O Arquiteto e o Museu

download O Arquiteto e o Museu

of 2

Transcript of O Arquiteto e o Museu

  • 7/31/2019 O Arquiteto e o Museu

    1/2

    Espao Plural Ano VI - N 13 - 2 Semestre de 2005 Verso eletr nica disponvel na int ernet : www.un ioeste. br/ saber

    P r i m e i r o s P a s s o s

    E s p a o P l u r a l

    3 1

    Juliana Monteiro*

    O presente artigo um relato de uma pesquisa de Iniciao Cientfica financiada peloPIBIC/CNPq, iniciada oficialmente em agosto do corrente ano. Entretanto, sua origemremonta ao segundo semestre do ano de 2004, quando, na ocasio da realizao de umtrabalho disciplinar, a autora teve a oportunidade de entrar em contato com alguns dadosrelativos aos primeiros (e interessantes) anos do Museu de Arte Moderna da Bahia. Torna-se necessrio dizer tambm que a leitura do livro Museus acolhem moderno, de MariaCeclia Frana Loureno,1 foi um importante referencial para que as idias fossemtransformadas em um projeto de pesquisa.

    Desse modo, o enfoque do referido projeto direcionado para o processo de criao edesenvolvimento do Museu de Arte Moderna da Bahia na cidade do Salvador,especificamente o perodo de atuao da arquiteta Lina Bo Bardi frente da direo dainstituio, compreendido entre 1959 e 1964. De modo geral, objetivou-se nesta primeiraetapa analisar a trajetria de vida de Lina Bo em relao aos museus, bem comoidentificar outros fatores e sujeitos participantes desse perodo da histria da museologia

    brasileira em particular, a baiana.Lina Bo Bardi e os museus

    Lina Bo Bardi nasceu Achilina Bo, na cidade de Roma, em 5 de dezembro de 1914.Formou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma, indo morar em Miloem seguida, a fim de trabalhar no escritrio do arquiteto Gi Ponti. Em 1943, durante a IIGuerra Mundial, entra para o Partido Comunista e sua casa passa a ser ponto de encontrode intelectuais e artistas italianos. No ano de 1946, Lina Bo casa-se com o jornalista PietroMaria Bardi, vindo com ele logo para o Brasil, onde fixariam residncia. 2 Logo de inciotravam relaes com vrias personalidades, dentre elas o jornalista e empresrio, dono doDirios Associados, Francisco Assis Chateaubriand, que convida Pietro Bardi paraparticipar de uma audaciosa empreitada: o futuro Museu de Arte de So Paulo.

    O envolvimento de Pietro Bardi com o universo dos museus brasileiros acabaalcanando a prpria Lina Bo, que em 1947 torna-se responsvel pela organizao daexposio do Museu de Arte de So Paulo, quando este funcionava na Rua Sete de Abril,no prdio dos Dirios Associados. Em 1957, ela novamente realiza o projeto arquitetnicode um novo prdio exclusivo para o museu, no atual endereo avenida Paulista, que, noentanto, s seria inaugurado em 1968.

    relevante ressaltar alguns aspectos em relao ao projeto do museu, pois algumas dasidias presentes em sua concepo so ilustrativas do pensamento de Lina. A inteno daitaliana que preferia ser chamada simplesmente de o arquiteto Lina Bo - era projetarum edifcio cuja arquitetura comunicasse de imediato sua monumentalidade, atravs deformas simplificadas. Como diria ela mesma a respeito das influncias que o projetosofrera, ele est ligado particularmente s experincias diretas da influncia japonesamuito viva em So Paulo, e no como se dir primeira vista, volumetria racionalista .3

    Tem-se a um ponto crucial para entender a concepo de museu de Lina Bo. Nessesentido, Lina percebia um novo sentido social que [no qual] se constituiu o Museu deArte de So Paulo, que se dirige especificamente massa no informada, nem intelectual,nem preparada.4 A monumentalidade, portanto, era direcionada no simplescontemplao, mas experincia popular, proporcionando assim aquilo que elaentendia como dignidade cvica.5

    O ARQUITETOE O MUSEU:

    Para alm das consideraes sobre as idias de massa no informada,pases de velha cultura e de cultura em incio, que em uma anlisecontempornea poderiam suscitar discusses sobre preconceitos ouetnocentrismos, o que vale destacar a preocupao de Lina Bo com ainstalao de um espao museolgico cujo enfoque estivesse no cartereducativo das exposies ou, ainda, na experincia de aprendizado quequalquer pessoa poderia vivenciar dentro da instituio, independente de suacondio social. Pode-se dizer que tal modo de pensar no a abandonariaquando se engajou na direo executiva do MAM-Ba, anos mais tarde cujoenfoque na valorizao da arte e artesanato produzidos no prprio Nordeste,

    deixava entrever a sua crena na experincia popular, na cultura local comorecursos para o conhecimento da prpria personalidade6 do Brasil.Lina Bo Bardi e o MAM-Ba

    Originalmente, o Museu de Arte Moderna da Bahia surge como umaproposta do ento governador do Estado da Bahia, Juracy Magalhes, e suaesposa, Lavnia. No decorrer do ano de 1959, principalmente a partir dosegundo semestre, ser possvel encontrar diversas notas no Jornal Dirio deNotcias,7 que trazem os nomes de diversos doadores financeiros e obras dearte para o novo museu. Spitzman Jordan Cemmil, banqueiro e industrialresidente no Rio de Janeiro, Fernando S, diretor da Companhia de SegurosAliana da Bahia, so alguns dos nomes que aderiram campanha em proldo MAM-Ba, liderada por Lavnia Magalhes, j presidente da instituio.

    informes depesquisa sobreo perodo Lina

    Bo Bardi noMAM-BA

    (1959-1964)

  • 7/31/2019 O Arquiteto e o Museu

    2/2

    Espao Plur al Ano VI - N 13 - 2 Semestre de 2005 Verso elet rnica disponvel na inter net : www.uni oeste.br/ saber

    Espa

    oPlural-

    32 , portanto, com muito entusiasmo que a lei de criao

    assinada no dia 23 de julho de 1959, ocasio que reneas figuras eminentes da terra, como os polticos partidriosdo governador e senhoras entusiastas da movimentao daprimeira-dama. Entretanto, como ressalta Loureno,8 suainaugurao ocorre em janeiro de 1960, ainda sem umasede prpria, no foyer do Teatro Castro Alves, localizadona regio central de Salvador, com algumas obras doacervo do Museu do Estado da Bahia, cedidas em carterde emprstimo por seu diretor e membro da comissonomeada para a implantao do MAM, Jos Valladares.

    Um outro aspecto a ser ressaltado o surgimento de

    uma srie de fatores que colocariam em ebulio a vidacultural de Salvador e torna possvel uma anlise da redecriativa e inovadora na qual se veriam envolvidos Lina Boe o MAM. Conforme Risrio, a atuao de Edgar Santos,reitor da Universidade da Bahia e destacado incentivador,em particular, das Escolas de Msica e Teatro, e de outrosnomes Glauber Rocha, Martim Gonalves, Agostinho daSilva, Koellreuter, Pierre Verger, - era parte de um contextohistrico, poltico e cultural no qual no s a Bahia, mas oBrasil(...) se colocara inteiro sob o signo da ao,exalando autoconfiana por todos os poros. Tudo pareciavivel. Braslia, Bossa Nova e Poesia Concreta eram osgrandes signos culturais da poca.9

    Portanto, ao assumir a direo do MAM, Lina Bo sealiaria a este circuito de inovaes no cinema, no teatro,na msica e nas artes visuais. Em um outro documentoescrito pela arquiteta, a respeito das suas intenes paracom o museu, fica claro seu objetivo explosivo: este no um Museu, o termo imprprio: o Museu conserva e nossapinacoteca ainda no existe. Este nosso deveria chamar-se:Coleo Permanente. nesse sentido que adotamos apalavra Museu. Compreendendo a dificuldade em gerirum museu de arte moderna, ela tambm se preocupa emdestacar na carta sua compreenso de moderno:

    Passada a poca da revolta contra as correntesreacionrias da arte, cessada a necessidade dochoque , do escndalo, chegamos ao ponto emque a arte moderna aceita por todos, necessriocomear-se a construir considerando encerrado operodo da necessria destruio, sob a pena dese fazer arte das vanguardas retardatrias.10

    Notas

    * Graduanda em Museologia/UFBA. Bolsista deIniciao Cientfica PIBIC/CNPq. Orientadora: Profa.Dra. Helosa Helena F.G.da Costa.1 LOURENO, Maria Ceclia Frana. Lina Bo: ummeteoro no MAM-Ba. In: ---. Museus acolhemmoderno. So Paulo: EDUSP, 1999.2 Conforme dados coletados na pgina na internet:www. institutobardi.com.br. Acesso em: 15/07/2005.3 BARDI, Lina Bo (a). Le nouveau Muse dArt de SoPaulo. s/d, s/n. Arquivos do Setor Tcnico deMuseologia do Museu de Arte Moderna da Bahia.4 FERRAZ, Marcelo. Lina Bo Bardi. So Paulo.Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1993, p. 44.Grifo do autor.5 FERRAZ, op.cit., p.100.6Idem, p.153.7

    O Dirio de Notcias era uma afiliao dos DiriosAssociados, de Assis Chateaubriand. Conformepesquisa realizada com as edies de janeiro aagosto de 1959 do referido peridico baiano,Chateaubriand foi um incentivador da iniciativa docasal Magalhes, e um dos envolvidos na vinda deLina Bo Bardi para a Bahia.8 LOURENO, op. cit., p. 178.9 RISRIO, Antnio. Uma histria da cidade deSalvador. Salvador: Omar G, 2000. p. 237.10 BARDI,Lina Bo (b). Museu de Arte Moderna daBahia. Arquivos do Setor Tcnico de Museologia doMuseu de Arte Moderna da Bahia. s/d, s/n.11 Todas essas informaes foram compiladas a partirde pesquisa em diferentes jornais da poca,encontrados nos arquivos do Servio Tcnico deMuseologia do MAM-Ba.

    Assim, as exposies eram organizadas com diferentes objetivos. Em um primeiroplano, voltadas para exposies didticas, nas quais eram apresentados objetos diversos,

    reunidos sob um determinado tema, a fim de demonstrar sua continuidade histrica queera como Lina designava os modos de transformao e adaptao dos objetos snecessidades da sociedade e do tempo. A promoo de jovens artistas plsticos regionais ede oficinas de msica e desenho para crianas se constituam tambm como outra diretrizda sua atuao.11 Dentre outros feitos, necessrio ressaltar que essas aes no raro eramdesaprovadas pela sociedade conservadora soteropolitana, o que pe ainda em maiorrelevo as iniciativas corajosas e determinadas de Lina Bo.

    Durante sua estadia na Bahia, Lina Bo tambm restaurou alguns casares coloniais,dentre os quais, o complexo arquitetnico do Solar do Unho, construdo entre os sculosXVII e XVIII e tombado pelo IPHAN em 1943. No Solar, ela instalou o Museu de ArtePopular (MAPU), onde procurou promover a valorizao do artesanato nordestino edaquilo que ela compreendia como arte popular, com a finalidade de documentartcnicas e saberes. A inteno da arquiteta era de unir o Museu de Arte Moderna aoMuseu de Arte Popular o que ilustra o tipo de ao educativa desejada por Lina quevisava, desse modo, convergir para um mesmo espao artistas em exposio no MAM eartesos ligados s atividades do MAPU.

    Vale destacar que ao tentar concretizar um espao de comunicao entre esses

    pblicos, Lina projetava nova luz s formas de representao da sociedade que geralmenteexistiam nos museus, ou seja, uma representao focada somente sobre os objetos daselites sociais. Afinal, at ento, artesos, jovens artistas e pessoas comuns possuam umhistrico de pouca ou nenhuma representao dentro dos espaos museais.

    Entretanto, Lina no veria esse projeto ser concretizado, tendo em vista que em 1964,ano que marcou seu afastamento das atividades dos dois museus. Contudo, sua ligaocom os museus e com a rea cultural no se findaria aps a experincia do MAM,interrompida com a instaurao do regime militar. Ela ainda se envolveria com outrosprojetos, como o do SESC Pompia, em So Paulo, da mesma forma que atuariaativamente como incentivadora do cinema, do teatro, da curadoria e das artes plsticas,at seu falecimento em 20 de maro de 1992. Assim, a partir desses dados iniciais,pretende-se desenvolver uma anlise sobre caractersticas da gesto museolgica deinstituies culturais pblicas e privadas.