O Apocalipse de João como Genero Literario

download O Apocalipse de João como Genero Literario

of 35

Transcript of O Apocalipse de João como Genero Literario

FACULDADES INTEGRADAS TERESA DVILA FACULDADE DE LETRAS

ANA PAULA COSTA DE SOUZA

O APOCALIPSE DE JOO COMO GNERO LITERRIO

LORENA, 2009

ANA PAULA COSTA DE SOUZA

O APOCALIPSE DE JOO COMO GNERO LITERRIOMonografia apresentada Faculdade de Letras das Faculdades Integradas Teresa Dvila como Trabalho de Concluso de Curso. Orientadora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas

LORENA, 2009

S729a

Souza, Ana Paula Costa de. O Apocalipse de Joo como gnero literrio. Lorena: Ana Paula Costa de Souza.- 2009. 32 f. Monografia (Graduao em Letras com Habilitao em Ingls)- Faculdades Integradas Teresa Dvila, 2009. Orientadora: Maria Luzia Dantas 1. Apocalipse de Joo. 2. Literatura. 3. Gnero Literrio Apocalptico. CDU-228:82-1/-9

ANA PAULA COSTA DE SOUZA

O APOCALIPSE DE JOO COMO GNERO LITERRIOMonografia apresentada ao curso de Letras com habilitao em Ingls das Faculdades Integradas Teresa Dvila como Trabalho de Concluso de Curso. Orientadora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Me. Francisco Alcidez Candia Quintana

Profa. Me. Maria Luzia Dantas

___________________________________________________________________

Profa. Me. Snia Maria Gonalves Siqueira

___________________________________________________________________

LORENA, 24 de novembro de 2009

Aos meus pais, pelo incentivo, apoio e carinho. minha av Cida pelos conselhos. tia Cris que muito contribuiu para a minha formao. E ao meu namorado Luiz Paulo, por sempre compreender e acompanhar minha vida acadmica.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre me dar foras e me conceder tudo o que preciso para ser feliz. minha orientadora, Profa. Me. Maria Luzia Dantas, pela dedicao com que orientou este trabalho. Aos meus colegas de curso que contriburam de alguma forma para este trabalho. Profa. Me. Luciani Vieira Gomes Alvareli, pelo grande apoio e por ser um exemplo profissional e humano. Ao Prof. Me. lcio Luis Roefero, pela ateno, gentileza, simpatia e respeito ao prximo. Ao Prof. Dr. Felipe Aquino, pelo esclarecimento de vrias dvidas religiosas. Ao Prof. Dr. Dionsio Oliveira de Soares, pela ateno e entusiasmo com que me ajudou, mesmo sem me conhecer pessoalmente e que mesmo de longe, me possibilitou grande conhecimento acadmico. Ao Prof. Dr. Eduno Jos de Macedo Orione, pelas timas aulas de Literatura e pela educao e respeito com que trata seus alunos.

No comeo a palavra j existia: a palavra estava voltada para Deus, e a palavra era Deus. No comeo ela estava voltada para Deus. Tudo foi feito por meio dela, e, de tudo o que existe, nada foi feito sem ela. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens [...] . Livro de Joo 1:1-4.

RESUMO SOUZA, Ana Paula Costa de. O Apocalipse de Joo como Gnero Literrio. 2009. 32 f. Trabalho de Concluso de Curso (Licenciatura em Letras com habilitao em Ingls) Faculdades Integradas Teresa Dvila, Lorena, 2009. [Supervisora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas] Esta pesquisa apresenta o Apocalipse de Joo como gnero literrio, e por isso esclarece a terminologia literatura atravs de pesquisas bibliogrficas e webliogrficas. A necessidade deste trabalho aparece, quando a autora observa que h pouco conhecimento do gnero literrio apocalptico nos meios acadmicos. Por isso, procura alcanar o objetivo geral de apresentar o Apocalipse de Joo, como um gnero literrio, apontando trs hipteses: a primeira afirma seu texto como literrio, a segunda no literrio, e a terceira um texto que embora no literrio, apresenta aspectos literrios. No entanto, este trabalho desenvolve apenas a primeira hiptese que o classifica como literrio. Assim, fundamenta os vrios conceitos de Literatura e de gneros literrios, principalmente o apocalptico. E como objetivos especficos, para que haja maior compreenso da literatura no livro do Apocalipse de Joo, analisa-se alguns smbolos e cartas apocalpticas, apontando as principais marcas literrias. Desta forma, a autora finalmente considera, que o Apocalipse um gnero literrio, pois possui um texto ficcional, conforme observa na anlise dos smbolos e tambm nas teorias que cita sobre a literatura.

Palavras-chave: Apocalipse de Joo Literatura Gnero literrio apocalptico.

ABSTRACT SOUZA, Ana Paula Costa de. Johns Apocalypise as a Literary Gender. 2009. 32 f. Monograph (Graduation). Letras course. Faculdades Integradas Teresa Dvila, Lorena, 2009. [Supervisora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas] This research shows John's Apocalypse as literary gender, and thats why explains the terminology "literature" through bibliographical researches and also through internet. This work becomes necessary, when is observed that there is little knowledge of the apocalyptic literary gender in the university. Therefore, it tries to reach the general objective that is to present John's Apocalypse, as a literary gender, pointing three hypotheses: the first affirms its text as literary, the second as no literary, and the third a text that although no literary, it presents literary aspects. However, it just develops the first hypothesis that classifies it as literary. Like this, it bases the several concepts of Literature and literary genders, mainly the apocalyptic. As specific objectives it analyzes some symbols and apocalyptic letters, pointing the main literary marks. This way, the author finally considers, that the Apocalypse is a literary gender, because it has a ficcional text, as it observes in the analysis of the symbols and also in the theories that she mentions about literature.

Keywords: Johns Apocalypse - Literature - Apocalyptic Literary Gender.

SUMRIO

1. Introduo...............................................................................................................09 2. Os apocalipses da era judaica e da era crist........................................................11 3. Fundamentao Terica: Gnero literrio apocalptico e a Literatura.................16 4. Anlise do Corpus: Os Smbolos Apocalpticos...................................................21 4.1. A Literatura nas cartas s Igrejas........................................................................24 Consideraes Finais.................................................................................................28 Referncias................................................................................................................29 Anexo A......................................................................................................................31 Anexo B......................................................................................................................32

1. Introduo

A temtica principal deste trabalho envolve a linguagem de um livro da Bblia chamado Apocalipse que foi escrito por Joo, o qual apresenta um discurso altamente metafrico. A partir desta percepo, surgiu uma indagao: este livro pode ser considerado parte da Literatura? Atualmente, encontramos em vrias pesquisas o livro Apocalipse includo em uma condio de gnero literrio, mas se este pertence a um campo religioso, ento por que usado este termo gnero literrio? O que diz Massaud Moiss acerca das definies de Literatura? E o que dizem os grandes estudiosos do gnero literrio apocalptico? A principal questo a ser trabalhada nessa pesquisa consiste na terminologia Literatura quando esta se relaciona ao livro da Bblia chamado Apocalipse. Trs hipteses so cogitadas sobre o livro Apocalipse, a primeira afirma seu texto como literrio, a segunda no literrio, e a terceira um texto que embora no literrio, apresenta aspectos literrios. De acordo com a fundamentao terica desta pesquisa, a primeira hiptese possui maior validade, pois o Apocalipse um livro que apresenta uma linguagem muito rica, e por isso no pode ser considerado apenas um texto com resqucios literrios, e menos ainda um texto no literrio. Durante este trabalho ser explicado o porqu. Esta pesquisa se justifica quando observado que nos meios acadmicos as dvidas relacionadas Literatura e Bblia so muitas. Percebe-se tambm que ao falar do ltimo livro da Bblia, o Apocalipse, muita agitao causada em torno do assunto, principalmente por este livro estar conexo ao grupo semntico de revelao e escatologia. Alm disso, observa-se que pouco se falado sobre o gnero literrio apocalptico e por muitas dvidas e principalmente por causa do pouco conhecimento deste gnero literrio que foi motivado e elaborado este trabalho. O objetivo geral desta pesquisa apresentar o Apocalipse de Joo como gnero literrio e ao mesmo tempo (como objetivos especficos) apontar as marcas

literrias existentes no livro, atravs de alguns smbolos e de algumas cartas apocalpticas. Para isso, foram selecionados alguns livros, revistas e artigos da Internet acerca do assunto tratado. Esta pesquisa est dividida em 4 (quatro) partes. A primeira delas esta introduo. A segunda explicar o que so os apocalipses da era judaica e da era crist, deste modo resumida brevemente a histria do Apocalipse de Joo, para a melhor compreenso do assunto. Na terceira parte, a primeira hiptese deste trabalho fundamentada com as explicaes de gnero literrio apocalptico e de literatura de acordo com diversos autores especializados no assunto. A partir das explicaes sobre Literatura, os smbolos apocalpticos, sero analisados no quarto e ltimo item deste trabalho. Desta forma, chegamos s consideraes finais.

2. Os apocalipses da era judaica e da era crist. Ao se falar do livro Apocalipse deve-se considerar algumas informaes a respeito de seu contexto histrico, como por exemplo, a situao em que foi escrito, uma poca em que a f crist estava sendo colocada a prova pelo Imprio Romano. Este livro originou-se por meio da viso do autor Joo, sendo uma forma de denncia e incentivo ao povo para resistir a fora do Imprio Romano, que praticava o culto ao imperador. Teria sido escrito por volta 81-96 d.C, mais ou menos no fim do reino de Domiciano. Para uns, o apocalipse uma reproduo evangelista relativa ao fim da histria, para outros apenas um marco da crise histrica na f crist. De acordo com Kmmel (1982), ai se constitui um problema teolgico. Richard (1996) afirma que o texto est coligado a marcas do Antigo Testamento, pois sua linguagem no o nico documento escrito do gnero apocalptico, pois houve tambm o apocalipse segundo Daniel no Antigo Testamento, que foi o auge da apocalptica judaica, alm de muitos outros que sero citados no decorrer deste trabalho. Segundo Kmmel (1982), o conceito apocalptico usado para enfatizar um fenmeno acontecido na histria da religio. Seria ento, uma viso religiosa que introduzida por um pensamento escatolgico nico a respeito do mundo, e por um outro prisma pode-se enxergar aspectos encontrados num outro mundo ou num alm-mundo. Para ele, Apocalptico tambm um gnero literrio em que se exprimem ideais sobre o fim da humanidade, tratando - se tambm de um novo fenmeno religioso e literrio que se originou no antigo judasmo, apesar de sua literatura pressupor uma penetrao de elementos estranhos ao judasmo. A partir disso, possvel observar que houve duas pocas em que os apocalipses foram utilizados. A primeira na era judaica e a segunda na era crist, e ainda ser perceptvel que o livro estudado considerado o mais importante das obras apocalpticas de procedncia crist, e o nico presente no Novo Testamento, e que este ainda conserva o nome Apocalipse.

No Antigo Testamento, na era judaica, foram produzidas diversas obras apocalpticas, mas possuam outros nomes ou o nome de seus autores. Como por exemplo, o livro de Daniel, que embora seja um apocalipse, no explcito no ttulo de sua obra. Richard (1996) diz que no apocalipse h muitos elementos violentos, porm esta violncia seria mais literria que real, e diz que o apocalipse une escatologia e poltica, mito e prxis, conscincia e transformao histrica, portanto, no somente viso, catarse ou protesto. Assim como Kmmel, ele define que se chama movimento apocalptico o que sustenta a apocalptica e a literatura apocalptica, sendo este ltimo um universo simblico no qual um movimento apocalptico codifica sua identidade e sua interpretao da realidade. Suas formas lingsticas e estilsticas so muito importantes, e mostram o material extrado das vises do autor, que se auto denomina Joo. Kmmel (1982) ainda salienta que os apocalipses em geral, mostram livros sob pseudnimos, o que torna diferente o ltimo livro do Novo Testamento da Bblia, que foi escrito por Joo, entretanto, na maioria dos livros lidos nesta pesquisa, acerca da identidade do autor revelado que no se sabe ao certo, se Joo o mesmo apstolo, filho de Zebedeu, ou se uma outra pessoa. Mesmo sem a certeza da identidade do autor, sabemos seu nome, e o foco de nossa pesquisa no que este escreveu. Sendo assim, importante ressaltar que a prpria viso de Joo, tambm evolui na forma e no estilo apocalptico. Considerando que no texto existem inmeros aspectos literrios, pois como meios de expresso so usadas cores, nmeros, smbolos e tambm alegorias. Conforme dito anteriormente alguns desses meios de expresso sero analisados no decorrer deste trabalho, para que possamos com clareza entender a questo do Apocalipse de Joo como gnero literrio. Desta forma, as reas do conhecimento as quais se restringe esta pesquisa so as de Literatura e a Linguagem. Scliar (2009) escreve para a revista Lngua Portuguesa sobre as expresses da f Judaica. Seu artigo alerta para a identidade religiosa, lingstica e literria do povo judeu, o que veio contribuir para esta pesquisa como forma de contextualizao da era judaica.

Atravs de seu artigo podemos perceber que historiadores e arquelogos no sabem ao certo informaes a respeito da origem dos judeus. Uns dizem ser originrios da Mesopotmia, a regio entre os rios Tigre e Eufrates, outros, que eram nmades e vinham da pennsula arbica, estabelecendo-se no perodo neoltico, na regio conhecida como Cana. Algo de que eles tm a certeza de que os judeus ao contrrio das outras religies da sua poca, cultuavam a um s Deus, Jav ou Jeov. O termo Bblia grego e significa livros. Para Scliar (2009) a Bblia de fato, antes uma coleo de textos, que comearam a ser escritos provavelmente entre 950 e 850 a.C., e possuem diversos autores, o que se comprova pelos diferentes estilos e tradies. Scliar ainda alerta que o conjunto desses livros foi denominado pelo cristianismo, de Antigo Testamento (AT) e Novo Testamento (NT) e que a maior parte do AT est em hebraico, mas existem partes em aramaico, que era a lngua mais usada no oriente mdio e inclusive por Jesus. Depois de um tempo, foi traduzida ao grego, o que deixou muitos judeus inconformados, pois execravam os gregos, os achavam vulgares por praticarem esportes nus e tolerar o homossexualismo. Ainda para Scliar (2009), o judasmo, possua uma rica cultura, representada na msica, na pintura e, sobretudo no folclore, permeado do chamado humor judaico, melanclico, filosfico, que representava uma forma de defesa contra o desespero. possvel observar tais caractersticas, quando se l os apocalipses escritos naquela poca. Considerando que o auge da apocalptica deu-se em ambientes judaicos. Na era crist tambm apareceram diversos apocalipses, no entanto, so obras apcrifas, por isso aqui ser considerado apenas o apocalipse de Joo que foi includo na Bblia. As informaes adiante so baseadas nas notas explicativas da Bblia de Jerusalm e so referentes ao Apocalipse de Joo. O termo Apocalipse a transcrio de uma palavra grega que significa revelao. Sendo assim, difcil para muitos estudiosos definir exatamente o que separa o gnero apocalptico do gnero proftico, do qual, de certa forma, ele no mais que um prolongamento. A diferena fundamental entre ambos, que no primeiro o profeta tem uma viso e a escreve na maioria das vezes usando simbologias. E no segundo, o profeta ouve a revelao e a transmite na oralidade

diretamente ao pblico. Devido s simbologias a linguagem apocalptica considerada mais complexa que a outra. Nos dois sculos antes de Cristo, os apocalipses tiveram grande atuao nos ambientes judaicos, e foram preparados pelas vises de profetas como Ezequiel e Zacarias, entretanto, o gnero apocalptico foi se desenvolver somente com o livro de Daniel e em obras apcrifas escritas na era crist. A Bblia, em sua segunda parte, no Novo Testamento, aceitou apenas uma obra apocalptica e seu autor Joo estava exilado numa ilha chamada Patmos, por causa de sua f em Jesus Cristo. Muitos afirmam que Joo seria o apstolo, como declarou S. Irineu, Clemente da Alexandria e Tertuliano, no entanto, no sculo V, as Igrejas da Sria, Capadcia e da Palestina, parecem no ter includo o Apocalipse nas Escrituras, pois no consideraram que o livro foi escrito por um apstolo. Quanto data de criao admite-se comumente que tenha sido composto por volta de 95, no ano de Domiciano, porm, outros creem que algumas partes foram redigidas no tempo de Nero, pouco antes de 70. Contudo, ambas teriam sido escritas pelo mesmo autor, mas uma outra pessoa teria juntado ambas escrituras. Seja a poca de Domiciano ou a de Nero sabe-se que o livro foi escrito num perodo de perturbaes e que as cartas enviadas s comunidades (que no livro so expostas), tem o objetivo de animar o povo, sem faz-los desistir, resistindo s perseguies do Imprio Romano ao povo cristo. De acordo com a Bblia estudada, o livro constitui-se a partir de um prlogo, 22 (vinte e dois) captulos e um eplogo. Abaixo segue um breve resumo do contexto do livro. Do primeiro ao terceiro captulo observamos as cartas s igrejas da sia, e assim introduzida uma viso preparatria. As igrejas da sia so feso, Esmirna, Prgamo, Tiatira, Sardes, Filadlfia e Laodicia. Nessas cartas atravs de Joo, Jesus direciona e orienta o comportamento das igrejas e repreende as atitudes de algumas delas. No quarto captulo h vises profticas e uma amostra dos preldios do Grande Dia de Deus, relatando a entrega do destino do mundo ao Cordeiro. No captulo cinco aparecem sete selos que ningum era capaz de abrir, mas no captulo seguinte o cordeiro consegue abrir os sete selos.

No captulo sete explicado que os que servem a Deus sero preservados e tambm mostrado o triunfo dos eleitos do cu. Do captulo oito ao onze h a abertura do stimo selo, e tambm as oraes dos santos que apressam a vinda do grande dia. As sete trombetas so tocadas e anunciada a iminncia do castigo final. Do captulo doze ao quatorze, h a viso da mulher e do Drago. E apresentado tambm, o drago transmitindo seu poder a besta e aos falsos profetas a servio do mal. Depois, o Cordeiro resgata pessoas boas e os anjos anunciam a hora do julgamento. Do captulo quinze ao dezoito, aparecem o cntico de Moiss e do Cordeiro. Assim como, as sete pragas das sete taas e os seus efeitos propagados pelo mundo. mostrado tambm o castigo de Babilnia, a grande prostituta, assim como, o simbolismo da besta e da prostituta. E ainda h um anjo que anuncia a queda da Babilnia. Deste modo, o povo de Deus deve fugir, com as lamentaes sobre Babilnia. Do captulo dezenove ao vinte e dois, so realizados os cantos de triunfo no cu, o extermnio das naes pags. Assim como, o primeiro combate escatolgico e tambm o reino de mil anos, sucessivamente apresentado o segundo combate escatolgico, juntamente com o julgamento das naes e o arqutipo da Jerusalm futura, tal como, a Jerusalm celeste e a Jerusalm messinica. Depois de tudo isso Joo expe as recompensas para quem ouvir as palavras do Senhor e execut-las.

3. Fundamentao Terica: Gnero literrio apocalptico e a Literatura. Nesse captulo, a partir do ponto de vista dos autores que se seguem ser fundamentada a afirmao de que o livro Apocalipse de Joo um gnero literrio. Dessa forma, sero reforadas as idias expressas na primeira hiptese desta pesquisa. Falar da Bblia como Literatura nos meios acadmicos complexo, pois se percebe controvrsias e pouco conhecimento do assunto, porm a maioria dos livros mencionados neste trabalho trata a Bblia como literatura, em especial o livro Apocalipse, pois o mesmo possui um texto literrio, e alm disso um gnero literrio que lhe prprio. Primeiramente vamos definir o que um gnero literrio. McKenzie (1983, p. 378) diz: Sob a designao de gnero literrio so apresentados tipos ou espcies de literatura, que se distinguem uns dos outros pela forma especfica e pela estrutura adaptada ao contedo [...] . O autor tambm apresenta as diferenas entre a poesia e a prosa e revela que estes dois gneros no existem exclusivamente como tais. E afirma que a partir deles surgem subespcies ntidas e precisas; e por isso, o nmero de gneros literrios no param de crescer. McKenzie (1983, p. 379) salienta que: A criao de gneros literrios obra da sociedade, [...] toda obra literria constitui um dilogo entre o autor e a sociedade do seu tempo [...] o gnero literrio s perdura quando a sociedade o assume como seu [...]. O gnero literrio precisa ser valorizado em sua estrutura e em seus elementos formais. Isso vai muito alm de seu contedo, no importa se este pertence ao campo religioso ou no. Soares (apud J. J. Collins 2006, p. 189) faz uma meno sobre isso. Embora seja uma citao longa importante consider-la:Uma forma literria particular pode ser considerada como um gnero independente ou como um subtipo de uma categoria mais ampla. O nvel de abstrao apropriado ao gnero determinado em parte pelo uso comum e em parte pelo grau de coerncia que percebemos dentro de um grupo de textos. Em um certo nvel, as obras que so chamadas de apocalipses

pertencem categoria mito, em qualquer dos vrios sentidos, e.g., como uma histria sobre seres sobrenaturais, ou como uma expresso simblica de intuies bsicas, ou como uma narrativa com propsito de percepes questionadoras. No obstante, o mito uma categoria muito mais ampla do que o apocalipse; assim, o gnero desses textos pode ser definido mais proveitosamente em um nvel menor de abstrao.

Mcginn (1997, p. 508): os apocalipses pertencem a uma forma literria que, categoricamente, requer uma leitura que contenha mais do que o sentido aparente. Soares (2008) afirma que somente no sculo XX a literatura chamada de Apocalptica passou a ter sua importncia intensificada, e essa importncia comeou a crescer quando se constatou sua grande influncia sob o pensamento e a f crist. Tal como Kmmel (1982) observa que este gnero literrio apocalptico , em sua essncia, um fenmeno literrio que aconteceu no judasmo e que cresce em tempos de crise e perturbaes, tal como aconteceu no sculo passado na primeira guerra mundial, no primeiro sculo da Era crist, sob a perseguio aos cristos no perodo do Imprio Romano e tambm na poca macabaica da histria de Israel (sculo II a.C). A partir da revelao proftica e da Histria que vivenciam, este gnero literrio usa vrios smbolos para retratar sua realidade. Soares apud Collins (2008) mostram a importncia de levarmos em considerao que a literatura apocalptica compreende no somente o livro Apocalipse do Novo Testamento (NT), mas tambm o Livro dos Jubileus, Enoque, Esdras, o Livro dos sonhos, Baruque, Apocalipse das semanas, o Testamento de Abrao, o Apocalipse de Abrao, o Apocalipse de Sofonias, o Testamento de Levi, o Livro das sentinelas e o Livro de astronomia e Similitudes. Soares apud Russel (2008, p. 89 ) afirmam que:A palavra apocalptico derivada do substantivo grego apokalypsis, que significa revelao. Entretanto, seu uso, com referncia a esse gnero de literatura, devido com toda probabilidade no ao carter revelatrio dos livros em questo, mas preferivelmente ao fato de que eles tm muito em comum com o Apocalipse do Novo Testamento, com seu linguajar esotrico, sua imaginao bizarra e seus pronunciamentos relativos consumao de todas as coisas em cumprimento das promessas de Deus.

Soares apud Russel (2008) mostra que h muito mistrio em torno da palavra apocalipse, pois a literatura moderna fez com que tal palavra ganhasse a conotao de cataclismo, e isso dificultaria o bom entendimento desse gnero. Contudo, a

palavra Apocalipse foi expresso tcnica que a Igreja Crist utilizou a partir do sculo II d.C., para designar todo o estilo de escrita parecida com o Apocalipse cannico. Soares apud Hanson (2008) afirma que h uma trplice distino no Apocalipse, este se dividiria em gnero (apocalipse), em viso csmica (escatologia apocalptica) e um movimento social (apocalipsismo). Na antiguidade no havia clareza no reconhecimento e na classificao deste gnero e assim foi nomeado de gnero a partir do Apocalipse neotestamentrio, levando em considerao que os apocalipses judaicos abrangeram vrias formas literrias distintas, como vises, preces, legendas, testamentos e outros. Como afirma Soares apud Collins (2008). H quem defina os apocalipses no s como um gnero literrio, mas tambm como um macrognero, do qual se faz necessrio distinguir os diversos tipos literrios que os compem. Tal como faz Klaus Koch em The rediscovery of Apocalypitic, como alerta Soares (2008). Soares apud Hanson (2008, p. 92) vem corroborar com a idia de que os apocalipses possuem textos literrios quando assevera que o apocalipse um gnero literrio que pode ser encontrado ao lado de outros gneros, como o testamento, o orculo de julgamento e de salvao e a parbola. O gnero apocalptico tambm considerado por alguns como um conjunto de subgneros:Os subgneros recorrentes da literatura apocalptica so: comunicao de viso, vaticnio ex-eventu, parneses, gneros litrgicos (bnos, lamento, hinos e oraes), sabedoria natural, estrias, fbulas, alegorias, dilogos, enigmas, mashal ou parbola, interpretao de profecia ou pesharim e previses escatolgicas.

Soares apud Gammie (2008, p. 94) Mas, a definio que mais se familiariza com esta pesquisa, sem dvida a que se segue abaixo, pois explica que o gnero apocalptico uma literatura de carter revelador de um ser de outro mundo para um receptor humano.Apocalypse is a genre of revelatory literature with a narrative framework, in which a revelation is mediated by an otherworldly being to a human recipient, disclosing a transcendent reality which is both temporal, insofar as it envisages eschatological salvation, and spatial insofar as it involves another, supernatural world.

Valdez apud Collins (2002, p. 59)

Para Scliar (2009) a Bblia pode ser lida de trs maneiras importantes, poder ser feita : uma leitura religiosa, histrica ou literria. Para ele, a Bblia uma grande literatura, pois nela h conciso, economia, parbolas e possui grande impacto. Moiss (1973, p.17) diz que A palavra Literatura deriva do latim litteratura, que por sua vez se origina de littera e significa o ensino das primeiras letras, o ensino primrio, da escrita e das letras. Com o tempo tal palavra foi ganhando sentidos diferentes, todos os escritos passaram a ser chamado de literatura. A partir disso, comearam a aparecer diversos conceitos para se empregar a esta palavra. Procurou-se uma definio para tal palavra, mas como Moiss (1973) afirma: dar definies Literatura impossvel. J que segundo ele, as definies pertencem ao campo das Cincias. No entanto, assevera que apenas conceitos so possveis atribuir a literatura, pois os conceitos so decorrentes das impresses subjetivas de cada um. Moiss (1973, p.19) salienta que No de hoje que filsofos, estetas, crticos e historiadores vm procurando conceituar a Literatura dum modo convincente e conclusivo [...] por mais esforos de clarividncia que tenham sido feitos, o problema continua aberto [...] De acordo com Moiss (apud Figueiredo, 1973), toda obra literria precisa ser ficcional. A fico a criao de uma supra-realidade com os dados profundos, singulares e pessoais da instituio do escritor. Desta forma, acredita-se que o contedo do Apocalipse ficcional, pois o autor faz consideraes de sua realidade atravs de smbolos. Tal como afirma Mcginn (1997, p.565):As imagens revelam o curso da histria ou, ao menos, os eventos iminentes do final dos tempos. Um segundo enfoque, mais raro (representado hoje pelo telogo Jacques Ellul) v o Apocalipse como um tratado teolgico cuidadosamente elaborado, que contm uma mensagem moral e uma teologia da histria complexas. Muitos especialistas modernos, entretanto, consideram o Apocalipse de Joo uma apresentao cclica de vises que repetem, ou recapitulam, a mesma mensagem bsica de perseguio presente, destruio iminente dos maus e recompensa dos justos.

Embora o Apocalipse de Joo pertena ao campo religioso, seu discurso ficcional. E para um texto ser literrio, ele deve ser como o Apocalipse considerado: uma obra realizada a partir da fico ou da imaginao. Que no se

entenda aqui, que fico ou imaginao tenha que ser necessariamente mentira, isto , algo feito para enganar, at porque se isso fosse afirmado aqui, seria contraditrio aos ideais cristos, e este no o objetivo deste trabalho. A fico vista como o ato da criao feita a partir da realidade, neste caso com o intuito religioso.[...] A imaginao entendida no apenas no sentido de imaginao difluente, ou fantasia desgarradora da realidade, formada de sonhos, devaneios, vises, etc., mas tambm e principalmente a imaginao transfiguradora do real, na medida em que transforma o dado real e organiza-o dentro de novas snteses e novos sistemas, em resumo, dentro de uma nova realidade com suas leis e normas, as leis e normas prprias do mundo esttico ou da fico.

Moiss (1973, p. 26). Assim, possvel compreender que o Apocalipse repleto de palavras polivalentes. Moiss (1973, p.25): As palavras polivalentes - ou metforas de modo genrico representam deformadamente a realidade. Sendo assim, reforada a idia que o Apocalipse possui um texto literrio. Na mesma pgina ele ainda afirma se entendermos os contedos da fico como compostos das imagens deformadas e transfundidas do mundo real, imediato assentar que fico e imaginao se equivalem, e um termo pode ser perfeitamente tomado pelo outro. Nesta mesma perspectiva, McGinn (1997, p. 581), tambm contribui com a hiptese estudada, quando afirma que o livro Apocalipse uma criao imaginativa, uma obra de literatura, e no um repertrio de verdades acerca do curso da histria e dos eventos do fim. Compreende-se ento, que o Apocalipse no s faz parte da literatura, como tambm traz grande contribuio para a literatura ocidental, mesmo que no seja muito divulgado:O sculo XIX e, especialmente, o sculo XX viram numerosos exemplos dessa tendncia, bem como uma abundncia de estudos sobre a influncia do Apocalipse e a mentalidade apocalptica na literatura ocidental. Em anos recentes, muitos interpretes histrico-crticos do livro descobriram a importncia da crtica literria, e muitos comentrios e estudos agora empregam ao menos alguns elementos das teorias literrias contemporneas.

Mcginn (1997, p. 581)

Finalmente, encerra-se a fundamentao terica desta pesquisa que permite a anlise dos smbolos apocalpticos atravs da teoria literria, sabendo-se que o mesmo possui um texto literrio. 4. Anlise do Corpus: Os Smbolos Apocalpticos. Para que os smbolos expressos no Apocalipse sejam analisados, primeiro preciso conhecer um pouco do imprio daquela poca, posto que a maioria dos smbolos do Apocalipse de Joo est diretamente ligada Histria, como uma representao da realidade. O autor Joo transfigura a realidade que habitual a todos e coloca em sua narrativa elementos simblicos, tal como possvel perceber na divisria das vises feitas no livro de Iniciao Teolgica da PUC-RJ (1996), que mostram a predominncia da simbologia numrica: O primeiro grupo so as sete cartas as Igrejas. O segundo grupo so os sete selos. O terceiro grupo so as sete trombetas. O quarto grupo so os seis sinais no cu. O quinto grupo so as sete taas de clera. O sexto grupo so as sete vozes celestes. O stimo grupo so as vises do fim. O intuito deste tpico no esclarecer todos os smbolos, mas sim, apresentar alguns deles. E atravs do captulo 13 (treze) do livro Apocalipse, estudar seu discurso, mostrando como o mesmo possui vrias mensagens de sentido conotativo. Encontramos nele a presena de smbolos como: a besta, o drago e o cordeiro. Os smbolos escolhidos indicaro a fico literria existente no livro do Apocalipse, revelando-se como um gnero literrio. A Besta No captulo 13 (treze) aparecem duas Bestas, a primeira delas apresentada do primeiro ao dcimo versculo e a segunda do dcimo primeiro ao dcimo oitavo.

O autor do Apocalipse, Joo, narra sobre a primeira Besta: A Besta que vi parecia uma pantera: seus ps, contudo, eram como os de urso e sua boca como a mandbula de um leo. Para explicar como era a Besta, Joo, inventa novas metforas para que se possa entender melhor como era ela. De acordo com Bortolini (1997), os smbolos referentes pantera, o urso e o leo, representariam uma mistura de assombros, incluindo o imprio persa, o medo e o imprio da Babilnia. J para Kraybill (2004), a primeira besta, representa o imprio romano ou o prprio imperador. E ainda afirma que uma figura complexa, extrada das quatro bestas que aparecem na viso de Daniel (7, 1-28). Em Iniciao Teolgica (1996) so apresentadas tais simbologias como sendo fruto de uma linguagem plstica e no mecnica. E quando lemos Ap. (13, 1): A besta com sete cabeas e dez chifres necessrio que compreendamos que a Besta o Imprio Romano, e as cabeas, seus reinos subalternos, e tambm os maiores. E os chifres so os imperadores, aqueles que perseguiam os cristos. A segunda Besta aparece a partir do versculo 11 (onze), quando Joo narra: Vi depois outra besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava como um drago. Para Kraybill (2004), a segunda besta (13, 11-18), representa o sacerdcio que cultuava o imprio, uma instituio surgida na sia menor e que concedia divindades ao Imperador. Em Ap (13, 18) Joo diz Aqui preciso discernimento! Quem inteligente calcule o nmero da Besta, pois um nmero de homem: seu nmero 666. A partir do fragmento exposto acima possvel perceber que Joo deixa claro que escreveu de maneira simblica, provavelmente porque tinha que dificultar o significado real de suas palavras para o no entendimento dos homens do Imprio. Para descobrir quem era o homem de quem Joo falava era necessrio calcular seu nmero:No mundo semita / grego as letras do alfabeto substituam os nmeros. Atribuindo um valor numrico s letras, era possvel descobrir o nmero de homem, no caso, nmero da besta. Somando o valor das letras que compem a expresso Csar Nero, chega-se ao nmero 666. Portanto, para o autor do Apocalipse a Besta Nero, em certa medida, tambm Domiciano, que se iguala a Nero em crueldade.

Bortolini ( 1997, p. 117) muito parecido tal fragmento com o que consta nas notas explicativas da Bblia de Jerusalm (1973, p. 500):

Em grego e em hebraico, cada letra tinha um valor numrico segundo o lugar no alfabeto. O nmero de um nome o total de suas letras, aqui 666 seria CsarNeron (em letras hebraicas). importante ressaltar que parte do livro foi escrito na poca de Nero, e parte no reino de Domiciano. Com uma rica linguagem que remetia anaforicamente aos escritos do Antigo Testamento. Tal como Kraybill (2004) menciona, devemos observar que h intertextualidade com os escritos de Daniel. Kraybill (2004) ainda alerta sobre os aspectos econmicos da viso de Joo e se direciona para os trechos que mostram que quem, na poca, no levasse consigo a marca ou o nome da besta, no poderia comprar ou vender. Isso significa que, o indivduo que no renunciasse ao cristianismo e no prestasse culto ao imperador, deveria sofrer sem direitos ao comrcio. O Drago No captulo 12 (doze) Joo levado aos cus em sua viso, e l v a vitria de Jesus sobre o drago. J no captulo 13 (treze), Joo desce e mostra como o conflito dos cus pode ser refletido no mundo terreno. Na terra, o drago transmite seu poder Besta, deste modo, observa-se que o drago uma figura de poder maior. Segundo Mesters e Orofino (2002), o drago a antiga serpente, que se encarna no Imprio Romano, para que possa seduzi-lo e fazer com que os mesmos faam o mal aos cristos. Por isso, o Drago considerado por muitos o poder demonaco, cuja fora e poder, so passados aos homens, que se tornam cada vez mais poderosos. De acordo com Chevalier (1992), o smbolo do drago pode possuir vrios significados. E estes podem variar de acordo com a cultura em que mencionado. Mas, para o cristianismo, ele observa que os drages representam, em geral, o mal e o dio, alm de estarem relacionados s legies de Lcifer. Algo de muito semelhante explicao dada por Chevalier foi encontrado nas notas explicativas da Bblia de Jerusalm (1973, p. 498): drago uma figura que representa na tradio judaica o poder do mal, hostil a Deus e a seu povo, e que Deus devia destruir no fim dos tempos. Em suma, o drago, representa o poder do mal, que seduz e atinge os homens, fazendo com que eles queiram ser mais poderosos que Deus, neste caso,

os seduzem e os fazem seduzir, e quando no conseguem persuadir o povo cristo, inventam formas de tortura, para que possam se render s vontades do Imprio (a besta), que est iludido pelo poder do drago. O Cordeiro Chevalier (1992) apresenta a figura do cordeiro presente em vrias culturas, mas principalmente no judasmo e no cristianismo. Mostrando que o smbolo do cordeiro est presente em vrias passagens da Bblia, como nos textos de Isaas, de Lucas, de Joo, de Pedro e tambm na carta de Paulo aos Corntios. O smbolo do cordeiro, de acordo com Cirlot (1984) reproduz o significado de um ser puro que sacrificado injustamente. Isso mostra que a Besta tem um falso profeta a seu servio, e que falaciosamente se passa por um cordeiro, um ser da pureza, mesmo que seja mau, pois deste modo pode conseguir o que quer. Chevalier (1992) mostra outras 28 (vinte e oito) citaes da palavra cordeiro no Apocalipse, e todas elas, designam Jesus Cristo. Assim, o smbolo do cordeiro foi utilizado para mostrar o vencedor da morte, o vencedor das foras do mal, o todo poderoso, o divino e o juiz. Em Ap (13, 11) Joo diz Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres como um cordeiro, mas falava como um drago. Segundo Mesters e Orofino (2002), a a Besta seria o reflexo negativo do cordeiro, pois assim como Jesus (o cordeiro), a Besta tambm tinha uma ferida de morte e estava viva. Sendo assim, podemos interpretar que mesmo que se mate um imperador, logo vem outro em seu lugar, pois o sistema sempre se reproduz. Nessa perspectiva, Mesters e Orofino (2002, p.167) ainda asseveram: Na poca de Domiciano, o grande perseguidor, o povo dizia: Ele Nero que voltou a viver! A propaganda do Imprio fazia o povo crer que o imperador era um deus. Diante de vrias citaes sobre a simbologia do cordeiro, considera-se que a maioria dos caminhos bblicos relacionados a esta simbologia, resultaram a uma carga semntica positiva de tal palavra, ao contrrio do que percebemos na anlise dos smbolos do Drago e da Besta.

4.1. A Literatura nas cartas s Igrejas.

Depois da anlise dos smbolos do drago, da besta e do cordeiro, importante apresentar a parte literria das cartas s Igrejas, para que assim seja possvel concluir os objetivos especficos deste trabalho. Por isso, segue abaixo a estrutura das cartas. Jesus encarregou Joo de enviar sua mensagem s sete igrejas (comunidades) da sia menor. No captulo 2 (dois) e 3 (trs), percebe-se que Jesus enviou uma mensagem especial para cada uma delas. Cada carta segue quase o mesmo padro, pois possuem uma saudao ao anjo que representava a igreja; uma descrio de Jesus atravs de palavras polivalentes; comentrios das boas ou ms coisas feitas pelas igrejas; repreenso severa para aquelas que eram ruins; e encorajamento para corrigir o erro (exceto para as igrejas em que nada de mau tinha sido notado). Nessas cartas, a literatura tambm se apresenta, isto , as cartas escritas ao povo so muito mais do que fatos histricos, pois sua linguagem exige uma compreenso que vai alm daquilo que est escrito, pois h uma camada semntica implcita nela. As igrejas que recebem s cartas so: feso, Esmirna, Prgamo, Tiatira, Sardes, Filadlfia e Laodicia. Aqui sero estudadas apenas duas cartas enviadas s Igrejas. Primeiro necessrio esclarecer que no final do sculo I (um), as Igrejas mencionadas eram de fato comunidades crists nascentes, mas que aparecem constantemente em tradues bblicas como igrejas. Sero analisadas as comunidades: Filadlfia e Laodicia, a primeira por ser uma comunidade exemplar e a segunda por ser aquela que no possui nada de bom. O texto das cartas encontram-se nos anexos A e B deste trabalho. Filadlfia (Ver anexo A) McKenzie (1983) diz que a palavra Filadlfia proveniente do grego e significa amor fraternal. importante ressaltar que o nome da comunidade reflete muito em suas atitudes, essa observao necessria, pois Filadlfia era a comunidade exemplar. Filadlfia era conhecida como uma importante cidade da Ldia, situada no caminho entre Sardes e Hierpolis. A cidade era um distrito administrativo de

Sardes. A regio era prspera, porm terremotos eram comuns naquela regio, inclusive foi assim que a cidade foi destruda. J, Mesters e Orofino (2002) afirmam que a cidade era chamada de Filadlfia por causa de seu fundador talo Filadelfo, rei de Prgamo, e passou para o poder romano em 133 (cento e trinta e trs) a.C. No possua nenhuma relevncia militar ou administrativa dentro de sua provncia. Assim como outras cidades gregas havia templos que divinizavam pessoas poderosas da poca, por esse motivo a cidade teria mudado de nome vrias vezes. Ainda de acordo com esses autores, Filadlfia teria se chamado Neo-cesaria e Flvia. O maior templo da cidade era dedicado a Jano, divindade romana, a qual decidia se o ano seria de paz ou de guerra, quando havia paz, as portas de seu templo eram fechadas. Aqui, sero feitas observaes sobre a principal frase que nos mostra o contedo literrio desta carta. Nela observamos o uso da polissemia e da intertextualidade, que constantemente so utilizados em textos literrios: aquele que tem a chave de Davi, o que abre, e ningum mais fecha, e fechando, ningum mais abre. A polissemia ocorre atravs da palavra chave de Davi, a partir dela, os leitores da carta devem refletir sobre os vrios significados que a frase possui. Quando o vocabulrio polissmico, muitas vezes o leitor deve recorrer a textos antigos para verificar de onde surgiu tal expresso utilizada. Desta forma, alm da polissemia tambm ocorre a intertextualidade. Mesters e Orofino (2002, p.75) afirmam que esta linguagem proveniente do livro de Isaas (22, 22): Colocarei a chave da casa de Davi sob a responsabilidade dele: quando ele abrir, ningum poder fechar; quando ele fechar, ningum poder abrir. Atravs da estrutura que compe a carta, pode-se considerar que seu contedo alm de informativo, tambm literrio. Laodicia (Ver anexo B) McKenzie (1983) diz que Laodicia foi fundada por Antoco II, e designada de acordo com o nome de sua esposa, a rainha Laodice. Mesters e Orofino (2002) afirmam que Laodicia era uma cidade importante da Frigia na sia menor. Por causa das guas vulcnicas, destacava-se como centro medicinal com mdicos

famosos e como produtora de pomada para o ouvido e para os olhos, denominada Kolyrion. A riqueza de Laodicia fez com que ela se tornasse auto-suficiente, desse modo desprezando os valores cristos. Observe o que Jesus diz na carta que Joo escreveu: Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueas, vestes brancas para que te cubras e no aparea a vergonha da tua nudez, e um colrio para que unjas teus olhos e possas enxergar. Quando Jesus refere-se ao colrio, mostra-nos uma metfora, pois de nada adiantava o colrio medicinal que a cidade fabricava se os olhos espirituais deles estivessem cegos. E de nada adiantava a importncia da cidade, se a riqueza que vinha de Jesus, eles no possuam. Mesters e Orofino (2002, p. 83) corroboram com esta afirmao quando alertam: [...] mesmo sendo rica em dinheiro, a comunidade de fato infeliz, miservel e pobre [...]. Mesmo vivendo num lugar onde se podia adquirir colrio para os olhos, a comunidade cega. Observando tais informaes, possvel perceber o contedo literrio das cartas, que apesar de fazerem parte de uma realidade histrica, o autor das mesmas, abre um grupo semntico polivalente nelas e a partir da, as transformam em literatura. Portanto, encerra-se a anlise do corpus desta pesquisa, concluindo os objetivos especficos.

Consideraes Finais Depois de apresentar os apocalipses da era judaica e da era crist e retomar os conceitos de Literatura e gnero literrio apocalptico, analisamos alguns smbolos e cartas. Assim sendo, consideramos que no livro estudado, a realidade disfarada com uma linguagem plurissignificativa. E seu autor, faz isso a partir de sua prpria realidade, haja vista que ele capta a profecia que lhe revelada por Cristo e a escreve de modo polivalente, assim, insere todo o seu contexto social. Alm disso, o autor cria uma para-realidade, utilizando smbolos como: o drago, a besta e o cordeiro, que indicam subliminarmente entidades boas ou ms de sua poca. Em suma, ele usa simbologias que deformam o real. E ao analisarmos as cartas Filadlfia e Laodicia, podemos perceber a riqueza da linguagem que as mesmas possuem, por isso estas so muito mais do que simples documentos histricos, elas fazem parte de um livro, que possui um gnero literrio que lhe prprio, o apocalptico. Admite-se ento que, como todo texto literrio, Joo nos mostra a arte da palavra trabalhada. Ento, baseado na fundamentao terica desta pesquisa, j podemos confirmar indubitavelmente a primeira hiptese desta pesquisa: o Apocalipse possui um texto literrio, pois uma obra ficcional. E um texto literrio feito no intuito de copiar a realidade, conforme dito inmeras vezes por Massaud Moiss. Dessa maneira, reafirmamos a relevncia desse gnero para os estudos acadmicos. E por meio desses argumentos apresentamos o livro Apocalipse de Joo como um gnero literrio. Descartamos aqui, todas as concluses de macrognero e subgneros. E finalizamos essas consideraes baseado nas idias extradas diretamente dos livros e / ou artigos de Richard (1996), Kmmel (1982), Soares (2006) e (2008), Valdez (2002), Scliar (2009), McGinn (1997), e indiretamente de Collins, Russel e Hanson que defendem o Apocalipse de Joo como um gnero literrio.

Referncias A BBLIA DE JERUSALM: novo testamento e salmos. Nova edio, revista. So Paulo: Paulinas, 1985. BORTOLINI, Jos. Como ler o Apocalipse: resistir e denunciar. So Paulo: Paulus, 1997. CHEVALIER, Jean. Dicionrio de smbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, nmeros. 6. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1992. CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionrio de smbolos. So Paulo: Moraes. 1984. p.182. KRAYBILL, J. Nelson. Culto e comrcio imperiais no Apocalipse de Joo. So Paulo: Paulinas, 2004. KMMEL, Werner Georg. Introduo ao novo testamento. 2. ed. So Paulo: Paulus, 1982. MAZZAROLLO. Isidoro. Iniciao teolgica: encontro com a palavra viva. Rio de Janeiro: Edio Experimental, 1997. MCGINN, Bernard. Apocalipse ou Revelao. In: ALTER , Robert; KERMODE, Frank. Guia literrio da Bblia. So Paulo: Fundao Editora da Unesp, 1997. p. 563-582. MCKENZIE, John L. Dicionrio bblico. So Paulo: Paulinas, 1983. MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco. Apocalipse de Joo: esperana, coragem e alegria. 2. ed. So Paulo: Paulus. 2003. MOISS, Massaud. A criao literria: introduo problemtica da Literatura. 5. ed. Revista e aumentada. So Paulo: Melhoramentos, 1973. RICHARD, Pablo. Apocalipse: reconstruo da esperana. Petrpolis: Vozes. 1996. SCLIAR, Moacyr.As expresses da f judaica. Lngua Portuguesa, So Paulo, edio especial, p.16-21, 2009.

SOARES, Dionsio O. Hesodo e Daniel: as relaes entre o mito das cinco raas e o sonho da esttua de Nabucodonosor. 2006. 201 f. Dissertao (Mestrado em Teologia)-Faculdade de Teologia, PUC, Rio de Janeiro. ______. A literatura apocalptica: o gnero como expresso. Horizonte, Belo Horizonte, v.7 n.13, p. 88-102, dez. 2008. Disponvel em Acesso em 22 jun.2009. VALDEZ, Ana. A literatura apocalptica enquanto gnero literrio (300 a.C. - 200 d.C.).Revista Portuguesa de Cincia das Religies, Lisboa, v.1, p. 55-66, 2002. Disponvel em http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/10437/238/1/4_ana_valdez.pdf. Acesso em: 04.ago.2009.

Anexo A: Carta comunidade Filadlfia:7

E ao anjo da igreja que est em Filadlfia, escreve:

Assim diz o que santo, o Verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, o que abre, e ningum mais fecha, e fechando, ningum mais abre.8

Conheo tua conduta: eis que pus tua frente uma porta aberta que ningum

poder fechar, pois tens pouca fora, mas guardaste minha palavra, e no renegaste o meu nome. 9 Vou entregar-te alguns da sinagoga de Satans, que se afirmaram judeus, pois mentem; farei com que venham prostrar-te a teus ps, e reconheam que eu te amo. 10 Visto que guardaste minha palavra de perseverana, tambm eu te guardarei da hora da tentao que vir sobre o mundo inteiro, para colocar a prova os habitantes da terra.11 Venho logo! Segura com firmeza o que tens, para que ningum tome a sua coroa.12 Quanto ao vencedor, farei dele uma coluna no templo do meu Deus, e da nunca mais sair. Escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da Cidade do meu Deus - a nova Jerusalm, que desce do cu, de junto do meu Deus e o meu novo nome.13 Quem tem ouvidos, oua o que o Esprito diz s igrejas.

Anexo B Carta comunidade de Laodicia.14

Ao anjo da Igreja em Laodicia, escreve: Assim fala o Amm, a testemunha fiel e15

verdadeira,o Princpio da criao de Deus. quente. Oxal fosses frio ou quente!16

Conheo tua conduta: no s frio nem

Assim, porque s morno, nem frio nem frio e

nem quente, estou para te vomitar de minha boca.17 Pois dizes: sou rico, enriquecime e de nada mais preciso. No sabes, porm, que s tu o infeliz: miservel, pobre, cego e nu!18

Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueas,

vestes brancas para que te cubras e no aparea a vergonha da tua nudez, e um colrio para que unjas teus olhos e possas enxergar. 19 Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Recobra, pois, o fervor e converte-te!20

Eis que

estou porta e bato: se algum ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. 21Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu tambm venci e estou sentado com meu Pai em seu trono. 22 Quem tem ouvidos, oua o que o Esprito diz s Igrejas.

O Apocalipse de Joo como gnero literrio by Ana Paula Costa de Souza is licensed under a Creative Commons Atribuio-Uso No-Comercial-Vedada a Criao de Obras Derivadas 3.0 Brasil License. Further tips for using the supplied HTML and RDF are here: http://creativecommons.org/learn/technology/usingmarkup