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O Asilo de ÓrfãsO Asilo de Órfãs São Benedito em Pelotas – RS (as primeiras décadas do...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Faculdade de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao
Dissertao
O Asilo de rfs So Benedito em Pelotas RS (as primeiras dcadas do sculo XX): trajetria educativa-institucional
Jeane dos Santos Caldeira
Pelotas, 2014
-
1
JEANE DOS SANTOS CALDEIRA
O Asilo de rfs So Benedito em Pelotas RS (as primeiras dcadas do
sculo XX): trajetria educativa-institucional
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Educao da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial obteno do ttulo de
Mestre em Educao.
Orientadora: Profa. Dra. Giana Lange do Amaral
Pelotas, 2014.
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2
Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas
Catalogao na Publicao
C146a Caldeira, Jeane dos Santos
O Asilo de rfs So Benedito em Pelotas RS (as primeiras dcadas do sculo XX): trajetria educativa-
institucional / Jeane dos Santos Caldeira; Giana Lange do
Amaral, orientadora. Pelotas, 2014.
249 f. : il.
Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao
em Educao, Faculdade de Educao, Universidade
Federal de Pelotas, 2014.
1. Asilo de rfs. 2. Histria das instituies educativas. 3. Igreja catlica e educao. 4. Congregao do Imaculado
Corao. 5. Negros em Pelotas. I. Amaral, Giana Lange do,
orient. II. Ttulo.
CDD : 370.9
Elaborada por Knia Moreira Bernini CRB: 10/920
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3
Banca examinadora:
Prof Dr Giana Lange do Amaral Orientadora
Prof Dr Dris Bittencourt Almeida (UFRGS)
Prof. Dr. Eduardo Arriada (UFPel)
Prof Dr Elisa dos Santos Vanti (UFPel)
Prof Dr Maria Augusta Martiarena de Oliveira (IFRS)
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4
minha querida me que pelo amor incondicional,
dedicou sua vida ao trabalho para que sua nica
filha dedicasse sua vida aos estudos.
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5
AGRADECIMENTOS
orientadora Prof Dr Giana Lange do Amaral, por me acompanhar desde
2008, por acreditar no meu potencial e contribuir minha formao como educadora
e pesquisadora. Obrigada pelo acolhimento, dedicao e carinho.
Aos professores Dr Dris Almeida, Dr. Eduardo Arriada e Dr Elisa Vanti,
pela disponibilidade de compor as bancas de qualificao e de defesa desta
dissertao, e principalmente, pelas consideraes, crticas e sugestes para
qualificar meu estudo. Prof Dr Maria Augusta de Oliveira que muito colaborou
com os meus estudos desde a Iniciao Cientfica e gentilmente aceitou o convite
para compor a banca de defesa.
Aos colegas do grupo de pesquisa CEIHE Centro de Estudos e
Investigaes em Histria da Educao, em especial, s colegas Hardalla do Valle e
Jezuna Schwanz pela amizade e pela parceria acadmica. bolsista Sheila Duarte
e ex-bolsista e colega de profisso Letcia Ferrari pela colaborao na coleta de
dados na Bibliotheca Pblica Pelotense.
s colegas e amigas do Curso de Licenciatura em Pedagogia UFPel 2011/1,
que muito torceram pelo sucesso da minha trajetria acadmica, em especial, Aline
Santos, Ariane Souza, Fabiana de Moraes, Fabiana Volz, Hosane Costa, Priscila
Dias, Rita Souza, Rosane Netto, Sulen Teixeira e Valria Nobre.
s funcionrias do Instituto So Benedito e s Irms da Congregao do
Imaculado Corao de Maria que foram essenciais para realizao deste estudo.
minha famlia, pelo apoio e incentivo, em especial ao pai Antenor Caldeira,
madrinha Vera dos Santos, alm da me Ironi Caldeira, presena constante na
minha vida. Ao primo Pablo Caldeira pelo auxlio nas transcries das entrevistas
realizadas para a dissertao.
Deixo um agradecimento muito especial s minhas amigas, companheiras
fiis, pelo incentivo e carinho dirio. Foram vocs que aturaram meus momentos de
mau humor, compreenderam minhas ausncias e vibraram com cada momento de
conquista, em especial Minhas Pretas. Quem de verdade sabe que ocupa um
lugar prprio no meu corao.
Por fim, agradeo as razes do meu riso fcil, meus afilhados rika, Emilly,
Guilherme, Valentina, Caio, Samuel e meu sobrinho Eduardo.
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6
Enxergar o outro continua exigindo um grande
esforo principalmente para os que no ocuparam o
lugar dos que pouco puderam falar ou escrever ao
longo da histria...
(GALVO; LOPES, 2001, p. 41)
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7
RESUMO
A presente dissertao consiste em uma pesquisa histrica no mbito da Histria da Educao, mais precisamente na Histria das Instituies Educativas. A pesquisa tem como objetivo analisar aspectos histricos do Asilo de rfs So Benedito, atual Instituto So Benedito, fundado no incio do sculo XX na cidade de Pelotas/RS para abrigar meninas negras. A delimitao temporal deste estudo corresponde as primeiras dcadas do sculo XX, tendo como ponto de partida a fundao da instituio em 1901. Para poder analisar a trajetria educativo-institucional do asilo, buscou-se fazer alguns apontamentos sobre a institucionalizao da infncia desvalida no Brasil, contextualizar a cidade de Pelotas a partir do sculo XIX e a situao da comunidade negra dessa cidade depois da Abolio da Escravatura. Com o respaldo da Nova Histria que se recorreu prtica historiogrfica da micro-histria e aos referenciais da Histria Vista de Baixo para a anlise do corpus documental, constitudo por documentos escritos, narrativas orais dos atores educativos e algumas fotografias referentes ao Asilo de rfs So Benedito. A funo desempenhada pelo asilo foi fundamental na vida das meninas carentes, pois durante muitos anos, a obra assumiu ao mesmo tempo o papel da famlia, da escola, da Igreja e de setores da sociedade que tinham interesse na manuteno dessa instituio A instruo primria, moral e religiosa ofertada s meninas, contribuiu para torn-las boas mes, boas esposas e aptas para o trabalho domstico. A partir deste vis que se buscou investigar aspectos do Asilo de rfs So Benedito: o lugar da rf na sociedade, caractersticas da educao institucionalizada, o esteretipo de mulher formada no Asilo de rfs e a relao da sociedade pelotense com a instituio. Palavras-chave: Asilo de rfs; histria das instituies educativas; Igreja Catlica e
educao; Congregao do Imaculado Corao de Maria; negros em Pelotas.
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ABSTRACT
This dissertation consists in a historical research of History of Education, specifically the History of Educational Institutions. The research aims to analyze historical aspects of So Benedito Orphan Asylum, So Benedito Institut currently, founded in the early twentieth century in the city of Pelotas / RS to harbor black girls. The temporal delimitation of this study correspond to the first decades of the twentieth century, having as the starting point the foundation of the institution in 1901. In order to analyze the educational and institutional trajectory of the asylum, we attempted to make some notes about the institutionalization of an underprivileged childhood in Brazil, contextualize the city of Pelotas from the nineteenth century, and the situation of the black community in this city after the abolition of slavery. With the backing of the New History is that resorted to historiographical practice of the micro-history and to the referential of the History view from below for analyzing the documentary corpus, constituted of written documents, oral narratives of the educational actors and some photographs relating to the Orphan Asylum So Benedito. The function performed by the asylum was underlying in the lives of those underprivileged girls, because for many years, the work assumed at the same time the role of family, school, church, and sectors of society that had an interest in maintaining this institution The primary instruction, religious and moral education offered to those girls, helped make them good mothers, good wives and suitable for domestic work. From this bias is that we sought to investigate aspects of the So Benedito Orphan Asylum: the place of orphans in the society, characteristics of institutionalized education, the stereotype of the women formed in the Orphan Asylum and the relationship of the Pelotense's society with the institution. Keywords: Orphan Asylum; history of educational institutions; Catholic Church and
education; Congregation of the Immaculate Heart of Mary; negros in Pelotas.
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LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 Irm Assunta ........................................................................................... 56
Figura 2 A primeira Roda de Expostos. Ospedale de Santa Maria in Saxia, Roma,
incio do sculo XIV .................................................................................................. 75
Figura 3 Roda de Expostos, Santa Casa de Misericrdia de So Paulo .............. 77
Figura 4 Asilo de rfs Nossa Senhora da Conceio ....................................... 100
Figura 5 Luciana Lealdina de Arajo ................................................................... 114
Figura 6 Estatutos do Asylo de Orphs S. Benecdito ......................................... 126
Figura 7 Edificaes da Praa Jos Bonifcio .................................................... 130
Figura 8 Natal de 1946 ........................................................................................ 133
Figura 9 Luciana Lealdina de Arajo junto s meninas ...................................... 141
Figura 10 Benedito Lopes Duro ........................................................................... 142
Figura 11 Luciana Lealdina de Arajo e dois rfos ........................................... 150
Figura 12 Antigo sobrado onde foi a primeira sede do Orfanato So Benedito .. 152
Figura 13 Escola So Benedito ........................................................................... 152
Figura 14 Orphanato So Benedito Bag ........................................................ 153
Figura 15 Tmulo de Luciana de Arajo ............................................................. 156
Figura 16 Fotoporcelana ..................................................................................... 156
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10
Figura 17 Tmulo de Preto Caxias ...................................................................... 158
Figura 18 Parte da pedra funerria ..................................................................... 158
Figura 19 Vultos Negros no Rio Grande do Sul .................................................. 161
Figura 20 Luciana Lealdina de Arajo: Me Preta .............................................. 161
Figura 21 Diretoria da instituio ......................................................................... 164
Figura 22 Irm Hilria de Souza .......................................................................... 171
Figura 23 Projeto da fachada do Asilo S. Benedito ............................................. 176
Figura 24 Asilo de rfs So Benedito ............................................................... 177
Figura 25 Instituto So Benedito ......................................................................... 178
Figura 26 Dormitrio do Asilo de rfs So Benedito ......................................... 179
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11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Fotografias do acervo do Instituto So Benedito ................................... 62
Tabela 2 Resumo das biografias dos personagens destacados no calendrio
intitulado: Vultos negros no Rio Grande do Sul ...................................................... 162
Tabela 3 Obras fundadas entre 01/01/1884 at 21/11/2013 ............................... 169
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................... 14
1 PERCURSO TERICO METODOLGICO .................................................. 21
1.1 Minha relao com o objeto de pesquisa ............................................ 22
1.2 A Nova Histria e algumas prticas historiogrficas ........................... 29
1.3 O uso das fontes nas pesquisas da Histria das Instituies
Educativas ..................................................................................................... 36
1.4 Coletar, selecionar e organizar: o trabalho com a Histria Oral,
fotografias e peridicos .................................................................................. 46
1.4.1 A metodologia da Histria Oral ........................................................... 47
1.4.2 Para alm da ilustrao: as fotografias de Instituies Educativas
........................................................................................................................ 58
1.4.3 O uso de peridicos como fonte documental ...................................... 63
2 APONTAMENTOS SOBRE A INFNCIA DESVALIDA ............................ 70
2.1 Instituies para infncia desvalida no Brasil: caridade, filantropia e
assistencialismo ............................................................................................. 70
2.2 A cidade de Pelotas: final do sculo XIX incio do sculo XX .............. 91
2.3 A infncia desvalida em Pelotas .......................................................... 96
3 O ASILO DE RFS SO BENEDITO ...................................................... 104
3.1 A insero da comunidade negra em Pelotas ................................... 104
3.2 O Asilo de rfs So Benedito: uma conquista da comunidade negra
...................................................................................................................... 113
3.2.1 Membros da comunidade negra em prol das meninas desvalidas:
primeiros dez anos do Asilo de rfs So Benedito ................................... 117
3.2.2 Luciana Lealdina de Arajo, seu trabalho na cidade de Pelotas e na
cidade de Bag ............................................................................................ 144
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3.3 O Asilo de rfs So Benedito: o trabalho da Congregao Imaculado
Corao de Maria ........................................................................................ 165
3.3.1 A atuao da Congregao Imaculado Corao de Maria em Pelotas
.......................................................................................................................165
3.3.2 O Asilo de rfs So Benedito a partir de 1912................................. 170
3.3.3 A educao das meninas desvalidas: boas mes, boas esposas e aptas
para os trabalhos domsticos ...................................................................... 181
3.3.4 Caridade e filantropia a servio das desvalidas ................................ 196
Consideraes Finais .................................................................................... 205
Referncias ..................................................................................................... 214
Apndices ....................................................................................................... 231
Apndice A ....................................................................................................... 232
Apndice B ....................................................................................................... 233
Apndice C ....................................................................................................... 234
Apndice D ....................................................................................................... 235
Apndice E ....................................................................................................... 236
Apndice F ....................................................................................................... 237
Apndice G ...................................................................................................... 238
Apndice H ....................................................................................................... 239
Anexos ............................................................................................................ 240
Anexo A ............................................................................................................ 241
Anexo B ............................................................................................................ 244
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14
INTRODUO
Quem no viu Clementina, Rainha Quel No terreiro cantando, dizendo no p
No cinema ela negra, ela Ela chique, ela Chica da Silva Zez
Grande Otelo maior que ele da Vila, Martinho, Ferreira, Jos
Negra massa, gana, raa, guerreira, Guin
Mas se a noite no cu de Luanda Gangazumba quem vence demanda
No cheiro de um forte caf Na dana de um candombl
Se o canto vem l de Angola Zumbi o Rei Quilombola
Ia, Orix, Mucui, Motumb, Colof
Bate a mo e o p Dessa vez d p
Atitude e f Negritude, ax
Negro lindo, raiz, a vida
Benedito e Aparecida Anastcia santa mulher
E So Pixinguinha lamenta em r Livre ser Nelson Mandela
Mesmo na solido de uma cela Pela paz, tanto faz
Se branca ou se negra, ele quer
(Negritude Ax Marco Antnio Costa Santos)
O Brasil um pas em que muitos negros deixaram suas marcas em diversos
setores. Alguns foram brilhantes no cenrio musical e cinematogrfico. Outros se
destacaram na luta em prol dos menos favorecidos. Entre tantas mulheres, seja
Clementina, Zez Motta, Chica da Silva, existem milhares de nomes que podem ser
agregados lista de personalidades ilustres, assim como nomes de homens negros,
no s bomios, no s sambistas, no s comediantes; mas tambm lderes que
lutaram a favor dos excludos.
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15
Se Nelson Mandela se destacou na frica, no Brasil foi Zumbi dos Palmares.
No mbito religioso, a maior referncia Nossa Senhora Aparecida, originalmente
brasileira, e So Benedito. Embora a escrava Anastcia ultrapasse as fronteiras do
imaginrio popular, sendo cultuada por brasileiros e africanos.
Talvez o compositor da msica Negritude Ax desconhea a existncia dos
descendentes de Manuel Conceio da Silva Santos, de Luciana Lealdina de Arajo,
Benedito Lopes Duro, Antnio Boabad e tantos outros nomes, membros da
comunidade negra pelotense, que se destacaram no cenrio educacional, no se
encontrando resignados e conformados com o descaso por parte do Estado e da
sociedade.
Nesse intento o presente estudo busca analisar aspectos de uma instituio
que ao que tudo indica, foi criada pela comunidade negra, para abrigar meninas
negras em Pelotas/RS no incio do sculo XX.
Esta dissertao, em nvel de Mestrado, na linha de pesquisa Filosofia e
Histria da Educao, do Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal de
Pelotas (PPGE/UFPel) consiste em uma pesquisa histrica no mbito da Histria da
Educao, mais precisamente na Histria das Instituies Educativas, tendo como
enfoque o estudo da histria do Asilo de rfs So Benedito, atual Instituto So
Benedito, fundado no incio do sculo XX na cidade de Pelotas/RS. A delimitao
temporal deste estudo corresponde as primeiras dcadas do sculo XX.
Um dos principais desafios do presente trabalho foi delimitar o recorte
temporal como objeto de estudo, pois se trata de uma instituio centenria. Nesse
sentido, compactua-se com Sanfelice (2007, p. 76) quando afirma que:
Quando se toma a deciso de pesquisar a histria de uma instituio escolar ou de uma instituio educativa, o condicionante inicial que se pe o da temporalidade. So instituies que existiram e acabaram ou que existiram e sobreviveram at os dias de hoje? No primeiro caso, vai-se em busca de uma histria do passado ou por uma histria do passado e do presente. No raro, em ambas as situaes, acaba-se, com freqncia, tendo que priorizar um determinado perodo da histria da instituio.
Dessa forma, para priorizar o estudo de um determinado perodo, foi
necessrio estabelecer alguns critrios, entre eles, a seleo das fontes coletadas.
Outro critrio utilizado foi o perodo histrico brasileiro.
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A delimitao temporal do presente estudo se concentra principalmente no
perodo da histria brasileira denominada como Primeira Repblica ou Repblica
Velha, compreendidos entre os anos de 1889 a 1930.
Nas primeiras dcadas do Brasil Republicano, o pas passou por um processo
de urbanizao e industrializao, sendo necessria formao de uma mo de obra
qualificada e diversificada. Dessa forma, o governo passou a investir na educao
das classes menos abastadas, tendo em vista a ideia de que a educao seria uma
forma de regenerar e civilizar o povo. No que tange a educao de crianas, Marclio
(1998, p. 224) aponta:
Com a Repblica, a distino entre a criana rica e a criana pobre ficou bem delineada. A primeira alvo de atenes e das polticas da famlia e da educao, com o objetivo de prepar-las para dirigir a Sociedade. A segunda, virtualmente inserida nas classes perigosas e estigmatizada como menor, deveria ser objeto de controle especial, de educao elementar e profissionalizante, que a preparasse para o mundo do trabalho. Disso cuidaram com ateno os mdicos higienistas e os juristas das primeiras dcadas do sculo.
As legislaes de maior relevncia, tratando do assunto da infncia nesse
perodo o Cdigo Penal do final do sculo XIX, o Cdigo Civil Brasileiro de 1916 e
o Cdigo de Menores de 1927 (NEGRO, 2004).
Os anos de 1901, ano de fundao do Asilo de rfs So Benedito; 1912,
ano em que a Congregao do Purssimo Corao de Maria, atual Imaculado
Corao de Maria assumiu a diretoria interna da instituio; e 1930, ano da morte de
uma das principais idealizadoras da fundao do asilo, so um marco histrico para
a instituio e para o presente estudo.
Alm dos anos mencionados, tambm foram utilizadas fontes documentais
produzidas nas primeiras dcadas do sculo XX, sendo assim, justifica-se aqui os
critrios para delimitao temporal da presente pesquisa.
Ressalto, inicialmente, que o estudo sobre essa instituio comeou antes de
meu ingresso no Mestrado. Entre os anos de 2008 a 2011, durante a graduao no
curso de Pedagogia (FaE/UFPel), fui bolsista de Iniciao Cientfica na mesma linha
de pesquisa.
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Naquele momento, sob orientao da professora Giana Lange do Amaral, que
desenvolve projetos de pesquisas sobre instituies educacionais, tive a
oportunidade de estudar aspectos da histria do Instituto So Benedito, divulgando
os resultados da pesquisa em diversos eventos na rea da Educao.
Assim, a pesquisa sobre o Asilo de rfs So Benedito nos proporciona voltar
aos fatos do passado atravs da anlise de objetos e fontes, na tentativa de
entender o presente. Segundo Amaral (2005, p. 15):
A compreenso de nossa realidade atual e suas caractersticas leva-nos sempre ao passado, origem do processo que estamos vivenciando. E um caminho necessrio contextualizao desse processo leva necessidade de regionalizar os estudos histricos, limitar no tempo e no espao a tarefa de anlise histrica.
Na tentativa de regionalizar os estudos histricos, a dissertao est inserida
no mbito da Histria da Educao, mais precisamente da Histria das Instituies
Educativas, como j foi mencionado. Cumpre ressaltar que a Histria da Educao
tem como foco o estudo de fenmenos educativos tanto escolar quanto no escolar.
Como afirma Magalhes (1999, p. 67, grifos do autor):
A histria da educao uma rea do conhecimento que toma como objecto a educao, a partir de uma abordagem historiogrfica, com base em conceitos e conceptualizaes de natureza pedaggica/educacional: antropolgicos, filosficos, didcticos, sociolgicos, psicolgicos, auxiolgicos, organizacionais, historiogrficos.
Alm da interdisciplinaridade com outras reas do conhecimento, muitas
vezes os estudos no mbito da Histria da Educao fazem o cruzamentos com
outros campos da Histria. Sobre essa relao com outros campos, Galvo e Lopes
(2001) no falam de Histria da Educao e sim de Histrias da Educao, que as
autoras enunciam como sendo:
Estudos que investigam no somente o ensino e a escola objetos tradicionais da disciplina -, mas tambm as crianas e os jovens, o livro e a leitura, as mulheres, a violncia, entre tantos outros sujeitos e objetos que contribuem para a melhor compreenso dos processos educativos do passado (GALVO; LOPES, 2001, p. 52).
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Cabe reiterar que o objetivo maior deste estudo investigar a trajetria
educativa-institucional do Asilo de rfs So Benedito, na modalidade de internato
para meninas desvalidas sem distino de cor, iniciando pela fundao da instituio
em 1901, passando pela insero das Irms do Imaculado Corao de Maria na
diretoria interna do asilo em 1912 e de outros acontecimentos que marcaram a
histria do asilo durante as primeiras dcadas do sculo XX.
Seguindo alguns questionamentos levantados por Negro (2004, p. 10) em sua
pesquisa sobre o Asilo de rfs de Campinas, tambm busco investigar em relao
ao Asilo de rfs So Benedito:
o lugar da rf na sociedade;
caractersticas da educao institucionalizada: o trabalho manual e domstico
na instituio, as rotinas e rituais dirios, a educao voltada para o trabalho
como empregadas domsticas;
o esteretipo de mulher formada no Asilo de rfs;
a relao da sociedade pelotense com a instituio.
Dessa forma, ressalto que as questes levantadas pela autora inspiraram os
objetivos propostos por esta pesquisa, pois em ambas situaes tratam-se de
instituies destinadas a meninas desvalidas, com insero de uma Congregao
religiosa. No entanto h singularidades do contexto regional, urbano e institucional
que merecem aqui ser identificados e analisados. Uma delas foi a atuao dos
negros em prol da institucionalizao e educao das meninas desvalidas. Esse foi
um dos fatores determinantes para a fundao do Asilo de rfs So Benedito em
Pelotas.
relevante enfatizar que a educao moral, modelar, disciplinadora e
higienista destinada s classes populares era uma grande preocupao da
sociedade pelotense do sculo XIX e incio do sculo XX. Com o aumento do
nmero de crianas abandonadas e em situao de pobreza, oriundas de famlias
que no tinham condies de mant-las, e na falta de uma atuao direta do Estado,
os asilos para rfs eram uma das alternativas de atendimento.
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A partir deste vis que a pesquisa tambm tenta compreender porque
mesmo aps a Abolio da Escravatura no pas e com a existncia de um
importante asilo na cidade, o Asilo de rfs Nossa Senhora da Conceio, houve
necessidade de que fosse fundado um asilo para meninas desvalidas negras.
a partir da perspectiva da Histria Cultural, que possibilita o estudo de toda
atividade humana, atravs dos novos campos, que se destacam como principais
acervos analisados o do Instituto So Benedito de Pelotas, da Escola So Benedito
de Bag e da Bibliotheca Pblica Pelotense.
Nesse estudo, contou-se com a colaborao das Irms que atuam
diretamente no Instituto e da Irm Ivon Luft, responsvel pelos arquivos na sede
geral da Congregao das Irms do Imaculado Corao de Maria, localizada na
cidade de Porto Alegre/RS. Foram inseridos no trabalho escritas, narrativas orais
dos atores educativos e algumas fotografias da poca referente ao Asilo de rfs
So Benedito.
A dissertao est dividida em trs captulos. O primeiro captulo parte do
percurso terico-metodolgico, fundamentado na Histria Cultural e da minha
relao com o objeto de pesquisa. Em seguida destaca-se o uso das fontes na
pesquisa da Histria das Instituies Educativas, compartilhando tambm com o
leitor, os lugares em que as fontes foram localizadas. Ainda sobre a coleta, seleo
e organizao das fontes, finaliza-se o captulo abordando sobre o trabalho com a
Histria Oral, fotografias e peridicos.
O captulo dois, intitulado Apontamentos sobre a infncia desvalida, comea
com a contextualizao das instituies para a infncia desvalida no Brasil,
abordando questes da caridade, filantropia e assistencialismo. Em seguida, o foco
a cidade de Pelotas no final do sculo XIX e primeiras dcadas do sculo XX.
Cabe frisar que nesse momento, optei por abordar sobre o desenvolvimento
industrial e urbano que foram fundamentais para que a cidade se destacasse de
outras cidades do estado. Por ltimo, busco discorrer sobre algumas instituies, a
partir da segunda metade do sculo XIX, responsveis pela infncia desvalida na
cidade de Pelotas.
No terceiro e ltimo captulo intitulado O Asilo de rfs So Benedito
pretendo discorrer sobre a fundao do Asilo de rfs, a atuao da comunidade
negra em prol das meninas desvalidas e o trabalho de uma das idealizadoras para a
fundao da instituio. Em seguida, procuro esboar aspectos histricos da
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20
instituio a partir do ingresso das Irms da Congregao do Imaculado Corao de
Maria, em 1912, contextualizando as atividades anteriores delas no estado do Rio
Grande do Sul.
A educao das meninas desvalidas na inteno de torn-las boas mes,
boas esposas e aptas para o trabalho domstico tambm ser abordado no terceiro
captulo. Para finalizar o trabalho, trago algumas questes referentes a caridade e a
filantropia em prol das meninas desvalidas do Asilo de rfs So Benedito. Ressalto
que para tanto, o ltimo captulo est subdividido em nove partes, sendo este o mais
importante do presente trabalho.
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21
1 PERCURSO TERICO-METODOLGICO
Aprender a pesquisar decorre de um processo lento e repleto de hesitaes.
Compor o objeto de estudo implica dispor de sensibilidade, dedicar, tempo
ruminao, por-se em inconformidade com o que se apresenta como
receiturio. Como um detetive, o pesquisador sai procura de pistas,
vestgios, achados para construir uma narrativa. Inmeros fios e fragmentos
vo formar a tessitura de sua pesquisa, que implica diretamente na
produo dos achados e na anlise da problemtica produzida nessa
operao intelectual intensa que o ato de pesquisar.
(BASTOS; STEPHANOU, 2012, p. 9)1
O referencial terico-metodolgico e as fontes de pesquisa so fundamentais
para o trabalho do historiador. Sobre o assunto, Saviani (2006, p. 23) afirma que a
interpretao das fontes, as teorias e metodologias assumidas pelo historiador para
a compreenso do passado so, e continuaro sendo, momentos fundamentais do
trabalho historiogrfico.
Para tanto, necessrio o referencial terico-metodolgico que nesse caso foi
sendo delineado a partir do levantamento bibliogrfico que considerado por
Samara e Tupy (2010) o ponto de partida do trabalho histrico, alm do contato
direto com as fontes da pesquisa.
No decorrer do captulo pretende-se evidenciar o lugar de onde falo e as
escolhas terico-metodolgicas que so base e norteadoras do trabalho. Comeo
descrevendo as motivaes para a escolha do Asilo de rfs So Benedito como
tema central deste estudo. Em seguida, justifico minha escolha pela corrente
historiogrfica da Nova Histria - a Histria Cultural - e o uso das fontes na pesquisa
da Histria das Instituies Educativas. Por ltimo, trabalho com questes tericas
referentes metodologia de Histria Oral, o uso de fotografias para alm da
ilustrao e a possibilidade de pesquisa atravs de peridicos.
1 Prefcio. In: GRAZZIOTIN, Luciane Sagarbi; ALMEIDA, Dris Bittencourt. Romagem do tempo e
recantos da memria: reflexes metodolgicas sobre Histria Oral. So Leopoldo: Oikos, 2012.
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1.1 Minha relao com o objeto de pesquisa
Comeo ressaltando que no estudei no Instituto So Benedito que se
localiza na rea central da cidade de Pelotas, prximo Catedral So Francisco de
Paula. Fui aluna durante todo ensino fundamental e mdio em uma escola estadual
de um bairro da cidade.
Apesar de no ter frequentado a instituio como aluna, meu interesse pelo
Instituto d-se por diversos motivos, dentre eles pelo fato de o Asilo de rfs So
Benedito acolher grande nmero de meninas negras e por eu pertencer ao mesmo
grupo tnico-racial, tendo enorme identificao com as meninas que por l passaram
e com outras que ainda estudam no Instituto. At os dias de hoje ainda parte
considervel das alunas so negras, oriundas das zonas perifricas de Pelotas,
principalmente do bairro Navegantes.
Cabe explicitar a escolha pessoal pelo termo tnico-racial. Pode-se afirmar
que o termo considerado politicamente correto, alm de ser utilizado como
categoria nas pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), que
para o questionrio do Censo Demogrfico de 2000 e 2010, apresentou cinco
opes para a autoidentificao tnico-racial dos indivduos entrevistados: branca,
preta, amarela, parda e indgena.
Sobre as categorias tnico-raciais elencadas pelo IBGE, Fonseca e
Nascimento (2013) elucidam que estas so construes culturais hegemonizadas
difundidas a partir da Regio Sudeste, empregadas na tentativa de corresponder
realidade brasileira. Para escolha do termo, tambm considerei as questes ligadas
identidade, de como ser e reconhecer-se negra, por isso, a juno dos termos
etnia e raa. O sentindo de identidade segundo Pollak (1992, p. 224):
[...] o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto , a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela prpria, a imagem que ela constri e apresenta aos outros e a si prpria, para acreditar na sua prpria representao, mas tambm para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.
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Atualmente, o conceito de raa considerado ultrapassado, apesar de j ter
sido muito utilizado em estudos acadmicos2. Isso se deve ao fato de muitos
conceitos passarem por alguns processos de modificaes, de acordo com novas
descobertas ou apenas so abandonados quando no forem mais teis (VALENTE,
1994).
Para alguns pesquisadores, o conceito de raa est relacionado s
caractersticas biolgicas, principalmente as fenotpicas, como cor da pele, altura,
tipo de cabelo e formato do nariz. No caso do Brasil, o processo de miscigenao
pelo qual passou a populao constituda por ndios, negros africanos e imigrantes
europeus e asiticos, difcil definir quem o branco, negro, pardo, amarelo ou
ndio.
Sobre o termo etnia, Valente (1994, p. 17) afirma que seu uso procura definir
grupos biolgicos (como ocorre com o termo raa) e culturalmente homogneos,
apesar dos critrios culturais serem insuficientes para determinao de grupos
tnicos. A autora esclarece que o ideal articular etnia com noo de identidade,
assim como Peres (2002, p. 84) compreende que grupo tnico supe uma auto-
identificao e uma identificao da prpria sociedade.
Percebe-se que o uso de terminologias relacionadas raa e etnia,
ultrapassa questes biolgicas, culturais ou de identidade. Sobre o assunto,
Fonseca e Nascimento (2013, p. 51) explicam que:
No Brasil, tecer consideraes, fazer interpretaes, anlises e reflexes sobre as caractersticas tnico-raciais tem sido algo complexo na medida em que diversas categorias sociais so postas em concorrncia e em dilogo constante, sobretudo porque trazem conceitos, palavras e terminologias estruturadas pelo imaginrio europeu para estabelecer e explicar as diferenas entre os povos com a finalidade de exercer e justificar o domnio de alguns grupos sobre outros.
Portanto, me definir apenas como mulher da raa negra, no seria uma
definio politicamente correta, apesar da cor da pele escura e dos cabelos
caractersticos aos que podem denominar como afrodescendentes. Tambm no
julgo suficiente apenas mencionar que fao parte da etnia negra, considerando a
noo de etnia de acordo com o que foi explicitado.
2 Sobre o processo de classificao racial no Brasil ver: Petruccelli e Saboia (2013).
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Acredito que a classificao de grupo tnico-racial, contempla ambos os
termos alm das questes principalmente ligadas identidade, nesse caso,
identidade negra compreendida por Gomes (2002, p. 39) como:
[...] uma construo social, histrica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de dilogos. Ela implica a construo do olhar de um grupo tnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo tnico/racial, sobre si mesmos, a partir da relao com o outro. Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois s o outro interpela a nossa prpria identidade.
Outro motivo relevante para a escolha do objeto de pesquisa que foi no
Instituto So Benedito que estudaram muitas integrantes do Projeto Odara3, atual
ONG Odara Centro de Ao Social, Cultural e Educacional. Pode-se afirmar que a
histria da ONG Odara teve incio em de 1996, quando comeou o ensino de dana
afro no Instituto So Benedito. Logo este grupo de dana foi denominado Dandara,
coordenado pela professora Raquel Silveira.
Nos anos de 2000 e 2001, aconteceu em Pelotas o festival de msica
Cabobu, idealizado pelo percussionista, cantor e compositor pelotense Gilberto
Amaro do Nascimento (06/12/1940 - 03/02/2014), conhecido popularmente por Giba
Giba.
O Cabobu, considerado como a Festa dos Tambores, teve como principal
instrumento de percusso o Sopapo4, contou com a participao de diversos
msicos, tendo como atividades oficinas dirigidas pelo Mestre Baptista para
construo do instrumento e apresentaes de dana afro.
Como Giba Giba conhecia a professora Maritza Freitas que coordenava o
grupo de dana do Colgio Municipal Pelotense, e tambm tinha uma atuao
significativa junto ao Movimento Negro de Pelotas, ele convidou-a para formar um
grupo de dana para apresentao no Cabobu.
3 Odara em iorub significa beleza e encantamento.
4 O Sopapo, um gnero de tambor de grandes dimenses conhecido hoje nas cidades de Rio Grande,
Pelotas e Porto Alegre, cercado por incertezas quanto as suas origens e circulao. Produto da reconstruo diasprica atribudo aos escravos trabalhadores nas Charqueadas em Pelotas e Rio Grande, no sculo XIX, foi amplamente usado a partir da dcada de 1940 em escolas de samba nestas cidades, conferindo particularidades ao samba executado pelas baterias destas escolas (MAIA, 2008, p. 13-14).
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Atravs do convite da professora Maritza, a professora Raquel Silveira
tambm se juntou ao projeto e dessa forma abriram inscries para formar o grupo e
montar a coreografia. No primeiro Cabobu, aproximadamente cinquenta jovens,
negros e brancos apresentaram a coreografia no Largo do Mercado Pblico.
Com o desejo em dar continuidade ao trabalho desenvolvido para aquele
evento, Raquel Silveira e o casal Maritza Freitas e Dilermando Freitas reuniram
participantes do grupo Dandara e outros, que a exemplo do Dandara, tambm
participaram da performance coreogrfica durante o Cabobu.
Assim surgiu o Projeto Odara que abrange crianas, jovens, adolescentes e
suas famlias, desenvolvendo atividades de dana, percusso, educao, teatro e
outras agregadas ao Movimento Negro da cidade e regio. No ano de 2005, o Odara
passou de Projeto para ONG - Organizao No Governamental.
Toda descrio sobre a ONG Odara foi possvel atravs do estudo da tese de
Mario de Souza Maia (2008) e das minhas lembranas pessoais. Atravs do convite
de uma amiga participei do corpo de baile do segundo Cabobu. Naquele ano o
Cabobu fez parte das atividades da Semana da Conscincia Negra durante o ms
de novembro.
Ainda recordo do nosso deslocamento para o Largo do Mercado, local da
apresentao. Samos do Colgio Municipal Pelotense, durante o turno da tarde,
danando pelas principais ruas do centro de Pelotas, o que causou estranhamento
em muitas pessoas. Era possvel ver em seus rostos o espanto, o riso contido por
ver mais de cinquenta bailarinos e diversos msicos, executando movimentos
coreogrficos e tocando instrumentos em que predominava os de percusso, alis,
mais do que isso, ver um grupo grande em que predominavam negros com colares,
turbantes, cabelos tranados, coloridos, roupas, gestos, movimentos, msicas que
lembravam os escravos e o povo africano.
Tambm foi possvel perceber muitos aplausos, sorrisos, admirao, pessoas
emocionadas com o que estava sendo apresentado pelas ruas da cidade, pois o
CABOBU foi o local de memria erguido, apresentando a recriao de um ritmo
esquecido acompanhado de uma dana estilizada para o palco de concerto (MAIA,
2008, p. 110).
O Odara certamente faz parte do cenrio gacho e est fortemente ligado
histria da etnia negra do estado e dos movimentos sociais carregados de
etnicidade.
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Sobre o assunto, Tambara (2002, p. 44) destaca que:
Particularmente no Rio Grande do Sul, com os movimentos nativistas, com as festas tpicas das regies de colonizao europia (mormente alem, italiana e polonesa), nota-se, a par do cunho mercantil dos mesmos, h um resduo de cunho tnico estimulador, por vezes definidor de diferenas. O mesmo tem ocorrido com a etnia africana, que at ento se restringia a movimentos culturais mais especficos (candombl, carnaval, msica) com pouca ou nenhuma insero social. Entretanto, nas ltimas dcadas, o movimento negro tem emergido com maior intensidade, caracterizando um novo patamar no processo de identificao tnica.
Depois do Cabobu permaneci no Odara durante trs anos e conheci diversas
ex-alunas do Instituto So Benedito que frequentavam a instituio para outras
atividades, como a dana.
A partir da minha relao com estas colegas, comecei a perceber que o
Instituto So Benedito alm de ter somente alunas do sexo feminino, eram jovens
oriundas das zonas perifricas da cidade, predominavam meninas negras e filhas de
domsticas, como minhas colegas do Odara. Todos esses estranhamentos me
despertaram curiosidade em conhecer mais a instituio, fato esse que ocorreu a
partir de 2008, com a pesquisa de Iniciao Cientfica.
No decorrer da pesquisa, em especial no perodo que corresponde o
Mestrado, com o estudo sobre as meninas desvalidas amparadas por asilos e
orfanatos, passei a relacionar a educao ofertada por essas instituies e o real
interesse de parte da sociedade brasileira, principalmente das classes abastadas:
formar potenciais trabalhadoras domsticas.
Posso afirmar que a minha relao com essa profisso facilitou o meu
entendimento sobre o tipo de educao para meninas das classes menos
favorecidas, uma vez que meu pai jardineiro tambm exercendo as atividades de
vigilante, caseiro, encanador, eletricista, motorista, entre outras, e minha me
domstica.
A histria da minha me corresponde ao que Perrot (2008) escreve sobre a
infncia de meninas durante do sculo XIX. A autora afirma que as meninas,
So postas para trabalhar mais cedo nas famlias de origem humilde, camponesas ou operrias, saindo precocemente da escola, sobretudo se so as mais velhas. So requisitadas para todo o tipo de tarefas domsticas. Futura me, menina substitui a me ausente. Ela mais educada do que instruda (PERROT, 2008, p. 43).
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Filha de agricultores, mais velha dos quatro filhos, era responsvel pelo
cuidado da casa e dos irmos mais novos. Oriunda da zona rural cursou at a 5
srie do ensino primrio, no dando continuidade aos estudos por no ter escola
naquela localidade.
Ainda na adolescncia, trabalhou em fbricas de compotas no perodo de
safra. Ficou rf de pai aos 17 anos, o que provocou a mudana para a zona urbana
da cidade na inteno de colaborar no sustendo da famlia. Atravs da indicao de
uma prima, em 1974 comeou exercer a funo de domstica em uma casa de
famlia constituda com um bom capital econmico, cultural e social e que hoje
reside em uma rea nobre da cidade. Aprendeu a cozinhar atravs dos livros de
receitas, instrues da patroa e foi aprimorando seus conhecimentos em cursos de
culinria.
Hoje, minha me est aposentada, ainda trabalhando como cozinheira e
copeira na mesma casa da famlia que ela est acompanhando nesses quase
quarenta anos. Destaco que meu pai trabalha com essa famlia desde o incio da
dcada de 1990, alm disso, eu tambm ocupei a funo de secretria no escritrio
de advocacia do patro de meus pais durante dois anos, antes do meu ingresso na
universidade.
Tendo como ponto de partida a histria profissional da minha me e o estudo
que me disponho a realizar, passo a refletir sobre questes como: o que qualifica
uma mulher para ser uma boa domstica? O que a educao do sculo passado
contribuiu para as meninas serem moas prendadas, boas mes e boas
empregadas? O fato de atualmente algumas domsticas no ficarem muito tempo
trabalhando na mesma residncia, est relacionado disciplina, obedincia e
alienao s classes dominantes?
Destaco que disciplina, obedincia e alienao s classes dominantes eram
objetivos do governo republicano durante a transio do sculo XIX para o sculo
XX, quando se trata das classes populares: formar cidados disciplinados e aptos
para a mo de obra necessria, considerando que naquele perodo o pas estava
passando por um processo de urbanizao e industrializao. Para tanto era
necessrio normalizar, moralizar, educar e higienizar a sociedade, principalmente
as crianas que eram vistas como a gnese da sociedade (CAMARA, 2011, p. 19).
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Considerando que as meninas do Asilo So Benedito ao atingirem a
maioridade, eram encaminhadas para serem empregadas em casas de famlias,
caso no sassem da instituio por outros motivos, como o casamento, sinto-me
motivada a refletir sobre a empregada domstica daquela poca e a empregada
domstica do sculo XXI.
Em relato informal, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domsticos
de Pelotas5, Ernestina Santos Pereira, destacou que existem cursos, em especial o
curso ofertado por uma entidade ligada a Arquidiocese de Pelotas, de Formao
Domstica objetivando a formao da domstica servial (como nos sculos
anteriores) e no a domstica cidad.
No entanto, alm dos motivos de ordem pessoal, acima descritos, considero a
pesquisa sobre a histria deste Instituto relevante, pois o Asilo de rfs (como era
denominado no perodo de internato) foi responsvel pela formao de uma
significativa parcela da populao pelotense, principalmente de meninas negras. Ele
contribuiu para o resgate da dignidade e insero social de meninas de baixa renda,
atravs do seu carter humanitrio. Sobre a minha escolha desse tema para
investigar, utilizo ainda Barros (2005) quando afirma que:
A escolha de um tema para pesquisa mostra-se diretamente interferindo por alguns fatores combinados: o interesse do pesquisador, a relevncia atribuda pelo prprio autor ao tema cogitado, a viabilidade da investigao, a originalidade envolvida (BARROS, 2005, p. 25, grifo do autor).
Muitos autores afirmam que no existe neutralidade do pesquisador com o
objeto de pesquisa. As historiadoras Samara e Tupy (2010, p. 81-82) lembram que:
A eleio de um objeto de trabalho no uma escolha realizada ao acaso. Ela depende, pelo menos, da identificao do Historiador com o tema a ser estudado, de seus objetivos imediatos e das oportunidades que a documentao oferece.
5 Destaco que minha me j foi vice-presidente e presidente do Sindicato dos Trabalhadores de
Pelotas, antes denominado Associao Pelotense das Empregadas Domsticas, fundado em dezembro de 1978 por sua prima Iolanda Prestes da Rosa, sendo elevado a sindicato em 17 de junho de 1989.
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A escolha feita proposital, sempre h uma intencionalidade, por isso, a
necessidade aqui de descrever a minha relao com a ONG Odara, com o
Movimento Negro de Pelotas e de que forma cheguei at o Instituto So Benedito,
alm de fazer alguns apontamentos sobre as empregadas domsticas. Nesse
sentido que Josso (2009, p. 121) ao falar da escrita autobiogrfica afirma que:
A histria de vida relatada uma mediao do conhecimento de si na sua existencialidade, que possibilita que o autor reflita e se conscientiza sobre diferentes registros de expresso e de representaes de si, assim como sobre as dinmicas que orientam sua formao.
Portanto, acredito que a pesquisa sobre o Asilo de rfs So Benedito
contribui na minha formao profissional e pessoal, pois a minha trajetria e
identificao com o objeto investigado me faz refletir sobre a minha histria pessoal
e familiar, minhas prticas pedaggicas e sobre o meu trabalho desenvolvido junto
ao Movimento Negro de Pelotas.
1.2 A Nova Histria: abordagens e prticas
A partir da pesquisa bibliogrfica, desenvolvo a seguir algumas reflexes que
respaldam minha identificao com o tema e o necessrio dilogo com autores que
sustentam a proposta de estudo, elementos fundamentais para o processo de
amadurecimento terico e de apreenso da teoria.
Sabe-se que existem muitos escritos sobre Nova Histria, porm considero
necessrio discorrer sobre o assunto, uma vez que estes serviram de auxlio nas
minhas escolhas terico-metodolgicas para investigao do Asilo de rfs So
Benedito. Comeo abordando o assunto a partir de Buffa (2007, p. 151) ao elucidar
que:
A nova histria, a histria cultural, a nova sociologia, a sociologia francesa constituem as matrizes tericas das pesquisas realizadas. O aspecto positivo dessa tendncia que perdura ainda hoje diz a respeito ampliao das linhas de investigao, diversidade terico-metodolgica e utilizao das mais variadas fontes de pesquisa.
A autora menciona essas matrizes tericas quando se refere aos estudos
sobre cultura escolar, sendo na sua materialidade, prticas educativas, questes de
gnero, infncia, instituies escolares, dentre outros temas. importante ressaltar
que o grande alicerce deste trabalho a Nova Histria, corrente historiogrfica que
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surgiu no final da dcada de 1960 tendo sua origem na chamada Escola dos
Annales.
A Escola dos Annales, em francs cole des Annales, um movimento
historiogrfico criado a partir da revista francesa Annales: conomies, societs,
civilisations, idealizada por Lucien Febvre e Marc Bloch tendo seu primeiro nmero
publicado no dia 15 de janeiro de 1929, trazendo uma abordagem nova e
interdisciplinar da histria (BURKE, 1991, p. 33). Reis (2006) destaca a renovao
terico-metodolgica da Histria a partir dos Annales.
O arquivo do historiador renovou-se e diversificou-se. E as tcnicas de processamento tornaram-se mais sofisticadas e complexas. Agora, a histria poder ser feita com todos os documentos que so vestgios da passagem do homem. O historiador tem como tarefa vencer o esquecimento, preencher os silncios, recuperar as palavras, a expresso vencida no tempo (REIS, 2006, p. 37-38).
Burke (1991) afirma que a revista havia sido planejada muito antes de 1929,
mas o projeto enfrentou dificuldades e teve que ser abandonado. Assim como a
proposta interdisciplinar da revista, o seu comit editorial tambm era interdisciplinar,
no sendo formado somente por historiadores, tambm por gegrafo, socilogo,
economista e cientista poltico.
Destacam-se as trs grandes geraes da Escola dos Annales: a primeira
liderada por Marc Bloch e Lucien Febvre (1929), a segunda por Fernando Braudel
(1946) e a terceira (1969) que apresenta uma pluralidade de nomes, dentre eles
Jacques Le Goff, Pierre Nora, Marc Ferro e Le Roy Ladurie (BARROS, 2010a).
Tambm pode ser identificada uma quarta gerao que surgiu no final da dcada de
1980 e segue at os dias atuais.
Para dissertar sobre os Annales e at mesmo sobre a Nova Histria, deve-se
levar em conta possveis aspectos contraditrios, pois os prprios tericos que
fazem parte desta corrente discordam entre si, o que gera muitas polmicas. Dentre
elas, a constituio dos Annales como Escola dos Annales ou Movimento dos
Annales. Como afirma Barros (2010a, p. 3-4):
Se uma Escola, at que ponto existiro inovaes suficientemente decisivas para que se possa atribuir aos Annales uma contribuio realmente transformadora para a Historiografia Ocidental, tal como prope Jos Carlos Reis nas suas diversas anlises sobre as radicais e inovadoras contribuies que emergem da instituio pelos Annales de um novo Tempo Histrico? Por outro lado, se os Annales constituram uma Escola ou um
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Movimento, quais os seus limites temporais: teriam se esgotado nas duas primeiras geraes, ou prosseguem pelas geraes posteriores de historiadores franceses que reivindicam a herana de Bloch, Febvre e Braudel?
Os limites temporais que o autor assinala se referem ao fato de analisar a
terceira gerao como continuao das geraes anteriores ou ruptura dessas
geraes.
O ano de 1968 habitualmente apontado como um marco de uma nova fase na histria da Escola dos Annales. Muitos vem nesta data o fim do movimento, no sentido de que acreditam que o que se seguiu foi um outro tipo de historiografia. Outros consideram este ano como o incio de uma nova fase deste grande movimento, e aqui que se utiliza a expresso terceira gerao dos Annales para designar os novos historiadores franceses em ascenso e agora na direo do movimento (BARROS, 2010a, p. 19).
Peter Burke e Franois Dosse aprofundam essa discusso. Conforme Burke
(1991), os historiadores da terceira gerao dos Annales so herdeiros da primeira
gerao, dando continuidade aos projetos iniciados por Bloch e Febvre.
Deve-se admitir, pelo menos, que o policentrismo prevaleceu. Vrios membros do grupo levaram mais adiante o projeto de Febvre, estendendo as fronteiras da histria de forma a permitir a incorporao da infncia, do sonho, do corpo e, mesmo, do odor. Outros solaparam o projeto pelo retorno histria quantitativa, outros reagiram contra ela (BURKE, 1991, p. 79).
J Dosse (2003), grande crtico dos dirigentes da terceira gerao, indica
uma ruptura no final da dcada de 1960.
A terceira gerao dos Annales, sensvel como as outras interrogaes do presente, muda o rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia histrica. Ao responder ao desafio da antropologia estrutural, os historiadores dos Annales retornam mais uma vez a roupagem dos rivais mais srios e confirmam suas posies hegemnicas. O preo a pagar por essa readaptao o abandono dos grandes espaos econmicos braudelianos, o refluxo do social para o simblico e para o cultural. Nasce uma Nova Histria [...] A organizao interna da revista dos Annales sofreu nesse momento uma mudana notvel, j que a direo una, que marcou a revista desde seus incios, foi substituda por uma direo colegiada em 1969 (DOSSE, 2003, p. 249) .
Para o autor, os novos historiadores abandonaram a construo de uma
Histria Total (ou histria global) para uma histria fragmentada, identificada por
Dosse como Histria em Migalha (2003). Apesar dessa forte crtica de Dosse, o
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autor tambm considera algumas continuidades, como a interdisciplinaridade e a
Histria-Problema proposta desde a primeira gerao (BARROS, 2010a). Barros,
embasado nos estudos de Georg Iggers, tambm indica uma ruptura entre as duas
primeiras geraes e no na terceira na qual Dosse se refere.
Iggers prefere enfatizar uma ruptura que teria ocorrido em 1945, separando a histria estrutural qualitativa dos primeiros tempos dos Annales e a histria conjuntural quantitativa que passaria a predominar em seguida, particularmente no perodo sob a gide de Fernando Braudel (BARROS, 2010a, p. 2).
A terceira gerao dos Annales, tambm conhecida pela expresso
Nouvelle Historie, ou Nova Histria em portugus, trazendo como principal proposta
o estudo de toda atividade humana. Segundo Burke (1992, p. 8), a nova histria a
histria escrita como uma reao deliberada contra o paradigma tradicional. Sobre
o assunto, Fischer e Weiduschadt (2009, p. 68) reforam que:
[...] a novelle historie associada colle de Annale se caracteriza fundamentalmente por desenvolver uma linha de pesquisa em oposio chamada histria tradicional. Assim, enquanto enfatiza a narrativa dos acontecimentos, destacando os fatos histricos a partir dos grandes feitos e dos grandes homens, aquela prioriza a anlise das estruturas ou, no caso de algumas obras, tende a dar voz aos cidados comuns, analisando os fatos histricos sob outras perspectivas [...] Na verdade, para os historiadores da nova histria, qualquer acontecimento do passado sempre ser visto sob determinado ponto de vista.
No se pode desconsiderar que com a Nova Histria, tambm surgiram
alguns problemas relacionados pesquisa histrica. Sobre esta questo, Burke
(1992, p. 25) elucida:
Os maiores problemas para os novos historiadores, no entanto, so certamente aqueles das fontes e dos mtodos. J foi sugerido que quando os historiadores comearam a fazer novos tipos de perguntas sobre o passado, para escolher novos objetos de pesquisa, tiveram de buscar novos tipos de fontes, para suplementar os documentos oficiais. Alguns se voltaram para histria oral; outros evidncia das imagens; outros estatstica. Tambm se provou possvel reler alguns tipos de registros oficiais de novas maneiras.
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A Nova Histria oportunizou alguns retornos historiogrficos, entre quais se
destacam, a retomada da narrativa, do poltico, da biografia, aspectos que haviam
sido de alguma maneira reprimidos ou secundarizados pelo padro historiogrfico
anterior, e que agora reemergiam com inesperado vigor (BARROS, 2010a, p. 20).
Dentro das modalidades historiogrficas da Nova Histria, a Histrica Cultural
que conforme Pesavento (2005, p. 76) visa atingir as representaes, individuais e
coletivas, que os homens constroem sobre o mundo, foi uma das principais a serem
difundidas a partir dessa gerao e aos poucos influenciou historiadores da
educao.
Chartier (2002), um dos principais nomes da Histria Cultural, define a
Histria Cultural como sendo o conjunto de trs elementos: a histria dos objetos na
sua materialidade, a histria das prticas nas suas diferenas e a histria das
configuraes, dos dispositivos nas suas variaes. Entre os chamados objetos
culturais mais estudados esto os da cultura material.
Conforme afirma Burke (2008, p. 91):
Nas dcadas de 1980 e 1990, alguns e historiadores culturais voltaram-se para o estudo da cultura material, e assim se viram prximos dos arquelogos, curadores de museus e especialistas em histria do vesturio e do mobilirio, que h muito vinham trabalhando nessa rea.
No caso da instituio escolar, o estudo acerca da cultura material escolar,
que so objetos na sua materialidade preservados nos acervos de muitas
instituies escolares, alm de espaos edificados e no edificados, como a
arquitetura escolar considerada artefato cultural (GONALVES, 2012).
Atravs dessa cultura material possvel fazer o estudo dos trs elementos
destacados por Chartier (2002), pois so fundamentais para identificao e anlise
dos elementos mencionados.
No s as modalidades historiogrficas ganharam destaque na Histria
Cultural, alguns novos campos, prticas e abordagens historiogrficas foram
bastante difundidas pelos historiadores. No presente estudo, recorre-se micro-
histria (BURKE, 1992, BARROS, 2010b, LEVI, 1992 e PESAVENTO 2005) e a
histria vista de baixo (NASCIMENTO, 1993 e SHARPE, 1992) para investigar a
histria do Asilo de rfs.
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A prtica historiogrfica da micro-histria essencialmente baseada na
reduo da observao, em uma anlise microscpica e em um estudo intensivo do
material documental (Levi, 1992, p. 136). Pesavento (2005, p. 72) refora ao afirmar
que esse processo de pesquisa intensiva acompanhado de uma valorizao do
emprico. Compactuando com os autores, ressalta-se que esse tipo de anlise foi
utilizado ao longo da investigao da instituio educativa.
Reduzir a escala de observao no significa que as escalas maiores no
podem ser analisadas. Para a investigao do Asilo de rfs So Benedito foi
necessrio fazer a pesquisa sobre o contexto educacional brasileiro e de outras
instituies espalhadas pelo pas que tambm acolhiam crianas desvalidas, pondo
em prtica uma metodologia de abordagem social [...] unindo o dado arquivstico
multiciplicidade das relaes sociais (PESAVENTO, 2005, p. 72). Sobre a reduo
da escala de anlise, Levi (1992, p. 137) afirma:
Freqentemente se supe, por exemplo, que as comunidades locais possam ser adequadamente estudadas como objetos de sistemas de pequena escala, mas que as escalas maiores deveriam ser usadas para revelar as conexes entre as comunidades dentro de uma regio, entre as regies dentro de um pas, e assim por diante.
Quando se aponta o estudo de uma comunidade de forma mais detalhada,
importante enfatizar que este no se remete especificamente ao estudo do espao
fsico. De acordo Barros (2010b, p. 153):
O objeto de estudo do micro-historiador no precisa ser desta forma o espao microrrecortado. Pode ser uma prtica social especfica, a trajetria de determinados atores sociais, um ncleo de representaes, uma ocorrncia (por exemplo, um crime) ou qualquer outro aspecto que o historiador considere revelador em relao aos problemas sociais ou culturais que se disps a examinar.
Alm da micro-histria, os referenciais da histria vista de baixo tambm
foram utilizados para a anlise da instituio. Esta se contrape a histria tradicional
que oferece uma viso de cima por ter seus estudos concentrados nos grandes
feitos dos grandes homens (BURKE, 1992, p. 12). Como afirma Nascimento (1993,
p. 157):
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O estudo dos desamparados pela sociedade, como escravos, as mulheres, as crianas, os que se revoltaram contra o poder dominante e foram condenados, tem sido objeto de preocupao dos historiadores em geral. Problemas de hoje so observados e desvendados no passado: o trabalho servil, a condio da mulher na sociedade, a criana abandonada, os oprimidos. A condio feminina examinada atentamente nos seus diversos estratos sociais, como nas suas posies na sociedade: a mulher casada, viva, solteira, freira, recolhida.
Para Sharpe (1992, p. 53-54), a histria vista de baixo como abordagem
preenche duas funes:
[...] a primeira servir como corretivo histria da elite [...] A segunda que, oferecendo esta abordagem alternativa, a histria vista de baixo abre a possibilidade de uma sntese mais rica da compreenso histrica, de uma fuso da histria da experincia do cotidiano das pessoas com a temtica dos tipos mais tradicionais da histria.
Estudar uma instituio fundada para crianas desvalidas estudar pessoas
que esto ausentes da visibilidade histrica, aquelas que no so grandes leitoras,
no ocupam uma posio de status na sociedade, so oriundas das classes menos
abastadas. Enfim, so esses atores educativos que ganham destaque a partir da
histria vista de baixo que passou a ter um olhar especial com as geraes do
Annales.
Ao fazer uma anlise geral sobre a importncia dos Annales, Burke (1991, p.
126-127) afirma:
Da minha perspectiva, a mais importante contribuio do grupo dos Annales incluindo-se as trs geraes, foi expandir o campo da histria por diversas reas. O grupo ampliou o territrio da histria, abrangendo reas inesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Essas extenses do territrio histrico esto vinculadas descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos mtodos para explor-las. Esto tambm associadas colaborao com outras cincias, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia lingstica, da economia psicologia.
Portanto, fica evidente que a partir dos Annales, houve uma ampliao das
fontes de pesquisa, insero de novos objetos de estudos, alguns atores educativos
ganharam visibilidade histrica, outros campos, prticas e abordagens
historiogrficas surgiram para contribuir com pesquisas que vo alm do mbito da
Histria.
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1.3 O uso das fontes nas pesquisas de Histria das Instituies Educativas
Destaca-se que importante explicitar a escolha pelo termo instituio
educativa. A partir de alguns estudos, foram trabalhados trs possibilidades para
categorizar a instituio investigada: instituio escolar, instituio educativa e
instituio total.
Alm das categorias mencionadas, tambm se considerou a classificao do
Asilo de rfs So Benedito como instituio caritativa, instituio filantrpica e
instituio assistencial, que so caractersticas de instituies para o trabalho com
da infncia desvalida, abordadas nos prximos captulos.
comum ao longo da vida, passarmos por diversas instituies como
hospitais, escolas, clubes e bibliotecas. Segundo Goffman (2010, p. 15), instituies
so estabelecimentos sociais locais, tais como salas, conjuntos de salas, edifcios
ou fbricas em que ocorre atividade de determinado tipo, apresentando tendncias
de fechamento, sendo que algumas so mais fechadas do que outras. As
instituies so criadas pelo homem como unidade de ao, para atender a uma
determinada necessidade humana, com carter permanente, portanto, so criadas
para permanecer e para satisfazer as necessidades sociais (SAVIANI, 2007).
Na viso de Sanfelice (2007), a instituio escolar d um sentido estrito,
dessa forma, categorizar o Asilo de rfs So Benedito como instituio escolar,
pode limitar a pensar na instituio apenas como escola. Cabe frisar que autores
como Werle (2001, 2004a, 2004b) em suas pesquisas utiliza o termo instituio
escolar, por isso, ao longo da dissertao, pode-se mencionar este termo, por
compreender que as pesquisas dos autores trabalhados se aproximam, quando
utilizadas para anlise de uma instituio.
Outra possibilidade de categorizar o Asilo de rfs So Benedito defini-lo
como instituio total. Para Goffman (2010, p. 11) um dos principais pesquisadores
sobre as instituies totais, estas so definidas como um local de residncia e
trabalho onde um grande nmero de indivduos, com situao semelhante,
separados da sociedade mais ampla por considervel perodo de tempo, levam uma
vida fechada e formalmente administrativa. Pode-se exemplificar como sendo
instituies totais os manicmios, prises, conventos ou asilos. O autor enumera as
instituies totais em cinco agrupamentos:
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Em primeiro lugar, h instituies criadas para cuidar de pessoas, que, segundo se pensa, so incapazes e inofensivas; nesse caso esto as casas para cegos, velhos, rfos e indigentes. Em segundo lugar, h locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que so tambm uma ameaa comunidade, embora de maneira no-intencional; sanatrios para tuberculosos, hospitais para doentes mentais e leprosrios. Um terceiro tipo de instituio total organizado para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas no constitui o problema imediato: cadeias, penitencirias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentrao. Em quarto lugar, h instituies estabelecidas com a inteno de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, e que se justificam apenas atravs de tais fundamentos instrumentais: quartis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colnias e grandes manses (do ponto de vista dos que vivem nas moradias de empregados). Finalmente, h os estabelecimentos destinados a servir de refgio do mundo, embora muitas vezes sirvam tambm como locais de instruo para os religiosos; entre exemplos de tais instituies, possvel citar abadias, mosteiros, conventos e outros claustros (GOFFMAN, 2010, p. 16-17).
Os exemplos de instituies mencionadas pelo autor apresentam
caractersticas comuns por serem instituies totalmente fechadas e a sada do
internado s permitida com a autorizao de um dirigente superior. Existe certa
hierarquia entre os dirigentes, como enfermeiros e mdicos, alm de acontecer
diviso entre o mundo dos dirigentes e o mundo dos internados.
Essas instituies isolam os internados do mundo exterior, provocando um
distanciamento social e aquilo que o autor denomina como mortificao do eu.
Outra caracterstica muito comum entre as instituies totais, que estas geralmente
so edificadas longe dos centros das cidades, proporcionando maior grau de
isolamento.
Rigorosidade nos horrios, distribuies de tarefas, sequncias de atividades,
sistemas de regras formais e vigilncia, so outras caractersticas comuns entre as
instituies, fazendo com que a instituio total seja um hbrido social, parcialmente
comunidade residencial, parcialmente organizao formal [...] Em nossa sociedade,
so as estufas para mudar pessoas; cada uma um experimento natural sobre o
que se pode fazer ao eu (GOFFMAN, 2010, p. 22).
As instituies totais trabalhadas por Goffman se aproximam das instituies
disciplinares abordadas por Foucault (2013). Ambas as instituies trabalham com
sujeitos que esto em constante vigilncia, passam por processo de disciplina e em
alguns casos estes sujeitos so submetidos a punies.
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Apesar de estas serem caractersticas que aproximam o Asilo de rfs So
Benedito de uma instituio disciplinar, destaca-se a fundao do asilo no foi com a
inteno de corrigir, disciplinar, reabilitar ou internar um menor por estar margem
ou j fazer parte do mundo da criminalidade infantil. Estas so caractersticas de
instituies preventivas e corretivas, como a Colnia Correcional e Instituto
Disciplinar, criadas em So Paulo no incio do sculo XX (ARAJO, 2011),
instituies disciplinares e punitivas que visavam regenerao do menor atravs
do ensino voltado para o trabalho.
Ainda sobre instituio total, Goffman (2010) esclarece que comum que os
internados cheguem s instituies carregados de uma cultura aparente adquiridas
atravs da convivncia familiar. Esse fator uma das razes para excluir os
orfanatos e casas de crianas enjeitadas da lista de instituies totais. Por tudo que
foi exposto at o momento, o termo instituio educativa foi escolhido por se
apresentar como o mais adequado para categorizar o Asilo de rfos So Benedito.
No mbito das pesquisas em Histria da Educao, a Histria das Instituies
Educativas, ocupa um espao significativo. Isso se deve ao fato de as instituies
serem espaos de prticas, memrias e representaes.
Conforme Magalhes (2004, p. 57) o conceito de instituio associa-se
idia de permanncia e de sistematicidade, idia de norma e de normatividade,
uma ideia mais ampla de um sistema. Para o autor, o trabalho histrico de uma
Instituio abarca uma infinidade de possibilidades no trabalho do historiador.
Genericamente, historiar uma instituio compreender e explicar processos e os compromissos sociais como condio instituinte, de regulao e de manuteno normativa, analisando os comportamentos, representaes e projetos dos sujeitos na relao com a realidade material e sociocultural de contexto (MAGALHES, 2004, p. 58).
O Asilo de rfs So Benedito uma instituio que envolve histrias de
educao e escolarizao, pois o asilo objetivava acolher e amparar da misria, dar
instruo primria, moral e religiosa a meninas desvalidas.
O termo instituio educativa, muito utilizado por Justino Magalhes, confere
uma dimenso mais ampla de educao que vai alm da escola, tambm a igreja,
os clubes, as bibliotecas, as associaes e outras instituies sociais. Alerta-se para
o que Saviani (2007) chama de uma espcie de pleonasmo no uso da expresso,
uma vez que a ideia de educao j estaria inserido no conceito de instituio.
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Embasado nos estudos de Magalhes (1996, 1999 e 2004), a pesquisa sobre
a histria das instituies educativas o estudo do passado, presente e futuro. Um
triplo registro que vai do conhecimento problematizao e perspectiva futura, pois
as instituies so organismos vivos em que circulam grupos sociais, tendo uma
histria iniciada pela reinterpretao das histrias anteriores, das memrias e dos
arquivos, conferindo uma identidade cultural e educacional instituio.
Alm da sua estrutura fsica, administrativa e de prticas educativas que se
desenvolvem nas instituies educativas, estas tambm apresentam uma estrutura
scio-cultural que envolve a comunidade.
Abrangendo todos estes aspectos, pode-se afirmar que a histria das
instituies educativas um esforo de organizar discursivamente o projeto
institucional, considerando seus diferentes momentos, em suas relaes
administrativas e da instituio e seu contexto (WERLE, 2004a, p. 20).
Para a investigao da histria institucional recorre-se base documental e
base subjetiva aquela que os sujeitos viveram acerca da mesma, construram e
reconstroem pela memria (WERLE, 2001, p. 120)6. Deve-se transitar e discorrer
entre a memria e o arquivo, entre a materialidade e a representao. Toda essa
base documental considerada fonte, matria-prima, fundamental para o trabalho
do historiador.
Como so essenciais ao trabalho historiogrfico, as fontes so utilizadas para
desenvolver a investigao e anlise do tema escolhido. Barros (2010b, p. 134)
salienta que:
A fonte histrica aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o problema. Ela precisamente o material atravs do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo. Uma fonte pode preencher uma das duas funes acima explicitadas: ou ela o meio de acesso queles fatos histricos que o historiador dever reconstruir e interpretar (fonte histrica = fonte de informaes sobre o passado), ou ela mesma... o prprio fato histrico.
6 No caso das instituies so consideradas espaos objetivos e subjetivos. Para saber mais, ver
Werle (2001).
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Tradicionalmente, somente as fontes oficiais escritas eram consideradas
fidedignas, detentoras da verdade. No entanto, com a ampliao do uso de fontes,
surgiram novos temas e novas prticas historiogrficas. Nesse sentido, Mauad
(1996, 5-6, grifo nosso) destaca:
No de hoje que a histria proclamou sua independncia em relao a dominao dos textos escritos. A necessidade por parte dos historiadores em problematizar temas bem pouco trabalhados pela historiografia tradicional levou-o a ampliar seu universo de fontes, bem como a desenvolver abordagens pouco convencionais a medida que se aproximava das demais cincias sociais em busca de uma histria total. Novos temas passaram a fazer parte do elenco de objetos do historiador, dentre eles a vida privada, o quotidiano, as relaes interpessoais, etc. Uma micro- histria que para ser contada no necessita perder a dimenso macro, a dimenso social, totalizadora das relaes sociais. Neste contexto uma histria social da famlia, da criana, do casamento, da morte, etc, passou a ser contada, demandando, para tanto, muito mais informaes que os inventrios, testamentos, curatela de menores, enfim, toda uma documentao cartorial poderia oferecer. A tradio oral, os dirios ntimos, a iconografia e a literatura, apresentaram-se como fontes histricas da excelncia das anteriores, mas que, demandavam do historiador uma habilidade de interpretao, com qual no estava aparelhado. Tornou-se imprescindvel que as antigas fronteiras e os limites tradicionais fossem superados. Ao historiador exigiu-se que fosse tambm antroplogo, socilogo, semilogo e um excelente detetive, para aprender a relativizar, desvendar redes sociais, compreender linguagens, decodificar sistemas de signos e decifrar vestgios, no perdendo, jamais, a viso do conjunto.
Para a leitura das fontes, trabalha-se com a ideia de documento e monumento
tratada por Le Goff (1990, p. 535) que considera monumentos, herana do passado,
e os documentos, escolha do historiador. Sendo assim, nesta pesquisa, quando se
aborda sobre fonte, est se referindo s fontes documentais objetos, materiais,
pertences que capturados pela anlise do pesquisador transformaram-se em
documento/monumento (WERLE, 2004a, p. 24).
A autora refora, ainda que o pesquisador que trabalha com a histria de uma
instituio educativa rene, compara, organiza, transforma em monumentos,
documentos, objetos e outros artefatos (WERLE, 2004a, p. 24).
Deve-se levar em considerao que o documento foi produzido por algum.
Por algum motivo foi mantido e guardado, em um determinado tempo e espao.
Portanto existe uma intencionalidade na sua produo. Como afirma Le Goff (1990,
p. 545):
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O documento no qualquer coisa que fica por conta do passado, um produto da sociedade que o fabricou segundo as relaes de foras que a detinham o poder. S a anlise do documento enquanto monumento permite memria coletiva recuper-lo e ao historiador us-lo cientificamente, isto , com pleno conhecimento de causa.
Em tempos mais atuais, o uso de fontes documentais, como as orais e
iconogrficas uma realidade nas pesquisas em Histria da Educao, a
ampliao dos tipos de fontes histricas que vai alm do mundo no textual, um
alargamento no conceito de fonte que aconteceu na historiografia no decorrer do
sculo XX (BARROS, 2010a).
Embora exista a possibilidade do uso de inmeras fontes em pesquisas
histricas educacionais, Galvo e Lopes (2001) alertam para possveis riscos que
comprometem a qualidade da pesquisa:
Se a tendncia a realizar estudos mais localizados aponta a vantagem do aprofundamento, traz, ao mesmo tempo, o risco da investigao de objetos to recortados e to especficos que no se explicam quase nada... Muitas vezes, esses estudos especficos no so antecedidos por pesquisas que poderamos denominar de bsicas, que forneam um nmero significativo de informaes relevantes a respeito de um determinado perodo ou de um dado objeto que possam subsidi-lo (GALVO; LOPES, 2001, p. 43).
Fica evidente no exposto at aqui, algumas dificuldades a serem enfrentadas
pelos pesquisadores que incorporam determinadas prticas historiogrficas como a
micro-histria, mas grande parte das instituies educativas como as escolas, possui
em seus acervos uma variedade de arquivos que possibilitam ao historiador abrir a
caixa preta do interior da instituio, na tentativa de compreender o que ocorre
dentro desse espao (JULIA, 2001).
Para Vidal (2009, p. 26), abrir a caixa preta tambm significa perscrutar as
relaes interpessoais constitudas no cotidiano da escola, seja em funo das
relaes de poder ali estabelecidas, seja em razo das diversas culturas em
contato.
nesse sentido que Gatti Jr. (2002, p. 20) afirma que as escolas
apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e de informaes
fundamentais para a formulao de interpretaes sobre elas prprias e, sobretudo,
sobre a histria da educao brasileira. Vidal (2005, p. 21-22) complementa
ressaltando que:
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Integrado a vida da escola, o arquivo pode fornece-lhe elementos para reflexo sobre o passado da instituio, das pessoas que a freqentaram ou a freqentam, nas prticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relaes que estabeleceu e estabelece com seu entorno (a cidade e a regio na qual se insere).
No caso da investigao sobre o Asilo de rfs So Benedito foram utilizados
alguns documentos escritos como atas, estatutos, relatrios, peridicos locais,
dentre outros. No Instituto So Benedito, alguns documentos referentes ao asilo
esto organizados em pastas. No entanto, muita coisa foi perdida com o tempo,
fazendo com que, de certa forma tambm fosse perdida um pouco da memria
institucional.
No foram localizados alguns arquivos como livros de matrculas, programas
de disciplinas e outros que poderiam conter dados mais precisos sobre os atores
educativos e sobre a prpria instituio. A cada ida na instituio, as Irms e a
secretria ajudaram na busca dos arquivos. Muitas vezes fizemos descobertas
juntas, encontramos algo que estava no fundo do armrio, em outra sala do Instituto
ou esquecido em alguma gaveta.
importante frisar que os documentos que servem como fonte nas
pesquisas, nem sempre esto disposio do pesquisador de forma organizada ou
nos arquivos das instituies investigadas, por isso, a coleta, seleo, recuperao e
organizao das fontes requerem tempo, constituindo tambm uma das etapas do
trabalho de pesquisa (MIGUEL, 2007).
No decorrer da investigao, quando questionadas sobre possveis arquivos
que no foram encontrados, as responsveis pelos arquivos do Instituto So
Benedito de Pelotas, do Colgio So Benedito de Bag e da Congregao do
Imaculado Corao de Maria, relataram que possivelmente os documentos foram
descartados em outras pocas, por no serem considerados importantes, fato que,
diga-se de passagem, comum em outras instituies educacionais. Como aponta
Werle (2004b, p. 116):
lugar comum afirmar que as escolas atualmente no preservam sua histria. Incndios, arrumaes, limpezas, mudanas, superlotao e falta de espao, ao de insetos e desconhecimento so alguns dos fatores que exterminam com a memria material, objetiva da educao.
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nesse sentido que Buffa (2002, p. 28) afirma que essa mais uma razo
para pesquisar a histria das instituies escolares e tentar preservar o que ainda
resta de nossa memria educacional.
Encontram-se no acervo do Instituto So Benedito, os estatutos de 1952 e
1974, livros atas da diretoria a partir de 1910, livro ponto de professores entre os
anos de 1959 a 1969 e muitos escritos elaborados em datas festivas, como Anais do
Cinquentenrio, uma pasta com escritos, recortes de jornais, fotografias e cartes
relativos ao centenrio do Instituto, outra pasta organizada na passagem dos 110
anos de fundao e um livro de visitas que inicia na dcada de 1930.
Textos sobre o Asilo de rfs So Benedito foram escritos por Nelson Nobre
Magalhes, que foi poeta, pesquisador, historiador e idealizador do projeto Pelotas
Memria e que tinha por objetivo recuperar e conservar fontes e documentos que
remetessem histria da cidade de Pelotas. No entanto, preciso uma leitura
cuidadosa, pois os dados contidos nesses escritos devem ser cruzados com outras
fontes, uma vez que muitas informaes no so trazidas com o devido respaldo
historiogrfico. Cabe ressaltar, entretanto, o esforo e a importncia dos
historiadores locais, que no tm seu trabalho permeado pelo carter cientfico do
conhecimento produzido pela academia. Seus trabalhos servem como fontes,
documentos, que devem ser analisados e cruzados com outros na constituio do
trabalho acadmico.
Sobre as fontes coletadas para pesquisa, importante indicar, outros lugares
em que foram localizadas. Salienta-se a colaborao da Irm Ivon Luft, responsvel
pelo acervo da administrao religiosa da Congregao Imaculado Corao de
Maria, com sede geral em Porto Alegre/RS que enviou alguns documentos
importantes, como certido de bito e reportagens sobre a Irm Hilria, relatrios
anuais a partir de 1951 a 1966, histrico do Instituto So Benedito, relao das
obras fundadas pela Congregao e lista contendo o nome das Irms da
Congregao que j passaram pela instituio investigada.
No acervo da Bibliotheca Pblica Pelotense foram consultados os estatutos
do Asilo de rfs So Benedito de 1902 (o primeiro do asilo) e o de 1911, os
relatrios de 1906 e 1909 e os Anais do Cinquentenrio, alm de revistas,
almanaques, relatrios da Intendncia Municipais e peridicos locais que circularam
no sculo XX, como A Alvorada, A Opinio Pblica e o Dirio Popular.
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Destaca-se que a colaborao da historiadora professora Beatriz Ana Loner
foi fundamental para este estudo. Professora da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) concentra suas pesquisas nas reas de Histria e Sociologia, com
nfase em estudos sobre movimento operrio, transio entre trabalho escravo e
livre, correntes operrias e associaes negras. Atravs da sua ampla experincia
com a pesquisa em jornais de Rio Grande/RS e Pelotas, compartilhou informaes
valiosas para a pesquisa, principalmente sobre os dados encontrados nos jornais
Correio Mercantil e O Rebate. Atualmente, os exemplares do Correio Mercantil,
assim como outros jornais produzidos no sculo XIX, encontram-se interditados na
Bibliotheca Pblica Pelotense, no sendo possvel serem consultados para a
presente pesquisa.
Uma das instituies mais tradicionais da cidade de Pelotas em que circulam
diversos pesquisadores de diferentes reas do conhecimento a Bibliotheca Pblica
Pelotense. A criao da Bibliotheca foi resultado do bom momento cultural e
econmico na qual se encontrava a cidade durante a segunda metade do sculo
XIX. Junto ao culto s letras e artes, intensa programao teatral, saraus, bailes de
salo, espetculos nas ruas e outras atividades, estavam os interesses da elite em
fazer a cidade um dos maiores e mais importantes centros culturais do estado
(PERES, 2002). Dessa forma, atravs da iniciativa da elite pelotense, em 1875 foi
fundada a instituio mencionada, passando a ocupar prdio prprio em 1881 e que
teve o segundo piso inaugurado em 1915 (CORRA, 2008). Ressalta-se que o
referido prdio faz parte do conjunto de prdios no estilo neo-renascentista,