O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A …€¦ · dos problemas enfrentados ... A utilização de...

97
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO MARÍLIA 2015

Transcript of O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A …€¦ · dos problemas enfrentados ... A utilização de...

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ

O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS

CONFLITOS DO TRABALHO

MARÍLIA

2015

RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ

O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS

CONFLITOS DO TRABALHO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação

do Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira, e coorientação do

Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.

MARÍLIA

2015

Cruz, Rodolfo Menderico Costa

O aperfeiçoamento da arbitragem para a solução dos conflitos do trabalho. / Rodolfo Menderico Costa Cruz. – Marília: UNIMAR, 2015.

95f.

Dissertação (Mestrado em Direito - Empreendimentos econômicos, desenvolvimento e mudança social) – Faculdade de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2015.

1. Acesso à Justiça 2. Arbitragem 3. Direito do Trabalho I. Cruz, Rodolfo Menderico Costa

CDD -- 341.6

RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ

O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

DO TRABALHO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,

sob a orientação do Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira, e coorientação do Prof. Dr. Lourival

José de Oliveira.

Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______

___________________________________________

Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira

Orientador

___________________________________________

Prof. Dr. Lourival José de Oliveira

Coorientador

___________________________________________

Profa. Dra. Tânia Lobo Muniz

Dedico este trabalho a Deus e a todos os homens que

desta obra possam fazer bom uso.

Agradeço aos professores que fizeram parte da

minha vida pelo aprendizado adquirido e

determinação no propósito de ensinar.

Aos pais, Osvaldo e Vilma, a minha irmã Natália e a

minha esposa Juliana pelo incentivo, apoio e

compreensão incondicionais.

Agradeço em particular ao orientador Prof. Dr.

Daniel Barile da Silveira e ao co-orientador Prof. Dr.

Lourival José de Oliveira pelos conselhos de grande

sabedoria.

Que os vossos esforços desafiem as

impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes

coisas do homem foram conquistadas do que parecia

impossível.

Charles Chaplin

O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

DO TRABALHO

Resumo: O acesso à justiça no Brasil se realiza, fundamentalmente, através do judiciário,

muito embora devesse ser entendido de forma mais ampla. Resulta desse fato um grande

número de processos e, consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional, causando

sérios prejuízos à efetividade do acesso à justiça no Brasil. Nesse contexto, a arbitragem, por

ser meio extrajudicial de solução de conflitos, pode contribuir para desafogar o poder

judiciário e ampliar a efetividade do acesso à justiça. Entretanto, há grande discussão sobre a

abrangência de aplicação da arbitragem na resolução dos conflitos individuais do trabalho.

Analisando a Constituição Federal em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor

poder-se-ia estender a aplicação da arbitragem para além dos tradicionais conflitos coletivos

do trabalho, abrangendo, também, os conflitos individuais homogêneos trabalhistas. Para

realização do estudo adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas na área

jurídica e afins.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Arbitragem. Direito do Trabalho.

THE IMPROVEMENT OF ARBITRATION TO RESOLVE LABOR CONFLICTS

Abstract: Access to justice in Brazil takes place primarily through the judiciary, although it

should be understood more widely. Results of this fact a large number of processes and,

consequently, delay of judgment, causing serious damage to the effectiveness of access to

justice in Brazil. In this context, arbitration, an extrajudicial way to resolve conflicts, can help

to relieve the judiciary and increase the effectiveness of access to justice. However, there is a

lot of discussion about the scope of application of arbitration to resolve individual labor

disputes. Analyzing the Brazilian Federal Constitution and the Consumer Code the

application of arbitration could be extended beyond the traditional collective labor disputes

also covering homogeneous individual labor conflicts. For this study was adopted the

deductive method, with literature search in the legal field and similar.

Keywords: Access to Justice. Arbitration. Labour Law.

LISTA DE ABREVIATURAS

CDC - Código de Defesa do Consumidor

CF - Constituição Federal

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CP - Código Penal

CPC - Código de Processo Civil

CPP - Código de Processo Penal

DEJT - Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho

EPI - Equipamento de Proteção Individual

EUA - Estados Unidos da América

LACP - Lei de Ação Civil Pública

LOMPU - Lei Orgânica do Ministério Público da União

OIT - Organização Internacional do Trabalho

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

RR - Recurso de Revista

TST - Tribunal Superior do Trabalho

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I - ACESSO À JUSTIÇA ................................................................................. 13

1 CONCEITO ....................................................................................................................... 13

2 EFETIVIDADE ................................................................................................................. 15

2.1 Entraves do judiciário que afetam o acesso à justiça .................................................. 17

2.1.1 Restrições econômicas .......................................................................................... 17

2.1.2 Restrições socioculturais ...................................................................................... 19

2.1.3 Restrições psicológicas ......................................................................................... 20

2.1.4 Restrições Jurídicas e Judiciárias ......................................................................... 21

3 FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA................................................................................. 22

4 O ACESSO À JUSTIÇA E A ORDEM ECONÔMICA ..................................................... 27

4.1 Efeitos da Globalização e neoliberalismo ................................................................... 27

4.2 A precarização do trabalho, o aumento dos conflitos coletivos e o acesso à justiça .. 31

CAPÍTULO II - ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA .............. 35

1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO .............................................................................. 35

1.1 Arbitragem no Brasil ................................................................................................... 38

2 CONCEITO DE ARBITRAGEM ...................................................................................... 38

2.1 Tipos de arbitragem ..................................................................................................... 40

2.2 Vantagens e desvantagens da arbitragem .................................................................... 41

2.3 Natureza Jurídica ......................................................................................................... 43

2.4 Convenção Arbitral ..................................................................................................... 44

2.5 Princípios norteadores da arbitragem .......................................................................... 46

3 DAS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NO BRASIL .............. 49

3.1 Princípio da inafastabilidade do poder judiciário ........................................................ 50

3.2 Soberania do Estado .................................................................................................... 51

3.3 Garantias processuais .................................................................................................. 51

3.4 Dupla instância de julgamento .................................................................................... 52

3.5 Juiz natural e vedação aos tribunais de exceção ......................................................... 52

3.6 Direitos disponíveis ..................................................................................................... 52

CAPÍTULO III – A ARBITRAGEM COMO FORMA DE SOLUCIONAR

CONFLITOS DO TRABALHO ............................................................................................ 54

1 FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO NO BRASIL ............... 54

1.1 Via judicial (tutela individual versus tutela coletiva) ................................................. 54

1.2 Via extrajudicial (conciliação, mediação e arbitragem) .............................................. 56

2. APLICABILIDADE DA ARBITRAGEM AO DIREITO DO TRABALHO ................... 57

3 POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO ..... 61

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM NA SEARA

TRABALHISTA ................................................................................................................... 64

4.1 A questão da segurança jurídica no instituto da arbitragem ........................................ 65

4.2 A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas ............................................ 68

4.3 O aperfeiçoamento da arbitragem à luz do Código de Defesa do Consumidor .......... 71

5 PROJETO DE LEI 7108/2014............................................................................................ 73

6 O CORPORATIVISMO E OS ENTRAVES À INSTAURAÇÃO DE NOVOS MÉTODOS

DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ...................................................................................... 75

7 A CONTRIBUIÇÃO DA ARBITRAGEM PARA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA ............................................................ 78

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 82

ANEXO .................................................................................................................................... 85

11

INTRODUÇÃO

O acesso à justiça deve ser entendido de forma mais abrangente como o acesso a uma

ordem jurídica justa e não de forma limitada como sendo, tão somente, o acesso ao judiciário

como instituição estatal. Essa interpretação restritiva é consequência da adoção do judiciário

como principal forma de resolução dos conflitos no Brasil.

Sendo assim, o acesso à justiça pode se efetivar tanto por meio do judiciário, através

de ações individuais ou coletivas, como por meios extrajudiciais, dentre os quais a arbitragem

é o de maior relevância para este estudo. Dentre todos esses meios de se alcançar o acesso à

justiça, tem-se priorizado, infelizmente, a forma judiciária na modalidade individual.

Resulta desse fato um grande número de processos judiciais e, consequentemente,

morosidade na prestação jurisdicional. Dessa forma, cabe discutir meios de se quebrar esse

paradigma através da desjudicialização com a efetiva implantação de formas extrajudiciais de

resolução dos conflitos.

É nesse contexto que está inserida a arbitragem, uma vez que por ser meio

extrajudicial de solução de conflitos, poderia servir de alternativa ao sistema judiciário,

trazendo inúmeras vantagens. Sendo assim, a discussão não pode se finalizar na mera análise

dos problemas enfrentados internamente pelo judiciário. É necessário ir mais além e

questionar certas tradições socioculturais e buscar soluções inclusive em formas extrajudiciais

de solução de conflitos.

Essa pesquisa tem por objetivo analisar a arbitragem como meio constitucionalmente

preconizado para solução dos conflitos originários das relações de trabalho e apresentar

proposta para o seu entendimento e aperfeiçoamento, valendo-se, para tanto, do conceito de

tutelas coletivas presente no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para ampliar o alcance

de aplicação da arbitragem para abranger, também, os conflitos individuais homogêneos do

trabalho.

Para tanto, cabe analisar, previamente, o conceito de acesso à justiça e os entraves a

sua real efetivação no Brasil, para, posteriormente, engendrar pelo estudo da arbitragem como

alternativa válida para a concretização do direito de acesso à justiça dos cidadãos. Somente

então, analisar-se-á as especificidades que permeiam o uso da arbitragem na seara do Direito

do Trabalho a fim de desenvolver uma linha de raciocínio jurídico que permita ampliar a

utilização do instituto na área trabalhista, levando em consideração as principais críticas

quanto a sua larga aplicação na área.

12

A utilização de meios alternativos para a resolução dos conflitos do trabalho vem de

encontro com os princípios que regem a ordem econômica constitucional, já que fica difícil,

por exemplo, falar em pleno emprego, redução das desigualdades sociais ou função social da

propriedade, sem que haja efetiva garantia a uma rápida, segura e econômica forma de

solução para os conflitos de interesse.

Com o intuito de alcançar os objetivos do trabalho, adotou-se o método dedutivo com

a realização de pesquisa bibliográfica para, ao final, apresentar de forma estruturada um plano

para aperfeiçoar a utilização da arbitragem na resolução dos conflitos oriundos das relações

trabalhistas. As fontes consultadas foram: livros, artigos, periódicos e publicações on-line,

com a finalidade de identificar os posicionamentos mais relevantes para a análise proposta,

possibilitando a realização de um estudo aprofundado sobre o tema.

13

CAPÍTULO I - ACESSO À JUSTIÇA

1 CONCEITO

O conceito de acesso à justiça foi evoluindo ao longo do tempo. Primeiramente,

acreditava-se que o acesso à justiça era tão somente o direito formal do ofendido de ingressar

com ação ou contestá-la. Essa visão não levava em conta as diferenças existentes entre os

litigantes e nem a impossibilidade de alguns em arcar com os altos custos de um processo. O

acesso à justiça era entendido como um direito natural que não requeria nenhum tipo de

proteção do Estado. Bastava que este disponibilizasse os meios para se buscar o acesso à

justiça, e aqueles que não pudessem obtê-lo eram os únicos responsáveis por seu infortúnio.

Dessa forma, garantia-se, apenas, o acesso formal à justiça, mas não o acesso efetivo.

Com o intuito de dar mais efetividade ao direito de acesso à justiça, algumas reformas

judiciárias foram sendo realizadas, inclusive no Brasil, e o papel do Estado nesse contexto foi,

aos poucos, ampliado. Primeiramente, vieram os programas de assistência judiciária que

disponibilizam advogados para aqueles que antes não podiam custear seus serviços fazendo

com que as pessoas se tornem cada vez mais conscientes de seus direitos. Em segundo lugar,

foram criados mecanismos de proteção aos direitos difusos, em especial os direitos do

consumidor e do meio ambiente.

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido

como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e

sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na

ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça

pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico

dos direitos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda

garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.1

Nesse contexto, o conceito de acesso à justiça foi, aos poucos, sendo ampliado a fim

de abranger não somente o acesso formal a justiça, mas também o acesso efetivo. Os meios de

proteção aos direitos formalmente garantidos também precisam atender aos anseios e

necessidades das mais distintas classes sociais e fim de garantir sua real efetividade.

Atualmente, o acesso à justiça não fica reduzido, como no senso comum, a simples

ideia de acesso de todos ao judiciário e suas instituições. Não é o acesso a Fóruns e Tribunais

que faz com que os cidadãos tenham ou não acesso à Justiça. Apesar desse conceito advindo

1 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.11-

12.

14

do senso comum, sem dúvida alguma, fazer parte do que é verdadeiramente o acesso à justiça,

é necessário analisá-lo de maneira um pouco mais abrangente.

Assim também é o entendimento de Kazuo Watanabe:

A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados

limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar

o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à

ordem jurídica justa.2

Sob essa ótica, Alexandre Cesar3 entende que leis justas e que não discriminem ou

privilegiem determinadas pessoas ou grupos e que sejam capazes de assegurar determinados

direitos e garantias tidos como fundamentais integram o conceito de acesso à justiça, mas não

correspondem ao seu todo. Quando se tem um descumprimento desse ordenamento jurídico

justo necessita-se de meios aptos a garantir seu devido cumprimento a fim de que se possa

efetivar o direito de acesso à justiça. Sem dúvida, um desses meios, e o mais utilizado

hodiernamente, é o judiciário, entretanto, ele não é o único. Devem integrar, também, esse

conceito mais amplo de acesso à justiça, as formas extrajudiciais de resolução de conflitos.

O acesso à justiça se dá na medida em que os mecanismos de resolução de conflitos

estejam aptos a produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos. Sob essa

perspectiva uma justiça funcional, mas morosa, não é capaz de atender ao conceito mais

amplo de acesso à justiça.

A globalização e a revolução tecnológica trouxeram relações sociais cada vez mais

complexas e sujeitas a uma infinidade de litígios, gerando aumento considerável na demanda

pelo judiciário já que este, especialmente no Brasil, é considerado como o principal meio de

resolução dos conflitos.

Ocorre que, mesmo que investimentos materiais e humanos fossem realizados no

judiciário, ele dificilmente atenderia aos anseios sociais, pois sua estrutura é pautada na

segurança e na cautela e, portanto, morosa demais para atender a dinâmica sociedade atual

como única forma de resolução de conflitos.4

2 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;

DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords). Participação e Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1988, p. 128. 3 CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 49-50.

4 ZANFERDINI. Flávia de Almeida Montingelli. Desjudicializar conflitos: uma necessária releitura do acesso à

justiça. Disponível em:

< http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:FJetcWdVZCAJ:siaiweb06.univali.br/seer/index.php/

nej/article/download/3970/2313+&cd=14&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em: 22 ago. 2013.

15

É por isso que, há muito tempo, o judiciário brasileiro enfrenta verdadeira crise de

confiança e legitimidade motivada por sua excessiva morosidade que, em alguns casos, faz

com que o cidadão busque formas de solução de litígios ilícitas como, por exemplo, a justiça

pelas próprias mãos.

A resolução dessa crise não passa apenas pelo investimento no judiciário e sim pela

redução na quantidade exagerada de processos. Mas como reduzir a quantidade de processos

sem prejudicar o acesso à justiça? Talvez a resposta para essa questão esteja além da

remodelação do judiciário, passando também pela adoção de formas extrajudiciais de

resolução dos conflitos (mediação, conciliação e arbitragem) como formas prioritárias, sendo

o judiciário acionado apenas em último caso, e não o inverso como ocorre hoje.

Até mesmo na China do século VII o imperador Hang Hsi já identificava esse mesmo

problema, levando a edição do decreto a seguir:

Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunais sejam tratados sem

nenhuma piedade, sem nenhuma consideração, de tal forma que se

desgostem tanto da ideia do Direito quanto se apavorem com a perspectiva

de comparecerem perante um magistrado.

Assim o desejo para evitar que os processos não se multipliquem

assombrosamente, o que ocorreria se não existisse o temor de se ir aos

tribunais.

O que ocorreria se os homens concebessem a falsa ideia de que teriam a sua

disposição uma justiça acessível e ágil.

O que ocorreria se pensassem que os juízes são sérios e competentes.

Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito e a

metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade

da população.5

É claro que tal pensamento é, evidentemente, radical e extemporâneo, mas dele pode-

se extrair que a crise na prestação jurisdicional pelo Estado se arrasta há vários séculos e que

novas formas de resolução dos litígios são cada vez mais necessárias e bem-vindas.

No entanto, torna-se necessário aprofundamento prévio no estudo sobre a falta de

efetividade da prestação jurisdicional, bem como a caracterização dos principais entraves que

permeiam o aparelho judiciário estatal e impedem a real efetivação do direito de acesso à

justiça a todos os cidadãos.

2 EFETIVIDADE

5 SPRENKEL, Van der apud ANDRIGHI, Fátima Nancy. Formas alternativas de solução de conflitos.

Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001118/texto%20ministra%20seecionado-

formas%20alternativas%20de%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20conflitos.doc>. Acesso em: 22 ago. 2013.

16

Para que uma lei tenha validade deve-se cumprir uma série de procedimentos e

formalidades desde a sua elaboração pelo Congresso até a sanção do Poder Executivo.

Entretanto, a validade técnico-jurídica não é o único requisito necessário para que a norma

possa cumprir com sua finalidade. Para tanto, além da eficácia jurídica é necessário que se

tenha eficácia social, também denominada de efetividade.

Segundo ensinamento de Miguel Reale:

O Direito autêntico não é apenas declarado mas reconhecido, é vivido pela

sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de

conduzir-se. A regra de direito deve, por conseguinte, ser formalmente

válida e socialmente eficaz.6

Conforme entendimento de Hans Kelsen7, para que o Direito goze de efetividade ele

deve contar com uma aceitação mínima da sociedade. Ou seja, a ordem jurídica deve estar em

consonância com a realidade social. Não se pode exigir, entretanto, que a conduta dos

indivíduos esteja em conformidade absoluta com a lei, certo antagonismo é necessário, pois o

intuito da lei é justamente o de reprimir e desestimular os comportamentos antagônicos e, sem

eles, a lei perde seu significado.

Quando a norma jurídica não é cumprida espontaneamente por significativa parcela da

sociedade, o Estado pode se valer da coação impondo sua observância de forma compulsória

e, assim, alcançando a efetividade. Nas palavras de Luís Roberto Barroso: “é precisamente a

presença da sanção que garante a eficácia de uma norma jurídica, ensejando sua aplicação

coativa quando não é espontaneamente observada”.8

A não observância generalizada da sociedade a uma determinada norma jurídica seja

por ela não se amoldar aos costumes daquela sociedade, seja pela ineficiência estatal em

garantir seu cumprimento, acarretará, por certo, em sua falta de efetividade.

Diante do exposto, Luis Roberto Barroso assim conceitua a efetividade:

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho

concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos

6 REALE. Miguel. Lições preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 113.

7 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.175-176.

8 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da

Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar: 1993, p. 81.

17

fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto

possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.9

O Direito existe para realizar-se, ou seja, existe para que venha a produzir os efeitos

sociais pretendidos. Todavia, observa-se, hodiernamente, uma grande quantidade de normas

que caíram em desuso pela falta de efetividade. E, como se verá adiante, muitas vezes a

própria ineficiência dos órgãos estatais pode contribuir para que certos direitos não encontrem

efetividade.

2.1 Entraves do judiciário que afetam o acesso à justiça

Sendo o judiciário a principal forma para resolução dos conflitos trabalhistas no

Brasil, qualquer entrave que impeça ou dificulte sua utilização por aqueles que dele

necessitam constitui séria ameaça à efetivação do direito de acesso à justiça. Uma justiça

morosa, burocrática, formalista ou custosa, por exemplo, pode impedir que grande parte da

população venha a ter efetivo acesso ao judiciário estatal para resolução de sua lide.

O estudo dos entraves em questão faz-se necessário para compreender o teor de uma

verdadeira crise de efetividade vivenciada, hodiernamente, no judiciário e também serve de

estímulo para que soluções, tanto no âmbito judicial como no extrajudicial, sejam pesquisadas

e examinadas.10

O acesso à justiça vai se realizando na medida em que os direitos se tornem cada vez

mais efetivos. Infelizmente, são muitos os entraves existentes no judiciário. Pode-se agrupá-

los da seguinte forma a fim de facilitar o estudo: restrições econômicas, restrições

socioculturais, restrições psicológicas e restrições jurídicas/ judiciárias.

Não é objetivo do presente estudo buscar solução para cada um dos entraves do

judiciário. É necessário apenas conhecê-los e compreendê-los a fim de subsidiar o

entendimento de que o judiciário não mais pode ser visto como único meio para solução de

todos os tipos de conflitos, abrindo caminho para futura análise da arbitragem como relevante

meio extrajudicial para resolução de litígios.

2.1.1 Restrições econômicas

9 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da

Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar: 1993, p. 79. 10

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Crise no poder judiciário. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/sobre-

oabsp/palavra-do-presidente/2008/113>. Acesso em: 05 mar. 2015.

18

O custo processual no Brasil é muito alto: honorários advocatícios, custas de

distribuição, produção de provas, preparo de recursos eventualmente interpostos e, por fim, o

ônus da sucumbência para aquele que teve suas alegações improvidas, arcando com as

despesas da parte vencedora. Soma-se a isso, ainda, uma das piores distribuições de renda do

globo e elevado grau de miserabilidade e tem-se um grande entrave à efetividade do acesso à

justiça.

Por essa razão é que Cândido Rangel Dinamarco afirma que:

O custo do processo e a miserabilidade das pessoas ocupam, apesar de não

preencherem todo o espaço, lugar de muito destaque nas preocupações

acerca da universalidade da tutela jurisdicional. A justiça é cara e da

brasileira pode-se dizer o que com sarcástico humor britânico fora dito: is

open to all, like the Ritz Hotel. 11

Agravando ainda mais o cenário exposto, pesquisas coordenadas por Mauro

Cappelletti12

, demonstram que as ações de menor valor são as que possuem os custos

proporcionalmente mais elevados em relação ao valor da ação. Dessa forma, pode-se

constatar que a justiça é cara de forma geral, mas é proporcionalmente mais cara aos cidadãos

mais pobres que são, geralmente, os autores das ações de menor valor.

É evidente que a exclusão social e a pobreza são os maiores obstáculos do

livre acesso à justiça. O pleno acesso à justiça só será possível com a

erradicação da pobreza ou com a inclusão dos excluídos no processo de

democratização da justiça ou ainda, com a intervenção do judiciário

ofertando oportunidades iguais aos desiguais e, criando um mecanismo de

contrapeso, dotando os mais fracos e miseráveis, da possibilidade, real e

efetiva, de acesso a uma ordem jurídica justa e equânime.13

Seguindo essa linha, percebe-se logo a importância da Assistência Judiciária e da

Justiça Gratuita (asseguradas pelo artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal) como

mecanismos de contrapeso para proteção dos economicamente desfavorecidos, alcançando,

assim, maior efetividade no direito de acesso à justiça.

11

DINAMARCO, Cândido Rangel apud CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT,

2002, p. 94-95. 12

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.19. 13 MELO, Nehemias Domingos de. Da Justiça gratuita como Instrumento de Democratização do Acesso ao

Judiciário. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1075>. Acesso em: maio

2014.

19

O instituto da Assistência Judiciária garante aos mais necessitados o acesso a serviços

de advocacia, seja por meio da Defensoria Pública, seja por meio de profissional designado

pelo juiz. Já a Justiça Gratuita visa garantir a isenção de todas as despesas inerentes a um

processo judicial.

A justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e

desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou-se o direito de administra-

la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos.

Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios

para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é

justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas.14

O Código de Defesa do Consumidor, ao considerar os consumidores como

hipossuficientes em comparação com os grandes conglomerados econômicos, torna-se um

importante mecanismo para alargar a efetividade do acesso à justiça aos economicamente

menos favorecidos.

Também a Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi um

grande avanço nessa área já que visa atender demandas de baixo valor (menos de quarenta

salários mínimos), dispensando os litigantes do pagamento de custas, taxas e despesas,

conforme artigo 54 da referida lei. Faculta, também, a assistência de advogado nas causas de

valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/95).

Em que pese os esforços do judiciário em minimizar as restrições econômicas ao

acesso à justiça, deve-se levar em consideração que os parâmetros para decidir quem é de fato

merecedor da Assistência Judiciária e/ou Justiça Gratuita são demasiadamente subjetivos o

que tem levado a distorções quando da sua aplicação pelos juízes de direito, ferindo, dessa

forma, o direito de acesso à justiça de alguns cidadãos.

Outro fator limitante do efetivo acesso à justiça é a longa duração dos processos.

Quanto mais moroso, maiores são os custos. Além do mais, outra vez, aqueles que possuem

pior renda são os mais afetados pela demora, por não terem recursos suficientes para arcar

com a espera, e se veem pressionados a aceitarem acordos desfavoráveis ou, até mesmo,

abandonarem a causa.15

2.1.2 Restrições socioculturais

14

REZENDE FILHO, Gabriel de apud MELO, Nehemias Domingos de. Da Justiça gratuita como Instrumento

de Democratização do Acesso ao Judiciário. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1075>. Acesso em: maio 2014. 15

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 95.

20

Esse tipo de entrave é decorrente da desigualdade social, porém, vai mais além,

adentrando em questões de cunho cultural. Em regra, quanto menor o nível econômico de um

cidadão, menor seu grau de instrução e, portanto, menor a capacidade de identificar um direito

violado e passível de reparação judicial. Essa situação ainda é agravada com o péssimo ensino

público a que a população brasileira mais carente tem acesso.

Entretanto, essas barreiras que obstam o acesso à justiça não atingem somente as

camadas mais pobres da população. Como bem explicita Mauro Cappelletti e Bryant Garth,

mesmo:

[...] consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta

de que sua assinatura em um contrato não significa que precisem,

obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias.

Falta-lhes conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a

esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de

objeção.16

Dessa forma, a falta de conhecimento jurídico, principalmente, mas não

exclusivamente, da parcela mais pobre da população, afeta consideravelmente a afetividade

do acesso à justiça.

2.1.3 Restrições psicológicas

O receio de estar em juízo é uma restrição psicológica que parece, em um primeiro

momento, estar ligada somente ao íntimo da pessoa, não havendo nenhuma medida cabível ao

Estado para amenizá-la. Entretanto, uma breve análise das causas de tal receio aponta que o

Estado está diretamente ligado a ele.

No sentido comum do brasileiro, o Poder Judiciário, assim como a maioria

das instituições, é inacessível, não é confiável e não faz justiça; o magistrado

é visto como um ser superior, diferente do restante dos mortais, e os

advogados são vistos como ‘pessoas em quem se deve confiar,

desconfiando’.17

Além do mais, o excesso de formalismo, a linguagem e vestimentas rebuscadas, entre

outros, são capazes de intimidar, principalmente os mais pobres, e contribuir, sobremaneira,

para o surgimento de certo receio de se estar em juízo.

16

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.23. 17

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 99.

21

Observa-se, portanto, que as causas de tal receio são, em sua maioria, oriundas da

forma como a atividade jurisdicional é organizada pelo Estado e, também, decorrência da

própria ineficiência das instituições judiciárias. Como se não bastasse, até a falta de segurança

pública ameaça a efetividade do acesso à justiça uma vez que muitos temem sofrer represálias

se entrarem com ação, fato que o Estado deveria coibir.

2.1.4 Restrições Jurídicas e Judiciárias

O judiciário brasileiro apresenta algumas particularidades que acabam por desmotivar,

dificultar ou, até mesmo, restringir o acesso à justiça para alguns cidadãos. Entre elas, pode-se

destacar: o elevado tempo de duração dos feitos; o discurso jurídico de difícil compreensão e

a abundância de normas.

As excessivas espécies de recursos existentes acabam fornecendo meios para que uma

das partes procrastine a resolução da lide demasiadamente. Necessita-se, portanto, de uma

urgente reforma processual no judiciário brasileiro com vistas a tornar os processos

efetivamente mais céleres tendo, como uma das medidas, a diminuição da enorme quantidade

de recursos existentes.

Outro fator que contribui para a longa duração dos processos é o excesso de

burocracia, o apego excessivo à forma. Estes não podem ser mais relevantes do que a

premência da decisão. Inúmeras vezes o judiciário acaba por se perder no excessivo número

de regras e rituais esquecendo-se que o mais importante é entregar aos envolvidos uma

solução concreta para a lide. O meio, que deveria ser apenas um processo no qual se deve

passar para obter o resultado pretendido, acaba por se tornar mais importante do que o fim

almejado.

Por fim, o discurso jurídico de difícil compreensão e linguagem excessivamente

rebuscada, aliado a constante proliferação de normas, acaba por dificultar ou inibir a

participação, principalmente da parcela menos instruída da população, tornando o judiciário e

os ordenamentos cada vez mais distantes da realidade do cidadão comum.

O objetivo da linguagem é a transmissão de informações. Na medida em que se tem

uma linguagem jurídica excessivamente técnica, rebuscada, com uso exagerado de expressões

em latim e tendência em bajular as autoridades judiciárias, o real objetivo da linguagem fica

significativamente comprometido. Dessa forma, o direito de acesso à justiça dos cidadãos

também é seriamente prejudicado.

22

Incapaz de compreender os autos do próprio processo em que figura como parte, o

cidadão fica a mercê do conhecimento jurídico de seu advogado para atualizá-lo dos últimos

acontecimentos processuais. Sendo assim, a linguagem jurídica quase incompreensível parece

ter como intuito proteger o mercado de trabalho dos advogados tendo como efeito colateral a

marginalização da grande parcela da população que não detém saber jurídico.

É certo que o uso de algumas expressões técnicas é natural e essencial tanto no ramo

do Direito como nos demais ramos da ciência (medicina, filosofia, astronomia, entre outros).

Para tanto, a melhor solução seria o ensino jurídico escolar, já que o Direito está diretamente

relacionado a todos os que vivem em sociedade e não apenas ao seleto grupo de cidadãos que

escolheram trabalhar nos órgãos judiciários como advogados, juízes, promotores etc.

Realizada esta observação, cabe ressaltar que a linguagem jurídica rebuscada,

inclusive pelo uso excessivo do latim e bajulação de autoridades (por exemplo:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz), prejudica, sobremaneira, a compreensão de seu conteúdo

pelo cidadão. Entretanto, a resolução desse entrave não passa somente pela educação jurídica

da população. É necessário abolir tais práticas do sistema judiciário, já que as peças

processuais e as sentenças não podem ter outro objetivo a não ser o de atender ao cidadão que

acionou o judiciário para ver seu conflito resolvido.

A linguagem jurídica rebuscada não pode mais continuar a ser usada como

instrumento para reserva de mercado ou como demonstração de habilidades intelectuais pelos

juízes e advogados. Quanto mais prolixa e rebuscada é a linguagem, menos célere será o

andamento do processo. Dessa forma, é preciso difundir o uso de uma linguagem jurídica

mais clara e objetiva a fim de tornar a justiça mais rápida e a participação dos cidadãos mais

efetiva.

3 FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA

Existem diversos métodos para se solucionar um determinado conflito e,

consequentemente, diversas formas de se obter acesso à justiça. São elas: autotutela,

autocomposição e heterocomposição.

A autotutela já foi a forma predominante de se buscar justiça. Nela o próprio

indivíduo, unilateralmente, impõe uma determinada decisão ou situação com o emprego de

força. Explicando de outra forma, o particular utiliza-se da coerção para impor um

determinado interesse pessoal diante de outro indivíduo ou coletividade.

23

Nos primórdios da civilização inexistia a figura de um Estado que pudesse impor o

direito acima da vontade dos particulares. Além do mais, nem se quer existiam as Leis. Dessa

forma, as pretensões de um particular sempre que obstaculizadas por outrem só poderiam ser

satisfeitas por meio da força. Não havia garantia de justiça nas decisões. O mais forte ou

astuto garantia sua vitória sobre o mais fraco.

Thomas Hobbes assim descrevia esse período onde a autotutela era a forma

predominante de resolução dos conflitos humanos:

E dado que a condição do homem é uma condição de guerra de todos contra

todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, e não

havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda

para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que

numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os

corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a

todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e

sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza

permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral

da razão, que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que

tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar

todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a

lei primeira e fundamental de natureza, isto é, procurara paz, e segui-la. A

segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por todos os meios que

pudermos, defendermo-nos a nós mesmos.

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os

homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem

concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere

necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito

a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a

mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.18

Em busca da paz, a razão humana levou ao estabelecimento de concessões mútuas

entre os homens levando, em última instância, a instauração do Estado, capaz de garantir a

ordem social. Com o surgimento e consolidação do Estado, a autotutela foi sendo colocada

em desuso e passou, até mesmo, a ser proibida no âmbito interno pelos ordenamentos

jurídicos atuais. O poder de coerção passou a ser atribuição, quase que exclusiva, do Estado.

Os indivíduos escolheram abrir mão de parcela da sua liberdade sujeitando-se ao controle

estatal com o objetivo de conquistar uma convivência mais pacífica entre os homens.

Como bem lembra Mauricio Godinho Delgado19

, atualmente, no Brasil, “a autotutela é

definida como crime, seja quando praticada pelo particular (‘exercício arbitrário das próprias

18

MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviatã. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf>. Acesso em: 08 dez. 2014. 19

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1475.

24

razões’, art 345, CP), seja pelo próprio Estado (‘exercício arbitrário ou abuso de poder’, art.

350)”.

Alguns poucos casos ficaram de fora dessa vedação da autotutela. Cite-se, como

exemplo mais conhecido, o instituto da legítima defesa estabelecido no art. 188, I, do Código

Civil brasileiro. Já no campo do Direito Coletivo do Trabalho, temos a figura da greve como

patente exemplo de autotutela.

A Lei 7.783/89 assegura o exercício e impõe certas limitações ao direito de greve no

Brasil. A greve é uma atitude extrema dos trabalhadores que, geralmente representados pelo

seu sindicato, paralisam a execução dos contratos de trabalho como forma de pressionar seus

empregadores para que prossigam com as negociações coletivas.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado20

, greve é:

[...] a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos

trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com

o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de

interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.

Por outro lado, a Lei 7.783/89, em seu art. 17, veda a figura do lockout, que é a

paralização das atividades pelos próprios empregadores com o intuito de exercer pressão na

negociação com seus empregados. Ao assegurar o direito de greve e vedar o lockout, o

legislador parece reconhecer a condição de hipossuficiência do trabalhador perante seu

empregador e, consequentemente, a necessidade de uma proteção legal mais ampla.

Outra forma possível e muito utilizada primitivamente para resolver os conflitos é

através da autocomposição onde o conflito é solucionado pelas próprias partes sem o uso da

coerção. Não há, portanto, a participação de um terceiro dando solução para o conflito, seja

direitamente, julgando a lide, seja indiretamente, sugerindo, persuadindo e induzindo uma

solução.

Pela via autocompositiva as partes podem chegar a um acordo de concessões

recíprocas, onde cada uma das partes envolvidas abre mão de algo pretendido para que, ao

final, um acordo possa ser efetivado, ou, o resultado final pode ser um acordo onde uma das

partes aceita totalmente os interesses da outra em detrimento dos seus.

Sendo assim, são três as formas de autocomposição, formas estas que são, de certa

maneira, utilizadas até hoje: a desistência (renúncia à pretensão); a submissão (renúncia à

resistência oferecida à pretensão) e a transação (concessões recíprocas).

20

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1446.

25

Hodiernamente, a autocomposição pode se dar tanto no âmbito da sociedade civil, ou

seja, extrajudicialmente, como no âmbito de um processo judicial. No campo do Direito do

Trabalho a negociação coletiva figura como principal meio de resolução dos conflitos pela via

autocompositiva.

Assim é definido o termo “negociação coletiva” na obra de Fábio Túlio Barroso:

A negociação coletiva é o instrumento utilizado para que, por meio do

diálogo promovido pelas partes, seja possível encontrar uma solução

autônoma para as divergências existentes entre sindicatos profissionais e

econômicos ou entre sindicato profissional e empresas, nos casos das

convenções e acordos coletivos de trabalho, respectivamente.21

Embora ainda utilizada nos dias atuais, à medida que o Estado foi se impondo aos

particulares como alternativa válida e imparcial para resolução dos conflitos, a autotutela e a

autocomposição experimentaram significativo enfraquecimento e a solução heterocompositiva

foi ganhando força.

Diferentemente das formas anteriores, na heterocomposição a solução do conflito

passa pela intervenção de um agente externo às partes. Os litigantes (ou um deles) submetem

o conflito a um terceiro objetivando uma possível solução.

Inicialmente, essa intervenção era confiada aos sacerdotes, cuja relação com os deuses

permitia uma resolução acertada para o conflito, ou então aos anciãos, possuidores de grande

sabedoria. Mas, com o surgimento e fortalecimento da figura do Estado, os cidadãos foram

abrindo mão de parcela de sua liberdade para conceder a ele o poder de solucionar os

conflitos. No princípio do Império Romano os conflitos já eram levados, desde que de comum

acordo entre as partes, ao pretor. As partes então deviam se comprometer a aceitar a decisão

proferida e elegiam árbitro para julgar a controvérsia, arbitro este a quem o pretor conferia os

poderes necessários para julgamento da lide. Em suma, tinha-se uma espécie de arbitragem

facultativa. Após o século II d.C, o Estado romano intensificou sua participação na resolução

dos conflitos através da conquista do poder de nomear os árbitros. Evoluiu-se, então, para

uma espécie de arbitragem obrigatória.22

Para que as partes se sujeitassem mais facilmente às decisões estatais, o poder público

começou a preestabelecer de forma abstrata as regras que vinculariam suas decisões

garantindo maior segurança para as partes. Surgem então as Leis (a Lei das XII Tábuas, do

21

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.191. 22

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral

do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 26-30.

26

ano 450 a.C. é um marco dessa época). Por fim, no século III d.C, passou o próprio pretor a

julgar e sentenciar ao invés de nomear ou aceitar a nomeação de árbitro para tal propósito e,

assim, completou-se o ciclo histórico de evolução da justiça privada para a justiça pública

surgindo a figura do monopólio estatal da jurisdição. O Estado, finalmente, passa a impor

autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. Salvo algumas exceções, as

partes não mais podem fazer justiça pelas próprias mãos (vedação da autotutela), restando a

elas a possibilidade de provocar o exercício da função jurisdicional pelo Estado.23

Levando-se em consideração toda essa evolução histórica da heterocomposição como

forma de resolução dos conflitos, Mauricio Godinho Delgado descreve a heterocomposição na

modalidade jurisdicional da seguinte forma:

Na heterocomposição também não há exercício de coerção pelos

sujeitos envolvidos. Entretanto pode haver, sim, exercício coercitivo

pelo agente exterior ao conflito original – como se passa no caso da

jurisdição. A heterocomposição, em sua fórmula jurisdicional,

distingue-se, pois, da autocomposição (e até mesmo das demais

modalidades heterocompositivas) pelo fato de comportar exercício

institucionalizado de coerção ao longo do processo de análise do

conflito, assim como no instante de efetivação concreta do resultado

final estabelecido.24

Apesar de o principal meio heterocompositivo de resolução dos conflitos ser a via

judicial, ela não é a única. No entendimento de autores como Mauricio Godinho Delgado,

Fábio Túlio Barroso25

e Sergio Pinto Martins26

, a mediação, a conciliação e a arbitragem são

institutos extrajudiciais que também figuram como meios heterocompositivos de resolução

dos conflitos já que terceira pessoa, alheia ao conflito, intervém para sua resolução, seja

decidindo a questão como no caso da arbitragem, seja meramente auxiliando no entendimento

entre as partes como no caso da mediação e da conciliação.

Estando o judiciário repleto de entraves que impedem seu perfeito funcionamento e

limitam o direito de acesso à justiça dos cidadãos, o fortalecimento da arbitragem, da

mediação e da conciliação para resolução de conflitos é alternativa válida para ampliação da

efetividade do direito de acesso à justiça no Brasil.

23

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral

do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 26-30. 24

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1477. 25

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.191. 26

MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 273.

27

4 O ACESSO À JUSTIÇA E A ORDEM ECONÔMICA

A efetividade do direito de acesso à justiça sofre forte influência, inclusive, de

aspectos econômicos. Nas últimas décadas experimentou-se um grande avanço nas

tecnologias de transporte e comunicação, causando significativas mudanças na forma de

organização da economia mundial. Teve início um processo de globalização do mercado

financeiro e, também, uma forte expansão do ideário liberal de mínima intervenção do Estado

na economia.

Interessa ao presente estudo, primeiramente, analisar de que forma a globalização

aliada aos ideais liberalistas enfraquecem o poder dos trabalhadores e de seus sindicatos e

acabam gerando precarização dos trabalhos como consequência lógica de um desrespeito

reiterado das normas protetivas aos trabalhadores.

Entendida a relação entre as dimensões econômica e a trabalhista, cabe relacionar de

que forma o gradual processo de precarização do trabalho humano e, consequentemente,

elevação da quantidade de processos judiciais pode interferir na qualidade da prestação

jurisdicional do Estado e, assim, reduzir a efetividade do direito de acesso à justiça.

Somente após delimitação e exposição do contexto histórico e evolutivo vivenciado

nas relações econômicas e laborais é que se pode adentrar na discussão sobre a necessidade de

quebra do paradigma da individualidade e buscar no coletivo a solução para maximizar o

direito de acesso à justiça dos cidadãos.

Essa busca leva a uma prévia análise dos malefícios causados pelo uso quase

exclusivo das ações judiciais individuais para resolução dos conflitos trabalhistas e dos

possíveis benefícios que podem advir do uso das ações judiciais coletivas e da arbitragem

para solução das lides trabalhistas.

4.1 Efeitos da Globalização e neoliberalismo

Não é possível precisar com certeza quando se deu o início da globalização, entretanto

o uso deste termo cresceu consideravelmente desde meados dos anos 1970. O processo de

globalização foi uma tentativa de recuperar as históricas taxas de acumulação de riquezas

vivenciadas no início do capitalismo. Sua principal característica é, sem dúvida, a

mundialização do capital financeiro ou capital especulativo. Esse tipo de capital é aquele que

percorre o globo nas chamadas bolsas de valores em busca de oportunidades de ganho sem

28

necessariamente ter relação direita com a produção ou comercialização de determinado bem

ou serviço.

Entretanto, para que o processo de globalização possa se consolidar cada vez mais são

necessárias grandes mudanças econômicas, políticas e sociais. Muitas delas são bem

conhecidas hodiernamente já que o capitalismo globalizado se encontra em pleno processo de

expansão. São elas: privatização, desregulamentação econômica, abertura de mercado, Estado

mínimo, entre outros. Esse conjunto de medidas integram uma linha de pensamento

denominada de neoliberalismo ou novo liberalismo e visam diminuir a interferência do Estado

na economia.

O neoliberalismo nasceu após a II Guerra Mundial como reação ao estado de bem

estar social que começou a vigorar naquele período. Friedrich Hayek e outros se juntaram

para combater essa tendência social sob a alegação de que o excesso de intervenção do Estado

na economia ameaça a liberdade e é uma forma de servidão moderna. Acrescentam ainda que

o relativo igualitarismo gerado por essas políticas ferem a liberdade e a desigualdade que

seriam imprescindíveis para o capitalismo.

Era difícil difundir as ideias neoliberais, pois o capitalismo, pós II Guerra Mundial,

vivia um de seus melhores momentos, no entanto, a partir de 1973 teve início uma profunda

recessão e as ideias neoliberais começaram a se difundir. Segundo elas, o excesso de poder

dos sindicatos e os crescentes direitos sociais que oneravam o Estado eram as causas da crise

na medida em que prejudicavam o processo de acumulação capitalista.27

O remédio para a crise, segundo os neoliberalistas, era diminuir o poder dos

sindicatos, os gastos sociais (controle de gastos) e as intervenções econômicas. A taxa natural

de desemprego deveria ser restaurada a fim de reestabelecer um exército de reserva de

trabalho e diminuir a força dos sindicatos. Além disso, o imposto sobre as maiores rendas

deveria ser reduzido a fim de incentivar o crescimento econômico.

Ao longo do tempo o ideal neoliberalista foi tomando força com Margaret Thatcher na

Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos. Com a guerra fria o ideário anticomunista

somente fez aumentar a força do neoliberalismo que era tido como o oposto das práticas

comunistas. Thatcher elevou os juros para controlar a inflação, privatizou empresas, diminuiu

os gastos públicos, reprimiu os sindicatos e fortaleceu o exército trabalhista de reserva

(desempregados). Já nos EUA, o país nunca teve elevados gastos públicos com social, mas

27

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

1995, p. 10.

29

devido a corrida armamentista gerada pela guerra fria, os gastos públicos foram sem

precedentes e, também, precisavam ser reduzidos.28

Aos poucos até mesmo governos de esquerda ou sociais democratas de diversos países

começaram a adotar os ideais neoliberais. Mas o neoliberalismo foi capaz de cumprir suas

promessas? Segundo Perry Anderson29

, a inflação média caiu e os lucros das empresas

aumentaram, os sindicatos perderam força e a taxa de desemprego aumentou como queriam

os neoliberalistas e, por último, a tributação dos salários mais altos reduziu

consideravelmente. Entretanto, apesar de ter alcançado todos esses objetivos o neoliberalismo

não alcançou o principal deles: altas taxas de crescimento como se via antes da crise dos anos

70, aliás, as taxas de crescimentos permaneceram em queda.

Então, porque o aumento dos lucros não gerou aumento nos investimentos? Primeiro,

que a desregulamentação financeira gerou aumento na especulação financeira ao invés de

incremento na produção de bens. Segundo, que a diminuição dos gastos sociais não se

efetivou devido ao aumento no número de aposentados e de benefícios aos desempregados.30

Em 1991 o capitalismo entrou em nova recessão e a dívida pública da maioria dos

países atingiu nível sem precedentes, entretanto, ao contrário do que se podia esperar, os

ideais neoliberalista continuam muito fortes.

Até mesmo os antigos países comunistas passaram a ser um dos principais defensores

da ideologia neoliberal. Mais tardiamente, os ideais neoliberais acabaram por chegar, também,

na América Latina onde foi implantado principalmente por regimes ditatoriais ou em países

com hiperinflação onde os malefícios causados por ela pediam medidas mais drásticas. Fato é

que, hodiernamente, as regiões do globo que apresentam os maiores crescimentos econômicos

são aquelas que não aderiram ao neoliberalismo como, por exemplo, o oriente. Mas, até

mesmo esses países já começam a sofrer forte pressão para se juntar aos ideais neoliberalistas.

Perry Anderson fez um brilhante balanço provisório do neoliberalismo:

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma

revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o

neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades

28

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

1995, p. 12. 29

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

1995, p. 14-15. 30

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

1995, p. 16.

30

marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria.

Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num

grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam,

disseminando a simples ideia de que não há alternativas para os seus

princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas

normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um

predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje.

Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de

pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes.31

A adoção de uma política neoliberal foi fundamental para o avanço do processo de

globalização, entretanto, não menos importante foi à verdadeira revolução tecnológica

experimentada nas últimas décadas. O desenvolvimento dos meios informatizados de

comunicação proporcionou a rapidez necessária para viabilizar investimentos em tempo real

nos mais remotos locais do globo. Dessa forma, o capital especulativo encontrou no

neoliberalismo e na tecnologia das comunicações a liberdade e rapidez necessárias para que

uma grande quantidade de capitais possa, enfim, circular por todo o globo, consolidando, em

definitivo, o processo de globalização a ponto de ser entendido inclusive como irreversível

por alguns estudiosos.

A globalização e o neoliberalismo também acarretaram reflexos expressivos no campo

das relações trabalhistas. Tem havido uma forte pressão para que essas relações sejam

flexibilizadas, ou seja, para que o protecionismo estatal nas questões trabalhistas dê lugar a

livre negociação entre trabalhadores e empregadores. Entretanto, para compreender melhor

esse movimento de flexibilização das relações trabalhistas, torna-se necessário analisar a

recente história do processo produtivo mundial.

Décadas atrás o modelo de produção em vigor nas indústrias mundiais era basicamente

o taylorista/fordista. Nesse modelo de produção o trabalho era subdividido em tarefas simples

e repetitivas realizadas por mão de obra pouco instruída e intensamente explorada com

excessivas jornadas de trabalho, locais insalubres, baixa remuneração e, muitas vezes,

trabalho infantil.

A grande quantidade de trabalhadores concentrados em um mesmo local ou região e

intensamente explorados por seus empregadores criou um ambiente propício para a

mobilização dos operários e o seu fortalecimento como classe. Sindicatos de trabalhadores

foram criados e teve início uma verdadeira luta que culminou na conquista de diversos

direitos e garantias pelos empregados.

31

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

1995, p. 22-23.

31

Entretanto, com a intensificação da automação nas indústrias e o fortalecimento dos

ideais neoliberais, um grande contingente de trabalhadores perderam seus postos de trabalho

acarretando um aumento nos níveis gerais de desemprego e, consequentemente, redução do

poder de negociação dos trabalhadores.32

É nesse cenário que a discussão sobre flexibilização das relações trabalhistas ganha

cada vez mais força, já que atrás da ideia de liberdade de negociação entre empregados e

empregadores está a real intenção de reduzir os elevados custos gerados pelos direitos e

garantias conquistados pelos trabalhadores no período anterior. Com o desemprego em alta

não restaria escolha aos trabalhadores a não ser aceitar contratos de trabalho desfavoráveis,

abrindo mão de certos direitos e garantias a fim de garantir seu sustento.

Walkiria Martinez Heirinch Ferrer analisa mais profundamente esta questão:

A flexibilização do processo produtivo reflete-se no mundo do trabalho com

a flexibilização das relações trabalhistas, que são forçadas a acompanhar e se

adaptar às inovações tecnológicas, com a alteração das relações contratuais.

No novo contexto, a integração vertical do modelo fordista, em que as

diversas etapas de montagem eram realizadas na própria empresa, foi

substituída pela chamada horizontalização ou terceirização do processo

produtivo, que consiste no repasse de determinadas fases da produção aos

serviços de terceiros. Esta subcontratação de serviços externos ao quadro

funcional da empresa debilita a organização dos trabalhadores, acentuando a

precarização e informalidade do trabalho, por meio dos contratos provisórios

que limitam os direitos trabalhistas.33

Esse processo generalizado de precarização do trabalho humano gera um aumento

significativo dos conflitos coletivos do trabalho e, por sua vez, requer meios eficientes de

solução a fim de garantir o direito de acesso à justiça aos cidadãos.

4.2 A precarização do trabalho, o aumento dos conflitos coletivos e o acesso à justiça

A globalização intensificou a busca das empresas pelo corte nos custos de produção,

seja para garantir a viabilidade das mercadorias frente a um cenário concorrencial mundial,

seja para que possa haver uma elevação do lucro.

32

FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e

soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 122 - 123. 33

FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e

soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123.

32

Esse corte de custos vem se dando, dentre outras formas, pela precarização do trabalho

humano. Muitas empresas instalam suas fábricas em países onde os direitos trabalhistas não

são fortalecidos, com o intuído de elevar sua vantagem competitiva e/ou ampliar seus lucros.

Já em 1776, até mesmo Adam Smith, um dos maiores ícones do denominado

liberalismo econômico, reconhecia a existência de um intenso conflito entre classes.

Anteriormente ao capitalismo os indivíduos possuíam os meios de produção e a força de

trabalho, agora, eles possuem somente a força de trabalho, sendo que os meios de produção

ficam concentrados nas mãos de poucos homens. Estes poucos ganham dinheiro empregando

pessoas; ficam com uma parte do valor que é produzido por esses trabalhadores e a outra parte

retorna aos trabalhadores como salário. Smith reconhecia que os empregadores querem

sempre pagar o menor salário possível aos empregados a fim de ter maior lucro e, por sua vez,

os empregados querem salários maiores. Nessa luta, ainda segundo Smith, os empregadores

levam vantagem pela sua riqueza, capacidade de influenciar a opinião pública e de controlar o

governo.34

Fala-se muito, hodiernamente, sobre a importância da flexibilização das normas

trabalhistas a fim de adequar o país ao mundo globalizado. Isso decorre do fato de que a

vantagem competitiva proporcionada às empresas que precarizaram as condições de trabalho

forçam as outras empresas do globo a fazerem o mesmo a fim de se manterem competitivas.

Boaventura de Sousa Santos expôs de forma precisa os reflexos do atual pensamento

neoliberal no campo social:

No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o

crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos

salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho,

reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos

de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando

a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto

inflacionário dos aumentos salariais”. A contração do poder de compra

interno que resulta desta política deve ser suprida pela busca de mercados

externos. A economia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor

substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para

passar a ser a solvência.35

Entretanto, em que pese o consenso neoliberal, não se pode esquecer que as

legislações trabalhistas foram criadas no intuito de proteger os trabalhadores, parte mais fraca

34

SMITH, Adam apud HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2005,

p. 45-46. 35

SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento; 2001, p. 40.

33

da relação de emprego, frente à busca desenfreada pelo lucro que é o objeto norteador do

sistema capitalista de produção.

De acordo com os artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, ambos da Constituição

Federal, são fundamentos da República Federativa do Brasil e fins da ordem econômica, a

dignidade da pessoal humana e a valorização do trabalho. Ou seja, se a atividade produtiva

capitalista objetiva o lucro, é dever do Estado garantir que esse interesse seja compatibilizado

com a valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana. De nada adianta crescimento

econômico por si só se ele não está fundado no desenvolvimento social.

Conforme bem salienta Dinaura Godinho Pimentel Gomes:

Por isso, incumbe a toda empresa, no pleno exercício de sua livre iniciativa,

exercer sua função social, a fim de assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, nos termos do art. 170 da Constituição

Federal Vigente. Assim, ao satisfazer a exigência de assegurar a todos, sem

distinção (seja na condição de empregados, de fornecedores, de

trabalhadores terceirizados, entre outros) existência digna, conforme os

ditames da justiça social, os agentes econômicos assumem o perfil de

verdadeiros partícipes dos objetivos e finalidades próprios do Estado

Democrático de Direito (CF, art. 3º).36

Nessa sociedade globalizada, a busca por lucro tem levado as empresas, cada vez

mais, a descumprirem os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da valorização do

trabalho, atingindo, com isso, um grupo cada vez mais abrangente de pessoas, levando a um

aumento considerável no número de conflitos de natureza coletiva em detrimento dos de

natureza individual.

Apesar dessa coletivização dos conflitos estar em curso há décadas, o Direito do

Trabalho brasileiro ainda mantêm uma forte tradição individualista. Prova disso é que a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui normas voltadas especificamente para o

atendimento dos interesses coletivos.

Um passo muito importante para possibilitar uma transição da tradição individualista

para a coletiva foi dado primeiramente pela Constituição Federal de 1988 e, recentemente,

pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A Norma Maior, em seu art. 129, inciso III, diz que são funções institucionais do

Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do

36

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação

das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros

Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,

econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.128.

34

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”

(grifo nosso). Entretanto, somente em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, ficou

estabelecido os conceitos que integram a noção de interesses difusos e coletivos com

aplicação em qualquer ramo do direito que necessite de tal conceituação:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas

poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código,

os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os

decorrentes de origem comum.

Dessa forma, apesar da CLT não regulamentar especificamente os conflitos coletivos,

a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor assim o fazem, possibilitando

um avanço na área da tutela coletiva e a ampliação do acesso à justiça no país.

É, também, nesse contexto, que ganha importância o estudo da arbitragem como meio

constitucionalmente anunciado (art. 114, § 1º e § 2º) para resolução dos conflitos coletivos do

trabalho. A precarização do trabalho, cada vez mais agravada pelo fenômeno da globalização,

tem levado a um aumento significativo do número de ações trabalhistas e, como reflexo, tem-

se, hodiernamente, um judiciário que não é capaz de cumprir com seu papel da forma

almejada pela sociedade. É, portanto, essencial o estudo de novas formas de resolução dos

conflitos para maximização do direito de acesso à justiça, onde se encontra inserido o instituto

da arbitragem.

35

CAPÍTULO II - ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

O judiciário é a principal forma de acesso à justiça no Brasil. Sendo assim, toda vez

que ele se encontra parcialmente obstruído pelos inúmeros entraves citados anteriormente, a

efetividade do acesso à justiça como um todo também acaba sendo prejudicada.

É nesse cenário que surge a arbitragem, a mediação e a conciliação como alternativas

ao judiciário e seus problemas, apresentando uma nova fórmula para resolução dos conflitos,

trazendo em si a possibilidade de desafogar o judiciário e de maximizar o acesso à justiça no

seu sentido mais amplo.

Sendo a arbitragem o foco principal do presente estudo, antes de analisá-la como

alternativa viável para efetivação do direito de acesso à justiça na área trabalhista, torna-se

necessário, previamente, entender suas características mais relevantes, tais como:

desenvolvimento histórico, conceito, classificação, natureza jurídica, princípios norteadores e

aplicabilidade no Brasil.

Esses conceitos gerais sobre o instituto da arbitragem servirão de alicerce para

posterior análise sobre a viabilidade de utilização deste instituto na seara trabalhista como

alternativa aos entraves que permeiam o sistema judiciário pátrio. O Direito do Trabalho

possui uma série de especificidades que acabam por interferir na aplicabilidade da arbitragem

e, para uma análise mais apurada, faz-se necessário, inicialmente, compreender o instituto da

arbitragem de modo geral para, em um momento posterior, analisar a aplicação do instituto

especificamente ao Direito do Trabalho.

1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

Desde os mais remotos tempos da história da humanidade imperou a existência dos

conflitos, seja dentro dos próprios grupos sociais, seja entre grupos sociais distintos, levando

os homens a buscar meios de solucioná-los.

No início o método empregado não era, na maioria das vezes, um método pacífico. Os

conflitos se resolviam na base da força bruta ou por meio das armas. Entretanto, com o passar

dos anos, foram se disseminando formas pacíficas de solução, dentre as quais estão o poder

judiciário (monopólio do Estado) e a arbitragem.

É difícil precisar, exatamente, quando e onde surgiu a arbitragem, pois quanto mais se

caminha para a antiguidade menor é a documentação histórica disponível para análise.

36

Todavia, segundo Carlos Alberto Carmona37

, é possível identificar o uso da arbitragem como

forma de “solução de controvérsias entre cidades-estado da Babilônia, cerca de 3.000 anos

antes de Cristo”. Entretanto, é na Grécia que se pode verificar mais claramente o

desenvolvimento e aplicação desse instituto, tanto nos conflitos envolvendo cidades-estado

quanto no interior das próprias cidades gregas.

A prática da arbitragem era reflexo da própria religião grega cuja cultura

trazia em sua mitologia a resolução das questões entre deuses e heróis

através da presença de um terceiro chamado a intervir. A evolução do

instituto acompanhou o desenvolvimento da sociedade grega, a princípio

dentro da delimitação de cada cidade e, aos poucos, foi se inserindo e

delineando sua forma nos costumes, leis e tratados firmados entre as cidades

gregas.38

Em 445 a.C. Atenas e Esparta assinaram tratado contendo cláusula que remetia as

partes à via arbitral em caso de litígio, desde que as duas partes estivessem de acordo com a

utilização desse instrumento.39

No campo do direito interno cabe lembrar que as cortes gregas eram formadas por

inúmeros juízes, o que trazia certa lentidão nos julgamentos como é de se esperar. Nesse

contexto, ganha força a utilização de um árbitro escolhido por sorteio para dirimir os litígios

com maior brevidade.

Ademais, a peculiaridade do Império Romano de manter os usos e costumes dos povos

conquistados favoreceu a continuidade do instituto de arbitragem entre os gregos mesmo após

o domínio da região pelos romanos.

Em que pese o surgimento da arbitragem remontar de tempos mais antigos, conforme

salientado, foi somente no Império Romano que a arbitragem ganhou aspectos

verdadeiramente jurídicos.

Inicialmente, as decisões dos árbitros, apesar de irrecorríveis, não poderiam ser

executadas, ou seja, a parte vencida não poderia ser forçada a cumprir a decisão prolatada.

Somente com o Imperador Justiniano é que a sentença arbitral passa a ser executável,

entretanto, para ser reconhecida, era imprescindível prévio juramento do árbitro e das partes.

Nota-se que não era reconhecida eficácia jurídica a decisão, apenas uma eficácia de fato

destinada a fazer cumprir o juramento que foi realizado.40

37

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.38 38

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 21. 39

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.38 40

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 22-23.

37

Avançando um pouco mais na linha de evolução histórica da arbitragem temos as

invasões bárbaras como importante fonte de desenvolvimento do instituto da arbitragem,

tendo em vista que o povo invasor impõe ao povo invadido as suas leis e a única forma que

este último tem de continuar utilizando suas leis nativas é a escolha de árbitro a fim de julgar

determinada lide valendo-se das normas do povo invadido.

Posteriormente, com o fim do feudalismo e avanço das relações comerciais, o Direito

não consegue acompanhar as grandes mudanças sociais ocorridas, abrindo espaço para um

maior desenvolvimento do instituto da arbitragem. Algumas características importantes desse

período histórico (Idade Média) foram fundamentais para esse desenvolvimento, dentre elas:

ausência de leis ou sua excessiva dureza, grande variedade de ordenamentos, fraqueza dos

Estados e conflitos entre Estado e Igreja.

No período feudal o poder era exercido, basicamente, pelos nobres e pela Igreja. Com

o seu término a figura do Estado ainda encontrava-se bastante enfraquecida. Como forma de

preservar parcela de seu poder, a Igreja valia-se da arbitragem para resolução de determinados

conflitos sociais mantendo sob seu domínio o poder de julgar certas questões. Posicionamento

que era embasado na proibição de São Paulo de se recorrer à justiça dos homens (1 Coríntios

6, versículo 1, da Bíblia).

Além do direito canônico, que contribuiu sobremaneira para a instrumentalização da

arbitragem, também a figura medieval da “arbitragem obrigatória”, utilizada principalmente

na Itália nas lides entre parentes, contribuiu para consolidação cada vez maior desse instituto.

Entretanto, no início da era moderna, a arbitragem experimentou um retrocesso. Em

um primeiro momento o instituto da arbitragem se destacou durante a Revolução Francesa

como instrumento ideal contra os abusos da justiça do rei. Mas, a reação veio no início do

século XIX. Foi publicada lei limitando a esfera de aplicação do instituto e revestindo-o de

inúmeras formalidades a fim de desestimular sua utilização.41

Ainda no século XIX a arbitragem enfrentou mais um duro golpe. A concentração de

poder nos Estados, ligada à noção de soberania, culminou em movimento de estatização

absoluta da justiça, que logo se espalhou por todo o globo, levando a uma inevitável contração

do instituto da arbitragem.

Somente no século XX é que a arbitragem recupera seu prestígio de outrora e surge

como mecanismo imprescindível de solução de conflitos em um mundo onde o volume de

41

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.45.

38

relações comerciais internacionais se eleva exponencialmente, gerando uma infinidade de

novos litígios que precisam ser rapidamente resolvidos.

1.1 Arbitragem no Brasil

Com a proclamação da independência do Brasil, na falta de um ordenamento jurídico

pátrio, as Ordenações Filipinas continuaram em vigor e, entre outras coisas, elas

disciplinavam, também, sobre a arbitragem. Todavia, previam a possibilidade de recurso de

uma decisão arbitral ainda que no compromisso contivesse cláusula “sem recurso”, cabendo

uma sanção ao requerente caso o recurso não fosse provido.

Somente com a Constituição de 1824 foi eliminada essa possibilidade de recursos das

sentenças arbitrais caso assim convencionado pelas partes. Dessa forma, a sentença arbitral

passou a ter o mesmo valor da sentença dada por um juiz togado, ou seja, houve uma

jurisdicionalização da arbitragem.

Em 1850 o Código Comercial brasileiro instituiu a arbitragem obrigatória para

resolução das questões entre sócios durante a existência da companhia ou sociedade.

Com o advento da República ficou a cargo dos próprios Estados editarem seus

Códigos de Processo fazendo com que o instituto da arbitragem fosse tratado de forma

diversificada pelo país.

Somente em 1916, com a promulgação do Código Civil Brasileiro, é que a disciplina

processual foi nacionalmente reunificada. Posteriormente, em 1939, foi promulgado novo

Código de Processo Civil, entretanto, apesar de ambos abordarem a arbitragem em seus

textos, nenhum deles dispôs acerca da cláusula compromissória arbitral, pela qual as partes se

obrigam antecipadamente a solucionar os conflitos que venham a surgir através da arbitragem.

O Código de Processo Civil de 1973 também pouco modificou as disposições legais sobre a

arbitragem. O grande avanço nesse e em outros quesitos foi experimentado, somente, com o

advento da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, denominada Lei de Arbitragem.

2 CONCEITO DE ARBITRAGEM

Inicialmente, cabe diferenciar mediação, conciliação e arbitragem. Todas elas são

formas de resolução de conflitos que contam com a participação de um terceiro não

interessado, porém na mediação e na conciliação esse terceiro não toma decisão alguma, ele

apenas promove o entendimento das partes conduzindo o processo e apresentando sugestões

39

para que ao final as próprias partes cheguem a um entendimento. Na arbitragem é justamente

o oposto, um terceiro eleito pelas partes terá o mesmo papel de um juiz, ou seja, ouvirá as

partes e ao final tomará sua decisão com relação ao conflito.

Nas palavras de Sérgio Pinto Martins:

Na arbitragem, uma terceira pessoa ou órgão, escolhido pelas partes, vem a

decidir a controvérsia, impondo a solução aos litigantes. É uma forma

voluntária de terminar o conflito, o que importa dizer que não é obrigatória.

A pessoa designada chama-se árbitro. A sua decisão denomina-se laudo

arbitral.

As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo

arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendidos a cláusula

compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº 9.307/96).

Cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um

contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir

a surgir relativamente a tal contrato (art. 4º da Lei 9.307). Compromisso

arbitral é a convenção por meio da qual as partes submetem um litígio à

arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial

(art. 9º da Lei nº 9.307).42

Entretanto, no que concerne ao enquadramento jurídico da arbitragem pode-se

constatar certa controvérsia. Os meios de solução de conflitos podem ser divididos em

autotutela, autocomposição e heterocomposição, sendo que na autotutela e na autocomposição

a controvérsia é resolvida pelas partes (por uma das partes no caso da autotutela) e sem

interferência de terceiros; já na heterocomposição há a intervenção de um agente externo

alheio as partes.

Consoante parte dos autores a conciliação e a mediação são meios autocompositivos já

que o conflito é resolvido pelas próprias partes, apenas com o auxilio de um terceiro que

apesar de conduzir o processo não tem poderes para impor decisões. Caberia, então, a

arbitragem a classificação de meio heterocompositivo, uma vez que um terceiro escolhido

pelas partes agirá como um juiz, analisando os argumentos das partes e impondo uma decisão.

Ocorre que alguns autores entendem que a arbitragem consensual, em que o árbitro é

escolhido pelas partes, deveria ser enquadrada como autocomposição, pois o terceiro

responsável pela sentença foi escolhido de comum acordo pelas partes.

Há outros autores, como Mauricio Godinho Delgado, que entendem que, assim como a

jurisdição é meio heterocompositivo; a arbitragem, a conciliação e a mediação também o são.

Assim é explicado tal entendimento por Godinho:

42

MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 290.

40

É que a diferenciação essencial entre os métodos de solução dos conflitos

encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional

do processo utilizado. Na autocomposição, apenas os sujeitos originais em

confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo

origem a uma sistemática de análise e solução da controvérsia autogerida

pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a

intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de

solução do conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menor grau,

para este agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que

a sistemática de análise e solução da controvérsia deixa de ser

exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para

a entidade interveniente.43

Dessa forma, julgando ser este o posicionamento mais acertado acerca do assunto,

entende-se que tanto a arbitragem como a mediação e a conciliação são mais corretamente

classificados como meios heterocompositivos de solução dos conflitos.

2.1 Tipos de arbitragem

A arbitragem pode ser classificada levando-se em consideração diversos parâmetros.

Os mais relevantes são: arbitragem obrigatória e voluntária; arbitragem por oferta final e livre;

arbitragem de direito e de equidade.

A arbitragem obrigatória é aquela que é imposta às partes pela lei, ou seja, o Estado

determina que vindo a surgir determinado conflito entre as partes, este será submetido à

arbitragem. Já na arbitragem voluntária ou facultativa as partes decidem espontaneamente

pela utilização do procedimento arbitral.

Outra distinção interessante é a arbitragem por oferta final. Nessa modalidade a

decisão do árbitro deve ser a proposta de uma das duas partes sem alterá-la. Essa sistemática

“[...] tem a finalidade de fazer com que as propostas que as partes apresentarem para que o

árbitro venha a decidir sejam próximas da realidade e não se distanciem muito uma da outra

para evitar riscos”.44

Quando o árbitro não possui tal limitação denomina-se a arbitragem de

livre.

Por fim, a arbitragem de direito tem como objeto da lide leis ou princípios jurídicos,

enquanto que a arbitragem de equidade tem por objeto interesses de cunho meramente

econômico.

43

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1477-

1478. 44

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Saraiva,

2008, p.20.

41

2.2 Vantagens e desvantagens da arbitragem

A arbitragem possui vantagens significativas, a saber: celeridade; informalidade;

confiabilidade; flexibilidade e sigilo.

Trata-se de um procedimento célere, que busca uma solução rápida para a divergência,

até porque é dotado também de certa informalidade, ou seja, não possui apego excessivo a

certas formalidades e burocracias que acabam por retardar a rápida solução da lide.

Pode-se dizer, também, que a arbitragem é uma forma confiável de resolução dos

conflitos, uma vez que os árbitros são escolhidos de comum acordo pelas partes. A esse

respeito, acrescenta, oportunamente, José Cláudio Monteiro de Brito Filho:

Voltando à questão de tanto o mediador como o árbitro serem escolhidos

pelas partes, conveniente indicar uma das grandes vantagens que podem ser

extraídas desses dois meios de solução de conflitos, que é o fato de que

podem as partes indicar, dependendo do assunto em pauta, pessoa

especializada na matéria, o que, na mediação, pode ser o grande diferencial

em relação à negociação direta e, na arbitragem, contrapõe-se ao

conhecimento limitado do juiz, conhecedor do Direito mas, regra geral, leigo

em relação às demais ciências.45

Entretanto, na área trabalhista o Brasil conta com a Justiça do Trabalho, órgão

especializado em questões laborais, o que minimiza a vantagem de se ter um árbitro

especializado na matéria julgando o conflito, entretanto não anula essa vantagem por

completo, já que algumas matérias trabalhistas são tão específicas que mesmo um juiz

trabalhista não tem o conhecimento necessário para julgar adequadamente a lide.

Outro fator de segurança para as partes é que a sentença arbitral tem a eficácia de

título executivo judicial (art. 584, VI, do CPC), podendo ser executada, caso não venha a ser

cumprida.

Outro ponto positivo que nos cabe ressaltar é seu caráter flexível. Existe, por exemplo,

a possibilidade do julgamento por equidade onde o árbitro julga sem se prender às leis e

ordenamentos possuindo elevado grau de liberdade para tomar a decisão que julga ser a mais

justa. Aliás, por esse motivo, a arbitragem é muito utilizada para dirimir meras “divergências

de interesse” entre empresas, já que decisões desse tipo não encontram amparo legal. Além do

45

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Mediação e arbitragem como meios de solução de conflitos

coletivos de trabalho: Atuação do Ministério Público do Trabalho. In: Revista LTr. V. 62, n. 3, São Paulo: LTr,

1998, p. 350.

42

mais, no caso de conflitos de normas, fato que ocorre principalmente no âmbito internacional,

as partes também tem a liberdade de escolher qual norma será aplicada para a resolução do

litígio poupando um tempo precioso em comparação com o poder judiciário onde o juiz teria

que primeiramente decidir a norma aplicável para posteriormente adentrar na questão

litigiosa.

A flexibilidade também pode ser analisada sob o ponto de vista do procedimento

arbitral que, mais uma vez, também não se prende a regras rígidas, podendo, a qualquer

momento, ser alterado de comum acordo pelas partes.

Por fim, no procedimento arbitral, ao contrário do judiciário, não há o que se falar em

publicidade dos atos, portanto, a arbitragem é revestida pelo sigilo. Ou seja, a publicidade da

sentença arbitral não é imposta por lei como no processo judicial, podendo as partes

envolvidas decidirem pela divulgação ou não da sentença proferida.

É claro que a justiça também concede sigilo para alguns tipos de processos (vide art.

37, § 3º, II, da Constituição Federal), entretanto para aqueles que não gozam desse privilégio

o instituto da arbitragem tem um grande benefício a oferecer.

Todavia, a arbitragem também possui pontos negativos que merecem ser observados.

Um deles é o alto custo, uma vez que para atuar na função de árbitro geralmente é contratado

indivíduo de renomado saber na área do conflito e, como se pode supor, o valor cobrado por

tal indivíduo, na maioria das vezes, é bastante elevado. Entretanto, algumas soluções para o

problema do alto custo já foram sugeridas por alguns doutrinadores:

Embora o juízo arbitral possa ser um processo relativamente rápido e

pouco dispendioso, tende a tornar-se muito caro para as partes, porque elas

devem suportar o ônus dos honorários do árbitro. Por isso, não é de

surpreender que recentemente tenha sido proposto que o Estado pague os

árbitros ou permita que os juízes atuem como árbitros. Dadas as delongas e

despesas frequentemente características dos litígios, essas alternativas

podem reduzir as barreiras de custas para as partes e, pela utilização de

julgadores mais ativos e informais, beneficiar substancialmente as partes

mais fracas.46

Outra possibilidade, em matéria trabalhista, para vencer a barreira das custas é de se

estipular, em convenção coletiva de trabalho, que as despesas com a arbitragem fiquem a

cargo do empregador já que os trabalhadores são a parte hipossuficiente da relação trabalhista.

De acordo com a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), da decisão arbitral não cabe

recurso quanto ao mérito, nem mesmo ao poder judiciário. Tal fato pode ser visto como séria

46

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.82.

43

desvantagem ao procedimento arbitral ou como vantagem por tornar o instituto mais célere.

Entretanto, apesar de não caber recurso, o Poder Judiciário pode declarar a sentença nula

sempre que ela não atender aos aspectos formais e exigências da Lei de Arbitragem. Dessa

forma, não basta ao árbitro ser especialista no assunto em análise. É necessário ter ele

conhecimento jurídico a fim de não incorrer em nulidade.

A sentença arbitral faz título executivo, ou seja, a parte vitoriosa precisa ir à justiça

para executar a decisão do árbitro caso a parte vencida não cumpra a sentença de livre e

espontânea vontade. Apesar do procedimento arbitral ser mais célere e não comportar

recursos, a execução judicial de sua sentença estará sujeita aos procedimentos judiciais

ordinários, com direito a recursos e medidas protelatórias, o que pode ser visto como uma

desvantagem.

Por último, sendo o trabalhador a parte mais fraca financeiramente, pode o processo

arbitral ser tendencioso em prol do empregador que se aproveitaria de seu poderio econômico

para influenciar na decisão do árbitro ou para intimidar o empregado a fim de obter um

acordo que lhe seja mais favorável. Dessa forma, a arbitragem poderia ser usada como forma

de fugir do judiciário buscando decisões mais rápidas e mais aprazíveis aos olhos do

empregador.

2.3 Natureza Jurídica

Para alguns doutrinadores, a arbitragem tem natureza “jurisdicional”, pois o arbitro

atua dizendo o direito ao caso concreto. Para outros, no entanto, a arbitragem possui natureza

jurídica puramente “contratual”, já que o poder do árbitro é resultado de uma mera convenção

entre as partes. Há também os que conseguem identificar ambos os aspectos no instituto da

arbitragem e, por isso, classificam sua natureza jurídica como “híbrida”.

Aos adeptos da teoria jurisdicional, como Carlos Alberto Carmona47

, a arbitragem age

como substituta da jurisdição com o fim de aplicar o direito ao caso concreto para decidir

litígios. Os árbitros exercem a mesma função dos juízes, sujeitando-se as mesmas normas e

princípios.

Em que pese à semelhança do juízo arbitral com o processo estatal, falta-lhe uma

característica fundamental: poder coercitivo e executório. Os defensores da natureza jurídica

contratual da arbitragem evocam esse argumento para rebater os jurisdicionalistas.

47

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.

44

Tânia Lobo Muniz bem explicita esse embate doutrinário entre a natureza jurisdicional

e natureza contratual da arbitragem.

Segundo os privatistas, a arbitragem tem natureza puramente contratual,

prevalece a figura da convenção arbitral na qual as partes acordam a

resolução do conflito, entregando a decisão a terceiros (os árbitros),

outorgando-lhes poderes. Estes atuam como mandatários das partes e sua

decisão nada mais é que a manifestação da vontade das partes,

assemelhando-se a sentença arbitral a um contrato que põe fim ao litígio.

Baseiam-se, conforme já expendido, na ausência de coatividade da sentença

arbitral, necessitando da presença do poder estatal para que possa ser

executada e dando prevalência à verdade “jurisdictio sine coercitione nulla

est”, não havendo como prosperar a teoria da jurisdição para seus adeptos.48

Na realidade, deve-se dividir a arbitragem em duas partes a fim de verificar com maior

exatidão qual sua natureza jurídica. O nascimento dela se dá com uma convenção arbitral, ou

seja, para que ela tenha início, as partes devem manifestar sua vontade em resolver o litígio

via procedimento arbitral. Sendo assim, pode-se identificar de forma clara a natureza

contratual nessa primeira fase.

Uma vez instaurada a arbitragem, o árbitro deve se pautar pelos direitos, deveres e

princípios estabelecidos em lei para que o procedimento arbitral não possa vir a ser

considerado nulo pela justiça. O Estado cede uma parcela de seu poder a um árbitro particular

escolhido pelas partes para que ele atue na causa como se juiz fosse. Sua decisão é

denominada pela Lei de Arbitragem (lei 9.307/96) como sentença arbitral e não está sujeita a

recurso ou homologação pelo Poder Judiciário (art. 18), entretanto sua execução só pode ser

realizada pelo judiciário que é o único detentor do poder de coerção.

Diante do exposto, nota-se claramente a natureza jurisdicional da segunda fase da

arbitragem. Sendo assim, com a identificação tanto da natureza contratual como da

jurisdicional no instituto da arbitragem, pode-se concluir que a posição mais acertada vem a

ser aquela que classifica sua natureza jurídica da arbitragem como híbrida.

2.4 Convenção Arbitral

Consoante o art. 3º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) a convenção arbitral é gênero

que se subdivide em “cláusula compromissória” e “compromisso arbitral”. Na cláusula

compromissória as partes se obrigam, voluntária e antecipadamente, a solucionar as

48

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 34.

45

divergências que porventura apareçam por meio do juízo arbitral. Assim dispõe o art. 4º da

Lei de Arbitragem, a seguir:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes

em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que

possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

Já no compromisso arbitral as partes efetivamente constituem o juízo arbitral para

solução de determinado conflito já existente e comprometem-se a acatar seu veredicto. O art.

9º da Lei de Arbitragem trás a seguinte definição:

Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes

submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser

judicial ou extrajudicial.

Feita essa distinção preliminar entre a cláusula compromissória e o compromisso

arbitral, torna-se necessário salientar certas características fundamentais de ambos. No que diz

respeito à cláusula compromissória, com o advento da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) ela

não mais se trata de mera promessa. Ou seja, passa a obrigar as partes a instituírem a

arbitragem e, em sendo desrespeitada por uma delas, a outra poderá mover ação judicial para

que se cumpra com o acordado e seja instaurado juízo arbitral para resolução da lide (vide art.

7º da Lei 9.307/96).

A cláusula compromissória diz respeito a litígios futuros e estabelece a arbitragem

como meio de resolução das divergências que possam surgir. Ela deve, necessariamente, ser

por escrito, podendo estar inserta em contrato celebrado entre as partes, inclusive contrato

trabalhista, ou pode ser realizada em documento a parte que faça referência ao contrato. (vide

art. 4º, § 1º da Lei 9.307/96).

Pequena ressalva se faz para a cláusula compromissória inserta em contratos de

adesão que por não darem margem à negociação entre as partes requer da parte aderente, para

que tenha validade, que tome a iniciativa de instituir o juízo arbitral ou concorde, por escrito,

com sua instituição (art. 4º, § 2º da Lei 9.307/96).

Independente de existir ou não cláusula compromissória, o juízo arbitral deverá ser

sempre instituído via compromisso arbitral firmado entre as partes. Assim como a cláusula

compromissória, o compromisso arbitral tem necessariamente a forma escrita (art. 9º, § 2º da

Lei 9.307/96), entretanto, refere-se a litígio já existente e bem definido. É por meio dele que a

46

arbitragem é instaurada e as normas aplicáveis são definidas, se assim já não foram na

cláusula compromissória.

2.5 Princípios norteadores da arbitragem

O instituto da arbitragem é regido por inúmeros princípios legais e constitucionais que

devem ser obrigatoriamente respeitados sob pena de nulidade do procedimento arbitral.

Dentre estes princípios destacam-se: princípio da autonomia da vontade, princípio do

contraditório, princípio da igualdade, princípio do livre convencimento do julgador, princípio

da imparcialidade do julgador e princípio da obrigatoriedade da sentença.

O princípio da autonomia da vontade é o poder que as partes devem possuir de

estipular livremente, de acordo com suas próprias vontades, sobre a disciplina que lhes

convierem. Todavia essa liberdade encontra limitação nos limites impostos pela lei. A

autonomia dos indivíduos esbarra nas restrições legais que foram, em sua maioria, criadas

para proteger a sociedade contra interesses individuais egoísticos.

Tal princípio, acima de tudo, é garantido pela própria Constituição Federal do Brasil

em seu artigo 5º, inciso II, onde se lê: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei”.

Assim também é no que se refere especificamente à arbitragem. Por esta possuir

natureza contratual também predomina a autonomia da vontade como própria essência do

instituto.

A nova lei de Arbitragem privilegiou a autonomia da vontade tanto no

campo material, quanto processual, manifestando-se na possibilidade de as

partes criarem normas processuais específicas, reportarem-se às normas de

um órgão arbitral institucional, adotarem as normas procedimentais de um

Código de Processo Civil estrangeiro, terem a liberdade de escolher o direito

material aplicável à solução da controvérsia, optarem pela equidade;

utilizarem-se dos princípios gerais de direito, usos e costumes e/ou das

normas de comércio internacional.49

Apesar da ampla autonomia dada pela nova Lei de Arbitragem ao instituto, muitos

doutrinadores salientam veementemente sobre a impossibilidade de se utilizar o método

arbitral em lides envolvendo direitos indisponíveis, já que o indivíduo não poderia dispor

deles de acordo com sua vontade.

49

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 71.

47

Já o princípio do contraditório e da igualdade estão previstos no art. 5º, caput e LV, da

Constituição Federal; no art. 125, I, do Código de Processo Civil; e no art. 21, § 2º, da Lei de

Arbitragem (Lei 9.307/96). Este último dizendo o seguinte:

Art. 21

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do

contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu

livre convencimento (grifo nosso).

O contraditório é decorrência da igualdade. Reservado, as partes, tratamento

igualitário, elas também deverão ter as mesmas oportunidades processuais a fim de que

possam se defender a contento. O contraditório nada mais é do que a efetivação do próprio

direito de defesa. Para cada acusação ou prova nova deve ser dada a parte contrária a

oportunidade de manifestar sua versão dos fatos e sua interpretação jurídica do acontecido.

O juiz deve se manter equidistante das partes, ou seja, ouvindo uma parte não pode

deixar de ouvir a outra. Ambas devem ter a possibilidade de apresentar suas versões para os

fatos e suas provas a fim de poder influenciar no convencimento do juiz. “Somente pela soma

da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode

corporificar a síntese, em um processo dialético”.50

Com relação especificamente ao princípio da igualdade, cabe, porém, salientar que o

tratamento igualitário dos indivíduos pela lei nem sempre é suficiente para alcançar a

igualdade de fato. Muitas vezes o tratamento desigual é imprescindível para suprir certas

desigualdades sociais e atingir a igualdade substancial.

A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade

econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa

(a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-

se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva

da isonomia (iguais oportunidades para todos - a serem propiciadas pelo

Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade

proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos

substancialmente iguais.

A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo,

obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que

impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as

diferenças, se atinja a igualdade substancial.51

50

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral

do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 61. 51

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral

do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 59-60.

48

O princípio do livre convencimento do julgador, por sua vez, pode ser encontrado no

art. 131, do Código de Processo Civil, além do art. 21, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem),

já citado anteriormente.

Por meio deste princípio fica estabelecido, inclusive para a arbitragem, que o juiz é

livre para formar sua decisão e valorar as provas apresentadas pelas partes de acordo com

critérios críticos e racionais de sua escolha.

O juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos

(quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende

de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos

elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e

racionais (CPC, arts. 131 e 436; CPP, arts. 157 e 182).52

Isto não significa que o juiz ou arbitro é totalmente livre em sua decisão, podendo

desconsiderar certas provas e fatos. Ele tem apenas a liberdade de avaliar racionalmente a

importância de cada prova e fato apresentados no processo para, ao final, dar decisão

fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal) onde deve constar, obrigatoriamente, a

linha de raciocínio utilizada para alcançá-la.

Já com relação ao princípio da imparcialidade do julgador cabe ressaltar que ele está

intimamente ligado aos princípios da igualdade e ao do livre convencimento, uma vez que

somente sendo imparcial poderá, o juiz ou árbitro, tratar as partes igualitariamente e tomar sua

decisão pautado na busca pela justiça, sem pender para nenhum dos lados.

Sendo assim, a imparcialidade pode ser vista como uma garantia de justiça para as

partes e, também, como um pressuposto de validade do julgamento e do juízo arbitral. O

Estado, ao reservar para si o exercício da função jurisdicional, tem o dever de agir de forma

imparcial nas causas que lhe são submetidas. A imparcialidade afeta profundamente a

credibilidade na jurisdição estatal e é por esse motivo que a Constituição pátria, em seu art.

95, assegura certas garantias aos juízes e impõe-lhes vedações específicas, a fim de assegurar

a manutenção da imparcialidade.

Sua importância é tão grande para a arbitragem que, além de estar previsto no art. 21

da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), também encontramos, na mesma lei, previsão que

sujeita os árbitros aos mesmos casos de impedimento e suspeição previstos para os juízes de

direito equiparando, inclusive, os árbitros a funcionários públicos para efeito da legislação

penal.

52

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral

do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 74.

49

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham,

com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações

que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes,

aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades,

conforme previsto no Código de Processo Civil.

Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas,

ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação

penal.

Todavia, de nada valeria os princípios anteriores, que visam garantir a regularidade e

justiça do juízo arbitral, se não houvesse os meios necessários para que a decisão emanada

desse procedimento fosse acatada. Nesse caso, a arbitragem serviria apenas como meio

protelatório ao invés de ser meio mais célere para resolução de conflitos, quando comparada

com a justiça estatal.

O princípio da obrigatoriedade da sentença visa garantir segurança e estabilidade nas

relações jurídicas e plena efetivação dos direitos dela decorrentes. Na Lei de Arbitragem (Lei

9.307/96), encontramos tal princípio no art. 18, a seguir:

Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não

fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (grifo nosso).

Dessa forma, a sentença arbitral tem a mesma força da sentença judicial, não cabendo

recurso dela ao judiciário e constituindo-se em título executivo judicial sem necessidade de

homologação da justiça para tanto.

3 DAS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

Com a publicação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), cada vez mais vem ganhando

força a ideia de que o instituto da arbitragem está em harmonia com a Constituição Federal.

Entretanto, cabe análise mais detalhada dos principais argumentos contrários a

constitucionalidade da arbitragem a fim de buscar maior entendimento sobre as minúcias

desse instituto.

Para tanto, é interessante iniciar este estudo partindo-se da análise de alguns princípios

constitucionais para, de forma mais detalhada, ir refutando os argumentos contrários e

solidificando o posicionamento pela constitucionalidade do instituto da arbitragem.

50

3.1 Princípio da inafastabilidade do poder judiciário

A ampla adoção de meios extrajudiciais para solução de controvérsias esbarra, muitas

vezes, no denominado princípio da inafastabilidade do poder judiciário, expresso no art. 5º,

XXXV, da Constituição Federal do Brasil, que dispõe o seguinte: “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Entretanto, ao analisar esse princípio deve-se fazê-lo conjugado ao princípio da

autonomia da vontade. Não se pode coibir alguém, de forma alguma, de ter sua lide analisada

e julgada pelo poder judiciário. Todavia, se as partes decidem de comum acordo pelo

julgamento da lide através da arbitragem ao invés do judiciário, não há que se falar em

descumprimento do princípio da inafastabilidade do poder judiciário, uma vez que não houve

impedimento para que a questão alcançasse o judiciário e, sim, uma mera decisão das partes

oriunda da autonomia de vontade que possuem e que lhes é assegurada pela lei.

A arbitragem não ofende os princípios constitucionais da inafastabilidade do

controle jurisdicional [...]. A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a

escolha, isto é, se querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz

privado. Seria inconstitucional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem

compulsória, excluindo do exame, pelo poder Judiciário, a ameaça ou lesão a

direito.53

Analisando historicamente esse princípio, percebe-se que sua inserção no ordenamento

jurídico brasileiro decorreu dos abusos cometidos no regime ditatorial de Getúlio Vargas,

quando comissões eram formadas para julgar sem qualquer respeito ao contraditório, ampla

defesa e demais princípios processuais. Sendo assim, a intenção do legislador ao estabelecer o

princípio da inafastabilidade do poder judiciário foi de proteger o cidadão contra atos

arbitrários oriundos dos poderes executivo ou legislativo trazendo a efetiva possibilidade de

controle destes poderes pelo judiciário.54

No âmbito da liberdade de contratar e da autonomia da vontade, podem as

pessoas renunciar a direitos de que são titulares e, assim, submeter as

controvérsias à apreciação de um Juízo Arbitral. Tal disposição não traz em

si qualquer ilicitude ou abuso que pudesse ocasionar infringência ao previsto

na norma constitucional em questão. Mormente quando se sabe que a longa

53

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado: e legislação

extravagante. 9. Ed. São Paulo: RT, 2006. p. 1164. 54

MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado

78/92. Disponível em: <http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/artigos/anoarbraproleisen.htm>. Acesso

em: 26 jul. 2014.

51

manus do Poder Judiciário não está de todo afastada, pois a este é possível

recorrer quando a sentença arbitral contiver vícios de nulidade.55

Ademais, com a promulgação da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o Estado delega

parte de seu poder jurisdicional ao particular, através da arbitragem, regulando todo o

procedimento arbitral, sob pena de nulidade quando do seu descumprimento, e reserva para si

o monopólio do uso da força, exigindo que a sentença arbitral seja executada somente via

judicial.

3.2 Soberania do Estado

A arbitragem não pode ser considerada como atentado a soberania Estatal uma vez

que, apesar de haver delegação estatal da função jurisdicional para um particular (árbitro), não

há delegação do uso da força, permanecendo esta como monopólio do Estado.

O juízo arbitral se encerra com a sentença que tem força de título executivo judicial e

o cumprimento desta depende, portanto, do Judiciário, através de ação de execução, para

coercitivamente obrigar as partes a cumprirem com o acordado perante o juízo arbitral. Sendo

assim, o Estado, por meio da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), entrega a um particular o

poder jurisdicional de dizer o direito, condicionando, entretanto, a arbitragem a certos

procedimentos legais e princípios que deverão ser necessariamente seguidos sob pena de

nulidade da sentença arbitral.

3.3 Garantias processuais

Conforme previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, “aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ocorre que o citado artigo da Constituição está em consonância com o art. 21, § 2º, da

Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) que estabelece como princípios norteadores do

procedimento arbitral, sob pena de nulidade quando do seu descumprimento, o contraditório,

a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento. Dessa forma,

não há o que se falar em prejuízo das garantias processuais no juízo arbitral.

55

MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado

78/92. Disponível em: <http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/artigos/anoarbraproleisen.htm>. Acesso

em: 26 jul. 2014.

52

3.4 Dupla instância de julgamento

O mesmo art. 5º, LV, da Constituição Federal, que contém os princípios processuais

também, no seu final, garante aos litigantes a possibilidade do recurso. Ocorre que no art. 18

da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), fica estabelecido que a sentença arbitral não está sujeita

a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário.

Apesar da aparente contrariedade, “cumpre salientar que as partes podem estabelecer

órgão revisor a quem caberá julgar possíveis recursos, dentro do próprio juízo arbitral. Cabe,

ainda, revisão pelo Judiciário através de ação de nulidade”.56

Dessa forma, não há o que se

falar em descumprimento dos preceitos constitucionais.

3.5 Juiz natural e vedação aos tribunais de exceção

Previstas no art. 5º, LIII e XXXVII, da Constituição Federal, respectivamente, as

garantias do juiz natural e da vedação aos tribunais de exceção não entram em conflito com o

instituto da arbitragem. As partes têm autonomia para estabelecer previamente que em caso de

lide a jurisdição se dará via procedimento arbitral, sendo assim, antes mesmo da lide ocorrer

fica estabelecido que o juiz natural da lide superveniente será um árbitro, em nada ferindo a

garantia constitucional.

Não fere o juiz natural, pois as partes já estabelecem, previamente, como

será julgada eventual lide existente entre elas. O requisito da pré-

constituição na forma da lei, caracterizador do princípio do juiz natural,

está presente no juízo arbitral.57

Mesmo que a opção pelo juízo arbitral não tenha ocorrido previamente ao surgimento

da lide, sua escolha posterior decorre da autonomia de vontade das partes, não constituindo

ameaça ao bem jurídico tutelado pelo princípio do juiz natural.

A arbitragem, tampouco, pode ser vista como tribunal de exceção uma vez que a

possibilidade de criação e todas as normas que irão regê-la estão previstas em lei.

3.6 Direitos disponíveis

56

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 64. 57

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado: e legislação

extravagante. 9. Ed. São Paulo: RT, 2006. p. 1164.

53

Neste momento cabe salientar que, em tese, a arbitragem somente pode ser utilizada

quando a lide versar sobre direitos disponíveis. Sobre os direitos indisponíveis não caberia

juízo arbitral, pois, por força de lei, seus titulares não podem, com eles, transacionar. Somente

os direitos disponíveis são abrangidos pelo campo da autonomia da vontade e, por isso,

podem ser objeto contratual.

São denominados como indisponíveis aqueles direitos tão intimamente ligados à

pessoa que a sua perda a degrade de forma insuportável. São exemplos de direitos

indisponíveis os direitos da personalidade, tais como: direito a vida, liberdade, honra,

intimidade, incolumidade física etc.

Além dessas hipóteses de indisponibilidade também há casos em que determinada

condição especial da pessoa impede que ela possa vir a dispor de seus direitos. Cita-se, nesse

momento, as pessoas tidas como incapazes (menores de idade ou que por algum motivo não

tenham o necessário discernimento para a prática dos atos).

Corrobora com esse entendimento o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96):

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Entretanto, o que é bastante discutível é quais são os direitos considerados disponíveis

e quais são os indisponíveis. Nessa seara, muitos autores divergem, principalmente no que

tange a aplicação da arbitragem ao Direito do Trabalho. Alguns entendem que o caráter

público dos direitos trabalhistas gera sua indisponibilidade, já outros defendem sua

disponibilidade. Entretanto, o necessário aprofundamento da questão será dado mais a frente,

em momento oportuno.

54

CAPÍTULO III – A ARBITRAGEM COMO FORMA DE SOLUCIONAR

CONFLITOS DO TRABALHO

1 FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO NO BRASIL

Instaurado um litígio, sem a possibilidade de resolução diretamente pelas próprias

partes envolvidas (autocomposição), devem ser disponibilizados meios pelos quais justa

solução possa ser dada às partes. Esses meios podem ser divididos didaticamente em judiciais

e extrajudiciais. Os judiciais abrangem tanto as ações individuais quanto as ações coletivas; já

os extrajudiciais abrangem, entre outros, a arbitragem, objeto principal deste estudo.

É imprescindível compreender de quais formas os conflitos trabalhistas podem ser

solucionados, haja vista que o entendimento da dinâmica de resolução para esses tipos de

conflitos permitirá posterior analise da arbitragem como alternativa viável para maximização

do direito de acesso à justiça trabalhista no Brasil.

O Direito do Trabalho apresenta inúmeras particularidades que merecem ser

destacadas e que, inevitavelmente, devem ser consideradas quando se pretende estudar formas

de aperfeiçoar os meios para resolução dos conflitos trabalhistas. Dentre essas formas,

destaca-se o instituto da arbitragem, ainda pouco utilizado na seara trabalhista, mas que pode

ser de grande valia quando bem compreendido e corretamente empregado respeitando-se as

inúmeras particularidades inerentes à área do trabalho.

1.1 Via judicial (tutela individual versus tutela coletiva)

No Brasil, o principal meio para resolução dos conflitos do trabalho ainda é a tutela

judicial individual de direitos. Entretanto, observa-se que ações individuais trazem uma série

de malefícios que em nada combinam com o conceito de “justiça”. Cabe, portanto, uma

análise comparativa entre a tutela individual e a tutela coletiva de direitos no âmbito judicial,

a fim de compreender seus reflexos na justiça do trabalho e na efetividade do direito de acesso

à justiça.

Hodiernamente, os empregados veem-se compelidos a buscar seus direitos na justiça

apenas após o término da relação de trabalho já que o ingresso de ação individual na

constância do contrato de trabalho poderia resultar na demissão do trabalhador como forma de

represália. Ocorre que a espera do empregado pelo término do contrato de trabalho leva

55

muitos dos seus direitos a serem alcançados pela prescrição de 5 (anos) estabelecida no art. 7º,

inciso XXIX, da Constituição Federal.58

Além do mais, se esses empregados estiverem trabalhando, por exemplo, sem

equipamentos de proteção, essa espera pelo término do contrato de trabalho para ingresso da

ação trabalhista pode resultar em prejuízos irreversíveis a saúde do empregado.

Sendo assim, as ações individuais trabalhistas muitas vezes não se mostram eficazes

para resolver os conflitos de forma justa. Não se pode ignorar que ser forçado pelas

circunstâncias a ingressar com ação trabalhista apenas após o término da relação de trabalho

agride o conceito universal da palavra “justiça” e, portanto, é uma agressão a efetividade do

acesso à justiça no país.

Dessa forma, torna-se necessário buscar outros meios que possibilitem aos

empregados ingressarem com suas ações mesmo na constância do contrato de trabalho a fim

de que possam ter seus direitos imediatamente reparados e que não venham a sofrer com a

prescrição. Entretanto, esse meio também deve dificultar ou impossibilitar as represálias por

parte do empregador, ou seja, o empregado não pode ser identificado na ação para que não

venha a ser demitido pelo empregador.

Uma solução imediata para derrubar esse verdadeiro entrave ao acesso à justiça é o

fortalecimento das denominadas ações coletivas que podem ser movidas pelo Ministério

Público do Trabalho, conforme estabelecido no art. 129, inciso III, da Constituição Federal e

art.83, III da Lei Complementar n. 75/93, ou subsidiariamente pelos sindicatos, conforme art.

129, § 1º e art. 8º, III, ambos da CF e art. 5º, V, da Lei 7.347/85.

As ações coletivas, uma vez que são promovidas pelo Ministério Público ou sindicato,

geram a despersonalização dos trabalhadores em face dos empregadores permitindo o

ingresso de ações no curso da relação de trabalho e o reparo imediato de lesões a direitos.

Apesar da CLT não normatizar a tutela coletiva de direitos, o Brasil conta com

verdadeiro conjunto de normas, algumas delas já citadas anteriormente, que tornaria possível

esse fortalecimento das ações coletivas. Fala-se, aqui, da Constituição Federal (arts. 129,III e

IX, 8º, III, e 114), da LOMPU (Lei Complementar nº 75/93, arts. 83, III, 84, caput), da LACP

(Lei nº 7.347/85) e do Título III do CDC.59

58

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação

das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros

Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,

econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.134. 59

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7. Ed. São Paulo: LTr, 2009, p.

137.

56

Além do mais, a tutela coletiva também auxilia na resolução de outro grande entrave

ao acesso à justiça que é a morosidade. Ela traz maior celeridade para a prestação

jurisdicional na medida em que reduz consideravelmente o número de processos uma vez que

ações individuais diversas podem ser substituídas por uma única ação coletiva já que os

interesses são os mesmos. Tem-se, dessa forma, maior efetividade dos direitos trabalhistas e,

portanto, maior efetividade do acesso à justiça.

1.2 Via extrajudicial (conciliação, mediação e arbitragem)

A conciliação e a mediação são institutos que podem, perfeitamente, ser aplicados na

resolução dos litígios provenientes das relações de trabalho. Sua principal característica, em

ambos os casos, é a participação de um terceiro alheio ao conflito instaurado entre duas partes

com o objetivo de induzir uma composição amigável entre elas, evitando assim, que a lide

venha a se desenrolar pela via judicial.

Entretanto, duas diferenças pequenas, porém de grande importância, distinguem os

dois institutos anteriormente abordados. Primeiramente, a conciliação pode se dar tanto pela

via judicial como pela extrajudicial. É muito comum a utilização da conciliação na justiça do

trabalho anteriormente ao início de uma audiência. Tal procedimento vem descrito no art. 764

da CLT e é amplamente utilizado pelos juízes do trabalho como forma de buscar uma maior

celeridade no acesso à justiça em vista da grande quantidade de ações trabalhistas no Brasil.

Além da elencada possibilidade de utilização do instituto da conciliação pela via

judicial, outra importante diferença entre esse instituto e a mediação reside no fato dele

permitir ao conciliador a apresentação de propostas para resolução do dissídio, enquanto que

na mediação o mediador tem em vista apenas aproximar as partes sem, contudo, indicar

qualquer caminho para a resolução do litígio, sob pena de desvirtuar o instituto.

Diferentemente da conciliação e da mediação, onde o terceiro designado para auxiliar

na resolução do conflito não possui poder decisório, servindo apenas como intermediador

entre as partes, na arbitragem, o árbitro, escolhido de comum acordo entre as partes, tem

poder decisório, constituindo sua sentença em título executivo de acordo com a Lei de

Arbitragem (Lei nº 9.307/96). Em outras palavras:

Em qualquer destes casos – conciliação e mediação – são as partes que

decidem. Na arbitragem (voluntária ou obrigatória) a decisão é cometida a

57

um terceiro que tem a incumbência de decidir de forma vinculativa, cabendo

às partes o respectivo cumprimento.60

Realizada tal distinção, cabe, neste momento, aprofundar especificamente no estudo

da arbitragem na seara trabalhista.

2. APLICABILIDADE DA ARBITRAGEM AO DIREITO DO TRABALHO

A arbitragem é forma constitucionalmente preconizada para resolução de conflitos

trabalhistas no Brasil, entretanto a doutrina diverge bastante sobre sua larga aplicação na seara

trabalhista, onde muitos dos direitos são vistos, de modo geral, como indisponíveis e

insuscetíveis à transação. Dessa forma, tem-se a instauração de uma grande celeuma jurídica

com fortes argumentos de ambos os lados.

Apesar do instituto estar devidamente regulamentado, nos dias atuais, pela Lei nº

9.307, de 23 de setembro de 1996, a sua aplicação ao direito do trabalho ainda não encontra

parâmetros legais, gerando grandes discussões. A utilização da arbitragem no âmbito dos

conflitos coletivos do trabalho é amplamente aceita, até porque se encontra embasada em

disposição constitucional constante no art. 114, § 1º e § 2º, a seguir:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)

§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger

árbitros.

§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à

arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio

coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho

decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de

proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

Ocorre que para os conflitos individuais trabalhistas a análise não é tão simples assim.

Aqueles que se opõe a sua utilização na esfera individual evocam o próprio artigo 114 da

Constituição Federal, onde consta apenas a possibilidade de utilização da arbitragem nos

litígios coletivos. Citam, também, o art. 643 da CLT, a seguir, que dispõe que os litígios entre

empregados e empregadores devem ser levados à Justiça do Trabalho.

Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e

empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores

de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão

60

SILVA, Luís Gonçalves da apud CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos

individuais do trabalho. Curitiba: Juruá, 2010, p. 47.

58

dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e

na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.

Além do mais, a aplicação do instituto da arbitragem aos dissídios individuais do

trabalho afrontaria o primeiro artigo da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), uma vez que a

arbitragem somente deve ser aplicada aos dissídios envolvendo direitos disponíveis e os

direitos individuais trabalhistas seriam, em regra, indisponíveis. A lei 9.307/96 estabelece o

seguinte:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Outra questão importante quando se fala da aplicação da arbitragem aos conflitos

individuais do trabalho é a presunção de hipossuficiência do trabalhador em relação ao seu

empregador. Essa hipossuficiência, mais sentida nos conflitos individuais do trabalho,

deixaria o trabalhador vulnerável a aceitar eventuais propostas de solução de conflitos pela via

arbitral ao invés do judiciário corrompendo a livre manifestação de vontade do empregador e

tornando nula a arbitragem.

Em que pese à importância dos argumentos anteriormente alencados, se o artigo 114

da Constituição Federal (anteriormente citado) não contempla a arbitragem nos conflitos

individuais do trabalho, ele também não veda sua aplicação. Além do mais, o raciocínio de

que os direitos trabalhistas individuais, por serem de ordem pública, são indisponíveis e que

por isso não foram contemplados pela Lei de Arbitragem não é totalmente verdadeiro. Tanto

isso é verdade que o próprio artigo 764 da CLT dispõe que tanto os dissídios individuais

como os coletivos estão sujeitos à conciliação pela Justiça do trabalho:

Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à

apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

§ 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho

empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de

uma solução conciliatória dos conflitos.

Ora, se é admitida a conciliação para direitos individuais é porque esses seriam

disponíveis e, portanto, também estariam sujeitos a arbitragem. Em outras palavras, a própria

CLT parece entender pela disponibilidade de certos direitos individuais trabalhistas quando

regula o instituto da conciliação, especialmente no art. 764, já que direitos indisponíveis, em

tese, também não poderiam estar sujeitos à aplicação do instituto da conciliação.

59

Mesmo entendendo pela irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, cabe salientar que

seu descumprimento pelo empregador gera direito patrimonial, ou seja, direito a uma

reparação de ordem pecuniária por ter seu direito trabalhista violado. Os direitos trabalhistas

podem até ser entendidos como irrenunciáveis, entretanto o direito a uma reparação

pecuniária que decorre de sua violação é direito patrimonial disponível e, portanto, objeto de

arbitragem consoante art. 1º da Lei de Arbitragem.61

Exemplificando, o empregado não pode abrir mão do seu direito de utilizar

Equipamento de Proteção Individual (EPI), pois ele é irrenunciável, entretanto pode

transacionar com o direito patrimonial de receber reparação pecuniária por não ter tido seu

direito trabalhista a segurança respeitado pelo empregador, sendo esse direito patrimonial,

portanto, disponível.

Nas palavras de Raimundo Simão de Melo:

Mas há quem entenda, e com bastante razoabilidade, que, em regra, após o

desfazimento do vínculo empregatício, os direitos decorrentes perdem a

proteção da irrenunciabilidade (salvo aqueles de ordem pública, garantidos

por normas imperativas) porque transformam-se, em geral, em indenização,

comportando, dessa forma, a solução de eventual conflito por meio da

arbitragem.62

Entretanto, deve-se ter cautela com a utilização da arbitragem, principalmente quanto

aos direitos individuais, pois, nem sempre, a cláusula compromissória arbitral firmada entre

empregador e empregado é feita de livre vontade por parte deste último. Sendo o trabalhador

a parte mais vulnerável da relação de emprego ele, muitas vezes, se vê obrigado a assinar

contrato de trabalho contendo cláusula compromissória mesmo não concordando com a

resolução das controvérsias por árbitro ou, até mesmo, ignorando a existência da cláusula ou

do que se trata.

Para a maioria dos trabalhadores, exceto os que ocupam cargos que requerem elevado

grau de conhecimento e possuem grande remuneração, os contratos de trabalho são típicos

contrato de adesão, ou seja, não há possibilidade de discussão de suas cláusulas entre o

empregado e empregadores. O contrato é redigido pela empresa e o empregado tem apenas

61

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,

2010, p. 114 - 115. 62

MELO, Raimundo Simão de apud CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos

individuais do trabalho. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.

60

duas opções: assinar, concordando com os seus termos; ou não assinar e perder o emprego de

que tanto necessita para seu sustento.63

A arbitragem, muitas vezes é utilizada pelas empresas como forma de impedir

reclamações trabalhistas futuras, uma vez que da sentença arbitral não cabe recurso, tendo

força de coisa julgada. O instituto da arbitragem, que traria promessa de agilidade e permitiria

a maximização do acesso à justiça para os cidadãos, estaria sendo usado pelas empresas, na

área trabalhista, com o objetivo de dificultar o acesso à justiça.64

Devido a essa situação é que muitos doutrinadores e juristas vedam veementemente a

aplicação da arbitragem para litígios que envolvam direitos individuais trabalhistas.

Entretanto, não se pode simplesmente vedar a aplicação da arbitragem como solução para o

problema apresentado. É necessário encontrar formas de se compatibilizar a arbitragem na

área trabalhista sem prejudicar a parte hipossuficiente da relação de trabalho, ou seja, o

trabalhador.

Com esse propósito, sustenta-se que apesar da convenção arbitral realizada

anteriormente ou na constância do contrato de trabalho não ter valor já que o empregado se

encontra em situação de dependência econômica para com o seu empregador, a opção pela via

arbitral também pode ser oriunda de negociação coletiva, maximizando, dessa forma, o poder

dos trabalhadores através da participação do sindicato e, assim, eliminando sua

hipossuficiência. Neste último caso, a opção pela via arbitral, mesmo anteriormente ou na

constância do contrato de trabalho, tornar-se-ia válida inclusive nas lides envolvendo direitos

individuais trabalhistas.

Conclui Paula Corina Santone Carajelescov65

:

De qualquer sorte, resta evidenciado que a forma de implementação da

arbitragem para a solução de conflitos individuais do trabalho tampouco

pode servir de argumento para a não-utilização da via alternativa nessa seara.

Isso porque, tanto a inserção de cláusulas arbitrais em convenções coletivas,

como a instituição do compromisso com a assistência do trabalhador pelo

seu sindicato de classe serviriam como salvaguarda dos interesses do

trabalhador, conferindo a segurança necessária para que estes, considerados

parte mais frágil na relação contratual, não sejam prejudicados.

63

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no

direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 14. 64

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no

direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 15. 65

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,

2010, p. 125.

61

De qualquer forma, findo o contrato de trabalho, opção de ambas as partes pelo juízo

arbitral deveria ser respeitada, pois ela é fruto da livre vontade das partes já que a relação de

dependência econômica não mais está configurada.

Uma importante exceção se faz aos executivos ou demais cargos que necessitam de

profissional extremamente qualificado e que por isso fazem jus a elevada remuneração. Esses

trabalhadores, em particular, estão em pé de igualdade na relação de trabalho, podendo, até

mesmo, exigir a inclusão ou retirada de certas cláusulas em seu contrato de trabalho. Sendo

assim, nesses casos, a cláusula compromissória arbitral firmada previamente ou na constância

do contrato de trabalho conta com a presunção de que foi proveniente da livre vontade das

partes e, portanto, não pode ser anulada pela justiça trabalhista, salvo se contar com outros

tipos de irregularidade.

Em suma, o âmbito de aplicação da arbitragem com relação aos direitos individuais

trabalhistas deve ser analisado no caso concreto a fim de que os possíveis benefícios do

instituto não venham a se transformar em arma na mão dos empregadores contra a efetividade

do acesso à justiça.

3 POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

São denominadas organizações internacionais as associações voluntárias de Estados

com objetivos em comum e constituídas por meio de tratado. Nesses termos pode-se definir

organização internacional nas palavras de Ricardo Seitenfus66

como “associações voluntárias

de Estados” ou mais especificamente “trata-se de uma sociedade entre Estados, constituída

através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma

permanente cooperação entre seus membros”.

Entre as diversas organizações internacionais existentes figura a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) que, fundada em 1919 pelo Tratado de Versalhes, tem sede

em Genebra, Suíça.

Sua criação e importância se baseiam no fato de que a melhoria das condições de

trabalho realizada de forma isolada pelos países esbarra na vantagem econômica obtida pelas

nações que não adotam condições humanitárias de trabalho e que, devido a isso, possuem

custos de produção menores.

66 SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das organizações internacionais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2003, p. 26-27.

62

Para tanto, os países têm a faculdade de ingressar na OIT, desde que aprove o

estabelecido na Constituição dessa organização. Uma vez membro, o país poderá escolher as

convenções que deseja ratificar e, portanto, incorporá-las ao conjunto normativo do país.

O processo de ratificação de uma convenção se inicia com a assinatura da referida pelo

poder executivo e aprovação pelo legislativo na figura do Congresso Nacional, sem a qual não

é possível a ratificação pelo Presidente da República.

Em busca do tão sonhado ideal de paz e justiça trazido pelo período pós-guerra, a OIT

foi criada para que todos aqueles que tinham interesses diretos nas questões trabalhistas

tivessem suas vozes ouvidas e se fizessem representar. Sendo assim, foi implementado o

tripartismo, ou seja, em suas reuniões participam representantes dos governos, sindicatos de

trabalhadores e organizações de empregadores. Os representantes das duas últimas deverão

ser em igual número e escolhidos livremente pelas organizações que os representam.

O meio jurídico pelo qual a OIT se utiliza para realizar seus objetivos e políticas são as

convenções e recomendações. As últimas têm a função de sugerir normas que poderiam ser

adotadas pelos Estados membros enquanto as primeiras são tratados multilaterais abertos à

ratificação dos Estados membros que, uma vez ratificados, ingressam ao ordenamento jurídico

nacional.

Enquanto as convenções ratificadas são fontes formais de direito, uma vez que são

capazes de gerar direitos, as convenções não ratificadas e as recomendações são meramente

fontes materiais de direito, uma vez que servem apenas de parâmetro ou inspiração para

elaboração de normas jurídicas.

Tanto as convenções como as recomendações exigem a aprovação por dois terços dos

delegados presentes a Conferência. Já as resoluções, utilizadas para resolução de problemas

relativos às finalidades da OIT, devem ser aprovadas por maioria simples, não podendo o total

de votos ser inferior a metade dos delegados presentes a reunião.

No que tange a aplicação da arbitragem aos conflitos trabalhistas, tem-se a

Recomendação n. 92 e a Convenção Internacional n. 154, ambas da OIT, que abordam de

forma sucinta o assunto. Nesse sentido, a Constituição Federal do Brasil, ao prever a

aplicação da arbitragem na seara trabalhista em seu art. 114, § 1º e § 2º, vai de encontro com o

posicionamento da OIT.

Datada de 29 de junho de 1951, a Recomendação n. 92 da OIT demonstra que a

Organização Internacional do Trabalho reconhece o uso do instituto da arbitragem voluntária

na área trabalhista. A partir do momento em que as partes decidem voluntariamente resolver

63

determinado conflito pela via arbitral, a sentença proveniente da aplicação desse instituto deve

ser respeitada pelas partes.

Cabe lembrar, nesse momento, que tal reconhecimento é dado somente para a

arbitragem na forma voluntária, já que a OIT tem condenado o uso da arbitragem obrigatória

por entender que ela desvirtua o próprio instituto da arbitragem, além de enfraquecer os

sindicatos e prejudicar o direito de greve dos trabalhadores.67

RECOMENDAÇÃO N. 92 SOBRE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM

VOLUNTÁRIAS

ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA

Se um conflito com o consentimento das partes envolvidas vier a ser

submetido a arbitragem para uma solução final, estas devem ser estimuladas

a se absterem de greves e locautes enquanto durar a arbitragem e a aceitarem

a sentença arbitral.68

Posteriormente, entrou em vigor no plano internacional em 11 de agosto de 1983, a

Convenção n. 154 da OIT que foi ratificada pelo Brasil e passou a viger no âmbito nacional

somente em 10 de julho de 1993. Preconizando o uso da arbitragem voluntária como uma das

formas de resolução dos conflitos trabalhistas, a Convenção n. 154 expõe, mais uma vez, a

posição favorável da Organização Internacional do Trabalho quanto ou uso da arbitragem na

seara trabalhista e sua ratificação reforça o comprometimento do Brasil, no âmbito nacional e

internacional, em atuar pela não obstrução da aplicação do instituto da arbitragem nos

conflitos envolvendo os direitos do trabalho.

CONVENÇÃO N. 154 – FOMENTO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

I — Aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho

(Genebra — 1981), entrou em vigor no plano internacional em 11.8.83.

II — Dados referentes ao Brasil:

a) aprovação = Decreto Legislativo n. 22, de 12.5.92, do Congresso

Nacional;

b) ratificação = 10.7.92;

c) promulgação = Decreto n. 1.256, de 29.9.94;

d) vigência nacional = 10 de julho de 1993.

Art. 6 — As disposições da presente Convenção não obstruirão o

funcionamento de sistemas de relações de trabalho, nos quais a negociação

coletiva ocorra num quadro de mecanismos ou de instituições de conciliação

67

FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. A Arbitragem e os Conflitos Coletivos de Trabalho no Brasil. São

Paulo: LTr, 1990, p. 36 e 49. 68

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 92. Disponível em:

<http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:31

2430:NO>. Acesso em: 27 set. 2014.

64

ou de arbitragem, ou de ambos, nos quais tomem parte voluntariamente as

partes na negociação coletiva.69

Assim, resta evidenciado, na recomendação e convenção anteriormente expostas, o

reconhecimento, por parte da OIT, do instituto da arbitragem para resolução dos conflitos

trabalhistas desde que de forma voluntária ou facultativa. Da mesma forma, o art. 114, § 1º e

§ 2º, da Constituição Federal, em consonância com a OIT, também traz previsão expressa

quanto à utilização da arbitragem voluntária no campo do Direito do Trabalho, nada citando

sobre a arbitragem obrigatória.

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM NA SEARA

TRABALHISTA

O acesso a uma ordem jurídica justa através do poder judiciário, muitas vezes, esbarra

em restrições econômicas (alto custo dos processos), restrições socioculturais (pouco

conhecimento dos seus direitos), restrições psicológicas (“medo” do judiciário) e restrições

jurídicas / judiciárias (morosidade, excesso de recursos etc.).70

Sendo assim, faz-se necessário, além resolver alguns desses entraves ao poder

judiciário, buscar outros meios para resolução dos litígios que possam maximizar a efetivação

do direito de acesso à justiça.

No que tange a área do direito do trabalho a falta de efetividade do acesso à justiça

ainda ganha mais um agravante. A globalização, acompanhada da disseminação do ideal

neoliberalista de mínima intervenção do Estado na economia, vem agravando o processo de

precarização do trabalho e, consequentemente, provocando um aumento significativo no

número de litígios levados à justiça do trabalho, já que a intensificação da concorrência

empresarial, em decorrência da globalização, levou a uma necessidade global de redução dos

custos de produção, incluindo, aqui, os altos custos decorrentes das garantias trabalhistas

asseguradas em lei. 71

Esse processo de precarização do trabalho faz a tutela coletiva de direitos ganhar

importância cada vez maior em detrimento da tutela individual. O desrespeito aos direitos

69

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 154. Disponível em:

<http://www.oitbrasil.org.br/node/503>. Acesso em: 27 set. 2014. 70

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002; CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,

Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 71

SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento; 2001, p. 40;

FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e soberania.

São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123.

65

trabalhistas passa a ser algo menos pontual para ganhar características mais generalizantes.72

Sendo a arbitragem meio constitucionalmente preconizado (artigo 114, § 1º, da Constituição

Federal) justamente para resolução de conflitos coletivos do trabalho, seu estudo e aplicação

constitui em alternativa viável aos problemas do judiciário.

É nesse contexto que os meios extrajudiciais de resolução de conflitos, principalmente

a arbitragem, ganham importância na atualidade para fazer frente aos diversos entraves que

permeiam o judiciário, principalmente na seara trabalhista, onde o volume de conflitos é cada

vez maior, sobrecarregando a justiça do trabalho e prejudicando ainda mais a efetiva garantia

do direito de acesso à justiça.

4.1 A questão da segurança jurídica no instituto da arbitragem

O sistema judiciário ainda é o principal meio de resolução dos conflitos do trabalho no

Brasil, em boa parte, pela segurança jurídica que ele é capaz de proporcionar aos litigantes,

tendo que seguir, compulsoriamente, aos ditames constitucionais e processuais. Dessa forma,

antes de se falar em arbitragem como alternativa válida para resolução dos conflitos

trabalhistas, deve-se averiguar em que medida tal instituto é capaz de garantir segurança

jurídica aos seus usuários. Para tanto, deve-se analisar a questão em duas vertentes: o respeito,

pela arbitragem, aos princípios legais e a influência da desigualdade entre as partes de uma

relação trabalhista sobre o juízo arbitral.

Com a promulgação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), o instituto recebeu novos

contornos jurídicos, inclusive garantias processuais, sob pena de nulidade da sentença arbitral

quando do seu descumprimento. Dessa forma, o art. 21, § 2º da referida lei institui que “serão,

sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das

partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.73

O Estado delega a um particular, denominado árbitro, parcela de seu poder

jurisdicional, entretanto, impõe certas regras que devem ser respeitadas, sob pena de nulidade

do procedimento arbitral (art. 32 e art. 33, Lei 9.307/96). Salienta-se, contudo, que o uso da

72

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação

das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros

Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,

econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.130. 73

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 72 – 80; CRETELLA

NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei brasileira de arbitragem,

Instituições internacionais de arbitragem, Convenções internacionais sobre arbitragem. Rio de Janeiro: Forense,

2004, p. 93 – 101; FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho.

São Paulo: LTr, 1997, p. 50.

66

força continua sendo monopólio do Estado, uma vez que entregue a sentença arbitral, apesar

de não necessitar de homologação judicial para alcançar validade (art. 18, Lei 9.307/96), sua

execução somente pode ser realizada via judiciário, o único detentor do poder coercitivo (art.

31, Lei 9.307/96).

Percebe-se, portanto, que ao transferir parcela de seu poder jurisdicional a outrem, o

Estado se preocupou em assegurar o cumprimento das regras e princípios processuais e

constitucionais a fim de tornar a via arbitral segura aos que dela desejam fazer uso. Ou seja, a

arbitragem se reveste, praticamente, dos mesmos regramentos do judiciário, a fim de

assegurar a segurança jurídica do instituto.

Sem dúvida, outro fator de insegurança quando se fala na larga utilização da

arbitragem como meio para resolução de conflitos, fundamentalmente na área trabalhista, é a

questão da hipossuficiência dos trabalhadores em relação aos seus empregadores. A

arbitragem, para ser válida, deve decorrer da livre manifestação de vontades. Ocorre que

grande parte dos empregados encontra-se em relação de dependência econômica com seus

empregadores, seja antes de assinado o contrato de trabalho por necessitarem do novo

emprego, seja na constância do contrato de trabalho por dependerem dele para seu sustento.74

Dessa forma, o trabalhador, tanto previamente como na constância do contrato de

trabalho, pode se ver obrigado a assinar cláusula compromissória violando, assim, a

necessária livre manifestação de vontades. É por isso que a justiça trabalhista é tão avessa à

utilização da arbitragem como meio de resolução de conflitos individuais.

ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS.

INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos

representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de

interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores

condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior

parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução

ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a

grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e

empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. No âmbito da

Justiça do Trabalho, em que se pretende a tutela de interesses individuais e

concretos de pessoas identificáveis, como, por exemplo, o salário e as férias,

a arbitragem é desaconselhável, porque outro é o contexto: aqui, imperativa

é a observância do princípio protetivo, fundamento do direito individual do

trabalhador, que se justifica em face do desequilíbrio existente nas relações

entre trabalhador - hipossuficiente - e empregador. Esse princípio, que alça

patamar constitucional, busca, efetivamente, tratar os empregados de forma

desigual para reduzir a desigualdade nas relações trabalhistas, de modo a

74

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no

direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 13-14.

67

limitar a autonomia privada. Imperativa, também, é a observância do

princípio da irrenunciabilidade, que nada mais é do que o desdobramento do

primeiro. São tratados aqui os direitos do trabalho indisponíveis previstos,

quase sempre, em normas cogentes, que confirmam o princípio protetivo do

trabalhador. Incompatível, portanto, o instituto da arbitragem nos

dissídios individuais trabalhistas. Recurso de revista não conhecido." (RR -

551-85.2010.5.09.0411, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta,

data de julgamento: 11/9/2013, 2ª Turma, data de publicação: DEJT

20/9/2013).

Nos conflitos coletivos a situação é a inversa, pois há um envolvimento mais amplo,

inclusive com a participação dos sindicatos, o que extirpa essa relação de hipossuficiência,

além do que, a arbitragem nas tutelas coletivas trabalhistas está sedimentada em previsão

constitucional (artigo 114, § 1º, da Constituição Federal), não gerando contestações quanto ao

seu uso.

Ocorre que, nem sempre, um empregado encontra-se em relação de hipossuficiência

com seu empregador, não sendo este motivo, isoladamente, justificativa para abolir a

arbitragem como meio juridicamente seguro de resolução dos conflitos individuais

trabalhistas. Rescindido o contrato de trabalho, por exemplo, o trabalhador não mais se

encontra em posição de hipossuficiência e pode manifestar livremente sua vontade em

resolver eventuais litígios via procedimento arbitral. Também, executivos, especialistas e

outros profissionais de alto nível hierárquico e remuneratório podem figurar em posição de

igualdade com as organizações empresariais, até mesmo anteriormente ou durante o contrato

de trabalho, sendo válida a opção pela via arbitral nesses casos.75

Ao menos, esse tem sido o

posicionamento observado em alguns julgados.

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – (...) DISSÍDIO INDIVIDUAL

- SENTENÇA ARBITRAL VALIDADE EFEITOS - EXTINÇÃO DO

PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO ART. 267, VII, DO CPC. I -

O art. 1º da Lei nº 9.307/96, ao estabelecer ser a arbitragem meio adequado

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não se

constitui em óbice absoluto à sua aplicação nos dissídios individuais

decorrentes da relação de emprego. II - Isso porque o princípio da

irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de

momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da

admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior

dissolução. III - Nesse sentido, sobressai o relevo institucional do ato de

contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho, em função

75

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,

2010, p. 121; CONFEDERAÇÃO Nacional de Indústria. 101 propostas para modernização trabalhista. Brasília,

2012. Disponível em:

<http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.pdf>.

Acesso em: 10 out. 2013, p. 115.

68

do qual impõe-se realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, visto

que, numa e noutra situação, é nítida a posição de inferioridade econômica

do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual

consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e

incontornável superioridade de quem está em vias de o contratar ou já o

tenha contratado. IV - Isso porque o contrato de emprego identifica-se

com os contratos de adesão, atraindo a nulidade das chamadas cláusulas

leoninas, a teor do 424 do Código Civil de 2002, com as quais guarda íntima

correlação eventual cláusula compromissória de eleição da via arbitral, para

solução de possíveis conflitos trabalhistas, no ato da admissão do trabalhador

ou na constância do pacto, a qual por isso mesmo se afigura jurídica e

legalmente inválida. V - Diferentemente dessas situações

contemporâneas à contratação do empregado e à vigência da pactuação, cabe

destacar que, após a dissolução do contrato de trabalho, acha-se minimizada

a sua vulnerabilidade oriunda da sua hipossuficiência econômico-financeira,

na medida em que se esgarçam significativamente os laços de dependência e

subordinação do trabalhador face àquele que o pretenda admitir ou que já o

tenha admitido, cujos direitos trabalhistas, por conta da sua

patrimonialidade, passam a ostentar relativa disponibilidade. VI - Desse

modo, não se depara, previamente, com nenhum óbice intransponível para

que ex-empregado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para

solucionar conflitos trabalhistas, provenientes do extinto contrato de

trabalho, desde que essa opção seja manifestada em clima de ampla

liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para dirimir possível controvérsia

sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-trabalhador, na esteira do

artigo 5º, inciso XXXV da Constituição. VII - Tendo em conta que no

acórdão impugnado não há nenhum registro sobre eventual vício de

consentimento do recorrido, ao eleger, após a extinção do contrato de

trabalho, a arbitragem como meio de composição de conflito trabalhista,

uma vez que a tese ali sufragada ficara circunscrita à inadmissibilidade da

solução arbitral em sede de dissídio individual,não se sustenta a conclusão

ali exarada sobre a nulidade do acordo firmado pelas partes perante o

Tribunal Arbitral. Recurso conhecido e provido.(...).”(TST – 4 ª Turma -

RR 144300-80.2005.5.02.0040 – Min. Rel. Barros Levenhagem – j.

15.12.2010 – Pub. DEJT 04.02.2011).

Além do mais, a alardeada incompatibilidade entre a arbitragem e os direitos

trabalhistas individuais não se restringe, somente, a essa questão da hipossuficiência. Muitos

veem os direitos individuais trabalhistas como indisponíveis e, portanto, insuscetíveis à

renúncia ou transação, motivo pelo qual não podem ser objeto da arbitragem.

Cabe, portanto, entrar previamente na questão da indisponibilidade dos direitos

individuais trabalhistas para, posteriormente, sugerir solução que amplie o campo de ação da

arbitragem na esfera trabalhista, compatibilizando com a questão da hipossuficiência que

afeta grande parte dos trabalhadores.

4.2 A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas

69

A tese da indisponibilidade dos direitos trabalhistas ganhou força após a promulgação

da CLT, já que ela se coadunava com o contexto histórico de intenso paternalismo estatal

experimentado durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas.76

Entretanto, principalmente nos últimos trinta anos, a sociedade passou por uma

revolução tecnológica nas áreas de comunicação e transporte que impactou diretamente nas

relações trabalhistas. Teve início um processo de terceirização da produção, onde todas as

etapas do processo produtivo não são mais realizadas dentro de uma mesma empresa.

Terceiros são contratados, inclusive em outras partes do globo, para efetuar determinadas

etapas da produção a custos menores, no que se convencionou chamar de Globalização. Isso

se reflete em um aumento significativo da informalidade e da precarização do trabalho,

levando as atuais discussões sobre flexibilização das normas trabalhistas e indisponibilidade

de direitos.77

Primeiramente, no entanto, cabe salientar que a questão da indisponibilidade dos

direitos do trabalho como fator limitante ao uso da arbitragem na área trabalhista não abrange

a tutela dos direitos coletivos, pois, para estes, a arbitragem pode ser utilizada por expressa

disposição constitucional (artigo 114, § 1º, da Constituição Federal). Sendo assim, a

problemática se restringe ao campo dos direitos individuais trabalhistas.

Não é porque a Constituição não prevê expressamente a aplicação da arbitragem nos

dissídios que envolvem direitos individuais que podemos dizer que esta é vedada. Tal

hipótese não combina com o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal) que

prevê não se presumirem proibições da mera omissão da lei.

Tendo o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) limitado a aplicação do instituto

apenas aos litígios que envolvem direitos patrimoniais disponíveis, é necessário analisar se os

direitos individuais trabalhistas são, de fato, indisponíveis, o que impediria a aplicação do

instituto da arbitragem.

Alguns doutrinadores alegam que no supracitado artigo 1º, da Lei de Arbitragem,

devido as dificuldades terminológicas do termo “direitos disponíveis”, seria preferível a

substituição deste por “direitos que possam ser objeto de transação”, assim como faz diversas

76

YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização. Coordenador, José Maria Rossani Garcez; Autores,

Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 91. 77

FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e

soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123; YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização.

Coordenador, José Maria Rossani Garcez; Autores, Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense,

1999, p. 92.

70

legislações estrangeiras, haja vista que o poder de transigir é mais amplo, abarcando tanto

direitos disponíveis como indisponíveis.78

Em que pese tal sugestão, nota-se que a própria Constituição Federal e CLT, em

alguns de seus dispositivos, levam ao entendimento de que os direitos trabalhistas não são

totalmente indisponíveis. A Constituição admite, sob determinadas condições, a redução

salarial (art. 7º, VI) e a alteração, modificação ou compensação da jornada de trabalho (art. 7º,

XIII).79

Já o art. 764, da CLT disciplina o instituto da conciliação, estendendo sua aplicação

tanto aos direitos coletivos quanto aos individuais trabalhistas. Ora, em sendo possível

realizar conciliação nos direitos individuais do trabalho, estes seriam, de certa forma,

disponíveis.80

Na realidade, ocorre que tanto na conciliação como na arbitragem, o objeto efetivo da

transação não é o direito trabalhista em si. O objeto a ser transacionado é, na maioria das

vezes, o direito patrimonial (pecuniário) que surge em decorrência do direito trabalhista,

direito este que é disponível. Sendo assim, os litígios envolvendo direitos trabalhistas acabam

se tornado litígios sobre direitos patrimoniais (pecuniários) disponíveis, atendendo a

exigência prevista no art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96).81

As normas trabalhistas são consideradas de ordem pública e, por isso, não poderiam

ser afastadas pela vontade das partes. Não pode, o trabalhador, renunciar a sua garantia de ter

mínimas condições de trabalho. Ocorre que a apreciação pecuniária desses direitos pode, sim,

ser objeto de transação.82

Sendo disponíveis os direitos patrimoniais que decorrem dos

direitos individuais trabalhistas, poderiam ser eles, em tese, objeto da autonomia de vontade

das partes e, portanto, seriam arbitráveis.

Entretanto, de nada adiantaria postular sobre a disponibilidade dos direitos trabalhistas

individuais, possibilitando, assim, a aplicação do instituto da arbitragem nesses casos, se a

hipossuficiência do trabalhador pode corromper sua livre manifestação de vontade quanto à

78

CRETELLA NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei brasileira

de arbitragem, Instituições internacionais de arbitragem, Convenções internacionais sobre arbitragem. Rio de

Janeiro: Forense, 2004, p. 56 – 57. 79

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,

2010, p. 108-109; YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização. Coordenador, José Maria Rossani

Garcez; Autores, Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 91. 80

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no

direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 08-09. 81

PEREIRA, Ana Lúcia. Considerações sobre a utilização da arbitragem nos contratos individuais de trabalho.

Revista de Arbitragem e Mediação, n. 23, dez. 2009, p. 94. 82

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no

direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 11-12.

71

escolha da via arbitral para resolução de determinado conflito, causando prejuízos ao

trabalhador ou tornando nula a arbitragem.

Sendo assim, é preciso ampliar o escopo de aplicação da arbitragem para fazer frente

aos problemas do judiciário e maximizar o direito de acesso à justiça dos cidadãos, porém,

sem incorrer nos problemas causados pela hipossuficiência do trabalhador.

4.3 O aperfeiçoamento da arbitragem à luz do Código de Defesa do Consumidor

Superada a questão da indisponibilidade dos direitos individuais trabalhistas, a

utilização do instituto da arbitragem como meio de resolução dos dissídios individuais do

trabalho ainda esbarra na questão da hipossuficiência. Ocorre que nos conflitos que envolvem

direitos coletivos trabalhistas, tem-se a participação de outros agentes, como, por exemplo, os

sindicatos, que extinguem a posição de hipossuficiência do trabalhador perante seu

empregador.

Já nos conflitos envolvendo direitos individuais trabalhistas, o empregador,

aproveitando-se da hipossuficiência do empregado, pode coagir este último a resolver o litígio

pela via arbitral obtendo, para si, sentença mais favorável, uma vez que o empregado não se

encontra fortalecido pela presença de seu órgão de classe, tanto para negociar pelo uso da

arbitragem como para fiscalizar sua correta aplicação.

Talvez a resolução para esse problema esteja inserta no Código de Defesa do

Consumidor. Em seu art. 81, parágrafo único, o CDC inclui os direitos individuais

homogêneos, assim entendidos aqueles decorrentes de uma origem comum, no rol dos

denominados "direitos coletivos".

Cabe, nesse momento, lembrar que os direitos coletivos vêm ganhando cada vez mais

importância atualmente, uma vez que a globalização intensifica a concorrência entre as

organizações e gera, dentre outras consequências, uma busca pela redução dos custos de

produção através da precarização do trabalho humano e desrespeito reiterado às normas

trabalhistas. Dessa forma, o descumprimento de certas normas trabalhistas deixa de ser fato

isolado para se tornar algo frequentemente compartilhado por todos os trabalhadores de uma

mesma empresa ou setor. Sendo assim, experimentou-se, nas últimas décadas, um aumento

significativo dos conflitos envolvendo direitos individuais homogêneos trabalhistas,

entretanto, eles não estão devidamente amparados na Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT) que teve sua vigência iniciada setenta anos atrás.

72

Ora, se os direitos individuais homogêneos são abarcados pelos direitos coletivos,

segundo o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, então o artigo 114, § 1º, da

Constituição Federal, pode ser interpretado à luz desse conhecimento, ou seja, se o texto

constitucional dispõe que a arbitragem é aplicável na resolução dos conflitos trabalhistas que

possam ser objeto de negociação coletiva, então se deduz que a arbitragem também pode ser

aplicada aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos do trabalho, já que

integram o gênero dos direitos coletivos.

Assim dispõe os artigos em comento:

Art. 114, § 1º (Constituição Federal) - Frustrada a negociação coletiva, as

partes poderão eleger árbitros.

Art. 81 (Código de Defesa do Consumidor) - A defesa dos interesses e

direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo

individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos

deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular

grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos

os decorrentes de origem comum.

A interpretação do art. 114, § 1º, da Constituição Federal, através do conceito de

direitos coletivos advindo do Código de Defesa do Consumidor possibilita a aplicação do

instituto da arbitragem aos conflitos que envolvam direitos individuais homogêneos

trabalhistas que, em tese, são menos suscetíveis ao problema da hipossuficiência, já que por

pertencerem ao gênero dos direitos coletivos, podem contar com o envolvimento das

organizações sindicais a fim de retirar o trabalhador de sua posição de hipossuficiente. Dessa

forma, seria preferível, nesses casos, que a convenção arbitral se desse por meio de acordo ou

convenção coletiva a fim de não obstar a livre manifestação de vontade do hipossuficiente que

tornaria nula a arbitragem.

Sendo assim, a tese de que por força constitucional a arbitragem não pode ser aplicada

aos conflitos envolvendo direitos individuais trabalhistas não prosperaria em relação aos

direitos individuais homogêneos. Ela somente teria fundamento no que diz respeito aos

direitos individuais puros.

73

Entendendo pela disponibilidade dos direitos individuais do trabalho, requisito

necessário para aplicação do instituto da arbitragem de acordo com a Lei 9.307/96, e pela

interpretação do dispositivo constitucional que trata da arbitragem trabalhista à luz da

definição de direitos coletivos do Código de Defesa do Consumidor, pode-se, ao harmonizar

esses três ordenamentos jurídicos, estender a aplicação da arbitragem aos conflitos que

envolvam direitos individuais homogêneos do trabalho, sem incorrer nos problemas causados

pela hipossuficiência dos empregados. Dessa forma, estar-se-ia ajudando a elevar o grau de

efetividade do direito de acesso à justiça dos cidadãos e fazendo frente a alguns dos

problemas enfrentados pelo judiciário na área trabalhista.

5 PROJETO DE LEI 7108/2014

Transita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7108/201483

que amplia o

âmbito de aplicação do instituto da arbitragem para resolução dos conflitos e dá outras

providências. De autoria do Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto objetiva reduzir

significativamente o crescente número de ações judiciais que sobrecarregam o Poder

Judiciário e ameaça a efetividade do direito de acesso à justiça dos cidadãos.

Em breves linhas, o Projeto de Lei altera alguns artigos da Lei de Arbitragem (Lei

9.307/96) criando, entre outras coisas, a possibilidade da Administração Pública direita e

indireta valer-se do instituto da arbitragem de direito (sendo vedado pelo Projeto de Lei o uso

da arbitragem por equidade neste caso) para resolução de conflitos que envolvam direitos

patrimoniais disponíveis, desde que respeitado o princípio da publicidade.

O Projeto também contempla a utilização da arbitragem nas relações de consumo

desde que o consumidor tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou concorde expressamente

com a sua instituição. Também estabelece o referido texto que a arbitragem interrompe o

prazo prescricional, retroagindo à data do requerimento de instauração da arbitragem, ainda

que ela seja extinta por ausência de jurisdição.

Ademais, permite-se, pelo novo texto, que os árbitros profiram sentenças parciais,

podendo a parte interessada ingressar em juízo para requerer a prolação de sentença arbitral

complementar se o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem.

83

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 7108/2014. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1225529&filename=PL+7108/2014.

Acesso em: 28 nov. 2014.

74

O Projeto de Lei 7108/2014 também prevê que, antes de instituída a arbitragem, as

partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para requerer medida cautelar que perderá sua

eficácia se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta)

dias. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida

cautelar. Poderão também, as partes, requerer a medida cautelar diretamente ao árbitro quando

já instituída a arbitragem.

Ainda segundo o Projeto de Lei, o texto também confere aos árbitros a possibilidade

de expedir carta arbitral a fim de que órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o

cumprimento de ato solicitado pelo árbitro.

Além das alterações na Lei de Arbitragem, o projeto de Lei também altera

significativamente a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) ao admitir a arbitragem

como forma de solucionar conflitos societários mediante aprovação da inserção de convenção

de arbitragem no estatuto social.

Entretanto, a mudança mais relevante trazida pelo Projeto de Lei 7108/2014 para o

presente estudo é a validade da cláusula compromissória em contratos individuais do trabalho,

desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor

estatutário e tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou concorde expressamente com a sua

instituição.

Tal proposta de estender a aplicação da arbitragem aos contratos individuais do

trabalho, mesmo que nas condições específicas anteriormente expostas, reacende a

importância do debate objeto desta obra quanto à necessidade de estender a aplicação da

arbitragem para além dos direitos coletivos do trabalho, alcançando, também, certos conflitos

que envolvam direitos individuais trabalhistas, desde que observados os procedimentos

necessários à manutenção da segurança jurídica e considerando-se a condição de

hipossuficiência do trabalhador, conforme devidamente abordado nos itens precedentes.

Também o Projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro (Projeto de Lei do

Senado nº 166, de 2010), que atualmente aguarda sanção presidencial, ratifica a importância

que o legislativo começa a dar aos meios extrajudiciais de solução de conflitos. Nele, fica

estabelecida a obrigatoriedade de audiência de conciliação e mediação logo após a citação do

réu, antes mesmo de sua contestação, com o objetivo de tornar o processo judicial mais célere.

Somente após frustrada a transação ou manifestado o desinteresse de uma das partes pela

composição consensual é que se tem início a contagem do prazo para contestação (vide arts.

323 e 324 do Projeto de Lei). Nota-se, portanto, a contribuição que os meios extrajudiciais de

75

solução de conflitos têm a oferecer no que diz respeito à celeridade processual e efetividade

do acesso à justiça.

6 O CORPORATIVISMO E OS ENTRAVES À INSTAURAÇÃO DE NOVOS MÉTODOS

DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

No Brasil, encontra-se arraigada uma forte tradição paternalista do Estado que se

irradia por toda a sociedade. A autonomia da vontade sede espaço para o poder Estatal visto

como único meio hábil para impor soluções imparciais e zelar pelo interesse de toda a

coletividade. Os indivíduos entregam toda sorte de demandas para serem solucionadas pelo

Estado, ao qual foi incumbida a missão precípua de defensor e garantidor dos direitos

constitucionais.

Os cidadãos acabam se acomodando e almejam que, unilateralmente, o Estado possa

resolver todos os problemas coletivos e individuais. Ocorre que o Estado, apesar de suas

inúmeras virtudes, vem se mostrando inapto como único meio de resolução dos conflitos e

não mais consegue dar conta da grande quantidade de processos que se multiplicam a cada

dia.84

Essa estatização que permeia o consciente coletivo dos brasileiros, por si só, constitui-

se em grande entrave ao desenvolvimento do instituto da arbitragem por aqui. A arbitragem,

nesse sentido, nada mais é do que uma forma de escapar ao monopólio estatal valendo-se da

autonomia da vontade das partes para por fim a um determinado conflito, ou seja, as próprias

partes envolvidas, sem a intervenção estatal, podem encontrar uma solução para alguns tipos

de controvérsias.

Durante muito tempo esse monopólio estatal na resolução dos litígios levou a

jurisprudência a não reconhecer a eficácia da cláusula compromissória. Dessa forma, o

compromisso de se valer da arbitragem para solucionar conflitos futuros era visto como mera

promessa, sem qualquer efeito vinculante.

A falta de efetividade da cláusula arbitral constituía-se em forte entrave para o

desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Entretanto, passo importante foi dado pela Lei de

84

MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem através dos tempos: obstáculos e preconceitos à sua implementação

no Brasil. Disponível em:

<http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/arbitragem/arbatrtemobspreimpbra.htm>. Acesso em: 07 out

2014.

76

Arbitragem (Lei 9.307/96). Em seu art. 7º ficou instituído, conforme salienta Tânia Lobo

Muniz85

, o caráter obrigatório e o efeito vinculante da cláusula compromissória.

Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à

instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da

outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso,

designando o juiz audiência especial para tal fim.

Dessa forma, caso uma das partes se negue a cumprir a cláusula, a parte prejudicada

pode acionar o poder judiciário para reivindicar o cumprimento do que foi acordado, ou seja,

a resolução do conflito pela via arbitral.

Outro entrave ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil foi a necessidade de

homologação judicial do laudo arbitral para que este pudesse produzir seus efeitos. Isso

tornava a arbitragem excessivamente dependente do poder judiciário prejudicando o seu

desenvolvimento. Entretanto, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), através do seu art. 18,

eliminou mais esse obstáculo ao consagrar o árbitro como juiz de fato e de direito, não

cabendo, assim, recurso ou homologação de sua sentença. Entretanto, a justiça reserva para si

o papel de decretar a nulidade da sentença arbitral nas hipóteses previstas no art. 32 da mesma

lei.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I - for nulo o compromisso;

II - emanou de quem não podia ser árbitro;

III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;

IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;

VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção

passiva;

VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III,

desta Lei; e

VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta

Lei.

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário

competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos

nesta Lei.

Dessa forma, concede-se maior poder aos árbitros e, em decorrência, ao instituto da

arbitragem como um todo. Todavia, o judiciário não se exime do seu papel de garantidor da

justiça quando alguma irregularidade no procedimento arbitral é informada pela parte

prejudicada.

85

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 88.

77

Apesar da Lei de Arbitragem ter levado a superação de alguns dos principais entraves

que obstaculizavam o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, na área trabalhista a não

efetividade da cláusula compromissória e da sentença arbitral ainda são uma realidade. O

poder judiciário ainda insiste em entender pela incompatibilidade entre o instituto da

arbitragem e o Direito do Trabalho a despeito das razões em contrário expostas anteriormente

neste estudo.

Quando o judiciário decide pela inaplicabilidade da arbitragem, seja por considerar

que os direitos trabalhistas são indisponíveis e que não podem ser objeto de arbitragem, seja

por entender erroneamente que sempre haverá relação de hipossuficiência do trabalhador para

com seu empregador comprometendo a livre manifestação de vontade, há um prejuízo muito

significativo ao desenvolvimento do instituto da arbitragem trabalhista no Brasil.

Todo o procedimento arbitral que culmina na sentença arbitral é perdido e um novo

procedimento, desta vez judicial, é instaurado. Dessa forma o monopólio judicial é mantido e

incentivado e a arbitragem deixa de ser vista como alternativa válida para resolução dos

conflitos na seara trabalhista.

Também os advogados podem ser vistos, de certa forma, como entraves ao pleno

desenvolvimento do juízo arbitral brasileiro. Conforme o art. 133 da Constituição Federal, “o

advogado é indispensável à administração da justiça”. Ocorre que em alguns casos, como, por

exemplo, em algumas ações do juizado especial (art. 9º da Lei 9.099/95), ou no juízo arbitral

(art. 21, § 3º da Lei 9.307/96), a assistência de um advogado pode até ser aconselhável, porém

não é obrigatória.

Art. 21, § 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado,

respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no

procedimento arbitral.

Dessa forma, para alguns advogados, difundir a arbitragem não está entre suas maiores

aspirações, já que a inexigibilidade de sua atuação no juízo arbitral poderia significar a perda

de potenciais clientes. Não se pode incorrer no erro de generalizar tal afirmativa, entretanto,

com base no raciocínio anteriormente apresentado tal hipótese deve, ao menos, ser levada em

consideração.

Em suma, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) contribuiu significativamente para

criação de ambiente propício para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Contudo, a

sociedade brasileira ainda não conseguiu se libertar da tradição jurisdicional estatal e, na área

trabalhista, a aplicação da arbitragem ainda não é unanimidade entre os doutrinadores. Sendo

78

assim, o presente estudo pretendeu demonstrar a viabilidade da utilização do instituto da

arbitragem na área trabalhista como forma de efetivar o direito de acesso à justiça dos

cidadãos.

7 A CONTRIBUIÇÃO DA ARBITRAGEM PARA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal do Brasil, ao tratar sobre os

princípios gerais da atividade econômica, exalta a livre iniciativa e o respeito à propriedade

privada, ela, por outro lado, demonstra grande preocupação com a valorização do trabalho

humano, a defesa do consumidor e do meio ambiente e a função social da propriedade. Ou

seja, a garantia de livre iniciativa que os empregadores têm no exercício de sua profissão é

limitada pelo potencial prejuízo que certas atitudes suas podem causar a sociedade ou a alguns

de seus integrantes.

Nesse sentido é o entendimento de André Ramos Tavares ao afirmar que “os

condicionamentos à liberdade de iniciativa (privado-econômica) surgem exatamente na

medida em que se constata a necessidade de garantir realização da justiça social e do bem-

estar coletivo”.86

Assim dispõe a Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos

de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos

casos previstos em lei.

86

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. Ed. São Paulo: Método, 2006, p. 242.

79

Fica, portanto, evidente que o conflito de interesses entre trabalhadores e

empregadores existe e é reconhecido pelo ordenamento constitucional pátrio. A fim de que os

empregadores, na sua busca pelo lucro máximo, não atentem contra os direitos de seus

empregados ou dos demais membros da sociedade, torna-se necessário meio eficaz de

repressão aos abusos porventura comentidos.

Hodiernamente, o meio mais utilizado para harmonizar os interesses dos

empreendedores aos interesses sociais é o poder judiciário a quem foi incumbido o papel de

julgar e punir os abusos praticados. Todavia, principalmente após a revolução industrial,

intensificaram-se de tal forma os conflitos de interesses entre trabalhadores e empregadores

que o poder judiciário brasileiro passou a ter sua eficiência questionada por grande parte da

doutrina. Morosidade, burocracia e elevado custo processual são apenas alguns dos entraves

discutidos no primeiro capítulo deste estudo e que afetam seriamente a prestação jurisdicional

estatal.

Diante de tal panorama, pode-se facilmente deduzir que o aperfeiçoamento da forma

de resolução dos conflitos trabalhistas no Brasil ajudaria sobremaneira no cumprimento dos

princípios da ordem econômica dispostos no art. 170 da Constituição Federal do Brasil. Sendo

assim, a adoção do instituto da arbitragem como opção válida para a resolução dos conflitos

coletivos do trabalho - incluindo nesse conceito também os conflitos individuais homogêneos

- constitui alternativa aos problemas enfrentados pelo poder judiciário, assegurando eficaz e

tempestiva repressão aos abusos praticados pelos empregadores em face de seus empregados

e contribuindo para a realização dos preceitos que regem a ordem econômica constitucional.

Uma forma de resolução dos conflitos mais eficiente é passo fundamental para garantir

que os empreendimentos privados possam, enfim, atender com sua função social,

contribuindo para o bem-estar da coletividade. Ademais, a função social da propriedade como

princípio da ordem econômica serve de fundamento para que o próprio Estado brasileiro

venha a realizar políticas que visem reduzir a desigualdade social e garantir o pleno emprego,

harmonizando com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil dispostos no

art. 3º da Constituição Federal.

Em suma, levando-se em consideração os inúmeros problemas enfrentados pelo poder

judiciário, o instituto da arbitragem seria alternativa válida para efetivação do direito de

acesso à justiça dos cidadãos, garantindo meio repressivo tempestivo para que as atividades

econômicas possam vir a atender com sua função social e, assim, auxiliando o país na

realização dos princípios da ordem econômica dispostos no art. 170 da Constituição Federal.

80

CONCLUSÃO

O acesso à justiça não se faz, tão somente, através do judiciário. Existem outras

formas de se garantir o acesso dos cidadãos a uma ordem jurídica justa. A arbitragem é um

meio extrajudicial de resolução de conflitos que também é capaz de proporcionar acesso à

justiça para os que dela se utilizam.

Tradicionalmente, o judiciário é a principal forma de resolução dos conflitos no Brasil,

incluindo aqueles relativos ao Direito do Trabalho. Entretanto, ele contém verdadeiras

barreiras que impedem os cidadãos de terem seu direito de acesso à justiça efetivado. Cite-se,

por exemplo, os altos custos de um processo judicial que é verdadeiro obstáculo aos cidadãos

de menor poder aquisitivo, o ambiente excessivamente formal em termos de vestes e linguajar

que gera certo receio em acionar o judiciário, a excessiva demora na obtenção da prestação

jurisdicional que desestimula a busca pela justiça, o baixo grau de instrução da população

brasileira que muitas vezes desconhece quando tem um direito seu violado, entre outras.

Dessa forma, apesar do judiciário ser, em tese, acessível a todos, na prática sua

utilização como principal forma de resolução de conflitos acaba por minar o direito de acesso

à justiça dos cidadãos. É exatamente nesse contexto que ganha importância o estudo da

arbitragem. Nesta, a escolha de um terceiro de comum acordo entre as partes para atuar como

arbitro em determinado conflito proporciona inúmeras vantagens em comparação com a tutela

jurisdicional, a saber: celeridade; informalidade; confiabilidade; flexibilidade e sigilo, além de

evitar as barreiras existentes na prestação jurisdicional estatal.

Na área trabalhista a situação é agravada pelo uso, em larga escala, da tutela judicial

individual para resolução dos conflitos. Grande parte dos trabalhadores se vê obrigado a

continuar trabalhando em condições abusivas e/ou inseguras e ingressar com sua ação

trabalhista apenas após o término do contrato de trabalho por temer perder sua fonte de renda

caso ingresse com a ação ainda na constância do contrato de trabalho, correndo, como isso, o

risco de ser atingido pela prescrição.

A possibilidade de aplicação da arbitragem aos conflitos coletivos do trabalho é

unânime entre os doutrinadores por se tratar de disposição constitucional (art. 114, §1º da

Constituição Federal), todavia sua aplicabilidade aos conflitos individuais trabalhistas ainda é

muito questionada.

Mesmo entendendo pela disponibilidade dos direitos individuais trabalhistas, e,

portanto, pela aplicabilidade do instituto da arbitragem, inclusive, aos conflitos individuais, a

aplicação da arbitragem nesses casos poderá ser considerada nula devido ao problema da

81

hipossuficiência que afeta a livre manifestação de vontade do trabalhador, principalmente no

decorrer da relação trabalhista.

Entretanto, através do entendimento do art. 114, § 1º, da Constituição, a luz do

conceito de direitos coletivos do Código de Defesa do Consumidor, pode-se estender a

aplicação da arbitragem, ao menos aos direitos individuais homogêneos que são menos

suscetíveis ao problema da hipossuficiência desde que a convenção arbitral seja devidamente

realizada via acordo ou convenção coletiva, fortalecendo, assim, o trabalhador e retirando sua

condição de hipossuficiente, tornando válida a convenção assinada tanto previamente, como

no decorrer da relação trabalhista ou após seu término.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe para o direito brasileiro a definição

do termo “direitos coletivos”. Segundo o CDC, eles abrangem os direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos. Sendo assim, quando a Constituição Federal dispõe que a

arbitragem é aplicável aos conflitos coletivos do trabalho, deve-se interpretar o termo

“coletivos” em conjunto com a definição de direitos coletivos trazida pelo CDC. Assim

fazendo, não restam dúvidas sobre a legalidade da aplicação da arbitragem também aos

conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos do trabalho. Dessa forma, a

arbitragem somente não abarcaria os direitos individuais absolutos.

Assim, minimizar-se-ia o problema do acesso à justiça trabalhista no país sem

descuidar da questão da falta de segurança jurídica que a aplicação da arbitragem aos direitos

individuais trabalhistas poderia causar. Ademais, a utilização da arbitragem na resolução dos

conflitos trabalhistas faria frente aos problemas enfrentados pelo poder judiciário nacional

contribuindo, sobremaneira, para efetivação dos princípios constitucionais da ordem

econômica na medida em que repreenderia de forma mais célere atos atentatórios aos direitos

dos trabalhadores e consumidores, Possibilitar-se-ia, assim, a construção e uma ordem

econômica mais justa e com viés social conforme estabelecido no art. 170 do texto

constitucional.

82

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir

(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São

Paulo: Paz e Terra, 1995.

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Formas alternativas de solução de conflitos. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001118/texto%20ministra%20seeci

onado-formas%20alternativas%20de%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20conflitos.doc>.

Acesso em: 22 ago. 2013.

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e

possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar: 1993.

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Mediação e arbitragem como meios de solução de

conflitos coletivos de trabalho: Atuação do Ministério Público do Trabalho. In: Revista LTr.

V. 62, n. 3, São Paulo: LTr, 1998.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 1988.

CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho.

Curitiba: Juruá, 2010.

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 1993.

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada

Pellegrini. Teoria geral do processo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CONFEDERAÇÃO Nacional de Indústria. 101 propostas para modernização trabalhista.

Brasília, 2012. Disponível em:

<http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/2012120416014

4687771i.pdf>. Acesso em: 10 out. 2013.

CRETELLA NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem

internacional, Lei brasileira de arbitragem, Instituições internacionais de arbitragem,

Convenções internacionais sobre arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Crise no poder judiciário. Disponível em:

<http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/palavra-do-presidente/2008/113>. Acesso em: 05 mar.

2015.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr,

2013.

83

FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização,

neoliberalismo e soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho.

São Paulo: LTr, 1997.

FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. A Arbitragem e os Conflitos Coletivos de Trabalho

no Brasil. São Paulo: LTr, 1990.

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela

Consolidação das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In:

CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.).

CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social, econômica e jurídica. São Paulo: Atlas,

2013.

HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7. Ed. São Paulo:

LTr, 2009.

MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviatã. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf>. Acesso

em: 08 dez. 2014.

MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem através dos tempos: obstáculos e preconceitos à sua

implementação no Brasil. Disponível em:

<http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/arbitragem/arbatrtemobspreimpbra.htm>.

Acesso em: 07 out 2014.

MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o Projeto de

Lei do Senado 78/92. Disponível em:

<http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/artigos/anoarbraproleisen.htm>. Acesso em:

26 jul. 2014.

MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de direito do trabalho. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2009.

MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MELO, Nehemias Domingos de. Da Justiça gratuita como Instrumento de Democratização

do Acesso ao Judiciário. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1075>. Acesso em: maio 2014.

MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 23ª edição. São

Paulo: Saraiva, 2008.

84

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil

comentado: e legislação extravagante. 9. Ed. São Paulo: RT, 2006.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 154. Disponível em:

<http://www.oitbrasil.org.br/node/503>. Acesso em: 27 set. 2014.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 92. Disponível

em:

<http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INS

TRUMENT_ID:312430:NO>. Acesso em: 27 set. 2014.

PEREIRA, Ana Lúcia. Considerações sobre a utilização da arbitragem nos contratos

individuais de trabalho. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 23, dez. 2009.

REALE. Miguel. Lições preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de

dissídios individuais no direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São

Paulo, 2013. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul.

2014.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento;

2001.

SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das organizações internacionais. 3. ed. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. Ed. São Paulo: Método,

2006.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada

Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords). Participação e

Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização. Coordenador, José Maria Rossani

Garcez; Autores, Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

ZANFERDINI. Flávia de Almeida Montingelli. Desjudicializar conflitos: uma necessária

releitura do acesso à justiça. Disponível em:

< http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:FJetcWdVZCAJ:siaiweb06.univali

.br/seer/index.php/nej/article/download/3970/2313+&cd=14&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>

Acesso em: 22 ago. 2013.

85

ANEXO

LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996.

Dispõe sobre a arbitragem.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e

eu sanciono a seguinte Lei:

Capítulo I

Disposições Gerais

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir

litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na

arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base

nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

Capítulo II

Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo

arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o

compromisso arbitral.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um

contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,

relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta

no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente

tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua

86

instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou

visto especialmente para essa cláusula.

Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão

arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de

acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em

outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.

Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte

interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou

por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento,

convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.

Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se

a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º

desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da

causa.

Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição

da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer

em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o

documento que contiver a cláusula compromissória.

§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação

acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de

comum acordo, do compromisso arbitral.

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após

ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as

disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta

Lei.

§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá

ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do

litígio.

§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do

compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.

§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a

respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.

87

Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver

inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula

compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as

questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato

que contenha a cláusula compromissória.

Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um

litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo

ou tribunal, onde tem curso a demanda.

§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular,

assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a

identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III - a matéria que será objeto da arbitragem; e

IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:

I - local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem;

II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for

convencionado pelas partes;

III - o prazo para apresentação da sentença arbitral;

IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem,

quando assim convencionarem as partes;

V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas

com a arbitragem; e

VI - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros.

Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no

compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal

estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar,

originariamente, a causa que os fixe por sentença.

Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral:

88

I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as

partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto;

II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que

as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e

III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte

interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o

prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.

Capítulo III

Dos Árbitros

Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo

nomear, também, os respectivos suplentes.

§ 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados,

desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do

Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro,

aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.

§ 3º As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos

árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.

§ 4º Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do

tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso.

§ 5º O árbitro ou o presidente do tribunal designará, se julgar conveniente, um

secretário, que poderá ser um dos árbitros.

§ 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade,

independência, competência, diligência e discrição.

§ 7º Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral determinar às partes o adiantamento de

verbas para despesas e diligências que julgar necessárias.

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as

partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os

casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos

deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

89

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da

aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade

e independência.

§ 2º O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação.

Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando:

a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou

b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação.

Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do

art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral,

deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que

será substituído, na forma do art. 16 desta Lei.

Art. 16. Se o árbitro escusar-se antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação,

vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função, ou for recusado, assumirá

seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver.

§ 1º Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão

arbitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invocado na convenção

de arbitragem.

§ 2º Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo

sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista

no art. 7º desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de

arbitragem, não aceitar substituto.

Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam

equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.

Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a

recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Capítulo IV

Do Procedimento Arbitral

Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se

for único, ou por todos, se forem vários.

Parágrafo único. Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral

que há necessidade de explicitar alguma questão disposta na convenção de arbitragem, será

90

elaborado, juntamente com as partes, um adendo, firmado por todos, que passará a fazer parte

integrante da convenção de arbitragem.

Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou

impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da

convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar,

após a instituição da arbitragem.

§ 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos

termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral,

bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes

remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.

§ 2º Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem

prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando

da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na

convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional

ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao

tribunal arbitral, regular o procedimento.

§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal

arbitral discipliná-lo.

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do

contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre

convencimento.

§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a

faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.

§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a

conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir

testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias,

mediante requerimento das partes ou de ofício.

§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora

previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu

rogo, e pelos árbitros.

§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar

depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento

91

da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas

circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade

judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de

arbitragem.

§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.

§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou

cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria,

originariamente, competente para julgar a causa.

§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério

do substituto repetir as provas já produzidas.

Capítulo V

Da Sentença Arbitral

Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo

sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da

instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo

estipulado.

Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito.

§ 1º Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não

houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.

§ 2º O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em

separado.

Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos

indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o

árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário,

suspendendo o procedimento arbitral.

Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou

acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;

II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito,

mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade;

92

III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem

submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e

IV - a data e o lugar em que foi proferida.

Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros.

Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder

ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.

Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das

custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé,

se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.

Art. 28. Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o

árbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença

arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 desta Lei.

Art. 29. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro,

ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por

outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda,

entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.

Art. 30. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência

pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá

solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que:

I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral;

II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se

pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.

Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias,

aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos

efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui

título executivo.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I - for nulo o compromisso;

II - emanou de quem não podia ser árbitro;

III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;

IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;

VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;

93

VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a

decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.

§ 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o

procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo

de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu

aditamento.

§ 2º A sentença que julgar procedente o pedido:

I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e

VIII;

II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais

hipóteses.

§ 3º A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida

mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de

Processo Civil, se houver execução judicial.

Capítulo VI

Do Reconhecimento e Execução de Sentenças

Arbitrais Estrangeiras

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de

conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua

ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida

fora do território nacional.

Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira

está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal.

Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença

arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo

Civil.

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte

interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art.

282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:

94

I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada

pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;

II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada,

acompanhada de tradução oficial.

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou

execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a

submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi

proferida;

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou

tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e

não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou

cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha

sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral

for prolatada.

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução

da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por

arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação

da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de

arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive,

a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira

tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Art. 40. A denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença

arbitral estrangeira por vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, uma

vez sanados os vícios apresentados.

95

Capítulo VII

Disposições Finais

Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de

Processo Civil passam a ter a seguinte redação:

"Art. 267.........................................................................

VII - pela convenção de arbitragem;"

"Art. 301.........................................................................

IX - convenção de arbitragem;"

"Art. 584...........................................................................

III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação;"

Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a

seguinte redação:

"Art. 520...........................................................................

VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem."

Art. 43. Esta Lei entrará em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Art. 44. Ficam revogados os arts. 1.037 a 1.048 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de

1916, Código Civil Brasileiro; os arts. 101 e 1.072 a 1.102 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro

de 1973, Código de Processo Civil; e demais disposições em contrário.

Brasília, 23 de setembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

Este texto não substitui o publicado no DOU de 24.9.1996