseguem superar as estereotipias raciais antigas.

    * F lav ia R io s   s oc ió lo ga , p es qu is a do ra d o C e ntr o d e E stu-

    d os d a M etró po le C EM e b ols is ta d a F AP ES P

    **

    Edilza So te ro

    é

    s oc ió lo ga e p es qu is a do ra v is ita nte n a

    Pr ince ton Univers it y.