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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, DA HUMANIZAÇÃO DA PENA E DA EQUIDADE. RICARDO ZIMMERMANN LIMA [Itajaí] , [julho/2006]

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, DA HUMANIZAÇÃO DA PENA E

DA EQUIDADE.

RICARDO ZIMMERMANN LIMA

[Itajaí] , [julho/2006]

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, DA HUMANIZAÇÃO DA PENA E

DA EQUIDADE.

RICARDO ZIMMERMANN LIMA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rogério Ristow

[Itajaí] , [julho/2006]

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AGRADECIMENTO

Agradeço em primeiro, e sobre todas as coisas a meus amados pais, Helson e Salete, à gênesis de

tudo, mentores intelectuais de minha existência. Agradeço do fundo de meu coração à tríade, Laércio, Irene e minha vó Dona Bartira, que

durante anos foram ambos escudeiros em minha batalha. Aproveito oportunamente para agradecer a todos os funcionários do Fórum da Comarca de

Piçarras, em especial a Dra. Viviane Damiani Valcanaia, Cláudio Patrício Santana e Anselmo

Luiz Fagundes, pela atenção e oportunidade que me confiaram. Oportuno também, agradecer aos

amigos Israel Jonas Fleith, pela fraternal amizade, ao Emerson e a Jeanir Jorge Fleith, cuja devoção

as letras me marcou para sempre. Ao meu grande amigo e conselheiro Carlos Alberto de Araújo, por

sua amizade e conselhos. Agradeço também ao meu amigo e advogado Maurício Köche, pelo incentivo e amizade. Também aos meus avós

Ennio e Tereza, paternais devotos de minha vitória. Ainda, ao amigo Vilmarzinho, e toda sua

família. E finalmente, a todos os meus amigos de faculdade, em especial a Rosi (Leninha), que

participou, acompanhou e sempre acreditou em mim, e a todos os professores, em especial ao meu orientador Rogério Ristow, e ao professor

Jefferson Custódio Próspero, com os quais tenho um relacionamento e admiração, mais de amigo

do que de acadêmico.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa, a minha avó, Dona Bartira, que como mãe e apaixonada por minha vitória,

acreditou, investiu e suportou todos estes anos de luta. Também ao tio e padrinho Laércio, a Irene,

que também pagaram o preço durante toda a jornada que ora se finda. Dedico em especial a

meus pais, Helson e Salete, que apesar da distância, nunca deixaram de me apoiar,

independente de limitações, e com amor e paciência, sempre acreditaram na minha vitória e

nos frutos desta conquista. Também a minha irmã Juliana, com quem pouco tenho convivido mas

para a qual devoto um profundo amor e admiração. Dedico ainda aos amigos e

advogados, os Doutores José Elves Morastoni, Marco Antônio Coelho, Fernando Rafael Merini e

Hanelore Mandel, com quem tenho a oportunidade de conviver dia a dia, mentores de

meu crescente conhecimento jurídico, que apostam e acreditam em mim. Em fim, a todos

aqueles de por algum motivo, durante toda esta caminhada, tentaram com sua torpeza e apego

materialista, dar azo a este projeto de vida, dedico a estes minha vitória.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

[Itajaí] , [Data]

Ricardo Zimmermann Lima Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí

UNIVALI, elaborada pel[o] graduand[o] [Nome do Graduando], sob o

título [Titulo da Monografia], foi submetida em [Data] à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e

aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).

[Itajaí] , [Data]

Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca

Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CPP Código de Processo Penal

CP Código Penal

LCH Lei dos Crimes Hediondos

CF Constituição Federal

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ordenamento pátrio

Princípio Constitucional: São fundamentos norteadores inseridos na Constituição

Federal, que devem ser respeitados pelas de mais normas, regras.

Princípio da Individualização da Pena: A individualização consiste em mensurar a

pena de acordo como o caso concreto1.

Princípio da Humanização da Pena: O princípio da humanidade é o postulado

reitor do cumprimento da pena privada da liberdade e consiste no reconhecimento

do condenado como pessoa humana2.

Princípio da Equidade: Desde logo é possível estabelecer que equidade é palavra

tomado do latim aequitas e com a mesma raiz que aequo-a-um e que significa

plana ou liso. Na Roma clássica, aequor designava uniformidade do campo ou do

mar, com raiz proveniente do grego aikos, e que significa semelhante3.

Ordenamento Jurídico: É pois, a unificação lógica das normas e dos princípios

jurídicos vigentes em um país4

Crime: Um fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante

ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de

movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a

1 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA, Jr. Alceu. Pena e Constituição. São Paulo: RT, 1995. p. 30. 2 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2003. p. 46. 3 CUNHA, Maria Inês Moura Santos Alves da. A eqüidade e os meios alternativos de solução

de conflitos. São Paulo, Ltr. 2001. p.21. 4 GUSMÂO,Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

p. 12.

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conseqüente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente

tutelado5

Crime Hediondo: Trata-se de gêneros de crimes de ordem pavorosa e cruel em

face da perversidade de como são cometidos e do elevado grau de repulsa que

causa em toda a coletividade. São crimes hediondos todos aqueles que constam

do rol do artigo 1º da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990.

Direito Penal: Parte do ordenamento jurídico que determina as características da

ação delituosa e impõe penas ou medidas de segurança. Missão da ciência penal

é desenvolver e explicar o conteúdo destas regras jurídicas e sua conexão

interna, é dizer, sistematicamente . Como ciência sistemática estabelece a base

para uma administração de justiça igualitária e justa.6

Lei dos Crimes Hediondos: É dada pela redação da Lei 8.072 de 25 de julho de

1990, que entrou em vigor na data de sua publicação no D.O.U. de 26.7.1990,

sancionada pelo então presidente da república, Fernando Collor de Mello.

Constituição: A lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas

referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de

governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos,

garantias e deveres dos cidadãos7

Inconstitucionalidade: Trata-se da qualidade atribuída a qualquer lei, ato

internacional ou normativo interno de qualquer pais, que venha a contrariar ou

colidir com preceito inserido na Carta Magna, ou ainda, que afronte princípios nela

esculpidos ou adotados.

Pena: É uma punição imposta pelo Estado, a todos os autores de crimes, delitos

ou contravenções, oriundas de um resultado tipificado e da ação penal.

5 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. v.1, Tomo II, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 143.

6 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. 4. ed. Santiago : Editorial Jurídica de Chile, 1997. p. 1. 7 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5.ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas,

1999, p. 34.

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SUMÁRIO

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RESUMO............................................................................................................................XI

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................... 3

DOS PRINCÍPIOS............................................................................................................... 3 1.1 PRINCÍPIOS NO DIREITO BRASILEIRO..................................................................... 3 1.2 DO PRICÍPIO DA HUMANIZAÇÃO DA PENA............................................................. 5 1.3 DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA................................................... 9 1.3.1 ASPECTOS DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. .......................................... 12 1.3.2 FINALIDADE DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ........................................ 17 1.4 DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE ................................................................................. 19 1.4.1 EQUIDADE DE ARISTÓTELES....................................................................................... 20 1.4.2 DA PROBLEMÁTICA NO ESTUDO DA JUSTIÇA E DA EQÜIDADE ....................................... 21 1.4.3 A EQUIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.............................................. 24 1.4.4 DA APLICABILIDADE DA EQUIDADE ............................................................................. 27

CAPÍTULO 2 ..................................................................................................................... 33

DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ................................................................................ 33 2.1 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO .......................................................................... 37 2.2 DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072 DE 25 DE JULHO DE 1990........................................ 41 2.3 EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO ARTIGO 158, § 2º E § 3º. ........................ 42 2.4 ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE (LATROCÍNIO) ARTIGO 157 § 3º. ............................................................................................................................ 45 2.4 RESULTADO DO AUMENTO DA PENA NOS TERMOS DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90. ........................................................................................................................... 47

CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................... 54

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 9º DA LEI 8.702 DE 25 DE JULHO DE 1990. ................................................................................................................................. 54 3.1 O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 FACE AO PRINCÍPIO DA HUMANIDADE .............. 58 3.2 O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 FACE AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA ................................................................................................................................ 60 3.3 A EQÜIDADE COMO INSTRUMENTO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90. ........................................................................................................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 63

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS.......................................................................... 67

ANEXOS ........................................................................................................................... 71

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RESUMO

O movimento de reforma nas leis e na administração da

justiça penal surgido ao fim do séc. XVIII, tem-se chamado de humanitarismo,

pois lança a idéia do respeito à personalidade humana, e se funda em

sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das pessoas submetidas ao

terrível processo penal e ao regime carcerário que então existam. Dentre as

vertentes principiológicas introduzidas pelo Iluminismo, temos o princípio da

humanização da pena, o princípio da individualização da pena e a eqüidade. O

princípio da individualização da pena previsto no artigo 5º, XLVI, da Constituição

Federal, é uma das chamadas garantias criminais repressivas, dividindo-se em

três etapas distintas, ou seja, a individualização legislativa (cominação penal),

individualização judicial (aplicação da pena), individualização executória

(execução da pena). A eqüidade é uma forma de encaixar-se a foto na devida

moldura, ou seja, ajusta o direito ao caso concreto, torneia a norma geral que é

dura e sólida, permitindo amoldá-la a caso por caso. Por derradeira competência

oriunda da Constituição, criou-se em 25 de julho de 1990, a Lei 8.072, conhecida

como a Lei dos Crimes Hediondos. Resultado do afoitismo legislativo em editar a

lei, em função do pânico que atingia algumas castas da sociedade brasileira,

podemos destacar aqui os crimes previstos no artigo 9º da Lei, no qual o

Latrocínio, tipificado no art. 157, § 3 CP com pena de 20 (vinte) a 30 (trinta), e o

de Extorsão mediante seqüestro aludida em sua figura qualificada no artigo 159

§3, com pena de 24 (vinte e quatro) anos e 30 (trinta) de reclusão, terão um

aumento da metade (50%) em suas balizas mínimas. Teremos então duas

situações em que não haverá pena mínima, pois tanto a mínima quanto a máxima

serão de 30 (trinta) anos, em outras palavras, independentemente das

circunstâncias pessoais do agente, bem como do crime que foi praticado, resta ao

juiz aplicar trinta anos de reclusão. Tal artigo fere o princípio da individualização

da pena no seu segundo momento, que é o da individualização judiciária, por não

ter a elasticidade entre pena mínima e máxima para que o Juiz possa dosar a

penalidade na pessoa do infrator.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo a cerca do

artigo 9º da lei 8.072/90 em face dos princípios da individualização da pena, da

humanização da pena e da equidade.

O seu objetivo é chegar ao final da pesquisa, concluindo se

o artigo 9º da lei 8.072/90, confrontado aos princípios da humanidade,

individualização da pena e da eqüidade, é ou não permeado pela

constitucionalidade.

Para tanto, principia se, no Capítulo 1, tratando dos

princípios da Individualização da Pena, da Humanização da Pena, bem como o

instituto da Equidade, aplicados ao item abordado no Capítulo 2, confrontando-os

aos preceitos Constitucionais.

No Capítulo 2, realizar-se-á, uma abordagem histórica,

política e jurídica da Lei 8.072 de 1990, em especial seu artigo 9º, mais conhecida

como a Lei dos Crimes Hediondos ou apenas LHC .

No terceiro e último capítulo, buscar-se-á demonstrar a

inconstitucionalidade do artigo 9º da lei 8.072/90, uma vez confrontado a mesma

com os princípios constitucionais já citados.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais será apresentada uma síntese de cada capítulo,

seguida da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os

Princípios da Individualização e da Humanização da Pena, aplicado ao artigo 9º

da Lei 8.072/90, e sua inconstitucionalidade.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

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Para impulsionar a pesquisa, partiu-se da problemática em

saber se o artigo 9º da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990, é ou não

inconstitucional.

1 Como hipótese inicial, tem-se que o artigo 9º da lei 8.072/90, ou seja, da lei dos Crimes Hediondos, carece de constitucionalidade, por violar os princípios da Individualização da pena, da humanidade.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DOS PRINCÍPIOS

1.1 PRINCÍPIOS NO DIREITO BRASILEIRO

Preambularmente, antes de tratar dos princípios elencados

nesta pesquisa, necessário faz-se uma análise no que tange a limitação dada ao

Direito Penal e Processual Penal, através dos conhecidos princípios

constitucionais, estudo este, indispensável para a realização deste trabalho, uma

vez que a Lei dos Crimes Hediondos, na condição de norma infraconstitucional

deve pautar-se em tais princípios.

A Constituição Federal de 1988 figura em nosso meio como

norma fundamental, no âmbito de todo nosso ordenamento jurídico.

Porém, antes mesmo, antes de tratarmos de princípios

constitucionais, necessitamos Buscar um conceito para a categoria princípio e

analisar a sua natureza jurídica a fim de que estabeleçamos uma clara noção de

sua reputação junto ao ordenamento jurídico pátrio.

Investigando o conceito de princípio, em específico para a

Ciência Jurídica, tem-se em Paulo Bonavides8:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considera como determinante de uma ou muitas outras subordinadas, que

pressupõem, desenvolvimento e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ou contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 230

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Tem-se focado no sentido de que a palavra princípio é

equivocada, dada sua diversidade de sentidos, podendo representar uma

acepção de começo, início ou até ponto de partida.

Note-se contudo, que não é neste sentido normativo que se

alcança a palavra princípio no que tange as garantias fundamentais do Título I da

Constituição, no qual, verdadeiramente temos exprimido a idéia de mandamento

nuclear de um sistema, nas palavras de José Afonso da Silva9 temos:

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistema de normas, são núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais.

Pilar fixador dos bens e valores jurídico-políticos que o

constituinte resolveu conceder a qualificação de supremos, máximos, originador

ou gênesis, quando comparados aos demais ordenamentos pátrios.

Desta forma, não permitindo outro entendimento, a Lei Maior

constitui a norma mais importante do ordenamento jurídico, legitimando o direito

estatal posto e ordenando o sistema jurídico, estabelecendo como ponto de

partida para a vida das demais leis de cunho infraconstitucionais.

Tem-se, portanto, que os princípios comportam no pilar

central de toda a estrutura e ordenamento jurídico, devendo ser seguidos como

norteadores de todo o ordenamento jurídico.

A Constituição, como vínculo estrutural entre a política e o direito, tem por finalidade garantir a "legitimidade" jurídica do Estado, dotando o sistema jurídico: da abertura cognitiva indispensável para tornar próxima da realidade social o padrão de comportamento comunicado pelas esferas estatais; e do fechamento operacional necessário para a criação e auto-reprodução do direito positivo no Estado.10

9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Malheiros. 1999. p. 96. 10 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica. 1998. p. 63.

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O vocábulo princípio traz a idéia de início, começo, fonte,

origem, seria a causa primária. Juridicamente seriam as proposições

fundamentais que embasam as ciências, verdades gerais que vinculam,

consideradas normas jurídicas vigentes, válidas e obrigatórias.

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um

sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica da racionalidade do

sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

O princípio encerra uma diretriz sendo mais amplo que uma

regra. A violação daquele é suscetível de conseqüências bem mais sérias e

complexas do que a transgressão de uma regra. A não observância principológica

não compreende apenas a ofensa de um específico mandamento obrigatório, mas

se insurge contra todo o sistema, destoa de seus valores fundamentais.

Os princípios gerais do direito são preceitos que superam o

sistema positivo escrito e as práticas sociais, eles trazem uma idéia de trato

sucessivo, i.e., perduram no tempo, refletindo uma base sólida e permanente do

direito.

1.2 DO PRICÍPIO DA HUMANIZAÇÃO DA PENA

Com efeito da diminuição até a extinção da autotutela e da

vingança pessoal, tem havido uma constante mudança na maneira de se pensar

sobre nefasta inquisição que outrora submeteu-se a sociedade.

Dado este efeito, o princípio da humanidade no direito penal

moderno, deve-se principalmente aos movimentos pretéritos dos séculos XVII e

XVIII, mais conhecido como Iluminismo, que passaram a ventilar a existência dos

direitos humanos, tendo como base a própria condição humana.

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Ainda neste período, os Iluministas depositavam num grande

pacto social, culminado com a criação do Estado, como forma de salvaguardar e

assegurar os direitos humanos11.

Segundo Luiz Luisi12, ao estudar o Iluminismo e suas

conseqüências, assim assevera:

Com a criação efetiva do Estado preconizado pelo iluminismo, ou seja, como o aparecimento do Staatsrecht, o elenco dos direitos humanos passou a integrar o instrumento jurídico do pacto social,

ou seja,, as Constituições. E nestas se insere, como prerrogativa individual, o princípio da humanidade.

A constituição italiana em seu art. 27, n. 2, dispõe que a

pena não pode consistir em tratamento contrário ao senso de humanidade . Já a

Carta de Portugal, art. 24, ns. 1 e 2, fulmina: a vida humana é inviolável. Em caso

algum haverá pena de morte .

Por sua vez, nosso papiro pátrio aglutinou o pilar da

humanização da pena, na Constituição de 1988, donde alude-se em vários

tópicos no artigo 5º da carta, senão vejamos:

XLIX

é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L

às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

XLVII não haverá penas:

11 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral. 16 ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: forense, 2003. p. 47/49 12 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2003. p. 47.

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de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

Insta ainda que o princípio da humanização da pena, não

tem seu caráter exclusivamente constitucional, sendo ainda trabalhado na Lei

7.210, de 11 de julho de 1984, mais conhecida como a lei de execuções penais.

Neste vértice temos em Dotti13 a proverbial cautela:

A destruição da vida humana e a supressão eterna da liberdade negam, aprioristicamente, o valor do Homem como esperança de

redenção e caracterizam reação desproporcionais ao delito, convertendo a pena em instrumento de terror.

Com incontestável autoridade intelectual e profunda honestidade científica, Hilde Kaufmann acentua que a tendência humanizadora na execução das reações penais não põe em perigo o ordem e a segurança pública.

No seu artigo 40 a norma supracitada dispões que impões-

se a todas as autoridade o respeito à integridade física e moral dos condenados e

dos presos provisórios , e no artigo seguinte elenca vários direitos dos presos.

Nesta constante, inóspito entendimento extraído do corpo de

acórdão de Recurso de Agravo n. 98.008071-1, de Lebon Régis, cujo relator Des.

Álvaro Vandelli, sabiamente assevera:

No particular, contrariando-se consagrada sistemática alusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras gerais

do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se entre cidadãos não a partir das condições sócio-psicológicas que

lhes são próprias, mas do episódio criminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cuja formalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da

13DOTTI, René Ariel. Reforma Penal Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 352/358

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humanização da pena que o regime do particular, contrariando-se consagrada sistemática alusiva à execução da pena, assentou-se

a impertinência das regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se entre cidadãos não a partir das

condições sócio-psicológicas que lhes são próprias, mas do episódio criminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cuja formalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais e que, por isso

mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada ressocialização.

Nesta corrente, que defende o princípio da humanização da

pena, temos em Luiz Vicente Cernicchiaro, definiu o ser humano frente a pena ao

assim aclarar a vida é perversa em atenção ao homem. Não se pode pensar o

homem sem integridade anatômica e funcionamento fisiológico14 .

Ademais, é através da forma de punir que se verifica o

avanço moral e espiritual de uma sociedade, não sendo admitido, pois, em pleno

limiar do séc. XX, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição do

homem, sujeitos de direitos fundamentais invioláveis15.

Cesare Baccaria, em sua célebre obra Dos Delitos e das

Penas16, já apontava para princípios humanísticos:

Afim de que o castigo surta o efeito que se deve esperar dele, basta que o mal causado vá além do bem que o culpado retirou do crime. Devem ser contados ainda como parte do castigo os terrores que antecedem a execução e a perda das vantagem que o delito devia produzir. Qualquer excesso de severidade torna-a supérflua e , portanto, tirânica.

14 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 192 15 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Constituição. São Paulo: RT. 2003. p. 32/32 16 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 50.

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Em conseqüência, o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista

e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, como se

expressa o Preambulo, constituem meios para efetivar o ideal de respeito e

valorização do homem17.

É claro que para a sincera aplicação da medida criminal,

devera o preclaro julgador atender ao princípio do livre convencimento motivado,

e portanto, sobrestar de modo fundamentado seu deciso, senão vejamos, "(..)

Então, a validade da 'pesagem' de cada circunstância judicial pressupõe a

existência nos autos de informações objetivas que a sustentem. Daí porque deve

o magistrado registrar na sentença, com indisfarçável clareza e objetividade, a

respectiva fonte probatória, de modo que o procedimento de individualização da

pena não espelhe laboriosa, mas desarrazoada criação mental18 .

1.3 DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O movimento de reforma nas leis e na administração da

justiça penal surgido ao fim do séc. XVIII é resultado do extraordinário movimento

de idéias que constituiu o chamado Iluminismo.

Tal expressão refere-se ao movimento cultural surgido no

séc. XVIII, pelo qual pensadores e publicistas de várias tendências, fundados nas

concepções filosóficas que resultavam do empirismo e do ceticismo e nas

grandes descobertas científicas, deram notável impulso ao livre pensamento em

sede de políticas criminais e sociais.

17 DOTTI, René Ariel. Reforma Penal Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 332. 18 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 188

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A consagração do princípio da humanidade do direito penal moderno, deve-se ao grande movimento de idéias que dominou o

século XVII e XVIII, conhecido como iluminismo. Os arautos do pensamento iluminista advogavam a transformação do Estado,

partindo de duas idéias fundamentais. De um lado a afirmação da existência de direitos inerentes a condição humana, e de outro lado a elaboração jurídica do Estado como se tivesse origem em um contrato, no qual, ao constituir-se o Estado, os Direitos humanos seriam respeitados e assegurados. Daí um direito penal veiculado a leis prévias e certas, limitadas ao mínimo estritamente necessário, e sem penas degradantes. Com a criação efetiva do Estado preconizado pelo iluminismo, ou seja, como o aparecimento da Staatsrecht, o elenco dos direitos humanos passou a integrar o instrumento jurídico do pacto social, ou seja,

as Constituições. E nestas se insere, como prerrogativa individual, - ale, do princípio da legalidade dos delitos e das penas, da

pessoalidade e necessidade da penas, e outros, - o princípio da humanidade . Na nossa Constituição Federal de 1988 consagrou em diversos dispositivos o princípio da humanidade. No inciso XLIX do art. 5º está disposto que é assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral , e no inciso seguinte está previsto que as presidiárias serão asseguradas as condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação.19

Ao movimento de reforma e de mudança do pensamento,

tem-se chamado de humanitarismo, pois lança a idéia do respeito à personalidade

humana, e se funda em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das

pessoas submetidas ao terrível processo penal e ao regime carcerário que então

existam. Surgem assim, como idéias básica do Iluminismo, em matéria de justiça

penal, a proteção da liberdade individual contra o arbítrio judiciário, a abolição da

tortura, a abolição ou limitação da pena de morte e a acentuação do fim estatal da

pena, com agastamento das exigências formuladas pela Igreja ou devidas

puramente à moral, fundadas no princípio da retribuição.20

19 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. p. 47/48. 20 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral. 16 ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: forense, 2003. p. 47/49

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Dentre as vertentes principiológicas introduzidas pelo

Iluminismo, temos o princípio da humanização da pena, o princípio da

individualização da pena e a eqüidade.

Sabe-se que nos tempos contemporâneos, novo rumo tem

direcionado o Processo Penal de forma que a determinação de penalidade é

aquela que o juiz realiza para fixar a sanção aplicável ao agente pelo ilícito

penalis por ele praticado, ao qual declara o merecimento de determinada pena em

concreto, fazendo-se presentes as duas idéias que comandam a determinação

da pena: a reprovação pelo malefício praticado e prevenção do crime21 .

Isto posto, sendo a pena atrelada ao princípio da

individualização, ainda mais como garantia constitucional do condenado, deverá

estar revestida da máxima nos termos da legalidade e objetividade em seu

quantum, a fim de que sejam prevenidos eventuais males do capricho judicial.

A legislação pátria impõe limites ao poder discricionário do

julgador no que concerne a aplicação da pena através do princípio da

individualização da pena, amparando o direito de que ninguém pode ser punido

por conduta alheia, e que a pena não pode passar da pessoa do infrator, devendo

esta ser individualizada em cada caso, não só no memento da sua cominação,

como também no decorrer da execução.

É a norma constitucional, do Direito Brasileiro, em seu artigo

5º, XLVI, que aloca o princípio da individualização da pena, adotando para tanto:

a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação

social alternativa; e) suspensão condicional ou interdição de direitos

O artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, prevê a

individualização da pena, sendo que sua garantia e limites estão disciplinados em

lei ordinária que faz previsão de condutas tidas como ilícitas, atribuindo a cada

uma o limite mínimo e máximo de pena a ser aplicado.

21 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral. 16 ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: forense, 2003. p. 401/406.

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O acolhimento do sistema do due process of law pela

legislação brasileira estabelece o direito de o condenado saber as razões da

quantificação da pena que lhe foi imposta, devendo o Juiz fundamentar

devidamente seu raciocínio na imposição de pena ao infrator. O artigo 5º, XLVI,

da Constituição Federal, prevê a individualização da pena, e sua garantia e limites

estão disciplinados em lei ordinária que faz previsão de condutas tidas como

ilícitas, atribuindo a cada uma o limite mínimo e máximo de pena a ser aplicado.

Aparentemente simples, o princípio enseja inúmeras e

inabaláveis considerações, aplicando assim, via imperativo constitucional o leque

de opções do legislador para aplicabilidade da cominação legal.

Com a rubrica fixação da pena, este artigo 59 traça as

principais regras que devem nortear o juiz no cumprimento do princípio

constitucional a individualização da pena (CR/88, art. 5º, XLVI)22.

1.3.1 Aspectos do princípio da Individualização da Pena.

Como forma de entendimento da pena, esta se divide em

dois aspectos diferentes, o primeiro é o formal e num segundo plano no aspecto

substancial.

Entrementes, a Constituição Federal Brasileira consagrou,

em seu artigo 5º, XLVI, o princípio da individualização da pena, que divide-se em

três etapas: individualização legislativa (cominação penal), dita formal,

individualização judicial (aplicação da pena), individualização executória

(execução da pena), ditas, estas últimas, substanciais.

Segundo Shecaira23, ao tratar da individualização da pena:

A individualização consiste em mensurar a pena de acordo com o caso concreto. Destarte, o princípio da individualização encontra eficácia em dois momentos distintos, quais sejam, o legislativo (quando a pena é cominada) e o judicial (quando o condenado é tratado de forma diferente, de acordo com o crime que cometeu).

22 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6 ed. atual e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 109. 23 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA, Jr. Alceu. Pena e Constituição. São Paulo: RT, 1995. p. 30.

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Ainda neste sentido temos no ensinamento de Carmen Silvia

de Moraes Barros:24

O direito penal enfrenta o indivíduo ameaçando, impondo e

executando penas, e esses distintos estágios de sua realização se estruturam uns sobre os outros, cada etapa recebendo os

princípios da precedente. Daí afirmar-se que a individualização da pena é feita em três momentos, distintos, porém integrados, quais sejam: da individualização legislativa, da individualização judicial e

da individualização executória.

Constata-se a pena, em sua divisão formal, aquela que é

descrita pelo legislador, donde por imperativo da lei, fixa para cada tipo penal uma

ou mais penas proporcionais a importância do tutelado e de sua gravidade.

Nesse norte, a previsão abstrata da sanção penal se dá na

individualização legislativa, dentro das margens penais escolhidas pelo legislador.

A individualização da pena no âmbito judicial se dá no momento em que o

Estado-juiz procede a dosimetria de pena. Já na execução penal diz respeito ao

cumprimento do disposto na sentença e opera-se no âmbito administrativo, como

por exemplo, para a concessão de certos benefícios legais.

Este é também o ensinamento de Mirabete25, para quem:

(...) a individualização é uma das chamadas garantias criminais repressivas, constituindo postulado básico de justiça. Pode ser ela

determinada no plano legislativo, quando se estabelecem e se descriminam as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas

(individualização in abstracto), no plano judicial, consagrada no emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de cumprimento da pena que abrange medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional etc.

24 BARROS, Carmem Silva de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: RT, 2001. p. 109. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 309/310.

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Em seus ensinamentos, Luiz Vicente Cernicchiaro26, expõe

que a individualização significa adaptar a pena ao condenado, consideradas as

característica do agente e do delito .

O respeito à legalidade implica que só o legislador

como

representante do desejo da maioria

poderá incriminar condutas e fixar abstratamente a pena correspondente. Determina também que o legislador, ao incriminar condutas, está sujeito à legalidade restrita e não à mera legalidade formal, tendo o dever de editar leis penais válidas, atreladas aos princípios constitucionais. O

princípio da legalidade em conjunto com o princípio da igualdade determina, ainda que a sanção penal deve ser descrita com precisão e que sua quantidade deve estar conforme a gravidade do delito.27

Contudo, a lei não fica limitada apenas às previsões

normativas mencionadas, mas, fixa também regras que deverão sopesar no

momento da individualização da pena.

Como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao ator de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Já como limite da pena é elemento de sua determinação ou medição, vista pela própria idéia de culpabilidade.28

Noutro norte, temos a individualização caracterizada em sua

instância judiciária, na qual, sempre guiado pela norma legal, o julgador

individualizará a pena, é claro que com certa discricionariedade.

Falando da individualização Judiciária novamente valemo-

nos dos ensinamentos de Luiz Luisi29:

26 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição.

2 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 99. 27 BARROS, Carmem Silva de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: RT, 2001. p. 113. 28 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 67. 29 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 53.

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O segundo momento é o da individualização judiciária. Tendo presentes as nuanças da espécie concreta e uma variedade de

fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e

acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução.

Terminada esta Segunda fase, tem-se a terceira e última

fase, chamada de individualização administrativa, ou simplesmente

individualização executória, cuja denominação parece mais adequada, pois faz-se

parelha ao princípio da legalidade, e reveste de competência a autoridade

judiciária responsável.

Em nosso ordenamento pátrio, há de que se fazer menção a

Lei 7.210 de 11 de setembro de 1984, mais conhecida como Lei das Execuções

Penais, exatamente onde dar-se-á o desfecho da tríade a que se divide a

individualização da pena, ou seja, em seu momento executório.

Em seu Título II, ao tratar do Condenado e do Internado, a

citada lei afere em seu artigo 5º: Os condenados serão classificados, segundo os

seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução

penal .

Neste tema, ensina Julio Fabbrini Mirabete30:

Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos

justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes e de que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não

há mais dúvida de que nem todo o preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e de que, durante a fase

executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, podendo-se só assim falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para lograr sua

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reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca

improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de

execução mais adequados, conforme condições pessoais de cada um.

No particular, contrariando-se consagrada sistemática

alusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras gerais do

Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se entre cidadãos não

a partir das condições sócio-psicológicas que lhes são próprias, mas do episódio

criminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade

legislativa cuja formalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o

condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a

merecer, ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de

progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já

então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e

à vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais

e que, por isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada

ressocialização.

Portanto, como visto, as normas relativas à classificação dos

condenados e dos internados constituem, na sua mais perfeita plenitude corolário

lógico do princípio constitucional da individualização da pena, que atendendo ao

dispositivo supracitado, em seu artigo 5º, atende-se ai as circunstâncias de

personalidade da pena, inserido também entre os direitos garantias

constitucionais, como o da proporcionalidade da pena.

O julgador não se pode limitar à apreciação exclusiva do caso, mas tem que considerar também a pessoa do criminoso, para individualizar a pena. Como escreve Soler, é uma tarefa delicada,

para a qual, o juiz, além da competência jurídica teórica, deve possuir conhecimentos psicológicos, antropológicos e sociais,

aliados a uma fina intuição da realidade histórica e uma

30 MIRABETTE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários a Lei n.º 7.120, de 11-7-1984. 11 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2004. p. 48/49.

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sensibilidade apurada. A pena não tem mais em vista somente o delito. Ao lado da apreciação dos aspectos objetivos que ele

apresenta, há de o juiz considerar a pessoa de que o praticou, suas qualidade e defeitos, fazendo, em suma, estudo de sua

personalidade, sem olvidar sobretudo a possibilidade de tornar a delinqüir, ou a periculosidade. 31

Assim, em atendimento a esta terceira fase, temos o que

dispõe a nossa Carta Magna, em seu artigo 5º inciso XLIX, que assegura aos

presos o respeito a integridade física e moral. Já o inciso XLVIII do artigo já

referido, determina que o cumprimento da pena dar-se-a em estabelecimentos

distintos atendendo a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado,

concorrendo ainda o inciso L do mencionado artigo 5º que aduz garantia às

presidiárias condições de permanecerem com seus filhos durante o período de

amamentação.

Com isto, a Constituição erige o tratamento penitenciário

desde sua gênesis legislativa, passando pelo sua aplicação oriundo do poder

judiciário, que por meio de seus legatários aplicam a sanção, e por último a sua

execução, atendendo esta tríade aos objetivos com que a sanção pretende

alcançar.

1.3.2 Finalidade do Princípio da Individualização da Pena.

Signatária do princípio da individualização, surgido com o

Iluminismo, artéria condutora da justiça para um novo horizonte quanto a

aplicabilidade da pena, a Carta Magna, assim encerrou o arbítrio judicial, que

ocorriam em decorrência das desigualdades de classes na punição, a

desumanidade das penas, os meios inquisitórios a imprecisão das normas.

Para que ocorra uma efetiva individualização, é mister que o

quantum da pena não seja fixo, ou seja, ele deve variar entre um mínimo e um

máximo que permitirá ao juiz, analisando as condições e circunstâncias do crime,

31 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva: 1963. v.1 p. 308/309.

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assim como a culpabilidade do agente (art. 59, CP), determinar a quantidade e

qualidade da pena a ser aplicada32.

E assim sendo, para auxiliar o magistrado na importante

missão de individualizar a reprimenda, ou seja, de fixar a sua exata quantidade

para a reprovação e prevenção do crime, o Legislador apresentou no artigo 59 do

Código Penal um rol de circunstâncias que devem ser percorridas no momento da

sua fixação, o que constitui a gênesis que impulsiona, delimita, e controla o poder

discricionário do magistrado.

Acerca desta tarefa do juiz em obediência ao princípio da

individualização da pena temos a lúcida manifestação de Assis Toledo33:

O legislador estabelece as sanções possíveis de serem aplicadas aos acusados de infração penal e estabelece parâmetros para fixação judicial da pena, em concreto. Todavia, nessa

importantíssima tarefa de estabelecer, em cada caso, as conseqüências jurídico penais de determinado crime, em

concreto, o Juiz, além das regras legais preestabelecidas, não pode deixar de observar certos princípios fundamentais, expressos ou implícitos no ordenamento jurídico.

Ao proceder à individualização da pena, o juiz, após aferir

um leque de circunstâncias de natureza subjetiva, tais quais a culpabilidade,

antecedentes, conduta social e personalidade do agente, além das de natureza

objetiva, que comportam os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, e

isto posto, fixará aquela aplicável dentre as cominadas, em quantidade, como já

dissemos, que for necessária e suficiente para reprovação e prevenção do delito,

definindo, a seguir, o regime inicial de cumprimento da reprimenda, a qual não

deve ser excessiva, nem demasiadamente branda, mas justa, adequada e idônea,

em qualidade e quantidade suficientes para reprimir a prática da infração e

promover a tutela da sociedade.

32 SHECAIRA, Sérgio Salomão; Alceu Corrêa Junior. Pena e Constituição.

São Paulo: RT, 1995. p. 30/31. 33 TOLEDO, Assis. Manual da Sentença Penal Condenatória. Curitiba: Juruá, 2003. p. 237.

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É, portanto, possível entender as razões que levaram o

legislador pátrio a fixar um limite mínimo e um máximo de pena privativa de

liberdade para cada uma das infrações penais34, a fim de que o juiz, percorrendo

as três fases da dosimetria estabelecidas no artigo 68 do Código Penal35 possa

aplicar a quantidade exata de pena, dentro daqueles limites já fixados na lei, em

cada caso concreto.

Ressalta-se, finalmente, que a inexistência deste espaço

entre o mínimo e o máximo de pena privativa de liberdade fixado em cada delito,

afronta o princípio constitucional da individualização da pena, fugindo do sistema

trifásico de dosimetria de pena conferido ao magistrado no artigo 68 do Código

Penal.

1.4 DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE

Outro instituto ou princípio que ora passaremos a pesquisar

é o da Equidade, tido como uma fonte indireta e subsidiária do Direito pátrio, que

a cada tempo tem sido abancado de forma mais visível pelos operadores do

direito.

Nesta apoteose de leis na qual se transformou o

ordenamento jurídico, inúmeras são as dificuldades postas aos Juízes,

Advogados, Promotores, bem como aos demais usuários do sistema, em lapidar

de forma mais peculiar a cada causa, o alcance da norma.

Partindo de sua etimologia, desde logo é possível estabelecer que equidade é palavra tomado do latim aequitas e com a mesma raiz

que aequo-a-um e que significa plana ou liso. Na Roma clássica, aequor designava uniformidade do campo ou do mar, com raiz

proveniente do grego aikos, e que significa semelhante36.

É neste ponto que entra a Equidade.

34 Individualização legislativa. 35 Individualização judiciária. 36 CUNHA, Maria Inês Moura Santos Alves da. A eqüidade e os meios alternativos de solução de conflitos. São Paulo, Ltr. 2001. p.21.

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1.4.1 Equidade de Aristóteles

É inegável a densidade e fertilidade da teoria da justiça

elaborada por Aristóteles, que provoca o ânimo do leitor pela agudez de

compreensão e clarividência em sua abordagem da justiça. Dentro desta teoria da

justiça, podem ser encontradas diversas menções de justiça, como a justiça geral

ou universal ou absoluta; a justiça particular, que se divide em justiça distributiva e

justiça comutativa; a justiça política; a justiça natural; a justiça legal; a eqüidade.

Ao versar sobre a eqüidade, Aristóteles37 observa que ela se

faz necessária quando a lei não desce aos casos particulares para fazer infiltrar a

justiça, tratando-se de um corretivo à deficiência do alcance legal. Ao explicá-la,

Aristóteles tece a seguinte colocação:

[...] quando uma situação é indefinida, a regra também é

indefinida, tal qual ocorre com a régua de chumbo usada pelos construtores de Lesbos para ajustar as molduras; a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, da mesma forma como o decreto se adapta aos fatos.

Assim, objetiva-se no presente estudo realizar a análise da

eqüidade, partindo da teoria da justiça de Aristóteles. Afora isso, procurar-se-á

apontar sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro

É o que ensina Aristóteles38 ao dizer:

Ora, uma proposição dialética consiste em perguntar alguma coisa que é admitida por todos os homens, pela maioria deles ou pelos filósofos, isto é, ou por todos, ou pela maioria, ou pelos mais eminentes, contanto que não seja contrária à opinião geral; pois um homem assentirá provavelmente ao ponto de vista dos filósofos se este não contrariar as opiniões da maioria das

pessoas. As proposições dialéticas também incluem opiniões que são semelhantes às geralmente aceitas; e também proposições

que contradizem os contrários das opiniões que se consideram

37 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. p. 11. 38 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. P. 25

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geralmente aceitas, assim como todas as opiniões que estão em harmonia com as artes acreditadas.

Pelo método dialético Aristóteles39 procura investigar

problemas que levam à escolha ou rejeição de algo, ou que contribuam para ser

atingida a verdade e o conhecimento, podendo tais problemas trazer a solução

para seu próprio tema ou para um outro problema do mesmo gênero.

Ao procurar a obtenção da verdade pelo método dialético, e não se esquecendo que este envolve a argumentação e a discussão, é certo que tal método partirá de teses contraditórias, o que não é o mesmo que dizer que a verdade seja contraditória. O que ocorre é que a linguagem deixa margem à contradição, devendo assim o real ser depurado por intermédio da dialética, para desta forma ser contatada a verdade. Não é difícil compreender isto, tendo em vista que a linguagem trabalha com símbolos para representar a realidade, não traduzindo a realidade mesma das coisas40.

Como ensina Ferraz Júnior41:

A dialética vem resolver a ambigüidade natural da linguagem, para buscar a alsteridade e a identidade, levantar as premissas e as opiniões, confrontando-as finalmente. Nesta atividade, a dialética

aparece como, por assim dizer, uma lógica da verdade procurada, enquanto os raciocínios analíticos seriam a lógica da verdade

possuída. De um lado a construção da verdade, de outro, a sua exposição.

1.4.2 Da problemática no estudo da justiça e da eqüidade

Aristóteles, ao versar sobre a eqüidade, aventa a

problemática decorrente da análise da eqüidade e da justiça - ou do eqüitativo e

39 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. P. 28 40 Apenas como menção elucidativa e sem pretensão de comparação com Aristóteles, Nietzsche, na modernidade desenvolve uma crítica voltada à imprecisão da linguagem em seu opúsculo: Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral , quando diz: A coisa em si (tal seria justamente

a verdade pura sem conseqüências) é, também para o formador da linguagem, inteiramente incaptável e nem sequer algo que vale a pena. Ele designa apenas as relações das coisas aos homens e toma em auxílio para exprimi-las as mais audaciosas metáforas. (NIETZCHE, 2000c, p. 55).

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do justo que se refere à falta de identidade conceitual entre estes dois termos, o

que os faz parecer como contrapontos um do outro. Para resolver esta

problemática, é necessário conferir as opiniões para constatar se o eqüitativo e o

justo são bons, ou se apenas um deles é bom.

Procurando se aproximar das opiniões, a justiça é

considerada como algo bom, pois, trata-se de um ente estatal conforme diz

Aristóteles42.

Aprofunda-se mais Aristóteles43:

Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de caráter

que torna as pessoas propensas a fazer o que é o justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo [...] a justiça não é

uma parte da virtude, mas a virtude inteira [...] . Quanto à eqüidade, chega-se à constatação de que ela também é considerada como algo bom, conforme expõe Aristóteles. Às vezes louvamos o que é eqüitativo e o homem eqüitativo (e até aplicamos esse termo à guisa de louvor, mesmo em relação a outras virtudes, querendo significar com mais eqüitativo que uma coisa é melhor).

Admitindo que o justo e o eqüitativo são bons, só podem

eles ser a mesma coisa, pois se fossem diferentes um seria bom e o outro ruim.

Deste modo, o eqüitativo deve ser considerado como justo em si mesmo, e, ainda

mais, superior a uma simples espécie de justiça. Esta espécie de justiça a qual

Aristóteles está se referindo aqui é o legalmente justo, face ao qual o eqüitativo

aparece como uma correição. Não obstante, apesar de superior a esta espécie de

justiça, não pode ele ser considerado superior à justiça absoluta, como explica

Aristóteles44 [...] o eqüitativo é justo e superior a uma espécie de justiça, embora

não seja superior à justiça absoluta, e sim ao erro decorrente do caráter absoluto

41 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 159. 42 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. p. 10. 43 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. p. 124. 44 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. p. 125.

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da disposição legal. Tal justiça absoluta pode ser conceituada, conforme

esclarece Ferraz Júnior45:

(...) como o que é conforme à lei, em sua atualidade jurisprudêncial, que versa sobre questões referentes às relações políticas, quer reguladas por leis particulares, quer naturais,

podendo ambas ser escritas ou costumeiras, mas à medida que todo esse complexo se acha informado pela eqüidade.

As leis são produzidas de forma geral e abstrata, o que dá

margem para que, em determinados casos que exigem maior especificidade legal,

a lei se mostre insuficiente para revestir tal caso concreto no manto da justiça. Em

outras palavras, tendo em vista que as leis prescrevem apenas de forma

genérica, podem surgir casos com determinadas peculiaridades, que não

permitem o alcance da justiça pela mera aplicação da lei.

Com isso, é possível deduzir que a lei em suas formulações,

destina-se aos casos mais freqüentes para, sobre eles, estabelecer

genericamente uma previsão.

Contudo, pode-se considerar que o legislador, quando na

formulação da lei, verifica que deve estabelecer uma previsão legal geral já

sabendo que tal previsão não servirá corretamente a todos os casos possíveis.

Neste caso, a lacuna ocorre dentro da vontade do legislador, pois já sabe que

nem sempre enquadrará em sua previsão o caso concreto de modo justo.

Neste sentido cabe ao juiz direcionar-se pela eqüidade como

uma forma de conjugar uma lei, que ele abstrai de sua sabedoria prática e não do

legislador ou de qualquer poder externo, a um caso concreto, senão vejamos o

que ensina Silva46:

Ela consiste na criação de regras particulares, que se aplicam, exclusivamente, às especificidades de cada caso. Afora isso,

45 FERRAZ, Junior; Tércio Sampaio Ferraz. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2 ed. São Paulo Atlas, 2003. p. 204. 46 SILVA, Moacyr Motta da.Direito, justiça, virtude moral & razão: reflexões. Curitiba: Juruá, 2003. p. 61.

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pode a eqüidade ser estudada ainda como um direito, quando considerada presente nos indivíduos em geral, ao pretender fazer

dela um direito ou um princípio seu, a ser tutelado pelo Estado.

É possível contemplar os delineamentos da eqüidade, a

partir do seguinte ensinamento de Maximiliano47:

a mitigação da lei escrita por circunstâncias que ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou aos tempos ; no parecer de WOLFIO, - uma virtude, que nos ensina a dar a outrem aquilo que só imperfeitamente lhe é devido ; no dizer de GRÓCIO, - uma virtude corretiva do silêncio da lei por causa da generalidade das suas palavras . A Eqüidade judiciária compele os juízes, no silêncio, dúvida ou obscuridade das leis escritas, a

submeterem-se por um modo esclarecido à vontade suprema da lei, para não cometerem em nome dela injustiças que não

desonram senão os seus executores . A frase

summum jus, summa injuria

encerra o conceito de Eqüidade. A admissão

desta, que é o justo melhor, diverso do justo legal e corretivo do mesmo, parecia aos gregos meio hábil para abrandar e polir a idéia até então áspera do Direito.

1.4.3 A Equidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro, podem ser encontradas

previsões sobre o princípio da eqüidade em diversas leis, tais como o Código de

Processo Civil, pela disposição do artigo 127; a Lei de Introdução ao Código Civil,

no seu artigo 4º; a Consolidação da Leis do Trabalho, no artigo 8º; bem como no

artigo 108 do Código Tributário Nacional.

O Código de Processo Civil pátrio, de 1973, em seu artigo

127, assim prevê a aplicação da Equidade:

Art. 127. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei

47 MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito. 7 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos: 1961. p. 271.

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Cumpre destacar que a redação era outra no Código de

Processo Civil de 1939, que em seu artigo 134 dispunha:

Art. 134. Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador.

Por sua vez o Código Tributário Nacional, no seu CAPÍTULO

IV, artigo 108, quando trata da Interpretação e Integração da Legislação

Tributária, assim dispõe:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

(...)

IV - a eqüidade.

(...)

No mesmo vértice, tem-se a CLT, em seu artigo 8º, que

prevê a aplicabilidade da eqüidade nos seguintes termos:

Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de mineira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Importa mencionar ainda o Decreto-Lei n.º 4.657 (Lei de

Introdução ao Código Civil), de 4 de setembro de 1942, que em seu artigo 4º

assim dispõe sobre a aplicabilidade do princípio da eqüidade:

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Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Com tais previsões, é latente que o legislador tratou de fazer

presente no ordenamento pátrio o princípio da eqüidade, nas suas mais diversas

formas e precisões. Tal princípio, para a Hermenêutica, trata-se da aplicação da

Justiça no caso concreto levadas em conta as peculiaridades que possa

apresentar. A justiça em termos concretos, individualiza, com caráter

predominante de benignidade, que os princípios gerais, quer de justiça quer de

direto, não conhecem.

Assim, segundo Ruy Rebello Pinho48:

Com base no exposto, a partir da filosofia de Aristóteles é possível perceber três funções à eqüidade: como função auxiliar na solução do caso concreto (jus adjuvandi); como função supletiva das lacunas da lei (suplendi) e como função corretiva das omissões legais (jus corrigendi). Portanto, pode-se afirmar que a eqüidade desempenha o duplo papel de suprir as lacunas dos repositórios de normas, e auxiliar a obter o sentido e alcance das

disposições legais. Serve, portanto, à Hermenêutica e à Aplicação do Direito no caso concreto, individualizando e equalizando a

pena ou sanção.

Aristóteles, quando versa em sua teoria da justiça sobre a

eqüidade, traz à superfície o problema da equiparação da justiça e da eqüidade,

fazendo-o acompanhar de uma solução. Contudo, ainda na atualidade persiste

esta problemática, de modo que a eqüidade costuma erigir disputados debates

referentes à sua possibilidade de vinculação com a Ciência Jurídica, sua

admissão como norma, seu critério distintivo da justiça, se é ou não uma espécie

de justiça, se é um conceito objetivo ou subjetivo, etc.

48 PINHO, Ruy Rebello. Instituições de direito público e privado: introdução ao estudo do direito: noções de ética profissional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 1999.

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Desta forma, releva perceber que estudos sobre a eqüidade

são de grande pertinência, de sorte que o desenvolvimento detalhado de tal

estudo deve ainda ganhar campo, para assim demonstrar com plenos detalhes o

reluzir de tal valor tanto no universo teórico quanto prático. A contribuição

aristotélica, conforme demonstrado ao longo do trabalho, representa um incentivo

e proporciona a sustentação filosófica para o empreendimento de tal estudo. Urge

dar continuidade a esta análise, como se fosse um clamor da própria justiça.

1.4.4 Da aplicabilidade da Equidade

Ante o estudo já feito, podemos invariavelmente prumar no

sentido de que o conceito de legalidade não pode ser dissociado do conceito de

justiça, sendo que neste último, entende-se como justa a decisão tomada

conforme o direito, porém se ressalta a faculdade de julgar de acordo com a

melhor consciência, levando-se a margem de que para ser um bom juiz é preciso

ter inteligência suficiente para chegar a uma decisão racional baseada nas leis e

nas provas, sabedoria suficiente para saber se essa decisão é, além de tudo,

justa e coragem suficiente para rejeitar ou modificar essa decisão para cumprir as

exigências da justiça.

Por esta razão Rui Barbosa, em seu imortal discurso

"Oração aos moços", a aconselhar aqueles que, porventura, escolhessem a

carreira de Magistrados, "não anteponhais o draconianismo à equidade. Dados a

tão cruel mania, ganharíeis, com razão, conceito de maus, não de retos".

A equidade a que se refere Rui, nada mais é do que um

conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiz a um critério de

moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo.

Além dos vertes casos abordados, pode ainda, o

magistrado, defrontando-se com casos e omissão legislativa, socorrer-se da

eqüidade.

Salienta-se, que dentre a várias celeumas jurídicas, o

conceito de eqüidade tem desafiado os juristas, proporcionando-se diversos

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conclaves, não tendo-se findado, não encontrando-se uma fórmula que pudesse

delimitar com exatidão e certeza seu alcance e seu conteúdo.

Como já vimos para a filosofia do direito, face aqueles que

adotam uma corrente Aristotélica, a eqüidade é a mitigação da lei escrita por

circunstâncias concorrentes em relação às pessoas, às coisas, aos lugares e ao

tempo.

Note-se que a eqüidade representa em face da razão legal

dura lex, sed lex o sentimento da Justiça que, à vezes, se separa da lei para

atender a circunstâncias que, se não fossem consideradas, determinariam uma

injustiça legal.

Como uma lupa, focando o que a lei não consegue ver face

a sua generalização, a eqüidade é o princípio pelo qual o direito se adapta á

realidade da vida sócio-jurídica, conformando-se com a ética e a boa-razão,

salvando as lacunas do Direito para melhorá-lo e enobrecê-lo, tal como

demonstram os pretores da Roma antiga.

Em nosso sistema positivo, a eqüidade pode ser tomada por

duas acepções. Levando-se em conta que toda norma jurídica, por ser genérica e

abstrata, despreza as particularidades de cada caso concreto, daí o fato de que a

Justiça traduzida nessas normas genéricas e abstratas nem sempre se acomoda

à conformação real de cada caso.

A equidade confere, pode-se assim dizer, um poder discricionário ao magistrado, mas não uma arbitrariedade. É uma autorização

de apreciar, segundo lógica razoável, interesses e fatos não determinados a priori, pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou singular, sempre considerando

as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, valorativos e

fáticos49.

49 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução a Ciência do Direito. São Paulo. Saraiva, 1991. p. 426/427

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A eqüidade é uma forma de encaixar-se a foto na devida

moldura, ou seja, ajusta o direito ao caso concreto, torneia a norma geral que é

dura e sólida, permitindo amoldá-la a caso por caso.

Nessa primeira acepção, pode-se dizer que está sempre

presente em todo e qualquer julgamento, porque toda decisão consiste em

adaptar a norma geral e abstrata ao caso individual e concreto sub judice.

De outro norte, em uma segunda acepção, tem-se que a lei

permite que o julgador decida por eqüidade, permitindo ou autorizando

expressamente como já citado anteriormente, que o julgador solucione o litígio,

aplicando não normas legais eventualmente existentes, mas criando a norma a

ser aplicada ao caso concreto.

Uma vez clamado a decidir de forma eqüanime, o juiz não

criará caprichosamente ou arbitrariamente uma norma reguladora do caso em que

decide, cabendo-lhe sim, criar objetivamente a norma justa que regulará o caso

concreto.

A eqüidade será, uma antiga mas sempre atual concepção

de Aristóteles, a Justiça do caso concreto.

Doutrinariamente tem-se dividido a eqüidade em duas

vertentes distinta, ou seja, a eqüidade legal e a eqüidade judicial, sendo que a

primeira seria a contida no texto da norma, que prevê várias possibilidades de

solução e a segunda, aquela em que o legislador, explícita ou implicitamente,

incumbe ao magistrado a decisão por eqüidade do caso concreto.

Como já vimos, a eqüidade está prevista nos artigos 4º e 5º

da Lei de Introdução do Código Civil, que estabelece a obrigatoriedade de julgar

por parte do juiz, em caso de omissão ou defeito legal, dentro de certos limites, e

a permissão de adequar a lei às novas exigências oriundas das mutações sociais

das Instituições.

De melhor vinha, e, importante frisar que a eqüidade é

elemento de adaptação e não de integração da norma ao caso concreto. É o ato

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de atenuar o rigor da norma, adequando-a ao caso sub judice. Vem pelo art. 5º da

LICC, como válvula de segurança que possibilita aliviar a tensão e a antinomia

entre a norma e a realidade.

Contudo, não se trata definitivamente de critério a ser

utilizado somente quando houver previsão legal, como pretende convencer o art.

127 do Código de Processo Civil, mas de uma ordem maior, de uma égide a

acobertar e inspirar a temperança e o equilíbrio em todas, absolutamente todas as

decisões judiciais.

Entendido tais pontos, face a exposição já feita, visando

esclarecer eventuais dúvidas, pode-se classificar, segundo entendimento

pesquisado e dos doutos posicionados em seus estudos, que as decisões que se

valem da eqüidade de 03 (três) formas distintas:

a) Decisão com eqüidade: é toda decisão que se pretende

estar de acordo com o direito, enquanto ideal supremo de justiça;

b) Decisão por eqüidade: é toda decisão que tem por base a

consciência e percepção de justiça do julgador, que não precisa estar preso a

regras de direito positivo e métodos pré-estabelecidos de interpretação;

c) Decisão utilizando-se a eqüidade como meio supletivo de

integração e interpretação de normas: é toda decisão proferida no sentido de

encontrar o equilíbrio entre norma, fato e valor (aplicação do direito ao caso

concreto), na hipótese de constatação de uma contradição entre a norma posta e

a realidade, gerando uma lacuna;

Representa, pois, o conjunto dos princípios imutáveis e

universais de justiça que levam o juiz a um critério de moderação e isonomia,

configurando-se como um supremo critério de justiça que deve submeter todos os

homens.

Confunde-se com a idéia de justiça absoluta ou ideal que se

enquadra no Direito Natural em todas as suas significações, servindo de

referencial para os princípios gerais do Direito.

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Enquanto a legalidade se cinge à simples aplicação da lei

como norma de controle e organização social, a eqüidade - chamada legal ou

judicial - procura aplicá-la de maneira a realizar a sua finalidade, depurando-a,

humanizando-a, para melhor ajustá-la ao que há de concreto, de pessoal em cada

caso.

Como bem já conduziu Aristóteles, a eqüidade é a justiça

do caso particular , ou seja, o ato de moldar a justiça à especificidade de uma

situação real, via flexibilização da lei.

Note-se portanto que é justamente neste sentido que

consiste a eqüidade, no corrigir o excessivo rigor e a impessoalidade das leis, no

aplicá-las com espírito de compreensão e coerência, com disposição de

reconhecer, igualmente, o direito de cada um, mesmo com prejuízo do Direito

Objetivo. Não é forma especial de justiça, mas um critério de aplicação que tem

em vista harmonizar o abstrato e rígido da norma jurídica com a realidade

concreta.

Em seu legado, um juiz que se prende à legalidade aplica a

lei tal como está escrita, meramente condutor da excessiva liturgia processual,

considerando que o que não está nos autos não está no mundo, sem atenção ao

resultado; esquece ,portanto, que o tal entendimento, restritivo pode torna-lo um

escravo sem vontade própria.

De outra feita, o magistrado que age com eqüidade tem a lei

não como um fim em si mesma, mas como meio de realizar justiça, opondo-se a

um critério de julgamento ou tratamento demasiado rigoroso e estritamente

pautado na letra impassível da lei.

Pela eqüidade ponderam-se, avaliam-se e estimam-se os

resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinadas

situações fáticas. Se o resultado prático a ser obtido concorda com as valorações

que inspiram a norma, ela deverá ser aplicada. Se, ao contrário, a norma aplicável

a um caso singular puder produzir efeitos que contradigam as valorações éticas e

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os ideais de justiça que devem modelar a ordem jurídica, então, indubitavelmente,

não deve ser aplicada ao caso concreto.

Portanto, como abordou-se no presente capítulo, a cerca da

eqüidade, na qual podemos observar que o conceito de legalidade não pode ser

dissociado do conceito de justiça, sendo que neste último, entende-se como justa

a decisão tomada conforme o direito. Assim sendo, a equidade confere um poder

discricionário ao magistrado, mas não uma arbitrariedade. É uma autorização de

apreciar, segundo lógica razoável, interesses e fatos não determinados a priori,

pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou

singular, sempre considerando as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico.

Passaremos a abordar, no Capítulo subsequente, a Lei dos

Crimes Hediondos, em especial seu artigo 9º, o qual prevê um aumento de pena

sobre as condutas típicas descritas.

Tal abordagem, dar-se-á num contexto histórico, social e

jurídico.

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CAPÍTULO 2

DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Consabido é, que da entrada da nova Constituição, nos idos

de 1988, mais propriamente dito em 5 de outubro daquele ano, deixou o

legislador de nesta regular assuntos de pormenores, atribuindo a legislação

infraconstitucional a incumbência de pormenorizar determinados temas, via leis

complementares e ordinárias.

Apesar do assento constitucional que tais princípios receberam pela Constituição de 1988, a crise do sistema de justiça criminal e o crescente "sentimento de insegurança" têm autorizado a deterioração destes verdadeiros escudos dos cidadãos, tornando o garantismo penal um sonho pueril, cada vez mais distante. Instrumento de tutela dos direitos fundamentais, o direito penal vai

assim perdendo gradativamente a sua legitimidade, violando bens que não se justifica ofender nem com os delitos nem com as

punições. Observamos aí um verdadeiro paradoxo, pois quanto maior a utilização do direito penal como resposta para quase todos os tipos de conflitos e problemas sociais, menor a sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao crime50.

Outrossim, a inflação legislativa em matéria penal e o

aumento do rigor repressivo, embora aparentemente úteis como respostas às

demandas de segurança e penalização provenientes da sociedade, fortalecem a

seletividade de todo o sistema e enfraquecem o valor supremo do Estado

Constitucional de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Figurando como objeto de grandes embates teóricos, a

famigerada Lei 8.072/90, tem sido objeto de estudo e reflexão pelos mais ilustres

50 BOLDT, Rafhael. Publicitario, bacharelando em direito em Vila Velha ES. Matéria publicada no sito www.jus.com.br sob o tema art. 9º da Lei 8.072/1990, vale a pena? Podendo ser acessado em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7935

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juristas brasileiros, figurando nos dias de hoje, como um dos principais temas da

literatura jurídica de nosso tempo.

Diante dos profícuos debates doutrinários acerca da Lei dos

Crimes Hediondos e da notoriedade dos nossos insignes precursores, em nossa

pesquisa buscamos uma singela contribuição a partir de uma análise que

extrapola o âmbito técnico-jurídico, entendido por Zaffaroni51 como o controle

social punitivo institucionalizado .

Tais temas, polêmicos ou de difícil solução em cunho

constitucional, passaram então, a ter suas nuanças regulamentadas por

ordenamento jurídico derivado da constituição, presentes dentro dos diversos

códigos ou leis esparsas.

O tema sobre crimes hediondos foram mais uma das tantas

leis que o constituindo outorgou a legislação especial a retórica função

complementar à Carta Magna.

Exigida pelo dispositivo citado, da promulgação da

Constituição até a edição da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990, passaram-se 2

(dois) anos, porém, nascida de afogadilho, resultado de um afoitismo legislativo

que assistiu ao nascimento oriundo da compilação de projetos que já tramitavam

nas câmaras altas, e, desta junção abortou-se a já morta Lei dos Crimes

Hediondos.

A exemplo desta prelazia, encontra-se a formulação em lei

infraconstitucional dos crimes hediondos, que teve seu início em 17 de maio de

1990, via Projeto de Lei nº. 50/90, de autoria do então Senador Odacir Soares,

que mais tarde acabou culminado na Lei 8.072 de 25 de julho de 1990, resultado

da compilação de diversos projetos sobre crimes hediondos , tanto a nível de

Senado Federal, quanto da Câmara dos Deputados bem como do Poder

Executivo.

51 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 21.

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Para tentar explicar essa pressa, o que não justifica de

forma alguma as imprecisões contidas e os conflitos gerados, devemos entender

o momento de pânico que atingia alguns setores da sociedade brasileira,

sobretudo por causa da onda de seqüestros no Rio de Janeiro, culminando com o

do empresário Roberto Medina, irmão do Deputado Federal pelo Estado do Rio

de Janeiro, Rubens Medina, considerado a gota d água pra a edição da lei52.

Dentre outros fatores que levaram o legislador pátrio, a confeccionar mais uma lei à já grande colcha de retalhos que é nosso ordenamento esparso, podemos fazer constar a alienação parlamentar, o conservadorismo, violência urbana e o conservadorismo 53.

Partindo-se do ponto de vista da ideologia, a lei dos Crimes

Hediondos apenas logrou êxito graças ao conservadorismo legislativo, marcados

seja pela alienação política ou de término de mandato, que votaram e aprovaram

uma lei que representa um verdadeiro retrocesso face à evolução histórica da

humanização do direito penal, preteritamente surgida com o movimento do

iluminismo.

Resultado de tal afoitismo foi o desnecessário

endurecimento do sistema punitivo vigente, trilhando assim, temerários caminhos

de visível afronta a consagrados princípios jurídico-penais indiscutíveis, como o

da individualização, o da progressão pelo mérito do condenado no processo de

execução da pena privativa de liberdade, além é claro da presunção de inocência.

Parelho ao sentimento Alberto Silva Franco54:

Os sinais antiliberais, detectados na Lei 8.072/90, não constituem novidade: são reiterações de velhos agravos tendentes a destruir

o arcabouço de um direito penal construído tão sofridamente nos

52 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 04. 53 LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos político-jurídicos da Lei 8.072/90. São Paulo: Atlas S/A, 1996. p. 15/16. 54 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 102

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últimos séculos e a suprimir garantias processuais já incorporadas na vida do cidadão.

De outro norte, a sinistra realidade humana e social, o

intenso clima de violência, que marcava o cotidiano social à época da formulação

da lei, culminando em uma indisfarçável síndrome do medo, contribuiu para o

surgimento da repressiva lei ora sob pesquisa.

Em sua obra sobre os crimes hediondos Valdir Szinick55 faz

importantes apontamentos quanto ao primordial objetivo da lei, assim, vejamos:

A lei sobre os crimes hediondos, Lei 8.072, de 25.07.90, editada

em complemento ao preceito constitucional

art. 5º, inciso XLIII

visou não só adequar o preceito constitucional à normativa penal como também atender a imperativos de ordem jurídico-social. Assim, pode-se creditar como objetivos da presente lei duas vertentes principais: a) a primeira, conter a onda de crimes violentos que estavam grassando no país (especialmente seqüestro já cotidiano no Rio de Janeiro e também presente, em São Paulo); objetivando-se, assim, atender aos reclamos da população que se encontrava aterrorizada e, cuidando-se de evitar um pânico coletivo;

b) o crime organizado, ou seja a criminalidade contida em grupo ou por grupo, através de associações criminosas, ou por associações que visam apenas cometer o crime. Assim, os delitos de roubo, seqüestro, entorpecentes são, quase sempre, crimes cometidos por um grupo ou sociedade criminosa, a societas sceleris.

Dessas duas vertentes principais derivam outros corolários não menos importantes: a) penas mais severas

para se conter o medo que já se começava a fazer presente, e a onda criminosa, que dia a dia vinha se acentuando cada vez mais, a presente lei, entre outras medidas, elevou bastante as penas do chamado crime hediondo; é assim, em todo o mundo, quando se busca conter a violência; b) os crimes violentos são a base dos crimes

hediondos, como regra geral: assim o roubo, o estupro, seqüestro,

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atentado violento ao pudor todos tem em comum a violência, a vis do direito romano que já , então, era punida pela lex Julia de vi

pubblica. c) os crimes hediondos são um elenco de crimes comuns a que se acrescentam alguns especiais. São crimes

comuns: o latrocínio (roubo seguido de lesões graves ou morte), extorsão qualificada pela morte e extorsão com o fim de seqüestro, estupro e atentado violento ao pudor, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal qualificada pela morte. Como crime especial coloca o genocídio (lei. 2889/56).

Outro aspecto que merece registro é o fato de que a matéria

já havia sido aflorada no mesmo texto da CF/88, ao estabelecer que ninguém

será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante . Poder-se-

ia acrescentar então, que tal dispositivo compõe-se do que chamamos de

princípio da humanização, que deve orientar o processo legislativo da pena, o que

não se vislumbra no caso em tela, por conta do artigo 9º da Lei 8.702/90.

Salvo melhor juízo, a outra interpretação não nos leva,

senão a de que a duríssima lei dos crimes hediondos vem apenas transforma-se

num falso viés garantista de segurança pública, e a inevitável e mal fadada

empreitada legislativa culminou em uma lei extremamente sectária, protegendo

apenas o patrimônio de poucos privilegiados.

2.1 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO

A má formação da lei, na esfera legislativa, culminou em

outros problemas, dentre os quais as dificuldades para formulação de um conceito

substancial de crime hediondo.

Desprovido de um conceito legal, crime hediondo é simples

e tão-somente aquele que, independentemente das características de seu

cometimento, da brutalidade do agente, ou do bem jurídico ofendido, estiver

enumerado no artigo 1º da lei 8.072/90, encontrando-se também no artigo 2o da

referida lei os crimes equiparados a hediondos, ou seja, que não são hediondos

porém tem o mesmo tratamento.

55 SZNICK, Valdir. Comentário à lei do crimes hediondos. 3 ed. São Paulo: Leud, 1993. p. 2/4

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Nos termos da redação dada a lei, assim denota-se:

Art. 1o

São considerados hediondos os seguintes crimes,

todos tipificados no Decreto-Lei no

2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código

Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica

de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio

qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art.

159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223,

caput e parágrafo único);

VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação

com o art. 223, caput e parágrafo único);

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A (VETADO)

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de

produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A

e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de

genocídio previsto nos arts. 1o, 2o

e 3o

da Lei no

2.889, de 1o

de outubro de 1956,

tentado ou consumado.

Note-se portanto, que o legislador preferiu catalogar o rol de

crimes que seriam hediondos, ao invés de dar uma definição semântica-

gramatical do significado de hediondez.

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Porque estes e não outros foram erigidos à condição de crimes hediondos? Por que a lei se preocupou em enumerar tais crimes

em vez de adotar o sistema judicial ou mesmo o misto? É defensável que todo atentado violento ao pudor seja agora crime

hediondo? E o que dizer da não inclusão de certos homicídios praticados com requinte, ou até mesmo de outros crimes menos graves mas cuja motivação da prática se revestiu de sordidez tal que repugna à primeira notícia dos jornais? Por que erigiu a lei um parâmetro e não outro?

Para Antônio Lopes Monteiro, a definição assim se

explicitaria:

Teríamos assim um crime hediondo toda vez que uma conduta

delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na execução, quando o agente revela total desprezo pela vítima,

insensível ao sofrimento físico ou moral a que a submete, seja quanto à natureza do bem jurídico ofendido, seja ainda pela

especial condição das vítimas.56

Assim, crime hediondo é simples e tão-somente aquele que,

independentemente das características de seu cometimento, da brutalidade do

agente, ou do bem jurídico ofendido, estiver enumerado no artigo 1º da lei.

Neste norte Valdir Szinick57 dispõe que a palavra hediondo

significa, segundo os dicionaristas, depravado, vicioso, sórdido, imundo, repulsivo. Tem-se pois, que o legislador ao se referir a hediondo quis contemplar os crimes que causam repulsa, medo, pavor e que são cometidos usando da violência .

Dentro desta celeuma jurídica, ou seja, a falta ou a

dificuldade de se formular um conceito para o que seja crime hediondo, nem

mesmo a dogmática jurídico penal conseguiu chegar a um substancial conceito

para o trocadilho.

56 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.15. 57 SZNICK, Valdir. Comentário à lei do crimes hediondos. 3 ed. São Paulo: Leud, 1993. p.5/6

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Esta opção que tomou o legislador, em colacionar tipos

penais como crimes hediondos ao invés de precatar-se a estabelecer um

conceito, é bem explicada por João José Leal58:

A classificar certas condutas como crimes hediondos, partiu o

legislador do pressuposto de que, seja quem for seu autor, com sua personalidade e sua conduta social antecedente; sejam quais forem os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime; seja, ainda, qual tenha sido o comportamento da vítima, tais crimes merecerão sempre uma resposta punitiva acentuadamente

mais grave e mais severa do que a prevista para as demais infrações penais. Trata-se portanto, de um conceito puramente formal, de mera colagem, que contraria a própria natureza das coisas, pois a lei criou uma presunção compulsória do caráter profundamente repulsivo do ato incriminado: de forma discricionária e apriorística, decidiu o legislador marcar certas condutas criminosas, já tipificadas na lei positiva, com rótulo da hediondez absolutamente obrigatória. Na verdade, este conceito

meramente formal é inaceitável, porque parte de uma premissa cientificamente falsa, ao presumir que as condutas assim

rotuladas legalmente carregam necessariamente em suas entranhas o caráter da hediondez indiscutível. Do ponto de vista ético-jurídico, em muitos casos não será possível aceitar esse presumido maior grau de repugnância de um crime hediondo, assim conceituado aprioristicamente, em relação a outros crimes também graves, por circunstâncias as mais diversas.

Portanto, como podemos observar, o equívoco que reveste o

conceito de crimes hediondos, dar-se pelo fato do legislador pátrio ao abordar e

formular a lei 8.072/90, não conceituou o que deveria ser o crime hediondo,

preferindo apenas extrair do Código Penal brasileiro, tipos penais já existentes e

colaciona-los na nova lei.

58 LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos político-jurídicos da Lei 8.072/90. São Paulo: Atlas S/A 1996. p. 23.

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2.2 DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072 DE 25 DE JULHO DE 1990.

Com fito de demonstrar esta incongruência, ou seja,

trazemos a baila a majorante estatuída pelo art. 9º da lei 8.072/90, aplicável em

relação aos crimes enumerados no próprio dispositivo:

Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, "caput" e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, "caput", e sua combinação com o art. 223, "caput" e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, "caput" e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.

Com a nova disposição, praticando um desses cinco crimes

hediondos, contra vítima menor de 14 anos, alienada mental ou que de alguma

forma não tenha qualquer condição de apresentar resistência, a pena será

obrigatoriamente aumentada de metade.

Como bem denota-se, a nova circunstância agravadora é

inadmissível pela irracionalidade e destempero de seu rigor e pela contrariedade

aos princípios da individualização, humanização da pena e ao ementário da

equidade aplicada ao caso concreto.

Como já sabemos, e da forma como já fora exposta em

epígrafe, a pena deve ser determinada, explícita e precisa, mas nunca fixa em

sua quantidade. Do contrário, ficaria seriamente comprometido o princípio da

individualização e da humanização da pena.

A pena para estes crimes já eram uma das mais severas do

Papiro Punitivo, mormente, a Lei dos Crimes Hediondos manteve esta prelazia,

muito embora não tutele a vida e sim o patrimônio (pela própria localização no

Código), embora haja o evento morte.

Por sua vez, prescreve o art. 224 do CP:

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Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima:

a) não é maior de 14 (catorze) anos;

b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta

circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Portanto, com base no dispositivo singular incluso na lei dos

crimes hediondos, estando a vítima em qualquer das hipóteses do art. 224 do

Código Penal, estará o autor sujeito ao aumento de pena pela sua metade, ou

seja, 50% (cinqüenta porcento), cominado pelo art. 9º, observado-se é claro, o

limite de 30 anos exposto no art. 75, "caput" do CP, que em seus termos dispões

que: "o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser

superior a 30 (trinta) anos.

Note-se ainda que o § 1º do art. 75 do CP, dispõe que

"quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja

superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite

máximo deste artigo", medida esta garantidora em supedâneo constitucional que

veda a produção de uma pena perpétua, em disposição contida no art. 5º, XLVII,

b, in verbis: "Não haverá penas: b) de caráter perpétuo 59.

2.3 EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO ARTIGO 158, § 2º E § 3º.

Dentre os crimes com previsão de aumento de pena dado

pela redação do artigo 9º da Lei 8.072/90, temos a Extorsão Mediante Seqüestro.

Versa o Código Penal.

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida

vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

59 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, XLVII, b.

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Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

(...)

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.

Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

(...)

(...)

(...)

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.

§ 3º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

(...)

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Tem-se como conceito a objetividade jurídica imediata é a

inviolabilidade do patrimônio. De forma secundária, , o CP tutela também a

liberdade de locomoção .60

O Sujeito do Delito, justamente por não tratar-se de um

crime próprio, mas sim comum, qualquer pessoa pode figurar tanto na condição

de sujeito ativo como de sujeito passivo.

Insta ressaltar ainda, que quanto aos elementos subjetivos

que cercam o tipo penal o primeiro é o dolo, vontade livre e consciente de

seqüestrar a vítima. O Crime exige outro elemento subjetivo do tipo, contido na

expressão com o fim de obter para si ou para outrem... . Essa intenção, tendente

a que o sujeito obtenha, para ele ou para terceiro, qualquer vantagem, como

condição ou preço do resgate, é que diferencia o delito seqüestro ou cárcere

privado do crime descrito do art. 159. A inexistência desse elemento subjetivo do

tipo o leva a responder por delito previsto no art. 148 do CP.61

Segundo dispõe o art. 9º da Lei n.º 8.072/90, o autor do

crime de extorsão mediante seqüestro, em sua forma simples ou qualificada, tem

sua pena crescida de metade, respeitado o limite superior de 30 anos de

reclusão, se a vítima está em qualquer da hipóteses referidas no art. 224 do CP.

A menor ou nenhuma possibilidade de defesa do seqüestrado, que facilita a

conduta do agente, é uma das razões que determinam tal causa de aumento de

pena no caso dessa violência presumida. Salienta-se, que havendo morte da

vítima, a pena a ser aplicada será de sempre de 30 anos de reclusão, por forçado

limite máximo fixado pelo artigo citado, inferior ou que seria o mínimo cabível de

36 anos (24+12), motivo que tem levado à afirmação da inconstitucionalidade

dessa disposição pela inobservância da garantia de individualização de pena.62

60 JESUS. Damásio Evanjelista. Direito Penal. ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 373. 61 JESUS. Damásio Evangelista. Direito Penal. ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 374. 62 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 257.

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2.4 ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE (LATROCÍNIO)

ARTIGO 157 § 3º.

Dentre os crimes com previsão de aumento de pena dado

pela redação do artigo 9º da Lei 8.072/90, temos o Roubo qualificado pelo

resultado morte, nos termos do artigo 157, § 3, na sua segunda parte.

Versa o artigo em seu Capítulo II.

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem,

mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de

resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

§3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta

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morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

Tem-se como conceito que o Roubo é a subtração de coisa

móvel alheia mediante violência, grave ameaça ou qualquer meio capaz de anular

a capacidade de resistência da vítima. No Latrocínio, temos uma causa de

aumento de pena de natureza objetiva e de aplicação obrigatória, incidentes

somente sobre as formas do § 3.63

O Sujeito do Delito pode ser qualquer pessoa. A norma

incriminadora não prevê nenhuma forma de capacidade penal especial.

Insta ressaltar ainda, que quanto aos elementos subjetivos

que cercam o tipo penal o roubo só é punível a título de dolo. Possui outro

elemento subjetivo, contido na expressão para si ou para outrem , que

demonstra a exigência de intenção de posse definitiva. Assim, não há delito de

roubo quando o sujeito não age com a finalidade de assenhoreamento definitivo

da coisa móvel alheia. O roubo é delito material, instantâneo, complexo, de forma

livre, de dano e plurrisubsistente.64

Assim, de acordo com o art. 9º da Lei n.º 8072, de 25-07-

1990, que dispôs sobre os delitos hediondos, a pena é agravada de metade

quando a vítima se encontra nas condições do art. 224 do CP.

O acréscimo de metade impõe um limite à pena abstrata, de

acordo com o art. 9º da Lei n.º 8.072/90: respeitando-se o limite superior de trinta

anos de reclusão . Estranhamente, conforme o caso, o mínimo e máximo são

iguais. Suponha-se que o sujeito cometa latrocínio contra menor de 14 anos de

idade. A pena é de reclusão, de trinta a quarenta e cinco anos (de vinte a trinta

anos, mais a metade). A pena abstrata, obedecida a exigência de limite, é uma

só, não tendo mínimo e máximo: trinta anos de reclusão. Assim, o juiz está

impedido, na sentença, de impor pena superior a essa. Entendemos que o

legislador, ao empregar a locução respeitando o limite superior de trinta anos de

reclusão , por tratar nos arts. 6º e 9º de cominação de penas, não está cuidando

63 JESUS. Damásio Evanjelista. Direito Penal. ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 339/356.

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da hipótese do art. 75, § 1º, do CP, que se refere à execução, mas sim impondo

um limite legal ao máximo abstrato65.

2.4 RESULTADO DO AUMENTO DA PENA NOS TERMOS DO ARTIGO 9º DA

LEI 8.072/90.

A causa de aumento de pena, prevista pelo artigo 9º66 da Lei

8.072/90, como já vimos, incide sobre os crimes de Roubo qualificado pela lesão

corporal de natureza grave ou morte (art. 157 § 3o), extorsão qualificada pela

lesão corporal de natureza grave ou morte, extorsão mediante seqüestro (art. 159,

caput e seus §§1o, 2o e 3o; estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223,

caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação

com o art. 223, caput e parágrafo único), todos tipificados no Código Penal

brasileiro, estando a vítima em qualquer da hipóteses do artigo 224, também do

Codex Penalis.

Destacam-se aqui os crimes de Latrocínio, tipificado no art.

157, § 3 CP e o de Extorsão mediante seqüestro aludida em sua figura qualificada

no artigo 159 §3, cujas penas são de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos de reclusão.

Como resultado deste aumento de 50% sobre a baliza

mínima já prevista, teremos senão outra coisa, duas situações em que não haverá

mínimo nem máximo, pois ambos serão de 30 (trinta) anos, não permitindo assim

a aplicação do princípio constitucional da individualização da pena, senão

vejamos:

O Código Penal prevê para o crime de Roubo seguido de

morte (Latrocínio), em seu artigo 157 § 3, se da violência resultar morte, pena de

20 (vinte) a 30 (trinta) anos de reclusão, no entanto, se aplicarmos a agravante

prevista no 9º da Lei 8.072/90 a pena mínima seria aumentada na metade,

ficando assim, em 30 (trinta) anos, e a máxima permaneceria também em 30

64 JESUS. Damásio Evangelista. Direito Penal. ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342. 65 JESUS. Damásio Evangelista. Direito Penal. ed. 24. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 356. 66 (...) são acrescidas de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, (...)

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(trinta) anos, não sobrando porém, espaço suficiente para o julgador individualizar

a pena.

O mesmo acontece no crime de Extorsão mediante

seqüestro, no seu artigo 159 § 3, em que a pena base é de 24 (vinte quatro) anos

e a pena máxima é de 30 (trinta) anos, em que se aplicarmos novamente o

aumento do 9º da Lei 8.072/90, a pena mínima subiria para 30 (trinta) anos, pois

teríamos aqui que respeitar o máximo de 39 (trinta) anos de pena, e a máxima

também seria também de 30 (trinta) anos, e com isso, novamente ensejaríamos

na ausência legal para que o julgador possa individualizar a pena, mormente

garantido em nossa Carta Magna.

A irracionalidade da norma agravadora fica ainda mais

evidenciada e insustentável quando se constata que, nos casos dos crimes de roubo, extorsão e de extorsão mediante seqüestro,

qualificados pelo resultado morte, aplicado o aumento punitivo conforme impões a majorante, a pena mínima será de trinta anos de reclusão, igual ao limite máximo estabelecido no próprio dispositivo legal. Frise-se que, na hipótese de crime de seqüestro com morte do refém, o aumento de metade, elevaria a pena mínima para 36 anos, o que é vedada pela própria norma67.

Em assim sendo, pode-se admitir a majorante somente nos

crimes de roubo e de extorsão, praticados com violência real, contra vítima não

maior de 14 anos ou alienada mental, cuja conduta efetivamente e

comprovadamente acarrete em lesão corporal grave ou morte da vítima, pois o

artigo 9º da LCH, faz alusão apenas às formas qualificados pelo resultado,

previstas no §3, o artigo 157 e §2 do artigo 158, do Código Adjetivo.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em acórdão

proferido na Revisão Criminal número 2754, de Curitibanos, através de seu

Desembargador Relator Nilton Macedo Machado68, ao negar o aumento de pena

67 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996. p. 146. 68 Decisão extraída do corpo da Revisão Criminal 2.754, de Curitibanos, Relator: Des. Nilton Macedo Machado. DJJ: 9.355 DATA: 10/11/95 PAG: 19. Acórdão publicado no sito www.tj.sc.gov.br. Acessado em http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegraAvancada.do. dia 25.04.606.

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estabelecido nos termos do artigo 9º da Lei 8.072/90, toma como base de

referência uma decisão oriunda de Recurso Especial oriundo do Estado de São

Paulo, fundamentou no sentido da necessidade de existência da grave lesão ou

morte da vítima, senão vejamos:

A regra do art. 9o. da Lei 8.072/90 relativamente aos crimes de atentado violento ao pudor, como ao de estupro, somente se aplica nas hipóteses de lesão grave ou morte" (STJ - RE 36.018-8 - SP - rel. Min. José Dantas, DJU de 4.10.93, pág. 20.065).

A matéria também se encontra serena nesta Corte:

Segundo nova orientação desta Casa, o aumento de pena,

previsto no artigo 9o., da Lei n. 8.072/90, somente se aplicará quando do ato

resultar lesão corporal grave ou morte, o que incorre na espécie" (Ap. crim. n.

30.618, de Balneário Camboriú, julgada em 5.4.94, rel. Des. Ayres Gama, JC

72/514).

Note-se que, a violência real e efetiva contra a pessoa

morte ou lesão corporal grave

abrangem-se nas circunstância qualificadoras do

tipos penais específicos, e esta visão, do ponto de vista lógico seria perfeitamente

aceitável, não fosse o fato de que, em alguns casos concretos, com o aumento

previsto, a pena mínima dos tipos penais em tela, que já são de elevada e

excessiva punição, poderá igualar, ou até ultrapassar, a máxima estabelecida

pela própria lei repressiva, contrariando assim os princípios da humanização e da

individualização da pena na sua fase de aplicação da reprimenda pelo juiz

criminal.

Doutro norte, ao se estudar o crime de extorsão mediante

seqüestro, por ter sido o alvo principal desta lei demasiadamente repressiva, há

que se observar que tanto o tipo penal simples quanto os qualificados foram

abarcados com a mácula da hediondez. Portanto, no tocante ao sinistro aumento

majorativo que incorporou o artigo 9º, está incidido sobre qualquer forma de

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cometimento deste tipo de ação extorsiva, e assim como bem elucida João José

Leal69 a lei pretende ser implacável com os autores do crime de extorsão

mediante seqüestro .

Deste modo, o agente que realizar o seqüestro de uma

criança de dez anos ou portadora de grave doença mental, configurada estará a

hipótese de aumento de pena prevista no artigo 9º da LCH. Seqüencialmente,

também consumado estaria o crime e por conseqüência incidido na majorante, se

o agente seqüestra vítima maior, que ao tempo do domínio encontra-se dormindo

ou completamente embriagada e, em conseqüência não pudesse ofertar

resistência à ação.

Leal70, ainda expõe:

Com relação ao crime de extorsão mediante seqüestro, ignorou o

legislador de 90 que, de acordo com o art. 159 § 1, do CP, quando a pessoa seqüestrada for menor de 18 anos, este fato já constitui circunstância qualificadora do tipo simples, previsto no caput do artigo. Praticando um crime desta espécie, contra menor de 14 anos, é claro que a causa de aumento prevista no art. 9º da LCH não poderá incidir sobre o tipo qualificado pela mesma circunstância fática (menoridade da pessoa seqüestrada), por força do princípio geral do nin bis in idem, ou da proibição de

dupla reprimenda pelo mesmo fato. Neste caso, deve-se reconhecer que a causa de aumento fica prejudicado, não

podendo incidir para majorar o que, por força de uma circunstância maior (a qualificadora), já foi aumentado.

Clarividente, que o legislador ignorou que as causas de

aumento de pena, sejam em sua ordem genérica ou específica, podem elevar o

quantum punitivo para muito além da máxima cominada em abstrato, tornado

assim, confusa a vigência do dispositivo legal, e mais uma vez depositando nos

Tribunais e na Doutrina o ônus do debate.

69 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político0jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996. p. 148. 70 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996. p. 146.

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Ao obrigar a majoração em sua baliza mínima e por

conseqüência a carga punitiva em decorrência das hipóteses qualificadas já

mencionadas, fazem com que coincida a pena mínima com a máxima, o artigo 9º

da LCH, impede o juiz de exercer seu poder discricionário de aplicar a pena,

conforme seja necessário e suficiente para reprovação e repressão do crime

cometido, nos termos do já consagrado artigo 59 do Códex Penalis .

No tocante aos três crimes hediondos contra o patrimônio, a irracionalidade da norma majorada decorre do fato de pretender agravar a sanção em decorrência de situações fáticas que, do ponto de vista ético-jurídico, podem revelar-se indiferentes à natureza destes crimes. Imagine-se, por exemplo, a subtração mediante uso de violência, da qual resultante lesão corporal grave, de uma jóia pertencente a uma pessoa alienada mental

que, por este exato motivo, não teve condições de avaliar mental mente de forma correta as graves conseqüência da ação

criminosa. Por que aumentar uma Segunda vez a pena deste crime, cuja sanção já recebeu significativo aumento em decorrência da qualificadora de lesão corporal grave.

Qual seria a diferença de desvalor ético-jurídico entre este crime e outro da mesma espécie, praticado nas mesmas circunstância, com a destinação única de ser a vítima pessoa mentalmente normal e, portanto, em condições de sofrer mais profundamente

as conseqüências psíquicas da violenta ação deletiva? Na primeira hipótese, em que a vítima, por ser portadora de uma

psicose profunda, não sofre psiquicamente (no sentido de não ter consciência), haverá aumento de pena; na Segunda, em que a vítima, mentalmente normal, sofre todas as conseqüência do crime, não haverá causa de aumento71 .

Contudo, o entendimento esboçado quanto ao aumento

previsto no referido artigo, é de que esta dar-se-a somente quando ocorrer grave

lesão, ou resultar em morte, senão vejamos, decisão do Superior Tribunal de

Justiça que já proclamou:

71 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996. p. 144.

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O aumento de pena previsto no artigo 9º da Lei n. 8.072/90, no entanto, dada a expressa referência do artigo 223, caput e

parágrafo único, somente ocorrerá em havendo lesão corporal grave ou morte72.

Também a jurisprudência de nossos Tribunais tem sido

remansosa em reconhecer a não incidência da causa especial de aumento

constante do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, a não ser em casos dos quais

resultou lesão corporal grave ou morte da vítima, veja-se:

Revisão criminal. Estupro cometido contra menor de 14 anos. Violência presumida. Crime hediondo. Pretendido afastamento da condenação do aumento de pena previsto no art. 9º da lei 8.072/90. Inocorrência de lesão corporal grave ou morte. Inaplicabilidade do acréscimo. Revisional deferida (Revisão Criminal n. 2.783, de Curitibanos, deste Relator, j. em 28-3-96).

Como resultado deste aumento de metade sobre a baliza

mínima já prevista para os referidos crimes, ter-se-á duas situações em que não

haverá mínimo nem máximo, pois ambos serão de 30 (trinta) anos, ou seja, a

pena mínima que é de vinte anos, acrescida de metade, que corresponde a dez,

alcançará o patamar de trinta anos, semelhante ao máximo estabelecido, não

havendo, por conseqüência, como o juiz percorrer os três passos para a dosagem

da pena. Em outras palavras, independentemente das circunstâncias pessoais do

agente, bem como do crime que foi praticado, resta ao juiz aplicar trinta anos de

reclusão. É trinta ou trinta!

A majorante prevista no artigo 9º, da LCH, somente se

aplicará nos crimes de roubo e de extorsão, praticados com violência real, conta

uma criança não maior de 14 anos ou alienada mental, dos quais resulte efetiva e

comprovada lesão corporal grave ou morte da vítima, pois o dispositivo em

análise alude apenas às formas qualificadas pelo resultado, previstas no §3º, o

72 BRASIL. (Recurso Especial n. 31.607-1, Quinta Turma, Rel. Min. Costa Lima, j. em 31-3-93, votação unânime, p. no DJU em 3-5-93, p. 7.807.

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artigo 157 e § 2 do artigo 158, do CP. Aqui, a violência real e efetiva contra a

pessoa.

Infelizmente, mais uma vez o legislador pátrio foi infeliz, e

com viva eloquência, proclamou que com a petrificação do ordenamento penal

brasileiro estar-se-ia trilhando para uma suposta segurança social, apaziguadora,

quando na verdade criou-se uma dispensável afronta a humanização de todo o

sistema penal, trafegando assim pelos periclitantes caminhos da

inconstitucionalidade da norma.

Precatadamente, cita-se novamente Sérgio Salomão

Shecaira:

Para que ocorra uma efetiva individualização, é mister que o quantum da pena não seja fixo, ou seja, ele deve variar entre um mínimo e um máximo que permitirá ao juiz, analisando as

condições e circunstâncias do crime, assim como a culpabilidade do agente (art. 59, CP), determinar a quantidade e qualidade da

pena a ser aplicada73.

Na forma do que até agora fora exposto, não há dúvida que

a majorante contida no artigo 9º da LCH, criado por competência legislativa, torna-

se clara afronta aos princípios da humanização do direito, introduzidos em nosso

tempo contemporâneo pelo Iluminismo, ferindo assim princípios norteadores

como o da individualização da pena, o da humanização da pena e da eqüidade.

Se a Constituição Federal consagrou o princípio da

individualização pena, não terá o legislador ordinário possibilidade de tangenciá-

lo, estruturando um lei que não deixe ao juiz nenhum espaço para o processo

individualizador da pena. O princípio constitucional é, portanto, flagrantemente

lesionado quando o mínimo e máximo punitivos são eqüipolentes74.

73 SHECAIRA, Sérgio Salomão; JR. Alceu Corrêa. Pena e Constituição. São Paulo: RT, 1995. p. 30/31. 74 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 244

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CAPÍTULO 3

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 9º DA LEI 8.702 DE 25 DE JULHO DE 1990.

Após o estudo já feito, a cerca dos princípios da

humanidade, da individualização da pena, e do estudo da aplicação da eqüidade

como instrumentos constitucionais norteadores do limite punitivo do estado, e,

após uma abordagem dos crimes hediondos através da Lei 8.702/90, em especial

no seu artigo 9º, passaremos a estudar neste Terceiro e último capítulo, a sua

constitucionalidade ou não, ante os princípios abordados.

Já se faz cediço em nosso meio jurídico, que o Estado

Democrático de Direito, é o condicionador de toda a estrutura penal, incluindo-se

ai os Direitos fundamentais da pessoa humana, que figuram como fonte

permanente para a elaboração do conteúdo da norma penal.

Tais princípios, trazem proverbial garantia da dignidade

humana, em face do corolário interesse do Estado despótico.

Figurando, inevitavelmente como um passo a involução, a lei

8.072/90, enfraquece direitos e garantias constitucionais e nos leva a mais uma

contradição, ou seja, a convivência de um direito penal autoritário em pleno

Estado Democrático de Direito.

A obstinada cruzada do legislador de 90 contra a criminalidade violenta, além de aumentar irracionalmente a quantidade mínima das penas cominadas e de sujeitar os autores de crimes hediondos a conseqüências jurídico-penais mais rigorosas (algumas delas verdadeiramente cruéis) acabou ainda por criar mais uma nova e impertinente causa de aumento de pena.

Dispõe, o artigo 9º da LCH, que as penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts, 157, § 3º; 158, § 2 º; 159 caput e

seus §§ 1º, 2º, e 3º, 213, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidos de

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metade, respeitando-se o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no

art. 224 também do Código Penal.75

Diante do que fora anteriormente analisado, é possível

perceber tanto sob a ótica sociológica quanto filosófica, que os motivos que

conduziram o legislador pátrio a criação da Lei dos Crimes Hediondos,

infelizmente culminaram em mais um dos tantos abortos legislativos, que além

de aumentarem irracionalmente a quantidade mínima das penas já cominadas,

sujeitando autores de crimes hediondos a conseqüências jurídico-penais mais

vigorosas e cruéis, acabou por criar uma impertinente causa de aumento de pena.

Para uma análise da constitucionalidade de uma norma,

deve-se levar em conta que o controle de constitucionalidade está ligado

inevitavelmente à Supremacia da Constituição sobre a totalidade do ordenamento

jurídico e, também, à rigidez e proteção de todos os direitos fundamentais.

Segundo Alexandre de Moraes76 o controle constitucional

significa:

(...) verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de

um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e

materiais. Desta forma, no sistema constitucional brasileiro somente as normas

constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a análise

da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais.

Os valores constitucionais da segurança pública, presentes

nos dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos, provocam uma colisão de valores

fundamentais em sentido amplo, em razão de envolver o núcleo essencial dos

princípios da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), da dignidade da pessoa

humana (CF, art. 1º, III), do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da liberdade

provisória (CF, art. 5º, LXVI) sem fiança, da presunção de inocência sem o

trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII) do Estado

75 LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos político-jurídicos da Lei 8.072/90. São Paulo: Atlas S/A 1996. p. 141. 76 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 579.

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Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput), com o conteúdo material presente na

restrição constitucional de caráter penal (CF, art. 5º, XLIII), que fundamentou a

edição da legislação infraconstitucional acerca dos crimes hediondos.

Não obstante a singela relativização do direito à propriedade

delineada por nossa atual Constituição, observamos diariamente o

recrudescimento de propostas voltadas para a proteção daquele que, sem dúvida,

podemos considerar como o direito mais importante de toda a ideologia liberal e

de nossa sociedade, extremamente influenciada pelas idéias de pensadores da

estirpe de John Locke e Thomas Hobbes. O Código Penal em vigor é mais um

dos muitos exemplos de que adotamos um modelo de Direito construído sobre a

noção de propriedade. Aos crimes contra o patrimônio (privado) o legislador tem

cominado penas que se sobrepõem àquelas estabelecidas para os delitos dolosos

que atingem, essencialmente, a pessoa humana, a vida.

É de se observar que o modelo de política criminal previsto

na Lei dos Crimes Hediondos afronta o direito fundamental à individualização da

pena. Nesse sentido, o próprio Governo de FHC reconhece isso, ao apontar, na

exposição de motivos do Projeto de Lei n. 724-A, de 1995, que a nova proposta

permitirá o tratamento rigoroso, sem contudo inviabilizar a individualização da

pena.

O princípio da individualização da pena se trata, na verdade,

de um direito fundamental da pessoa humana, o qual não se restringe à simples

fixação da pena in abstracto, mas que se revela abrangente da própria forma de

individualização (progressão), a ponto de se cogitar o limite à ação do legislador,

indagando se ele poderia prescrever se a pena privativa de liberdade seria

cumprida integralmente em regime fechado, ou seja, se na autorização para a

intervenção no âmbito de proteção desse direito está implícita a possibilidade de

eliminar qualquer progressividade na execução da pena.

A irracionalidade da norma agravadora fica ainda mais evidenciada e insustentável quando se constata que, nos casos

dos crimes de roubo, extorsão e de exortação mediante seqüestro, qualificados pelo resultado morte, aplicado ao aumento

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punitivo conforme impões a majorante, a pena mínima será de trinta anos de reclusão, igual ao limite máximo estabelecido no

próprio dispositivo legal. Frise-se que, na hipótese de crime de seqüestro com morte do refém, o aumento de metade, elevaria a

pena mínima para 36 anos, o que é vedada pela própria norma.

O legislador de 90 ignorou que as causa de aumento, sejam elas genéricas ou específicas, podem elevar o quantum da pena concretizada na sentença acima do máximo cominado em

abstrato e acabou por deixar um limite específico para a situação criada com a vigência do confuso dispositivo legal em exame.

Trata-se de exceção à regra geral e, embora favoreça o indivíduo, pois, em relação a outros crime graves ou menos graves, o limite de 30 anos não tem aplicação, podendo ser ultrapassado se houver a incidência de uma ou mais causas de aumento de pena.

A elevar obrigatoriamente a carga punitiva desses crimes, nas hipóteses qualificada já mencionadas e fazendo coincidir a pena mínima com a pena máxima, a art. 9º da LCH impede o juiz de exercer seu poder discricionário de aplicar a pena, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e repressão do crime cometido, de acordo com o que dispõe o art. 59 do CP. Não há dúvida de que o princípio da individualização da pena, adotado por este dispositivo do CP e consagrado pelo art. 5º, incisos XLVI

a XLVIII, da CF, foi completamente desprezado e o juiz transformado num mero vetor de uma pena previamente fixada

em seu quantum. O magistrado, nesses casos, ficou tolhido em seu poder de considerar livremente todas as circunstâncias judiciais indispensáveis à realização do importante processo de

efetiva concretização da sanção criminal e de aplicá-la na medida exata e capaz de alcançar sua real individualização.77

Assim sendo, é preciso observar o limite do limite da

atuação do legislador em sede da dogmática dos direitos fundamentais, que nada

mais é do que o princípio da proteção do núcleo essencial desses direitos.

Cumpre ressaltar que o princípio da proteção do núcleo

essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental

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decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais, feitas

pelo legislador.

Diante da antinomia segurança x liberdade, o cidadão tem

optado por caminhos que privilegiem sua segurança, ainda que para tanto

testemunhe a dissipação de alguns dos seus direitos fundamentais.

Acompanhamos, por conseguinte, o sacrifício dos mais importantes direitos em

prol de uma suposta segurança.

Destarte, diante de quadro tão desalentador, torna-se

imprescindível abdicar de soluções inexoráveis para os problemas que se

apresentam. O art. 9º da Lei 8.072/90 é mais uma daquelas providências que

além de ineficazes, acabam por desconsiderar inúmeros princípios, direitos e

garantias fundamentais, fontes normativas de toda a Constituição, responsáveis

não somente por conferir validade às leis, mas legitimidade a todo o sistema.

Com efeito, infere-se que observá-los e preservá-los é mais

do que uma necessidade; é o dever de um Estado que configura-se sob a

designação de Estado Constitucional de direitos fundamentais.

3.1 O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 FACE AO PRINCÍPIO DA HUMANIDADE

A inconstitucionalidade inserida no art. 9º da Lei 8.072/90,

vem em decorrência de sua afronta aos princípios da humanidade e da

individualização da pena, expostos, em nossa Carta Magna.

Dessa forma, acentua o Ministro Marco Aurélio78 que:

Assentar-se que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é passo

demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em Estado Democrático, como são os da igualdade de todos perante a lei, o da dignidade da

77 LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos político-jurídicos da Lei 8.072/90. São Paulo: Atlas S/A 1996. p. 148.

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pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltado para o bem comum.

Neste vértice temos em Dotti79 a proverbial cautela:

A destruição da vida humana e a supressão eterna da liberdade negam, aprioristicamente, o valor do Homem como esperança de

redenção e caracterizam reação desproporcionais ao delito, convertendo a pena em instrumento de terror.

Com incontestável autoridade intelectual e profunda honestidade científica, Hilde Kaufmann acentua que a tendência humanizadora

na execução das reações penais não põe em perigo o ordem e a segurança pública.

Em atividade legislativa cuja formalização não exigiu mais do

que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de

periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da humanização da pena que

o regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que

segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas

características pessoais e à vida continuada em ambiente criado para atender a

situação das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferece quadro

harmônico com a almejada ressocialização.

Em conseqüência, o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista

e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, como se

expressa o Preambulo, constituem meios para efetivar o ideal de respeito e

valorização do homem80.

78 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. HC n. 82.959. Relator Ministro Marco Aurélio. Andamento processual (02.12.2004). Disponível em: Acessado dia 01de janeiro de 2006.

79DOTTI, René Ariel. Reforma Penal Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 352/358 80 DOTTI, René Ariel. Reforma Penal Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 332.

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Constantes no rol dos direitos e garantias fundamentais em

matéria penal, ou seja, nas garantias repressivas mínimas, jamais poderiam ser

negligenciados pelo legislador, pois, conforme Alberto Silva Franco81, a

vinculação aos direitos e garantias fundamentais constitui, portanto, uma

obrigação do legislador ordinário que não poderá cair na legalidade dos direitos

fundamentais e substituir a força normativa imediata dos direitos fundamentais

pelo impulso do normativo-legal .

Portanto, pelo estudo realizado, conclui-se que junto com o

princípio da individualização da pena, a dignidade humana também é norteadora

das garantia repressivas mínimas, de forma que o artigo 9º da Lei dos Crimes

Hediondos, afronta claramente a reserva deste princípio abarcado junto a

Constituição da República Federativa do Brasil.

3.2 O ARTIGO 9º DA LEI 8.072/90 FACE AO PRINCÍPIO DA

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Tal impertinência faz-nos concluir que a própria lei é

hedionda , pois afronta o princípio da individualização da pena, se não vejamos o

entendimento de João José Leal82:

Com a nova disposição legal, praticado um desses cinco crimes hediondos, contra vítima menor de 14 anos, alienada mental ou que não tenha qualquer condição de apresentar resistência, a pena será obrigatoriamente aumentada de metade, conforme veremos a seguir, a nova circunstância agravadora é inadmissível pela irracionalidade e destempero de seu rigor e pela contrariedade aos princípios da individualização da pena e do non

bis in idem.

Portanto, torna-se patente que o referido artigo da lei, fere o

princípio da individualização da pena no seu segundo momento complementar,

que é o momento da individualização judiciária, como já vimos anteriormente, em

que presentes as nuanças da espécie concreta, o juiz vai fixar o seu quantitativo

81 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 409.

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entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, atendendo assim ao

consagrado princípio da individualização da pena.

Nessa perspectiva, Alberto Silva Franco83 nos ensina que:

( ) mais importante do que a sentença em si é o seu

cumprimento na prática, porque é na execução que a pena cominada pelo legislador, em abstrato, ajustada pelo juiz ao caso

particular, encontra o seu momento de maior concreção. É aí que o processo individualizador chega à sua derradeira fase: adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado. Excluir, portanto, o

sistema progressivo é impedir o princípio constitucional da individualização das penas. Lei ordinária que estabeleça regime

prisional único, sem possibilidade de nenhuma progressão, atenta contra a Constituição Federal.

A inconstitucionalidade frente ao princípio a individualização

da pena, fica clara uma vez que já se faz cediço no ordenamento jurídico

brasileiro que a legislação pátria adotou com referencia ao quantum da pena

aplicada, a possibilidade da dosagem da mesma, e não a indiscutível

irracionalidade jurídica no que coaduna o artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos,

uma vez que em aumentando na metade a baliza mínima, acarreta em uma

rigidez ao aplicar a pena, impossibilitando, portanto que o julgador individualize a

pena, na pessoa do condenado.

3.3 A EQÜIDADE COMO INSTRUMENTO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 9º DA

LEI 8.072/90.

Finalmente, ao se fazer uma análise do artigo 9º da lei

8.072/90, no que concerne a aplicação da eqüidade nas decisões dos julgadores,

principalmente nos casos em que alei apresente uma lacuna, pelo estudo

realizado, chega-se ao entendimento que para corrigir a flagrante ilegalidade que

apresenta a lei dos Crimes Hediondos, pode-se via a eqüidade corrigir tal

inconstitucionalidade.

82 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996. p. 143.

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62

Pelo método dialético Aristóteles84 procura investigar

problemas que levam à escolha ou rejeição de algo, ou que contribuam para ser

atingida a verdade e o conhecimento, podendo tais problemas trazer a solução

para seu próprio tema ou para um outro problema do mesmo gênero.

A eqüidade é uma forma de encaixar-se a foto na devida

moldura, ou seja, ajusta o direito ao caso concreto, torneia a norma geral que é

dura e sólida, permitindo amoldá-la a caso por caso. Em 5 de outubro de 1988,

com a entrada em vigor da Constituição Federal, deixou-se a cargo de legislação

infraconstitucional, por via de leis complementares e leis ordinária, a

regulamentação de temas polêmicos, dentre as quais conforme ventilado no

artigo 5o, inciso XLIII, da Carta Magna, criou-se a Lei 8.072 de 25 de julho de

1990, conhecida como a Lei dos Crimes Hediondos. Resultado do afoitismo

legislativo em editar a lei, em função do pânico que atingia algumas castas da

sociedade brasileira, momento nebuloso, de potestades em que a violência

urbana, a síndrome do medo e a industria do seqüestro no Rio de Janeiro e São

Paulo, proporcionaram um clima emocional propício para a criação desta lei, tão

dura, ao tempo que tão ineficaz.

Note-se portanto que é justamente neste sentido que

consiste a eqüidade, no corrigir o excessivo rigor e a impessoalidade das leis, no

aplicá-las com espírito de compreensão e coerência, com disposição de

reconhecer, igualmente, o direito de cada um, mesmo com prejuízo do Direito

Objetivo. Não é forma especial de justiça, mas um critério de aplicação que tem

em vista harmonizar o abstrato e rígido da norma jurídica com a realidade

concreta.

Pela eqüidade ponderam-se, avaliam-se e estimam-se os

resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinadas

situações fáticas. Se o resultado prático a ser obtido concorda com as valorações

que inspiram a norma, ela deverá ser aplicada. Se, ao contrário, a norma aplicável

a um caso singular puder produzir efeitos que contradigam as valorações éticas e

83 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 409.

84 ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. São Paulo: Martim Claret, 2002. P. 28

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os ideais de justiça que devem modelar a ordem jurídica, então, indubitavelmente,

não deve ser aplicada ao caso concreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou investigar dentro de um

contexto histórico, legislativo e de aplicação de política criminal, o aumento de

pena previsto no artigo 9º da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990.

Para um desenvolvimento lógico, a pesquisa foi dividida em

três capítulos, sendo que no primeiro deles, procurou-se dentro de uma retórica

histórica, a evolução dos direitos humanitários, culminando na criação de

princípios introduzidos no nosso ordenamento através do Iluminismo, tais como

os princípios da humanização e da individualização da pena, assim como as

decisões fundas na eqüidade.

Pode-se constatar, que os princípios figuram com meio de

limitação do poder repressivo estatal, impondo-lhe limites, tanto expressos quanto

decorrentes da idéia impregnada pela Carta Magna.

Pela presente pesquisa, outro vértice que trouxe grande

aprendizado foi no que concerne ao período Legislativo em que a norma é criada.

O movimento de reforma nas leis e na administração da

justiça penal surgido ao fim do séc. XVIII é resultado do extraordinário movimento

de idéias que constituiu o chamado Iluminismo.

Tal expressão refere-se ao movimento cultural surgido no

séc. XVIII, pelo qual pensadores e publicistas de várias tendências, fundados nas

concepções filosóficas que resultavam do empirismo e do ceticismo e nas

grandes descobertas científicas, deram notável impulso ao livre pensamento em

sede de políticas criminais e sociais.

Ao movimento de reforma e de mudança do pensamento,

tem-se chamado de humanitarismo, pois lança a idéia do respeito à personalidade

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humana, e se funda em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das

pessoas submetidas ao terrível processo penal e ao regime carcerário que então

existam. Surgem assim, como idéias básica do Iluminismo, em matéria de justiça

penal, a proteção da liberdade individual contra o arbítrio judiciário, a abolição da

tortura, a abolição ou limitação da pena de morte e a acentuação do fim estatal da

pena, com agastamento das exigências formuladas pela Igreja ou devidas

puramente à moral, fundadas no princípio da retribuição. Dentre as vertentes

principológicas introduzidas pelo Iluminismo, temos o princípio da humanização

da pena, o princípio da individualização da pena e a eqüidade.

Numa segunda etapa, os estudos dirigiram-se para os

princípios da individualização da pena, da humanização da pena e da eqüidade,

trazidos para dento do direito Constitucional pátrio por uma evolução histórica

ocorrida dentro da chamada Escola Clássica.

Tais princípios são tidos como garantias repressivas

mínimas , estendidas a todos os homens que passam pelo assombroso processo

criminal.

Verificamos também, as limitações impostas aos juízes no

que tange a aplicação da pena, em especial ao que dispõe o artigo 59 do Código

Penal.

Também considera-se, como efeitos do presente estudo,

que o Direito Penal Brasileiro, adotou um sistema de pena composto por uma

baliza mínima e uma baliza máxima, ou seja, para todo tipo de crime, delito ou

contravenção, estará posto ao magistrado, uma pena base e uma máxima,

justamente para garantia de uma elasticidade para que ocorra a tão aclamada e

garantida individualização penal.

Longe de adotar um sistema penal rígido de pena única, o

legislador ao adotar as penas elásticas, vedou toda e qualquer possibilidade de

diligência em contrário.

O princípio da individualização da pena previsto no artigo 5º,

XLVI, da Constituição Federal, é uma das chamadas garantias criminais

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repressivas, em que o julgador, dentro do seu poder discricionário aplicará a pena

ao infrator dentro dos limites de uma baliza mínima e outra máxima,

individualizando o quantum punitivo cabível no caso concreto. Tal princípio

garantidor compõe-se de três etapas distintas, ou seja, a individualização

legislativa (cominação penal), individualização judicial (aplicação da pena),

individualização executória (execução da pena).

O poder discricionário para a individualização da pena não é

uma divindade muda posta aos caprichos do magistrado julgador. Na verdade se

trata de um poder revestido da máxima nos termos da legalidade e objetividade

em sua quantificação afim de que sejam prevenidos eventuais abusos, e, para tal

limitação, o julgador deve atender ao disposto no artigo 59 do Código Penal, que

abrange as condições de aplicação da pena.

A eqüidade é uma forma de encaixar-se a foto na devida

moldura, ou seja, ajusta o direito ao caso concreto, torneia a norma geral que é

dura e sólida, permitindo amoldá-la a caso por caso. Em 5 de outubro de 1988,

com a entrada em vigor da Constituição Federal, deixou-se a cargo de legislação

infraconstitucional, por via de leis complementares e leis ordinária, a

regulamentação de temas polêmicos, dentre as quais conforme ventilado no

artigo 5o, inciso XLIII, da Carta Magna, criou-se a Lei 8.072 de 25 de julho de

1990, conhecida como a Lei dos Crimes Hediondos. Resultado do afoitismo

legislativo em editar a lei, em função do pânico que atingia algumas castas da

sociedade brasileira, momento nebuloso, de potestades em que a violência

urbana, a síndrome do medo e a industria do seqüestro no Rio de Janeiro e São

Paulo, proporcionaram um clima emocional propício para a criação desta lei, tão

dura, ao tempo que tão ineficaz.

Destacam-se aqui os crimes previstos no artigo 9º da Lei

8.072/90, no qual o Latrocínio, tipificado no art. 157, § 3 CP com pena de 20

(vinte) a 30 (trinta), e o de Extorsão mediante seqüestro aludida em sua figura

qualificada no artigo 159 §3, com pena de 24 (vinte e quatro) anos e 30 (trinta) de

reclusão, terão um aumento da metade (50%) em suas balizas mínimas. Teremos

então duas situações em que não haverá pena mínima, pois tanto a mínima

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quanto a máxima serão de 30 (trinta) anos, ou seja, a pena mínima que é de vinte

anos e vinte e quatro anos respectivamente, acrescida de metade alcançará o

patamar de trinta anos, tanto para pena mínima quanto para a máxima, não

havendo por conseqüência, como o juiz percorrer os três passos para a dosagem

da pena. Em outras palavras, independentemente das circunstâncias pessoais do

agente, bem como do crime que foi praticado, resta ao juiz aplicar trinta anos de

reclusão.

Legislativamente, ficou evidente que a Lei 8.072/90, mais

conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, figura como mais um dentre tantos

abortos legislativos, criada para lavourar na defesa do patrimônio de uma casta

da sociedade brasileira.

Tal artigo fere o princípio da individualização da pena no seu

segundo momento, que é o da individualização judiciária, por não ter a

elasticidade entre pena mínima e máxima para que o Juiz possa dosar a

penalidade na pessoa do infrator.

Por isso, num terceiro capítulo, estudamos o artigo 9º da Lei

8.072-90, para o qual o legislador previu um aumento de pena na ordem de 50%

para crimes que resultem em lesão corporal grave ou morte, nos termos lá

estabelecidos.

Contudo, tal aumento impede que o julgador possa dosar a

pena na pessoa do condenado, pois com a majorante, o crime de roubo com o

resultado morte (latrocínio), e a extorsão mediante seqüestro, culminam em uma

pena tanto na mínima quanto na máxima em 30 anos, infringindo assim as

garantias repressivas mínimas da individualização da pena, da humanização da

pena e da equidade.

Derradeiramente, para desfecho da pesquisa, longe de

findar os debates a cerca do assunto, nem tão pouco esgotar o tema, verifica-se

que num todo a Lei dos Crimes Hediondos, e, em específico em seu artigo 9º, não

atendem aos Princípios Constitucionais norteadores de toda a legislação

infraconstitucional.

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ANEXOS

LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o

Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º São considerados hediondos os crimes de

latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte, (art. 158, § 2º),

extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º,

2º e 3º),

estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e

parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o

art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º),

envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal,

qualificado pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código

Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º,

2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados.

Art. 1o

São considerados hediondos os seguintes

crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no

2.848, de 7 de dezembro de 1940 -

Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de

6.9.1994)

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade

típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio

qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de

6.9.1994)

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); (Inciso incluído

pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

(Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)

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IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada

(art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)

V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223,

caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)

VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua

combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº

8.930, de 6.9.1994)

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

(Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)

VII-A

(VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de

20.8.1998)

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração

de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, §

1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no

9.677, de 2 de julho de 1998).

(Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 20.8.1998)

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o

crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o

e 3o

da Lei no

2.889, de 1o

de outubro

de 1956, tentado ou consumado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de

6.9.1994)

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança e liberdade provisória.

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será

cumprida integralmente em regime fechado.

§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá

fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

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§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº

7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o

prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e

comprovada necessidade.

Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de

segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados

de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco

a ordem ou incolumidade pública.

Art. 4º (Vetado).

Art. 5º Ao art. 83 do Código Penal é acrescido o

seguinte inciso:

"Art. 83. ..............................................................

........................................................................

V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de

condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes

e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em

crimes dessa natureza."

Art. 6º Os arts. 157, § 3º; 159, caput e seus §§ 1º, 2º e

3º; 213; 214; 223, caput e seu parágrafo único; 267, caput e 270; caput, todos do

Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 157. .............................................................

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é

de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é

de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

........................................................................

Art. 159. ...............................................................

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Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

§ 1º .................................................................

Pena - reclusão, de doze a vinte anos.

§ 2º .................................................................

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.

§ 3º .................................................................

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

........................................................................

Art. 213. ...............................................................

Pena - reclusão, de seis a dez anos.

Art. 214. ...............................................................

Pena - reclusão, de seis a dez anos.

........................................................................

Art. 223. ...............................................................

Pena - reclusão, de oito a doze anos.

Parágrafo único. ........................................................

Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos.

........................................................................

Art. 267. ...............................................................

Pena - reclusão, de dez a quinze anos.

........................................................................

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Art. 270. ...............................................................

Pena - reclusão, de dez a quinze anos.

......................................................................."

Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o

seguinte parágrafo:

"Art. 159. ..............................................................

........................................................................

§ 4º

Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-

autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá

sua pena reduzida de um a dois terços."

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena

prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos,

prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. O participante e o associado que

denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu

desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes

capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213,

caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua

combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são

acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão,

estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do

Código Penal.

Art. 10. O art. 35 da Lei nº 6.368, de 21 de outubro de

1976, passa a vigorar acrescido de parágrafo único, com a seguinte redação:

"Art. 35. ................................................................

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Parágrafo único. Os prazos procedimentais deste capítulo

serão contados em dobro quando se tratar dos crimes previstos nos arts. 12, 13 e

14."

Art. 11. (Vetado).

Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua

publicação.

Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 25 de julho de 1990; 169º da Independência e 102º

da República.

FERNANDO COLLOR

Bernardo Cabral

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 26.7.1990

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