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1 O ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO MEIO DE PROMOVER O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Evaldo de Paula e Silva Junior 1 Inacio de Carvalho Neto 2 _______________________________________________________________ SUMÁRIO: 1. Intróito 2. Brevíssimas considerações acerca dos aspectos históricos da propriedade 3. Noções introdutórias acerca da funcionalização dos institutos jurídicos 4. A função social da propriedade sob a perspectiva constitucional 5. A efetivação da função social da propriedade a partir da análise jurisprudencial 6. Origens e questões subjacentes ao surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável. 7. Conceito de desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade 8. A função social da propriedade como meio de promover o desenvolvimento sustentável - conclusões 1. INTRÓITO 2. BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DA PROPRIEDADE Sem adentrarmos nos obscuros caminhos da história, em brevíssima análise é possível aduzir que desde os primórdios o homem sempre procurou satisfazer as suas necessidades por intermédio da apropriação de bens. 1 Advogado, especialista em Direito Civil e Empresarial (PUC/PR), em Direito Processual Civil (Instituto Bacellar) e em Direito do Terceiro Setor (Universidade Positivo). 2 Especialista em Direito pela Universidade Paranaense–Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá–UEM. Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo–USP. Pós- Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa–Portugal. Professor Titular de Direito Civil no Centro Universitário Curitiba–Unicuritiba. Professor de Direito Civil na Escola do Ministério Público e na Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros (entre outros): Separação e divórcio: teoria e prática, pela ed. Juruá, em 10ª. edição; Abuso do direito, pela ed. Juruá, em 5ª. edição; Responsabilidade civil no direito de família, pela ed. Juruá, em 3ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, pela ed. Juruá, em 2ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2, pela ed. Juruá; Direito sucessório do cônjuge e do companheiro, pela ed. Método; Direito civil: direito das sucessões, v. 8 (em co-autoria), pela ed. Revista dos Tribunais; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

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O ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA

PROPRIEDADE COMO MEIO DE PROMOVER O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Evaldo de Paula e Silva Junior1

Inacio de Carvalho Neto2

_______________________________________________________________

SUMÁRIO: 1. Intróito 2. Brevíssimas considerações acerca dos aspectos históricos da propriedade 3. Noções introdutórias acerca da funcionalização dos institutos jurídicos 4. A função social da propriedade sob a perspectiva constitucional 5. A efetivação da função social da propriedade a partir da análise jurisprudencial 6. Origens e questões subjacentes ao surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável. 7. Conceito de desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade 8. A função social da propriedade como meio de promover o desenvolvimento sustentável - conclusões 1. INTRÓITO

2. BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ASPECTOS

HISTÓRICOS DA PROPRIEDADE

Sem adentrarmos nos obscuros caminhos da história, em brevíssima análise é

possível aduzir que desde os primórdios o homem sempre procurou satisfazer as suas

necessidades por intermédio da apropriação de bens.

1 Advogado, especialista em Direito Civil e Empresarial (PUC/PR), em Direito Processual Civil (Instituto Bacellar) e em Direito do Terceiro Setor (Universidade Positivo).

2Especialista em Direito pela Universidade Paranaense–Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá–UEM. Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo–USP. Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa–Portugal. Professor Titular de Direito Civil no Centro Universitário Curitiba–Unicuritiba. Professor de Direito Civil na Escola do Ministério Público e na Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros (entre outros): Separação e divórcio: teoria e prática, pela ed. Juruá, em 10ª. edição; Abuso do direito, pela ed. Juruá, em 5ª. edição; Responsabilidade civil no direito de família, pela ed. Juruá, em 3ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, pela ed. Juruá, em 2ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2, pela ed. Juruá; Direito sucessório do cônjuge e do companheiro, pela ed. Método; Direito civil: direito das sucessões, v. 8 (em co-autoria), pela ed. Revista dos Tribunais; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

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Inicialmente, como ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o

homem concentrava-se na “busca por bens de consumo imediato, passando, com o

tempo, ao domínio de coisas móveis, até perfazer-se a noção de propriedade,

progressivamente complexa e plural34”.

Tanto a ordem jurídica quanto a antiga economia romana basearam-se na idéia de

propriedade como o “poder jurídico geral e potencialmente absoluto de uma pessoa

sobre uma coisa corpórea”5.

Em prisca época, não interessava aos romanos os danos que a má utilização do

bem ou a sua destruição pudessem ocasionar a terceiros e a coletividade, desde que

utilizada como reflexo do poder absoluto e exclusivo de seu proprietário.

Considerando o caráter agrícola e familiar do início da sociedade romana, pode-se

aduzir que os bens eram divididos em res mancipi e res nec mancipi, de acordo com a

solenidade e sua forma de transmissão.

Marcado por certa abstração na formulação dos institutos jurídicos, o direito

romano permitia adequar conceitos jurídicos a diferentes realidades sócio-econômicas,

sem perder seu caráter formal, já que “permitiu ao ius civile disciplinar a propriedade

quiritária”6, na qual o proprietário deveria ser um cidadão romano.

3 FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSEVALD, Nelson, Direito reais, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juiris, 2006, p. 174.

4 Na Roma antiga, o direito de propriedade não era unitário. Diferenciava-se a propriedade sobre os bens de consumo (como as roupas do corpo) e os de produção (patrimônio familiar) daquela atribuída ao sujeito de direito (sui iuris), cidadão romano livre, o pater familias. O pater famílias tinha um complexo de poderes, regido pelo direito quiritário, sobre o bem imóvel, sobre os negócios e inclusive sobre as pessoas, escravos e filhos. Ou seja, englobava um poder “real” e um “pessoal”. MESQUITA, Rodrigo Octávio de Godoy Bueno Caldas, Desmistificando a função social da propriedade com base na Constituição Federal e legislação infraconstitucional, in Revista dos Tribunais, Ano 96, v. 860, junho de 2007, p. 92.

5 Em que pese apresentar um conceito de propriedade, o douto José Cretella Júnior alerta que: “em vão se procuraria entre os jurisconsultos romanos a definição de propriedade, noção que, como tantas outras, mais é intuída do que definida. CRETELLA JÚNIOR, José, Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro, 6ª ed. Rio de Janiero: Forense, 1978, p. 172. Neste mesmo sentido, José Carlos Moreira Alves aduz que: “os romanos não definiram o direito de propriedade. A partir da idade Média é que os juristas, de textos que não se referiam à propriedade, procuraram extrair-lhe o conceito” ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, v 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Bolsoi, p. 308.

6 O caráter formal do direito romano permitiu ao ius civile disciplinar a propriedade quiritária, onde o proprietário devia ser cidadão romano e que somente era transferida pelo ato solene da mancipatio. OLIVEIRA, Francisco Cardoso de, Hermenêutica e tutela da posse e da propriedade, Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 98.

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À medida em que houve a valorização do indivíduo, adotou-se a divisão entre

coisas móveis e imóveis, uma vez que os bens imóveis passaram a representar garantia e

estabilidade como forma de acumular riquezas.

A apropriação de bens encontrou guarida na formalização do direito de

propriedade, sendo a propriedade quiritária7 tutelada através das res vindicattio,

enquanto que a pretoriana protegida pela actio publiciana8.

O verbo “ter” marcou indelevelmente o direito subjetivo pela aquisição de bens,

de modo que a disciplina jurídica da propriedade no direito romano assumiu no período

imperial um caráter absoluto e individualista9.

Não há como negar que o direito romano apresenta-se como um bloco maciço e

encadeado de acontecimentos e fatos, de modo que uma divisão em períodos poderia

gerar injustiças ou arbitrariedades, devendo-se reconhecer que não existe um perfeito

sincronismo entre os acontecimentos políticos e as transformações do direito durante a

história romana.

Didaticamente, para melhor compreender a história do direito romano e por

consequente a evolução do direito de propriedade, alguns autores adotam critérios,

como o político, a evolução dos institutos jurídicos ou o conteúdo das normas.

No presente texto, destacaremos a divisão realizada por Biondo Biondi, citado

pelo ilustre José Cretella Júnior, para quem o direito romano se divide em cinco fases:

“o direito arcaico ou quiritário, o direito republicano, o direito clássico, o direito pós-

classico e o direito justinianeu”10.

Não caberia nestas breves linhas, até por não ser objeto específico do presente

trabalho, discorrer amplamente sobre as fases do direito romano, mas vale ressaltar que

7 Conforme leciona José Carlos Moreira Alves: o titular da propriedade quiritária era “um cidadão romano, ou, então, um latino ou peregrino que tivesse o ius commercii. Seu objeto, coisa móvel ou imóvel, mas em se tratando de imóveis, só eram susceptíveis de propriedade quiritária os situados na Itália, ou nas províncias onde se estendera o ius Italicum”. Enquanto a propriedade pretoriana se “surgiu quando pretor passou a proteger a pessoa que, comprando uma res mancipi, a recebia do vendedor através de uma simples traditio”. ALVES, José Carlos Moreira, Ibidem, p. 310.

8 Sobre o tema, ver OLIVEIRA, Francisco Cardozo de, Ibidem, p. 99.

9 Apresentando ressalva ao absolutismo, Cristiano de Farias Chaves e Nelson Rosenvald, opus citandum Maria Cristina Pezella, aduzem que: “desde o início do processo de civilização da sociedade romana pode se observar a clara submissão do exercício da propriedade ao interesse social. Explica a culta jurista que “a submissão do exercício da propriedade à sociedade toda evidencia o privilégio do princípio da humanidade sobre os demais princípios do direito, o que permite que se afaste também o individualismo como característica da propriedade romana, pois mesmo quando exercida individualmente, a propriedade romana sempre esteve sujeita ao interesse social”. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSEVALD, Nelson, Op cit., p. 174.

10 CRETELLA JÚNIOR, José, Op cit., p. 14.

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o jus gentium surgiu durante a fase republicana enquanto que o Corpus Juris Civilies

durante a fase justinianeu.

Segundo os ensinamentos de Francisco Cardoso de Oliveira11, “é difícil

estabelecer os contornos precisos da propriedade no direito romano”, de forma que a

atual reorientação finalística do conceito de propriedade não pode prescindir da análise

valorativa imposta pela evolução do modelo estatal romano.

A idéia de propriedade não se manteve estática ao longo da história romana, sendo

que as transformações e modificações enfrentadas pela sociedade, ora reduziram, ora

alargaram o conteúdo do direito de propriedade, em face do regime político e das

exigências econômico-sociais vigentes à época12.

Não se pode afirmar que as limitações ao exercício do direito de propriedade,

presentes principalmente na era de Justiniano, atribuíam uma finalidade ao bem de

modo a vincular seu proprietário, contudo, este foi um importante passo para que na

Idade Média surgisse um movimento preocupado com os resultados que o abuso no

exercício do direito poderia gerar13.

Um exemplo das modificações trazidas por Justiniano, foi a necessidade de prévia

anuência de todos os condôminos para realização de construções em áreas comuns14.

11 O douto jurista Francisco Cardoso de Oliveira, em aprofundado estudo sobre o tema, aduz ser “difícil estabelecer os contornos da propriedade no direito romano. Conforme adverte V. Scialoja, quando se trata da propriedade no direito romano, é necessário observar que no espaço de doze séculos a disciplina jurídica da propriedade sofreu modificações decorrentes de transformações socais e econômicas ocorridas na sociedade romana” OLIVEIRA, Francisco Cardozo de, Op cit., p. 95.

12 Quanto ao direito romano, a questão se torna ainda mais complexa em face das alterações por que passou a estrutura desse direito ao longo de uma evolução de mais de uma dezena de séculos. Para que se possa avaliar a intensidade dessas modificações, basta atentar para o fato de que, em épocas relativamente próximas, o conteúdo do direito de propriedade se reduz ou se alarga em face, não só do regime político, mas também das exigências econômico-sociais. ALVES, José Carlos Moreira, Op cit., p. 309.

13 Apenas na Idade Média surge de forma inequívoca a preocupação com o abuso no exercício do direito de propriedade. De qualquer modo, pode-se afirmar que, no direito romano, as limitações ao exercício do direito de propriedade, mesmo que restringissem um ou outra faculdade integrante do conteúdo do direito, ainda não constituíam disciplina atributiva de uma finalidade ao exercício do direito de propriedade vinculativamente para o proprietário. DE OLIVEIRA, Francisco Cardoso de, Op cit., p. 100/101.

14 Embora tenha continuado a vigorar a concepção de que, no condomínio, havia pluralidade de propriedades por quotas ideais, Justiniano introduziu modificações na disciplina desse instituto. Assim, para que se fizessem construções na coisa comum, era necessário que se obtivesse, previamente, o consentimento de todos os condôminos; e se fizesse a construção sem esse consentimento prévio, qualquer um deles podia obter a demolição da obra através da actio communo dividundo. ALVES, José Carlos Moreira, Ibidem, p. 320.

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O pensamento filosófico medieval contribuiu de forma decisiva para a moderna

concepção de propriedade, uma vez que o cerne do feudalismo estava na apropriação de

terras em um modelo econômico agrário.

O domínio da terra desdobrava-se e era exercido pelo colono quando da

apropriação de materiais e de parte dos frutos da produção, e pelo senhor feudal,

verdadeiro proprietário do bem, a quem incumbia determinar as regras e a política de

produção.

Enquanto o senhor feudal exercia seu domínio determinando os meios de

produção, ao colono cabia a integração econômica através do sistema agrícola.15

Em belíssima reflexão, Francisco Cardozo Oliveira assevera que “a cisão entre

domínio útil e domínio do titular reduziu o direito de propriedade ao seu aspecto de

titularidade formal, esvaziada pela atividade do colono de trabalhar na terra”, ou seja,

no feudalismo da idade média, ainda não se tinha plena noção da subjetividade, posto

que toda a riqueza originada pela produção do colono, ao senhor feudal, tinha um

caráter residual16.

A subjetivação do direito de propriedade decorreu, em parte, da obra de São

Tomas de Aquino, consolidada no século XVI, sendo que a reafirmação da propriedade,

como direito natural, permitiu mudar o foco do direito de propriedade do objeto para o

próprio proprietário.

No século XVI a propriedade passou a tomar os contornos atuais, tanto que,

durante o reinado de Henrique VIII, houve a desapropriação e venda de algumas terras e

mosteiros de ordens religiosas, a particulares17.

Embora São Tomás de Aquino tenha defendido o caráter social da propriedade, a

subjetividade consolidada na Baixa Idade Média baseou-se nos pensamentos de São

Francisco de Assis, vez que domínio constituía a autonomia do sujeito18.

15 Na Idade Média, o poder sobre a coisa (domínio) dividia-se entre vários titulares e importava também num poder político ligado à terra. O rei era o primeiro senhor, titular do domínio eminente (eminet domain); a terra era então dividida em vários senhorios que possuíam inúmeros vassalos. Os senhores tinham direitos políticos e de percepção de frutos (em sentido amplo) da produção da terra, enquanto os servos (vassalos) tinham o direito de trabalhá-la e dela extrair seu sustento. MESQUITA, Rodrigo Octávio de Godoy Bueno Caldas, Op cit., p. 92.

16 No feudalismo característico da alta Idade Média, alterou-se o caráter formal do direito de propriedade, que se manteve ligado a um modelo econômico onde a agricultura e a apropriação da terra constituíam as principais fontes de riqueza. A renda obtida pelo senhor feudal tinha caráter residual e ainda não assumia a característica essencial do lucro inerente ao capitalismo. OLIVERIRA, Francisco Cardozo, Op cit., p. 103/104.

17 Sobre o tema, ver LOPES, José Reinaldo de Lima, O direito na história – lições introdutórias, São Paulo: Max Lomonad, 2000, p. 406

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O caráter subjetivo-individualista decorreu do pensamento filosófico da Baixa

Idade Média, o qual modificou o elemento central do direito de propriedade do bem

para o sujeito, adequando-se à moderna realidade sócio-econômica representada pela

apropriação de bens.

Com a revolução francesa e o confisco das terras em 1791, consolidou-se a

concepção moderna de propriedade, baseada no Código Napoleônico de 1804, como

sendo “o direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que

delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”.19

Dessa forma, inspirada nos ideais liberais do final do século XVIII, e nas

aspirações da burguesia em alcançar o poder político, a propriedade passou a

caracterizar-se como o direito de usar, gozar e dispor dos bens, bem como de reavê-los

de quem injustamente os detenha.

Concomitantemente à consolidação deste novo conceito de propriedade, houve o

surgimento do nominado Estado Liberal, coroado pela luta do indivíduo contra a tirania

do Estado, baseado no Iluminismo francês do século XVIII.20

Por pressuposto, pode-se aludir que o Estado buscava o bem estar comum a partir

de uma presença mínima, onde, em uma concepção otimista, o próprio ser humano

desenvolveria as suas atividades visando o bem estar coletivo, sobretudo no campo

econômico, representado pela aquisição de bens.21

Em alguns aspectos, a auto-regulação do mercado demonstrou possuir grandes

vantagens, dentre elas, a valorização da propriedade e o desenvolvimento de

tecnologias. Todavia, a experiência histórica revelou que o Estado Liberal apresentava

diversas falhas de ordem funcional, pois delegar ao mercado a composição das regras e

a auto-regulação fez com que surgisse um grande desequilíbrio entre a classe patronal e

18 Sobre o tema, ver OLIVEIRA, Francisco Cardozo de, Ibidem, p 105.

19 Sobre o tema, ver MESQUITA, Rodrigo Octávio de Godoy Bueno Caldas, Op cit., p. 93.

20 Sobre o tema, Leandro Marins de Souza preleciona que: “Grande conquista da civilização liberal, cujo marco podem ser consideradas a Constituição da Federação Norte-Americana (1787) e a Revolução Francesa (1789), o Estado Liberal de Direito servira de fundamento básico aos direitos do homem, norteados pelas seguintes características básicas: submissão ao império da lei, divisão de poderes, enunciado e garantia dos direitos fundamentais. SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Dialética, 2004, p. 56.

21 Como marco do liberalismo podem ser citadas a Constituição da Federação Norte-Americana (1787) e a Revolução Francesa (1789), onde o novo Estado Liberal serviu como propulsor a proclamação de vários Direitos, sobretudo no que concerne aos chamados Direitos fundamentais.

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trabalhadora, pois logo se constatou que a liberdade para contratar entre o empregador e

o empregado, sob a ótica do equilíbrio e da igualdade, não passava de mero idealismo.

Com a revolução industrial e consequente êxodo da população rural para as

cidades, houve o aumento do número de desempregados e o crescimento da classe

proletária o que, aliado às condições desumanas de trabalho nas fábricas, estimulou o

desenvolvimento das ideias socialistas, baseadas em um novo sistema econômico

fundada na apropriação coletiva de bens.

Em oposição a este quadro, surgiu Estado de Bem-estar Social ou Welfare State,

cuja característica principal é o asseguramento de certas condições mínimas vitais.

A partir de meados do século XIX, em face do novo viés Social do Estado, foram

reconhecidas cada vez mais restrições negativas à propriedade, sem vinculá-la a uma

função social positiva, o que ocorreria no Brasil, apenas, com a Constituição Federal de

1967, ao determinar que a ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com

base no princípio da função social da propriedade22.

Evidentemente que outras Constituições vincularam a propriedade privada ao

interesse social, como no caso do caput do artigo 141 da Constituição de 1946; contudo,

o termo “função social” aparece constitucionalmente pela primeira vez no artigo 157,

inciso III da Carta de 196723, não obstante, tratar-se de uma Constituição outorgada.

3. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DA FUNCIONALIZAÇÃO DOS

INSTITUTOS JURÍDICOS

Muito tem sido escrito e falado acerca da funcionalização dos institutos jurídicos,

especialmente da propriedade, do contrato e da empresa, contudo, não obstante a

dificuldade conceitual, o seu atendimento oportuniza a justiça social e o

desenvolvimento sustentável.

Neste sentido, tendo em vista que a propriedade foi o primeiro instituto a ser

funcionalizado, é imperioso aludir que os fundamentos modernos que a alicerçam se

baseiam num modelo de propriedade de cunho subjetivo-absoluto, centrado no

22 Artigo 157, inciso III, da CF/67.

23 Cabe a ressalva que, infra-constitucionalmente, o termo “função social” já havia aparecido em textos legislativos como no Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), ao dispor nos arts. 2º, 12, 13, 18 e 47, inciso I, que a desapropriação por interesse social tem por fim condicionar o uso da terra à sua função social.

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individualismo, destacando-se, o pensamento político de John Locke24 e a filosofia de

Immanuel Kant25.

A partir das reflexões de Locke e Kant, houve a legitimação do conceito de

propriedade atrelado ao individualismo, na proporção em que o desenvolvimento

humano aparece vinculado à atividade de acumulação, decorrente da apropriação

racional e individual de bens, baseado, sobretudo, na laboriosidade individual.

Uma vez que o ordenamento jurídico deve incorporar elementos valorativos que

representem a realidade social, de forma a evitar a estagnação, após o advento dos

Códigos Civis, napoleônico de 1804, e alemão de 1896, começou-se a moldar a

disciplina jurídica do direito de propriedade no século XIX, que discutia a natureza

econômica da propriedade imobiliária e o seu papel na acumulação individual de

riqueza.

Tais situações desencadearam questionamentos a cerca do instituto, culminando

com a intervenção estatal no domínio econômico, por meio da tutela constitucional de

interesses comunitários, inclusive, nas relações jurídicas de direito privado, ocasionando

o desenvolvimento da funcionalização da propriedade.

Tal funcionalização insere-se no conjunto de novos paradigmas contemplados

pelos ordenamentos contemporâneos, visando a reorientação valorativa e finalística do

exercício dos poderes proprietários, de forma a preservar os interesses públicos, sem

negar ou esgotar o papel da individualidade para o desenvolvimento social e econômico.

De acordo com as peculiaridades do caso concreto, as restrições e as finalidades

podem ser encontradas sob os seguintes aspectos: ora são voluntárias, a exemplo das

servidões, do usufruto e das cláusulas de impenhorabilidade; ora legais, como

determinados dispositivos presentes na lei de locações (prorrogação automática do

24 LOCKE, John, Segundo tratado sobre o Governo, Tradução: Pietro Nassetti, Martin Claret: São Paulo, 2002. “Partindo da análise do que seria o “estado de natureza”, John Locke discute a origem, a organização e os fins da sociedade política e do governo, sendo que, numa singela análise, no que tange ao tema proposto, pode-se concluir que a propriedade privada, surge a partir da laboriosidade individual”.

25 KANT, Immanoel, Fundamentação da metafísica dos costumes, Tradução: Pietro Nassetti, Martin Claret: São Paulo, 2002. “Para Kant cujo pensamento filosófico exerceu profunda influência sob as bases do moderno direito de propriedade, o fundamento de tal instituto está na vida do homem em sociedade”. Como bem elucida Francisco Cardoso de Oliveira, in Hermenêutica e tutela da posse e da propriedade: “A garantia da propriedade para Kant deriva do conjunto de leis que regulam a repartição dos bens em uma comunidade. A propriedade para ele é relação jurídica entre pessoas”. OLIVEIRA, Francisco Cardoso de, Op cit., p. 106.

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contrato de locação não residencial); ou, decorrem da própria natureza do direito de

propriedade, a exemplo da função social.

A função social pode ser analisada sob dois aspectos, no primeiro, seria encarada

como um valor e admitida como a melhor destinação da propriedade, numa determinada

situação concreta; noutro, pode ser considerada como princípio, entendido o que é

devido em termos de finalidade social do exercício dos poderes de proprietário.

Em ambas as situações, a funcionalização enriquece a essência da propriedade,

uma vez que ultrapassa a simples relação entre o proprietário e a coisa, direcionando seu

conteúdo ao objeto finalístico determinado pelo ordenamento jurídico.

Sob a perspectiva eminentemente jurídica, deve-se ponderar que não há como

conceituar o tema sem considerar que os elementos caracterizadores da função social

estão, necessariamente, vinculados à realidade histórica e social.

Partindo da premissa de que existe uma relação entre a apropriação de bens e a

observância aos direitos dos não-proprietários, é possível asseverar que a

funcionalização objetiva alcançar o benefício social máximo, considerando para tanto,

os princípios constitucionais fundamentais, a situação fática da coisa, o interesse

individual e a realidade social.

Não se deve considerar a função social uma limitação ao direito de propriedade,

pois, mais do que uma possível imposição negativa, objetiva, na medida em que é

exercido o direito, destinar à propriedade uma finalidade que atente para os interesses

individuais e coletivos.

O direito de propriedade não se restringe à função econômica do bem, mas, sem

excluí-la, busca realizar objetivos de justiça social.

Neste sentido, vale apresentar as palavras do eminente jurista Eros Roberto

Grau26: “a propriedade não consubstancia mais um direito subjetivo justificado

exclusivamente pela sua origem, mas remanesce exclusivamente à medida que

atentemos a que seu fundamento é inseparável da consideração do seu uso”.

Considerando estas lições, pode-se aduzir que a função social integra a essência da

propriedade, de modo que, não a reduz à mera “propriedade-função”, onde seriam

completamente desconsiderados os poderes e interesses individuais.

26 GRAU, Eros Roberto. Direito urbano, regiões metropolitanas, solo criado, zoneamento e controle ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1983. p. 65.

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Em outro sentido, poderia ser levantada a questão da desapropriação, onde, o

descumprimento da função social não retiraria a proteção jurídica da propriedade, posto

que, nestes casos, o proprietário deve ser indenizado pela Administração Pública.

É verdade que na desapropriação, mesmo naquelas decorrentes do não

atendimento da função social, existe por parte do Estado, o dever de indenizar o antigo

proprietário, no entanto, isso não dissocia a função social da propriedade, pois, além de,

em muitos casos, não representar o valor real do bem, a indenização não ocorre porque

a ordem jurídica esteja a tolerar do descumprimento da função social.

Sobre o tema, em belíssima reflexão, Francisco Cardoso de Oliveira, elucida que:

O descumprimento da função social autoriza a imposição de sanções que podem culminar com o ato administrativo de desapropriação para permitir o uso e o aproveitamento do bem, condizente com a utilidade eleita pelo interesse público. Não se pode negar que a desapropriação assume, nesse contexto, verdadeiro caráter punitivo, ainda que abrandado pelo direito à indenização que, diga-se de passagem, muitas vezes, não atinge valor suficiente para compensar a lucratividade que o proprietário obteria com a exploração econômica da coisa objeto da propriedade.27

Assim, é forçoso concluir que não é possível formular um conceito de função

social dissociada dos elementos principiológicos do ordenamento jurídico, de tal forma

que, a mesma direciona a idéia de propriedade de maneira a efetivar os valores sociais,

onde, inseridos em dada situação concreta, atendem aos interesses dos proprietários e

não-proprietários.

A função social não impede o uso do bem, mas, ao contrário, exige que o

proprietário exerça o seu direito, pois, se expressa a partir de finalidades que surgem

durante o decorrer deste direito.

É uma cláusula aberta, onde todas as funções podem ser consideradas legítimas,

desde que atendidos parâmetros de concretização, na busca pelo equilíbrio de interesses.

Sob este prisma, o proprietário deixa de ser visto como simples indivíduo e passa

a atuar como cidadão, pois, além dos poderes característicos de usar e gozar da coisa,

assume, paralelamente, obrigações para com toda a sociedade.

4. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE SOB A PERSPECTIVA

CONSTITUCIONAL

27 OLIVEIRA, Francisco Cardoso de, Op cit., p. 248.

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No cotejo dos princípios constitucionais devem ser observados em primeiro lugar

os princípios fundamentais, em seguida os gerais e finalmente, os setoriais, já que os

primeiros, no entendimento de Roberto Barroso28, tem a primazia na interpretação e na

aplicação da Lei Máxima.

Dentro desta estrutura é possível aduzir que o princípio federativo, proclamado no

art. 1º, é um dos princípios fundamentais, considerando-se, em primeiro plano, a

autonomia legislativa dos entes federativos, enquanto que a garantia do direito de

propriedade, quer seja urbana, rural ou mesmo intelectual, e sua função social, são

princípios gerais, disciplinados nos artigos 5 e 170 da Constituição Federal29.

Em passado recente, a propriedade era encarada sob uma concepção

individualista, na qual era assegurado ao proprietário o uso irrestrito do bem,

independente do interesse social ou da forma pela qual este direito fosse exercido30.

Para tanto, bastava ser proprietário e estar em pleno gozo destes direitos para

impor estas faculdades a todos que a ela se opusessem.

À luz das concepções atuais, não há que prevalecer o antigo espírito egoísta em

face da possibilidade de compatibilizar o devido uso da propriedade com fins sociais.

Em diversas passagens, a ordem jurídica constitucional brasileira assegurou o

direito de propriedade disciplinando-o, em um primeiro momento, nos artigos 5º,

incisos XXII, XXIII, XXIV e §1º, artigo 170, incisos II e III.

A Constituição consagrou o direito de propriedade como um direito individual,

oponível a terceiros, só podendo ser sacrificado mediante prévia e justa indenização,

como garantia do indivíduo contra as ingerências arbitrárias do Estado.

Entretanto, em que pese a Carta Magna prever a proteção da propriedade, no

Título destinado aos direitos e garantias fundamentais, neste mesmo, dispôs que a

propriedade deverá atender a sua função social, de forma a interligar estes conceitos,

28 BAROSSO, Luiz Roberto, Interpretação e aplicação da constituição, São Paulão: Saraiva, p.1999, p. 194.

29 Segundo José de Farias Tavares, dentro dos princípios gerais encontramos: “direito de garantia da propriedade privada (de qualquer propriedade, urbana,rural, mobiliária ou imobiliária, ou intelectual) assegurado na CF/88, caput do art. 5º e incisos XXII, XXIII e XXVII a XXIX, ao desempenho da função social de cada propriedade individualmente considerada. O que é reiterado no art. 170 e seu inciso II. In TAVARES, José de Farias, Estatuto da cidade e o sistema jurídico nacional: Revista de direito constitucional e internacional, Ano 14, n. 56, julho-setembro, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2006, p. 166.

30 Sobre o tema, vale ressaltar o escólio de Celso Ribeiro Bastos: “a concepção clássica de propriedade não se afastou da idéia de um direito abstrato de caráter perpétuo que era usufruído independente do exercício deste direito, o que significa dizer que ele não era perdido pelo seu não-uso” BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 209.

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impedindo que um pudesse ser concebido sem o outro31, a fim de determinar que a

propriedade só poderá ser entendida e exercida através da função social.

Muitas vezes considerada como uma restrição32 aos poderes de propriedade, a

legislação não poderá estabelecer novas limitações ou finalidades sem atentar para o

disposto na Constituição Federal, no que diz respeito ao princípio da função social.

Não há como negar que, sob determinado enfoque, a função social reduziria os

poderes do titular do direito de propriedade33; contudo, quero crer que devemos encará-

la não sob um aspecto negativo, mas sim sob uma nova conjuntura na qual ocorre

flexibilização dos direitos subjetivos absolutos do proprietário em face dos interesses da

coletividade, o que implicaria atribuir ao bem uma nova destinação ou finalidade

condizente com a realidade social.

Tanto isso é verdade que a própria Constituição buscou harmonizar as aspectos

aparentemente antagônicos do direito subjetivo absoluto e irrestrito com a função social,

prevista nos incisos XII e XIII do artigo 5º.

Ao pensarmos em função social da propriedade sob a perspectiva constitucional, é

comum nos remetermos aos direitos e garantias fundamentais, pois, ao estabelecer, no

art. 5º, XXIII que a “propriedade atenderá a sua função social”, o referido preceito

constitucional parece irradiar o conteúdo do princípio a toda e qualquer forma de

propriedade, inclusive a privada.

Sem entrar em pormenores sobre as origens dos direitos fundamentais ou suas

diferenças para os nominados direitos humanos34, cabe aduzir que estes, na linguagem

31 Tal expressão é utilizada por Carlos Frederico Ramos de Jesus: Parece que se quis ressaltar que a função social, embora seja um direito individual, integra o conteúdo de um direito individual – o de propriedade. A intenção foi deixar os conceitos de propriedade e função social tão ligados que não se pudesse conceber um sem o outro, a fim de mostrar que a propriedade só pode ser definida se for levada em conta sua função social. Esta é mais um elemento essencial do direito de propriedade, junto com os poderes de uso, gozo, disposição e persecução. In JESUS, Carlos Frederico Ramos de, Ocupação de terras rurais e o conceito de propriedade no direito brasileiro, In: Revista de direito constitucional e internacional, Ano 13, n. 53, outubro-dezembro, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002, p. 207.

32 O termo “restrições” é utilizado por Celso Ribeiro Bastos: “As restrições ao direito de propriedade que a lei poderá trazer só serão aquelas fundadas na própria Constituição (...) BASTOS, Celso Ribeiro, Op cit., p. 208.

33 Sobre este aspecto, vale ressaltar o escólio de Carlos Frederico Ramos de Jesus: “Ao se incluir no direito de propriedade a exigência de o dono satisfazer outros interesses que não os seus, observa-se que a figura do direito subjetivo perde parte de seu significado individualista e absoluto, que lhe fora dado pela doutrina jusnaturalista, e passa a conviver com a ideia de função – que implica sempre uma redução dos poderes dados ao titular de um direito.” Op cit., p. 208/209.

34 Sobre o tema, em brevíssimas considerações, vale ressaltar o posicionamento de Perez Luño, o qual entende por direitos fundamentais: “los derechos positivados a nivel interno”, e direitos humanos, “los derechos naturales positivados en las declaraciones y convenciones internacionales, así como aquelas

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de Canotilho35, seriam “a salvaguarda do núcleo essencial da Constituição” de tal forma

que, mesmo autorizado a editar normas restritivas, o legislador se encontra vinculado ao

núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Superficialmente, poderia-se aduzir que todos os princípios previstos no artigo 5º

da Constituição seriam direitos materialmente fundamentais. Contudo, há de se ressaltar

que existem alguns parâmetros a serem analisados quanto à fundamentalidade das

disposições presentes no referido artigo.

Após mencionar os critérios identificadores da Constituição relativamente aos

direitos fundamentais, utilizando-se das lições de Ferdinand Lassalle, Maria Garcia36

aduz que:

O Título II da Constituição encima, como referido, a diversificada matéria dos arts. 5º (direitos e deveres individuais e coletivos); 6º (direitos sociais); 12 (nacionalidade); 14 (direitos políticos) e 17 (Partidos Políticos) – sob a denominação “Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Conforme visto pela análise doutrinária, desses direitos e garantias alguns seriam formalmente fundamentais e outros, formal e materialmente fundamentais – aos quais, e apenas a estes, a Constituição teria atribuído o regime constitucional de direitos fundamentais.

Neste sentido, segundo os ensinamentos de Canotilho37, é possível aduzir que os

direitos fundamentais formalmente constitucionais são aqueles “enunciados e

protegidos por normas com valor constitucional formal” ou seja, normas que tenham a

forma constitucional, enquanto os materialmente fundamentais são os “constantes das

leis e das regras aplicáveis do direito internacional”.

Resta claro que o caput do artigo 5º especifica cinco direitos fundamentais

formalmente constitucionais, conhecidos também por direitos básicos38, a saber: a vida,

a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, de tal forma que constituem

fundamento para todos os demais direitos consagrados no Título II da Carta Magna.

exigências básicas relacionadas com la dignidad, liberdad y igualdad de la persona que non han alcanzado um estatuto jurídico-positivo” PEREZ LUÑO, Antonio. Los derechos fundamentales. Madrid: Tecnos, 1993, p. 44.

35 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 418-420.

36 GARCIA, Maria, Mas, quais são os direitos fundamentais ? In: Revista de direito constitucional e internacional, Ano 10, n. 39, abril-junho, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002, p. 121.

37 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Op cit., p. 359/369.

38 Nomenclatura utilizada por GARCIA, Maria, Op cit., p. 122.

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Contudo, resta a pergunta: dentre todos os direitos consagrados pela Constituição,

quais deles seriam direitos fundamentais e onde se inseriria a função social da

propriedade.

Maria Garcia39 assevera que “todos os direitos e garantias vinculados diretamente

a um dos cinco direitos fundamentais básicos constantes do art. 5º, caput” seriam

direitos fundamentais, sendo os demais apenas direitos constitucionais.

Assim, vinculado ao direito de propriedade, é possível ressaltar a proteção aos

autores no caso de utilização, publicação ou reprodução de obras (XXVII), o direito de

herança (XXX), a função social da propriedade (XXIII) etc.

Contudo, para além de uma concepção individualista, ao estabelecer o referido

princípio, a Constituição buscou fixar novos paradigmas40, de forma que estes não

configuram qualquer limitação ao exercício do direito de propriedade.

Não há como negar que a funcionalização da propriedade decorreu de um longo

processo de amadurecimento social, baseado nas modificações das estruturas de

produção, de forma a se harmonizarem os ditames da ordem econômica com o ideário

de justiça social, representado, notadamente, pelo aproveitamento racional da terra.

O termo “função”41 segundo De Plácido e Silva42, nos remete a idéia de

desempenho, enquanto que “social”, nos ensinamentos de Maria Helena Diniz43, diz

respeito ao equilíbrio entre as pretensões dos indivíduos em uma sociedade.

39 GARCIA, Maria , Idem.

40 É verdade que hoje em dia o termo “paradigma” é utilizado “para tudo e para nada”. Contudo, no presente texto, utilizamos do sentido empregado por Osmar Ponchirolli, em sua obra Capital Humano, verbis: “A expressão paradigma não é usada em seu sentido estrito, como modelo de ciência historicamente situado numa determinada área do conhecimento, mas em seu sentido mais amplo, como conjunto de pressupostos que estruturam e condicionam o pensamento de toda uma época. Para Kuhn (1970, p. 175), paradigma é toda uma constelação de opiniões, valores e métodos, participados pelos membros duma determinada sociedade, fundando um sistema disciplinado, mediante o qual esta sociedade orienta a si mesma e organiza o conjunto de relações”. In PONCHIROLLI, Osmar, Capital Humano, 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 20.

41 Segundo o escólio de Fábio Konder Comparato: “Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. COMPARATO, Fábio Konder, Direito empresarial: estudos e pareceres, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 09.

42 Função. Do latim functio, de fingi (exercer, desempenhar) (...) DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, V. II, Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 722.

43 Após uma breve análise do termo “social”, a professora Maria Helena Diniz nos apresenta a ideia de Spencer ao aduzir que “diz-se da estática (social statics), que equilibra os interesses e as pretensões dos indivíduos em uma sociedade constituída”, DINIZ, Maria Helena, Dicionário jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 393.

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Dizer que a propriedade “possui ou é função social”44, significa impor-lhe uma

nova destinação onde devem ser observados tanto os interesses dos proprietários quanto

o dos não-proprietários, entendida, muitas vezes, como o interesse da coletividade45.

Deve existir uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e sua função

social, sendo perfeitamente possível atingir o interesse social através do exercício dos

direitos individuais.

Se considerarmos as faculdades inerentes ao domínio, assim como não há

propriedade sem um dono que possa usar, gozar ou dispor do bem, é de se crer que a

função social passa a ser um elemento integrante da definição de propriedade, de tal

forma que esta não existe sem função social, pois o proprietário pode dispor do bem,

como no caso do usufruto ou da locação, mas não pode se desfazer da função social.

Contudo, simplesmente aduzir que o proprietário deve atender a função social

pode não ser suficiente para evitar que o titular a utilize para fins egoísticos, deturpando

completamente a atual dogmática, quanto à função social da propriedade46.

Assim, para se atender ao princípio constitucional, faz-se necessário estabelecer o

equilíbrio entre o interesse particular e o coletivo no que concerne à utilização e à

destinação da propriedade, tendo em vista, sobretudo, os direito e garantias individuais,

os ditames da ordem econômica e os direitos sociais estabelecidos nos artigos 6º usque

11 da Carta Magna.

É verdade que a Constituição não contemplou expressamente a função social da

propriedade no capítulo dos direitos sociais. Contudo, cabe indagar se esta não é mais

uma das formas de se reafirmar os objetivos da República Federativa ou mesmo de se

assegurar o mínimo existencial47 muitas vezes representado pelo direito à saúde, à

moradia ou à assistência aos desamparados.

44 Sobre o tema, novamente vale invocar o escólio de Celso Ribeiro Bastos: “O primeiro ponto a notar é que o Texto acaba por repelir de vez alguns autores afoitos que quiseram ver no nosso direito constitucional a propriedade transformada em mera função”. BASTOS, Celso Ribeiro, Op cit., p. 209.

45 O termo interesses coletivos, foi utilizado por Maria Cristina M. de F. Bacovis et all, em artigo intitulado Função social da propriedade, “como conciliar a função originária da propriedade com a função atual de atender também aos interesses coletivos ?”. Op cit., p. 15.

46 Tal qual o eminente jurista José Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos assevera que o descumprimento da função social da propriedade pode acarretar algumas sanções: “o direito de propriedade vai expor-se a sanções fundamentalmente de duas ordens: as decorrentes da infringência às normas do poder de polícia, ou então à perda da propriedade na forma da Constituição”. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 210.

47 O termo ”mínimo existencial” é utilizado por Clémerson Merlin Cléve na seguinte passagem: “Os direito sociais, o princípio da dignidade humana, o princípio da socialidade (dedutível da Constituição Federal de 1988 que quer erigir um Estado democrático de direito) autorizam a compreensão do

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Será que o atendimento à função social, mesmo que indiretamente, não é mais um

dos meios de se construir uma sociedade livre, justa e solidária ? Ou mesmo de se

garantir o desenvolvimento nacional ?

Quero crer que o constituinte optou por irradiar o princípio da função social da

propriedade a toda a Lex superior, como forma de efetivar verdadeira justiça social,

inclusive, dando suporte à eficácia dos direitos sociais48, pois, em apertada síntese, estes

dizem respeito, basicamente, à educação, à saúde e à habitação, e também, a

propriedade.

Em que pese esta singela observação, a função social é comumente tratada no art.

5º, XXIII, de modo que a Constituição Federal a consagrou como um direito

fundamental, deixando de caracterizá-la como incondicional e absoluta, frente a

utilidade pública e o interesse social.

Sobre este tema, vale ressaltar os ensinamentos de Alexandre de Morais49, verbis:

A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objetivo de domínio deve cumprir.

Como se não bastasse as disposições do art. 5º50, a Constituição ainda reafirmou a

função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, definindo,

inclusive, sanções para o caso de seu descumprimento51.

mínimo existencial como obrigação estatal a cumprir e, pois, como responsabilidade dos poderes públicos. CLÉVE, Clémerson Merlin, A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de direito constitucional e internacional, Ano 14, n. 54, janeiro-março, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2006, p. 34/38.

48 O douto Clémerson Merlin Cléve aduz que: “O art. 6º da CF/88 não substancia norma programática (no sentido de despida de eficácia mediata), devendo ser considerada disposições de direito fundamental”. E adiante continua: “Os direitos sociais não têm de dar ao brasileiro, apenas, o mínimo. Ao contrário, eles reclamam um horizonte eficacial progressivamente mais vasto, dependendo isso apenas do comprometimento da sociedade e de governo e da riqueza produzida pelo país”. CLÉVE, Clémerson Merlin, Idem.

49 DE MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 266.

50 Quanto ao disposto no art. 5º, XXIII, em passado recente, o egrégio Supremo Tribunal Federal se manifestou no seguinte sentido: “Constitucional. Administrativo. Civil. direito de construir. Limitação administrativa. I – O direito de edificar é relativo, dado que condicionado a função social da

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Sob o título “Da Ordem Econômica e Financeira”, a Constituição assegurou a

todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de

órgãos públicos52, de forma a garantir a existência digna e o desenvolvimento social,

mediante a observância dos princípios insculpidos no art. 170.

De certa forma, pode-se afirmar que os ideais liberais da Revolução Francesa53

estão presentes nos princípios que regem a ordem econômica pois, em um verdadeiro

conflito harmônico observa-se que ora o constituinte primou pelo liberalismo

econômico, ora pelo intervencionismo estatal, de modo a tratar, no mesmo artigo, de

princípios como o da livre iniciativa e da função social da propriedade, concebendo um

aspecto heteróclito aos ditames que regem o sistema.

Quanto aos princípios previstos no art. 170, IV, da CF, Raul Machado Horta54

aduz que:

“no enunciado constitucional, há princípios – valores: soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência. Há princípios que se confundem com intenções: reduções das desigualdades regionais, busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (alterado pela EC nº 6/95); função social da propriedade. Há princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente”.

Ao observar a referida passagem, cabe indagar se o princípio da função social da

propriedade não se confundiria com uma mera intenção, no sentido de ser um objetivo a

propriedade: CF art. 5º, XXII e XXIII. Inocorrência de direito adquirido: no caso, quando foi requerido o alvará de construção, já existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local. II – Inocorrência de ofensa aos §§ 1º e 2º do art. 182, CF. III – Inocorrência de ofensa ao princípio isonômico, mesmo porque o seu exame, no caso, demandaria a comprovação de questões, o que não ocorreu. Ademais, o fato de ter sido construído no local um predito em desacordo com a lei municipal não confere ao recorrente o direito de, também ele, infringir a citada lei. RE não conhecido. (RE 178.836-SP, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Calor Velloso, Informativo STF, 25-8-99, n. 158, p. 2).

51 Pode-se asseverar que a ideia de “sanção” por descumprimento do princípio da função social é singelamente apresentada por José Afonso da Silva, ao aduzir que a Constituição: “inscreveu o princípio da função social da propriedade, com conteúdo definido em relação às propriedades urbana e rural, com sanções para o caso de não ser observado (arts. 182, 184 e 186)” SILVA, José Afonso da, Op cit., p. 281.

52 Evidente que o livre exercício das atividades econômicas sofrem algumas restrições previstas em lei, até porque, determinadas atividades são de tamanha importância para o desenvolvimento nacional, que devem ser fiscalizadas ou realizadas pelo próprio poder público.

53 Como observa Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosevald: “Paradoxalmente, do trinômio liberdade/iguadade/fraternidade – tão cara ao revolucionário francês -, a noção de solidariedade restou porpositadamente esquecida pela burguesia ao desenhar o Código Civil de 1804”. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSEVALD, Nelson, Op Cit. p. 198.

54 HORTE, Raul Machado, Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 296.

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ser alcançado pelo proprietário na busca pela correta utilização do bem ou se diz

respeito à própria essência do direito de propriedade como forma de promover a justiça

social e o desenvolvimento econômico sustentável ?

É de se ressaltar que, pelo próprio texto constitucional, especificadamente o § 1º

do art. 5º, a função social tem aplicação imediata sobre todo e qualquer tipo de

propriedade, devendo ser dotada de normatividade plena, em face da amplitude de seu

conteúdo, não constituindo mera exortação ou disposição de conteúdo unicamente

moral.

Certo que a Constituição não se limita a organizar as funções do Estado, mas

também, o exercício de poderes no âmbito da sociedade civil, de forma que a vida

política não se dissocia da atividade econômica, tanto a empresa55 quanto a propriedade

sofreram diversas transformações, de forma que sua finalidade está diretamente

vinculada aos princípios que regem a ordem econômica.

Na definição de Manoel Jorge e Silva Neto56, ordem econômica é “o plexo

normativo, de natureza constitucional, no qual são fixadas a opção por um modelo

econômico e a forma como deve se operar a intervenção do Estado no domínio

econômico”, ou seja, pode-se entender como o conjunto harmônico de princípio, regras

jurídicas e elementos econômicos que instituem, determinam e organiza, o

funcionamento da economia.

Embora se possa afirmar que a Constituição adotou o sistema capitalista57, ao

dispor no Título VII dos princípios gerais da ordem econômica, esta determinou que

fossem atendidos concomitantemente tanto princípios que se relacionem diretamente ao

mercado, como a livre iniciativa, quanto os de cunho eminentemente social, como a

defesa do consumidor e a função social.

55 Sobre o tema, novamente vale ressaltar as lições de Fábio Konder Comparato: “Se se quiser indicar uma instituição que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa” COMPARATO, Fábio Konder, Op cit., p. 03.

56 SILVA NETO, Manoel Jorge e, Direito constitucional econômico, São Paulo: LTR, 2001, p. 135.

57 Sobre o tema, vale ressaltar as reflexões de Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt: “Embora a Constituição Federal de 1988 tenha acolhido claramente o sistema capitalista, ou seja, um sistema de economia de mercado, fundado na propriedade privada, na iniciativa privada e na livre concorrência, devem ser vetores para compreensão da ordem econômica: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,III, da CF), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF); garantir o desenvolvimento nacional (art. 2º, II, da CF), a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 3º, III, da CF), a liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8º da CF); direito de greve (art. 9º da CF); e a integração do mercado interno ao patrimônio nacional (art. 219 da CF)”. BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa, Curso de direito constitucional, Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 255.

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Não pode especificar uma única forma de atender o princípio a função social da

propriedade. Contudo, é possível asseverar que a Constituição buscou disciplinar

principalmente as questões que envolvessem a propriedade urbana e rural.

Dessa forma, por ser norma cogente58, é possível afirmar que o princípio da

função social vincula tanto os aplicadores da lei quanto os proprietários, sendo que os

primeiros devem considerá-la sempre se confrontarem a casos que envolvam a garantia

do direito de propriedade frente a terceiros, já que o não cumprimento do princípio

implica a denegação da tutela jurisdicional, e os segundos, devem cumpri-la como

forma de atender às novas finalidades da propriedade, podendo incorrer em

desapropriação segundo ditames do texto constitucional.

O conteúdo da função social das terras urbanas deriva, diretamente, do plano

diretor aprovado pela Câmara Municipal, sendo obrigatório para cidades com mais de

20.000 habitantes, conforme o previsto no art. 182, §1º, da CF.

Ao se observar o disposto no referido artigo, prima facie, pode-se concluir que o

atendimento da função social da propriedade urbana está condicionado,

primordialmente, à utilização econômica do bem59, pois estipula “sanções” para o caso

de não utilização, subutilização ou não edificação (art. 182, §4º, da CF).

Em que pese a aparente vinculação do bem à sua exploração econômica, é de se

crer que a função social da propriedade urbana não está ligada exclusivamente a fatores

monetários, mas ao uso racional do bem.

Outrossim, verifica-se também que um dos objetivos da política de

desenvolvimento urbano a ser executada pelo Poder Público municipal é o pleno

desenvolvimento das funções da cidade e o bem-estar de seus habitantes.

Bem por isso, acreditamos ser incoerente reduzir a função social da propriedade

urbana às questões meramente econômicas, já que, para se atingir o desenvolvimento

58 Novamente, citando o escólio de Maria Helena Diniz, norma cogente é aquela de imperatividade absoluta ou impositiva, também chamada de “ordem pública”, porque ordena ou proíbe alguma coisa de modo absoluto, sem admitir qualquer alternatividade, vinculando o destinatário a um único esquema de comportamento, por tutelar direitos fundamentais. DINIZ, Maria Helena, Op cit., p. 637.

59 Neste sentido, vale ressaltar os ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos: “Em outras palavras, é o critério econômico o que predomina. Se o bem se estiver prestando a uma utilização econômica plena, evidentemente levando-se em conta a sua adequação topográfica, localização, etc., não será passível das medidas sancionatórias” BASTOS, Celso Ribeiro, Op cit., p. 211.

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sustentável60, e consequentemente a sustentabilidade, deve-se observar outros aspectos

como o cultural, social, ambiental etc61.

A título ilustrativo, um exemplo atípico, mas não impossível, é da igreja que se

utiliza do terreno vizinho, não edificado, para realização de eventos aos seus fiéis. Tais

eventos seriam realizados no referido terreno, de propriedade de um dos fiéis, e

possuem um cunho religioso, ou seja, não há vendas de produtos ou prestação de

serviços de forma a promover o ganho ou aumento de capital para a paróquia.

Seria possível dizer que tal terreno, por não possuir edificação e não ser explorado

economicamente, não atende a sua função social ? Para os fiéis daquela igreja, é

possível aduzir que o referido terreno não tem serventia ?

Queremos crer que, neste caso hipotético, em que pese não ser explorado

economicamente, o referido terreno atende a sua função social, pois se presta ao

interesse da coletividade.

Não obstante ser possível identificarmos outros fatores além do econômico, como

bem ressalta Celso Ribeiro Bastos, “queiramo-lo ou não, seja ou não do nosso gosto

pessoal, o fato é que os objetivos fundamentais dos Estados modernos continuam a ser

aqueles voltados ao desenvolvimento do seu potencial econômico”62, ou seja, segundo o

referido autor, não haveria como distanciar o fator social do econômico, uma vez que o

desenvolvimento depende da geração e circulação de riquezas63.

É certo que o bem-estar social está diretamente ligado a fatores econômicos, já

que, sem o aporte de recursos, se torna extremamente difícil a implementação de

60 Sobre desenvolvimento sustentável, Christian Luiz da Silva assevera que este “é um processo de transformação que ocorre de forma harmoniosa nas dimensões espacial, social, ambiental, cultural e econômica a partir do individual para o global”. Sendo que, “essas dimensões inter-relacionadas por meio de instituições que estabelecem as regras de interações e, também, influenciam no comportamento da sociedade local”. SILVA, Christian Luiz da, Proposta de um modelo de monitoramento e avaliação do desenvolvimento sustentável, SILVA, Christian Luiz, Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico integrado e adaptativo, Petrópolis, rio de Janeiro: Vozes, 2006, p. 18.

61 Sobre o tema, mister invocar os ensinamentos de Christian Luiz da Silva: “Em alguns casos, a preocupação com as dimensões do desenvolvimento é relacionada aos resultados esperados. Porém, compreender essas dimensões sob a ótica do desenvolvimento sustentável exige uma reflexão sobre o processo de evolução de cada dimensão e do inter-relacionamento para consecução da história e futuro da sociedade. SILVA, Christian Luiz da; MENDES, Judas Tadeu Grassi (orgs.), Reflexões sobre o desenvolvimento sustentável, Petrópolis, RJ:Vozes, 2005. p. 29.

62 SILVA, Christian Luiz da; MENDES, Judas Tadeu, Reflexões sobre o desenvolvimento sustentável, p. 211.

63 Não expressamente, mas neste mesmo sentido, é possível apresentar as lições de José Afonso da Silva, verbis: “A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza, pelo que, como já dissemos, deveria ser prevista apenas como instituição do direito econômico” SILVA, José Afonso da, Op Cit. p. 284.

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programas que visem a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Entretanto, este não

deve ser um fim em si mesmo, mas um meio necessário para se atingir os objetivos

previstos no art. 3º da Constituição.

Dessa forma, é possível aduzir que o princípio da função social buscou estabelecer

novos parâmetros ao direito de propriedade voltados à realização do bem comum ou ao

interesse dos não-proprietários, sendo imanente a toda e qualquer forma de propriedade,

não devendo ser visto com uma limitação negativa aos poderes de proprietário, mas

como uma nova destinação ou finalidade64.

5. A EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A PARTIR DA

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Como se sabe, o Código Civil Brasileiro não define o direito de propriedade,

limitando-se a indicar, no caput do art. 1228, os poderes do proprietário, de modo a

apresentar os elementos internos e externos do domínio, sem se referir, nos dizeres de

Gustavo Tepedino65, ao “aspecto funcional do instituto”.

Para tanto, deve-se compreender a relação entre a Constituição e a legislação

infraconstitucional como aquela em que a primeira apresenta os fundamentos

interpretativos da segunda, sem olvidar o Código Civil como elemento de efetiva

transformação social.

A história demonstrou que a justificação do interesse exclusivamente privado

muitas vezes acarretava sacrifícios ao interesse coletivo, bastando lembrar que, em

passado recente, uma única pessoa podia ser proprietária de uma vasta região de terras,

sem precisar explorá-la economicamente ou lhe dar qualquer destinação social,

enquanto a maioria da população brasileira vivia e vive em precárias condições.

A função social continua sendo expressão ou elemento do direito subjetivo, no

qual o proprietário, antes com poderes absolutos para usar, gozar e dispor da coisa,

64 No tocante à função social ser encarada como uma finalidade e não como uma restrição, novamente vale ressaltar os ensinamentos de Fábio Konder Comparato: A consideração dos objetivos legais é, portanto,decisiva nessa matéria, como legitimação do poder. A ilicitude, aí, não advêm apenas das irregularidades formais, mas também do desvio de finalidade, caracterizando autêntica disfunção. KOMPARATO, Fábio Konder, Op Cit., p. 09.

65 Tais poderes, expressão do elemento interno ou econômico do domínio (faculdade de usar, gozar e dispor) e do elemento externo ou jurídico (as ações de tutela do domínio), compõe o aspecto estrutural do direito de propriedade, sem nenhuma referência ao aspecto funcional do instituto. TEPEDINO, Gustavo, Temas de direito civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 269.

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passa a sofrer imposições positivas ou finalidades, como forma de atender a novos

valores sociais, representados, principalmente, pelo uso racional da terra.

O sistema somente legitima a satisfação dos interesses individuais na proporção

em que seu exercício atenda à função social, inserida na própria estrutura do direito

subjetivo, como meio para garantir e incentivar medidas coletivamente úteis66.

A propriedade deve atender tanto aos anseios econômicos do proprietário quanto

sua finalidade social, sendo vedado pelo sistema o exercício do direito subjetivo de

cunho exclusivamente individualista, de forma a considerá-lo como ato ilícito, ex vi do

art. 187 do Código Civil67.

É notório que vivemos um grave quadro de exclusão social68 onde a intervenção

legislativa serve como freio ao egoísmo humano, valorizando-se a fraternidade, a

solidariedade e o bem comum em detrimento de igualdades meramente formais,

identificadas pelos interesses dos proprietários e dos não-proprietários.

A proposital ênfase axiológica é evidenciada nos artigos 5, XXII e XXIII, e 170, II

e III da CF/88, de forma que a Lei Maior tutela a propriedade formalmente individual a

partir do instante que exista interesse materialmente social, fundamentando a ordem

econômica nacional na conciliação entre princípios como livre iniciativa, valorização do

trabalho e função social.

Segundo os ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald69 “a

propriedade que não for legitimada pela função social será sancionada pelo sistema

por diversas formas e intensidades”, de maneira que, para se determinar o alcance do

princípio da função social, mister recorrer ao entendimento jurisprudencial como forma

de estabelecer parâmetros que permitam determinar quais finalidades devem ser

atendidas pelos proprietários quando da exploração sócio-econômica do bem.

66 Sobre o tema, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald lecionam: A função social é um princípio que opera um corte vertical em todo o sistema de direito privado. Ela se insere na própria estrutura de qualquer direito subjetivo para justificar a razão pela qual ele serve e qual papel desempenha. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, Op Cit., p. 201.

67 Art. 187 do Código Civil: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

68 Para tanto, basta uma simples análise dos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, onde 32,2 % das famílias brasileira vivem com média de rendimentos mensais entre 2 e 5 salários mínimos e apenas 52,8 % possuem em suas residências saneamento básico quanto a esgotos e fossas sépticas. Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 2000, site: www.ibge.gov.br, acesso em 17/03/08.

69 FARIAS, Chaves Cristiano de, ROSENVALD Nelson, obra citada, p. 206.

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Assim, a jurisprudência brasileira serve como indicativo quanto à real extensão

dos poderes proprietários, permitindo, em situações análogas, antever o modo pelo qual

se deve atender a função social.

Dessa forma, apresentam-se algumas decisões dos Tribunais de Justiça do Estado

do Paraná, Rio Grande do Sul e do Supremo Tribunal Federal, como forma de

identificar os limites positivos ou finalidades a serem observadas quando do exercício

do direito de propriedade:

Ação de reivindicatória (...) No mérito, Alegação de que não se aplicam ao caso os §§ 4º e 5º do artigo 1228 do atual CC pela ausência dos requisitos fundamentais desacolhida - Requisitos presentes - Depoimento da única testemunha arrolada pelos autores que confirma ser a posse dos réus anterior ao ano de 1976 - Ônus de provar que a posse dos réus não era de boa-fé cabia aos autores, que dele não se desincumbiram - Sentença que tem a finalidade de fazer cumprir preceitos constitucionais, privilegiando a função social da propriedade, sem prejuízo do direito dos autores, que terão justa indenização pela privação da área (...).70

Ação civil pública por dano ambiental movida pelo ministério público contra o município e contra a proprietária do horto municipal de Maringá. (...) Mérito. Da responsabilidade da proprietária. Decreto municipal que não implicou em desapropriação indireta. Mera limitação administrativa sem qualquer desapossamento do bem. Danos ambientais que tiveram origem sete anos antes de ser baixado o aludido decreto municipal. Inércia no cuidado e na conservação que ofende a função social da propriedade. Responsabilidade reconhecida. Da responsabilidade do município. Responsabilidade municipal estabelecida pelo artigo 225, § 1º, da constituição federal. Município que, mesmo tendo meios legais de compelir o proprietário a atender a função social da propriedade, ficou inerte. Responsabilidade solidária inafastável(...).71

No primeiro caso, observa-se que a grande preocupação é atender a função social

sem prejuízo do direito de propriedade, de forma a se conceder ao proprietário justa

indenização pela privação da área.

Deve existir harmonia entre a função social e o exercício dos poderes dominiais de

modo a não se restringir ou limitar as faculdades de uso, gozo e disposição do bem,

buscando-se, concomitantemente, respeitar os interesses metaindividuais visando

conceder a todos acesso a bens mínimos capazes de conferir uma vida digna e a

respeitar valores ligados à solidariedade social.

70 TJPR - Apelação Cível, Processo 0167064-2, Rel. Roberto de Vicente, J. 20/02/2008, Unânime.

71 TJPR - Apelação Cível, Processo: 0378360-0, Rel. Marcos de Luca Fanchin, J. 21/08/2007, Por maioria.

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A função social não deve ser vista como uma limitação ao direito de propriedade,

como no caso do direito de vizinhança72 previsto no art. 1277 do CC, uma vez que este

é entendido como uma restrição ao exercício dos poderes proprietários, impedindo que

se prejudique o interesse urbanístico, de outros proprietários e de não-proprietários,

cuidando-se de uma obrigação eminentemente de não fazer73.

Esta limitação visa impedir o uso anormal da propriedade a partir de uma

imposição negativa, sacrificando sua extensão, de forma a não se confundir com uma

imposição positiva ou finalidade determinada pela função social.

No segundo caso, tanto a proprietária quanto o Município foram solidariamente

responsabilizados pelos danos ambientais gerados pelo horto municipal.

Do decisun vê-se que a responsabilidade da proprietária vai muito além daquela

gerada pela exploração econômica do bem, pois, em decorrência de danos ambientais,

deixou-se de atender a função social da propriedade com prejuízo ao interesse da

coletividade.

Do mesmo modo, não há como afastar a responsabilidade do Município, já que

este deve agir sempre em nome da coletividade, assegurando o efetivo atendimento do

princípio da função social da propriedade.

Não basta que a propriedade seja produtiva para se atender o princípio da função

social, pois a utilização exclusivamente especulativa pode acarretar diversas sanções

como a aplicação de multa ou a desapropriação74.

Mais do que zelar pelo cumprimento da função social, o Estado75 tem o dever de

agir frente às situações concretas, interferindo na propriedade privada de modo a

72 Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do direito do vizinho. Se assim não fosse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, impossibilitados estariam de exercer qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam dessa forma. Essas restrições ao direito de propriedade são impostas, simplesmente, para que esse mesmo direito possa sobreviver. MALUF, Carlos Alberto Dabus, Principais limitações ao direito de propriedade no código civil de 2002, In Revista do advogado – associação dos advogados de São Paulo, Ano XXVII, nº 90, março de 2007, p 18.

73 A função social da propriedade não se confunde com as limitações ao direito de propriedade impostas pelo ordenamento jurídico. As restrições ao direito de propriedade são normas de direito de vizinhança (art. 1.277 do CC) e direito administrativo (v.g, desapropriação, requisição)”. FARIAS, Chaves Cristiano de; ROSENVALD, Nelson, Op Cit., p. 207.

74 Sobre o tema, novamente vale ressaltar o magistério de Gustavo Tepedino, para quem, “a produtividade, para impedir a desapropriação, deve ser associada à realização de sua função social”. (...) “Em definitivo, a propriedade com finalidade especulativa, que não cumpra a sua função social, ainda que economicamente capaz de produzir riqueza, deverá ser prioritariamente desapropriada, segundo a Constituição, para fins de reforma agrária”. TEPEDINO, Gustavo, Op Cit., p. 274.

75 Ambos os preceitos impõem ao Estado deveres precisos, cujo conteúdo não se pode dissociar da efetivação da função social, nos termos anteriormente explanados”. TEPEDINO, Gustavo, Ibem.

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defender o interesse urbanístico e dos não-proprietários, como no caso em que a

atividade do proprietário está causando danos ao meio ambiente.

Quanto aos limites do exercício dos poderes proprietários, em recentes decisões,

vale destacar a posição do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ação de reparação de danos emergentes, lucros cessantes e danos morais decorrentes de acidente de trânsito. Condutor de kombi que sai da estrada e abalroa pilha de toras de madeira em área particular contígüa à pista. Não há como prosperar a tese de que a empresa demandada, uma madeireira, ao posicionar as toras de madeira dentro de seu terreno, mas a uns dois metros da margem da estrada, estaria violando a função social da propriedade. (...) Mantida a Sentença que julgou improcedentes a ação e o pedido contraposto. Recurso improvido.76

Embargos de Terceiro. Cessionários de Direitos. Decreto-Lei 70/66. Adjudicação. Constitucionalidade. Conforme jurisprudência pacífica, é constitucional o procedimento previsto no Decreto-Lei 70/66. Os cessionários não poderiam ser informados do procedimento extrajudicial quando não comunicam à proprietária do negócio realizado com o mutuário. Função social da propriedade e proteção da entidade familiar que não afastam o direito da proprietária. (...) Apelo desprovido. Unânime.77

É verdade que a função social da propriedade penetra na própria estrutura e

substância do direito subjetivo, “traduzindo-se em uma necessidade de atuação

promocional por parte do proprietário pautada no estímulo a obrigação de fazer78”,

não devendo ser entendida como uma intervenção negativa ou restritiva ao exercício

dos poderes dominiais.

Justamente sob este aspecto, nos referidos julgados, o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul decidiu que a propriedade deve satisfazer concomitantemente os anseios

coletivos da sociedade e econômicos do proprietário de forma a não esvaziar o cunho

individualista do instituto.

O proprietário deve fazer tudo que estiver ao seu alcance para auxiliar a sociedade,

desde que não prejudique a racional exploração econômica do bem.

Esta racionalidade está pautada em uma série de encargos e estímulos que

direcionam o bem às finalidades comuns e sociais de modo a evitar que o exercício do

domínio se revele ocioso ou especulativo.

76 TJRS – Apelação Cível nº 71001441260, Rel: Mylene Maria Michel, J. 28/11/2007.

77 TJRS - Apelação Cível nº 70019358779, Rel: Rubem Duarte, J. 26/09/2007.

78 Expressão usada por FARIAS, Chaves Cristiano de; ROSENVALD, Nelson, Op Cit. p. 207.

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A propriedade passa a ser considerara propriedade-função ou propriedade-dever79,

direcionada à promoção dos direitos fundamentais, de modo a incorporar a estrutura do

direito de propriedade, passando a ser um de seus elementos, ao lado das faculdades de

usar, gozar, dispor e reivindicar.

Entretanto, mister destacar que, não obstante incorporar a estrutura do direito de

propriedade, configurando verdadeiramente um de seus elementos, a função social

exerce importante papel regulador perante as referidas faculdades, uma vez que,

enquanto estas são consideradas elementos estruturais estáticos, a função social é

dinâmica, adequando-se à realidade social como forma de se atender o interesse dos não

proprietários.

Contudo, em nome da função social não pode haver um esvaziamento das demais

faculdades, tanto que, em ambos os julgados, a referida Corte decidiu que não houve

violação função social quando do exercício dos poderes proprietários, posto não terem

sido violados os interesses de terceiros, dos não-proprietários ou da sociedade.

Não deve haver um sacrifício do direito de propriedade em favor da função social,

mas sim a remodelação do instituto para que este atenda ao preceito sem perder suas

características, ou seja, deve se incorporar o princípio sem exaurir as demais faculdades.

Nesta esteira, resta uma pergunta: como assegurar real efetividade ao princípio da

função social?

Em acórdão verdadeiramente paradigmático, da lavra do eminente Min. Celso de

Mello, o Supremo Tribunal Federal apresentou indicadores a serem seguidos quando da

caracterização da função social da propriedade:

Ação direta de inconstitucionalidade - A questão do abuso presidencial na edição de medidas provisórias - Possibilidade de controle jurisdicional dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (cf, art. 62, caput) (...) Relevância da questão fundiária - O caráter relativo do direito de propriedade - A função social da propriedade - Importância do processo de reforma agrária - Necessidade de neutralizar o esbulho possessório praticado contra bens públicos e contra a propriedade privada - A primazia das leis e da constituição da república no estado democrático de direito. - O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (cf, art. 5º, xxiii), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria constituição da república. - O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel

79 Expressão usada por FARIAS, Chaves Cristiano de; ROSENVALD, Nelson, Ibidem, p. 208.

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rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto - Enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade - Reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade(...)80

Observa-se a partir do referido acórdão que a faculdade de usar, gozar, dispor e

reivindicar o bem submete-se regulatoriamente à função social de modo que esta,

positivamente, lhe determine uma finalidade81 que atenda aos interesses dos não-

proprietários.

A partir da função social, opera-se a relativização do caráter absoluto do direito de

propriedade, eis que esta passa a sofrer verdadeira hipoteca social82, como meio de

promover o desenvolvimento econômico sustentável.

Interpretando a Carta Magna, verifica-se que a excelsa Corte apontou como

elementos de realização da função social o uso racional e adequado do imóvel, a correta

utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente.

Quanto à preservação do meio ambiente, em consonância com o disposto no

artigo 1.228, §1º, do Código Civil, é possível aduzir que este se estende à utilização da

propriedade de forma a garantir o equilíbrio natural entre a flora, a fauna, as belezas

naturais e o patrimônio histórico e artístico.

Assim, uma pessoa que explora economicamente toda a extensão de sua

propriedade, desenvolvendo programas sociais voltados aos trabalhadores da região,

80 STF – ADI-MC nº 2213, DF, Relator Min: Celso de Mello, Tribunal Pleno, J. 04/04/2002.

81 Sobre o tema, vale apresentar as reflexões de FARIAS, Chaves Cristiano de; ROSENVALD, Nelson: “todo e qualquer ato de uso, gozo e disposição da coisa será submetido ao exame de finalidade, bem como eventual pretensão reivindicatória poderá ser paralisada, se o proprietário não conceder destinação relevante ao bem, apesar de ostentar a titularidade formal”. FARIAS, Chaves Cristiano de; ROSENVALD, Nelson, Op Cit., p. 209.

82 Utilizamos a expressão “hipoteca social” no sentido de que o bem pertence efetivamente ao proprietário, mas a sociedade tem “certo direito” sobre este no que diz respeito a ver atendido o princípio da função social.

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mas que em decorrência da atividade empresarial altere o ecosistema local, não estaria,

em tese, atendendo ao princípio da função social83.

Outra situação na qual não se atenderia a função social seria aquela em que um

determinado empresário, visando construir um grande hotel, gerando vários empregos e

renda para a localidade, destrói uma casa centenária, parte do patrimônio histórico, para

se utilizar do imóvel.

Não obstante estes hipotéticos exemplos, no caso concreto deve-se sopesar os

princípios constitucionais e os interesses econômicos envolvidos, pois, em que pese ter

ocorrido o alagamento na região Guairá para se promover o enchimento do reservatório

da usina Itaipu Binacional, não há como negar que esta monumental construção atende

a sua função social, pois, a partir dela, o Brasil passou a ter a maior hidrelétrica do

mundo, passando a ser considerado um dos maiores produtores mundiais de energia,

gerando no ano de 2000 um recorde de produção de 93,4 bilhões de quilowatts-hora.84

Certo que a técnica legislativa intencionalmente dispôs a função social como uma

cláusula geral, redigida de forma lacunosa e com grande semântica, de forma que a

interpretação pudesse adequá-la aos valores sociais objetivando atualizar o sentido da

norma, mister seria buscar determinados parâmetros para sua efetividade frente ao caso

concreto.

Ainda, de acordo com o referido acórdão, incumbe ao proprietário explorar

adequadamente o bem, de modo a impedir que este se torne improdutivo, favorecendo

socialmente o bem estar de todas as pessoas que trabalham na propriedade, assegurando

a conservação dos recursos naturais, através de indicadores de produção e de

desenvolvimento local sustentável85.

83 Gustavo Tepedino, com a sapiência que lhe é característica, aduz que: “quando uma certa propriedade não cumpre sua função social não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico. TEPEDINO, Gustavo, Op Cit., p. 282.

84 Conforme informações extraídas do site da Usina Itaipu, “o enchimento do reservatório interferiu na vida de milhares de pessoas que habitavam nas margens do Rio Paraná entre Foz do Iguaçu e Guaíra. Os moradores de Foz viram o rio esvaziar, por causa do fechamento das comportas, enquanto Guaíra lamentou e sofreu o alagamento das Sete Quedas. Moradores de Guaíra realizaram protestos, e artistas prestaram homenagem aos saltos que acabam encobertos pelo reservatório. Ansiosos por se despedir das Sete Quedas, 32 turistas morrem em janeiro de 1982 com a queda de uma passarela sobre o rio. Ao longo da faixa de 170 quilômetros submersos entre Foz do Iguaçu e Guaíra, 8.519 propriedades urbanas e rurais foram alagadas na margem brasileira, e os donos indenizados. O município de Guaíra passou a receber royalties da Itaipu pelo alagamento das Sete Quedas”. www.itaipu.gov.br, acesso em 04/04//08.

85 Indicadores são formas de representação quantificáveis das características dos produtos e processos. São utilizados para controlar e melhorar os resultados. Podem estar ligados às características de qualidade e desempenho (esforço) de produtos e processos. (...) Mediar a sustentabilidade implica informar bem ao tomador de decisão e responder aos pleitos e expectativas dos stakeholders, ou seja, implica em provar que resultados forma atingidos conforme estratégia previamente definida. RAULI,

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Assim, pode-se aduzir que a função social se refere ao uso racional da terra, de

forma que a produtividade do bem atenda aos fundamentos e objetivos da República,

sem causar lesões ao meio ambiente a ao interesse dos não-proprietários, devendo ser

sancionadas as atividades contrárias, mesmo que economicamente geradoras de

riquezas.

Não há como negar que ainda não se criou neste país uma verdadeira “cultura da

função social”, já que a propriedade ainda é usada de modo a garantir o funcionamento

e a operabilidade da ordem econômica, em um sistema voltado eminentemente à

geração de riquezas.

Em uma visão pessimista, é possível aduzir que a grande maioria dos proprietários

se interessa única e exclusivamente em exercer os direitos de propriedade de forma

ampla e irrestrita, ou seja, de usar, gozar e dispor do bem da melhor maneira que lhe

aprouver.

Para estes, pode parecer abstrato asseverar que, além de seus interesses egoísticos,

deve-ser observado o interesse dos não-proprietários, como forma de se atender a um

novo conceito de propriedade.

Talvez, uma das maneiras de se delinear o que seria na prática a função social da

propriedade, seja a partir da análise de casos concretos onde, por meio das decisões

judiciais, fosse possível traçar alguns parâmetros, como necessário equilíbrio do meio

ambiente ou a proteção das pessoas que trabalham na propriedade.

O exercício dos poderes proprietários não possui mais o caráter absoluto e

irrestrito, de tal modo que até um certo limite, o proprietário tem livre espaço para

exercer seu domínio sobre o bem, contudo, deve atender a outros interesses, não

devendo encarar a função social sob um prisma predominantemente negativo, já que

esta será sempre o resultado da ponderação de valores sociais previstos na Constituição

Federal.

6. QUESTÕES SUBJACENTES AO SURGIMENTO DO CONCEITO DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Fabiano de Castro, et all, Indicadores de desenvolvimento sustentável, In Desenvolvimento sustentável um modelo analítico integrado e adaptativo, DA SILVA, Christian Luiz (org.) Rio de Janeiro: Vozes, 2006, p 152.

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Embora o desenvolvimento ambiental já estivesse presente na pauta de discussão

dos organismos internacionais como na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, pode-se aduzir que as bases do

atual conceito de desenvolvimento sustentável encontram sua origem86 no relatório

elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

da ONU, no qual o desenvolvimento sustentável é entendido como aquele que objetiva

satisfazer às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das futuras

gerações de atender a suas próprias necessidades87

.

O referido relatório não se limitou a abordar os problemas ambientais em sentido

estrito, de modo que os debates se concentraram nos estilos de desenvolvimento e suas

repercussões sobre o funcionamento dos sistemas naturais, enfatizando a importância da

cooperação e do multilateralismo internacional como alicerce para o desenvolvimento

sustentável.

Em 1989 foi criada a Comissão Latino-Americana de Desenvolvimento e Meio

Ambiente, cujo documento publicado em 1990 estabeleceu vínculos entre os níveis de

riqueza, pobreza, meio-ambiente e desenvolvimento.

Após a apresentação da proposta da Suécia de realização da Conferência sobre

Meio Ambiente Humano, a XLIII Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a

Resolução 43/196, que determinava que a conferência sobe temas ambientais deveria se

realizar até 1992, sugerindo que o encontro viesse a avaliar as tendências políticas e

86 Transcorridas quase duas décadas desde a Conferência de Estocolmo, modificou-se consideravelmente a percepção do mundo em relação aos problemas ambientais, conforme atesta a criação pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 38/161) da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, esta comissão publicou em 1987, o relatório Nosso futuro comum, que retrata muito bem a mudança de perspectivas. BRASIL, Presidência da República, Comissão interministerial para preparação da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. O desafio do desenvolvimento sustentável: pref. Do Presidente Fernando Collor, Brasília: Cima, 1991, p. 18.

Para José Renato Nalini, é aqui que reside a problemática do desenvolvimento durável que busca conciliar as necessidade do presente com aquelas das gerações futuras, ou seja, o necessário desenvolvimento econômico dos países com a proteção, a longo prazo, do meio ambiente e dos recursos. Foi essa a origem do conceito de desenvolvimento sustentável, também denominado desenvolvimento durável ou desenvolvimento viável. NALINI, José Renato, Ética e sustentabilidade no Poder judiciário, Revista dos Tribunais, Ano 98, vol. 884, junho 2009, p. 12.

87 Consoante leitura do Relatório Brundtland (que é intitulado como Nosso Futuro Comum, publicado 1987 e elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas) o desenvolvimento sustentável é […] o desenvolvimento que satisfaz as necessidade presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. CLARO, Carlos Roberto, Recuperação judicial: sustentabilidade e função social da empresa, São Paulo: Ltr, 2009, p. 188.

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ações dos países e organizações internacionais para proteger e aprimorar o meio

ambiente.

Além de examinar os critérios ambientais que haviam sido incorporados nas

políticas e no planejamento econômico e social desde a Conferência de Estocolmo, o

encontro que se realizaria no Brasil em 1992 deveria enfocar os meios necessários à

implementação da Agenda XXI88.

Com base no conceito de desenvolvimento sustentável apresentado no Relatório

Brundtland de 198789, varias sugestões e recomendações resultaram da conferência

realizada em 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como Rio 92, dentre as quais a criação

de novas instituições como a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, juntamente

com um Órgão Consultivo de Alto Nível.90

Essas recomendações foram endossadas pela Resolução 47/191 da AGNU, tendo

o conceito de desenvolvimento sustentável constado de vários documentos

internacionais, como o caso Nagymaro-Gabcicovo, julgado pela Corte Internacional de

Justiça em 1997, que declara ser Desenvolvimento Sustentável, hoje, um princípio de

Direito Internacional.

Também conhecido como meio ambiente ecologicamente equilibrado ou

ecodesenvolvimento, segundo Edson Damas da Silveira91, o princípio do

desenvolvimento sustentável operou “reflexões ideológicas e inquetações de ordem

prática e principalmente a revisão dos principais textos normativos”, sendo “as pilastras

do entendimento daquilo que deva ser um processo de desenvolvimento com

88 Dentre os temas a serem abordados, pode-se destacar a proteção da atmosfera por meio do combate à mudança de clima, ao desgaste da camada de ozônio e à poluição transfronteiriça do ar; proteção da qualidade do suprimento de água doce; proteção das áreas oceânicas e marítimas e das zonas costeiras e conservação, uso racional e desenvolvimento de seus recursos vivos; proteção e controle dos solos por meio, inter alia, do combate ao desmatamento, desertificação e seca; conservação da diversidade biológica; controle ambientalmente sadio da biotecnologia; controle de dejetos, principalmente químicos e tóxicos; erradicação da pobreza e melhoria das condições de vida e de trabalho no campo e na cidade; e proteção das condições de saúde.

89 Essa fórmula de compromisso constou do Relatório Brundtland, em 1987, como resultado do fracasso da pregação ecológica de matriz teórica. Essa noção atende ao objetivo de reintegrar as políticas de meio ambiente numa perspectiva de desenvolvimento econômico. Não é fácil imergir a sede de progresso material na visão ético-ambiental. Todavia, é a ideia que impõe alguns freios a frenética busca por lucro, à custa da destruição do patrimônio maior que não foi por qualquer humano construído. NALINI, José Renato, Op Cit., p. 12.

90 Agenda 21, §§ 38.11 a 38.14 e 38.18.

91 SILVEIRA, Edoson Damas da, Desenvolvimento sustentável (ou que não se sustenta) em território amazônico, In Direito ambiental em evolução, nº 4, FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.), Curitiba:Juruá, 2005, p. 142

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sustentabilidade ambiental ressai cristalino do sentido semântico dos dispositivos da

nossa atual Carta Magna”.

Segundo Aline Cristina Koladicz92, três questões devem ser atendidas

simultaneamente para que se possa falar em desenvolvimento sustentável, “a relevância

social, a prudência ecológica e a viabilidade econômica”.

Assim, considerando o disposto na Constituição Federal de 1988, é possível

aduzir que o conteúdo do conceito de desenvolvimento sustentável está

constitucionalmente previsto, mesmo de que forma implícita, no artigo 225, ao dispor

que tanto o Poder público quanto a coletividade devem defender o meio ambiente

ecologicamente equilibrado e preservá-lo para as presentes e futuras gerações93, sendo

certo que tanto o princípio da função social da propriedade quanto o do

desenvolvimento sustentável integram o ápice do ordenamento jurídico brasileiro,

devendo ser observados em todas as lides nas quais se confrontem a livre iniciativa, a

proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável em suas mais variadas dimensões.

7. O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DE SUSTENTABILIDADE

A construção histórica do conceito de desenvolvimento sustentável está vinculada

à ideia de manutenção dos recursos naturais de modo a rediscutir as políticas públicas e

ações voltadas ao crescimento econômico, baseado no sistema capitalista94.

Não se deve observar o desenvolvimento sustentável apenas sob o enfoque

econômico, uma vez que este visa equilibrar os diversos fatores sócio-ambientais com o

progresso nos meios de produção obtidos através do domínio da técnica95.

92 KOLADICZ, Aline Cristina, Eficiência econômica empresarial e desenvolvimento sustentável, Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, nº 36, coord. CORRÊA, Estevão Lourenço, Curitiba: 2008, p. 330/331.

93 Em termos retóricos, chega a ser surpreendente que em curto espaço os ambientalistas aparentemente venceram os “desenvolvimentistas” com a proclamação do princípio do desenvolvimento sustentável na Carta Política de 1988. Ele consta expressamente do art. 225 da CF – o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O ser conteúdo é “a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. NALINI, José Renato, Op Cit., p. 13.

94 A acelerada destruição dos ecossistemas levou os cientistas a repensarem o conceito de desenvolvimento. A concepção generalizada no capitalismo bárbaro é o de que progresso e preservação de recursos naturais são posturas antípodas. Invoca-se a premência dos emergentes superarem o atraso tecnológico para legitimar práticas ecologicamente condenáveis. NALINI, José Renato. Ibidem, p. 11

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Deve-se atentar para a diferença entre desenvolvimento sustentável e

sustentabilidade, já que aquele se refere ao meio pelo qual se obtem a manutenção e

auto-gestão dos recursos sócio-ambientais, enquanto que esta é o fim a ser atingido pelo

processo de desenvolvimento96.

Em que pese serem conceitos dinâmicos, o foco principal do desenvolvimento

sustentável está no modo de se obter a sustentabilidade, enquanto esta, por sua vez,

preocupa-se com o resultado final do desenvolvimento.

Durante os anos 50, com a crise econômica do pós-guerra, foi adotada,

principalmente pelos países envolvidos, uma política de governo voltada ao crescimento

econômico pautada na produção e distribuição de riquezas por meio de organizações

públicas, privadas ou indivíduos empreendedores que assumiram o processo produtivo,

cabendo à administração impulsionar o desenvolvimento através de regulamentações.

Contudo, constata-se que os governos passaram a assumir grande parte do

desenvolvimento sócio-econômico, de modo a exercerem diretamente diversas

atividades do setor produtivo97.

A segunda fase, chamada de desenvolvimento integrado98, foi caracterizada pela

distribuição equitativa dos resultados obtidos pelo crescimento econômico à sociedade,

objetivando o desenvolvimento social de modo atender as necessidades básicas por

meio de investimentos em áreas como a saúde e a educação.

95 Durante muito tempo o desenvolvimento foi medido com base única no crescimento do Produto Interno bruto – PIB, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Hoje, utiliza-se internacionalmente o índice denominado Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que incorpora, além do crescimento, fatores sociais como escolaridade e longevidade. KOLADICZ, Aline Cristina, Op Cit. p. 328.

96 Christian Luiz da Silva, opus citandum Dresner aduz que os “termos sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são utilizados como sinônimos em muitas situações; porém, são diferentes, senão, como afirma de forma jocosa, a própria palavra desenvolvimento seria completamente dispensável”. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 12.

97 Marcos Kisil divide a recente história do desenvolvimento sócio-econômica em quatro fases, sendo que, sobre o tema, aduz que: Isso também abriu caminho para um envolvimento direto do governo numa ampla série de atividades produtivas, regulando ou se tornando produtor direto. O resultado desta fase foi um crescimento gigantesco do Estado como o grande responsável pelo processo e pela distribuição dos resultados dos desenvolvimento. KISIL, Marcos, Organização social e desenvolvimento sustentável: projetos de base comunitária, in 3º setor: desenvolvimento social sustentável, org: IOSCHPE, Evelyn Berg, São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 134.

98 Expressão usada por KISIL, Marcos, Op Cit., p. 134.

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O Estado foi o participante chave tanto no primeiro quanto no segundo período,

responsabilizando-se, inicialmente, pelo crescimento e, subsequentemente, pelo

desenvolvimento de políticas públicas sociais99.

Na década de 70, o discurso ideológico do desenvolvimento sustentável residiu na

forma pela qual se deu o crescimento econômico dos países desenvolvidos, pautados

num modelo econômico capitalista.

A passagem para a terceira fase foi marcada pela crise do petróleo de 1973, posto

que esta reduziu dramaticamente a capacidade dos governos em atender as necessidade

públicas geradas pelo desenvolvimento social.

Considerando que a possível escassez dos recursos naturais obstacularia o

acúmulo de riquezas e a continuidade do desenvolvimento econômico, bem como

acarretaria o desequilíbrio dos ecossistemas100, houve a interação entre os objetivos

defendidos pelos atores econômicos e ambientais, de modo a se buscar o

desenvolvimento sustentável como meio de garantir a sobrevivência do sistema

econômico-ambiental.101

A busca por novas alternativas impulsionou as comunidades a participarem do

processo de desenvolvimento, passando o governo e as agências financiadoras a

atuarem como parceiras no processo de desenvolvimento, especialmente em âmbito

local102.

Tornou-se necessário repensar o aproveitamento dos recursos naturais, de forma a

conciliar os interesses econômicos, representado pela continuidade dos meios de

99 Os analistas a começaram argumentar que crescimento sem equidade era crescimento sem desenvolvimento. Considerações sobre equidade também significam maior atenção aos assuntos de desenvolvimento social. KISIL, Marcos, Idem.

100 A ênfase política e o discurso ideológico colocaram em questão o modelo de desenvolvimento sustentado na acumulação contínua de riquezas, ao questionar se essa “continuidade” não estaria ameaçada pela falta de recursos e pela má distribuição dos ganhos oriundos. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 14.

101 Por evidente que os objetivos defendidos eram, de certo modo, antagônicos, pois, como ressalta Christian Luiz da Silva: “Esse conflito foi negociado pelas partes, levando-se em conta os interesses dos grupos individuais. Os capitalistas precisam de recursos para produzir e reproduzir o capital. Os ambientalistas objetivam proteger e manter o sistema ambiental ainda existe”. SILVA, Christian Luiz da, Ibidem, p. 15.

102 No nível das comunidades locais começaram a surgir possibilidades novas para o processo de desenvolvimento. As pessoas redescobriram que podem fazer coisas por si próprias, individualmente como empreendedores, ou organizados em grupos ou comunidades. A esta situação nova, governos e agências financiadoras passaram a dar mais atenção ao seu papel de orientadores, e não mais diretores, do processo de desenvolvimento. KISIL, Marcos, Op Cit., p. 135.

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produção, com o interesse social, representado, neste primeiro momento, pelas questões

sócio-ambientais em âmbito local.103

A crise econômica do final dos anos 70 alterou a visão de desenvolvimento

central-globalizante para comunitário-local, mudando o enfoque econômico capitalista

representando geração de riquezas, para a proteção dos recursos naturais e manutenção

dos meios de produção, de modo que o homem passou a ser o elemento central para se

atingir o desenvolvimento sustentável.104

A participação da comunidade propiciou o surgimento de novas estruturas

organizacionais voltadas, especialmente, ao interesse local, as quais, por meio da gestão

participativa dos recursos, objetivavam criar um meio ambiente favorável ao

desenvolvimento sustentável105.

Deve-se ter em mente que a economia não é formada apenas pelos recursos

financeiros, mas também, pelo capital humano106 e natural, sendo o último, todo o

ecossistema que envolve o processo de produção.

103 O debate sobre o objeto do desenvolvimento pode ser resumido em se considerando duas posições principais. A primeira posição leva em conta os resultados do desenvolvimento em termos de objetivos como o crescimento, ou igualdade, da geração e distribuição da renda ou de bens e serviços sociais básicos. A segunda posição está relacionada com o próprio processo de desenvolvimento, estando preocupada com a intensidade coma qual estas atividades são direcionadas e gerenciadas pelas instituições governamentais, e não-governamentais, na participação dos setores públicos e privados, na ralação entre os poderes federais, estaduais e municipais, no próprio papel do cidadão como co-partícipe das decisões sobre desenvolvimento. KISIL, Marcos, Ibidem, p. 133.

104 Destarte, um novo sistema emerge da própria dinâmica do capitalismo, em que o indivíduo torna-se elemento-chave para se compreender o processo de desenvolvimento. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 17.

105 È possível aduzir que a participação da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas foi uma das causas do surgimento do denominado Terceiro Setor, sendo que, segundo Manoel de Oliveira Franco e Gustavo Justino de Oliveira: o interesse no Terceiro Setor é uma das decorrências das políticas reformistas de Estado, ocorridas nas últimas décadas do século XX, as quais, em muitos casos, provocam a desmobilização das estruturas públicas voltadas à prestação de serviços sociais à comunidade. FRANCO, Manoel de Oliveira; OLIVEIRA, Gistavo Justino de, Direito do terceiro setor: atualidades e perspectivas, Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2006, p. 15.

106 Osmar Ponchirolli aduz que: “todos os seres humanos possuem valor intrínseco. A noção de capital humano surgiu recentemente. Humano, do latim hominem (para humanos), está relacionado a pessoas. Determina nossa espécie: ser humano é uma pessoa. Capital, do latim caput (para cabeça), tem muitas interpretações. No uso comum, significa o primeiro, maior ou melhor. Na contabilidade moderna, denota lucro líquido – os ativos restantes de um negócio, após todos os passivos serem deduzidos”. E continua: “as empresas necessitam perceber que os seres humanos, em seu trabalho, não são apenas pessoas movimentando ativos – eles próprios são ativos que podem ser valorizados, medidos e desenvolvidos como qualquer outro ativo da corporação. São ativos dinâmicos que podem ter seu valor aumentado com o tempo, e não ativos inertes que perdem valor. PONCHIRIROLLI, Osmar, Op Cit., p. 117/118.

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A preocupação deve estar voltada para todo o processo de produção, desde a

seleção da matéria-prima até a elaboração dos produtos finais, já que, para se atingir o

desenvolvimento sustentável, deve-se atentar tanto para o produto quanto para a

destinação final do bem.

Segundo o escólio de Christian Luiz da Silva107:

Esse sistema deve ser estudado com foco multidisciplinar compreendendo aspectos econômicos, culturais, de estrutura social, de uso dos recursos, entre outros, tornando-se insustentável para garantir a sustentabilidade, posto que as interações e características entre e dos agentes se alteram com o passar do tempo.

Segundo Aline Cristina Koladicz108, “o desenvolvimento é um processo de

transformação econômica, política e social, através do qual o crescimento do padrão de

vida da população tende a tornar-se automático e autônomo”, não havendo sentido falar

em desenvolvimento apenas econômico, político ou social, uma vez que este não pode

ser setorializado.

Assim, o desenvolvimento sustentável deve propiciar impactos positivos para toda

a sociedade, visando manter os recursos naturais ou reduzindo sua exploração pelo

capital tecnológico, permitindo aumento da qualidade de vida, passando o indivíduo a

ser o epicentro das discussões.

É possível aduzir que, em um primeiro momento, o desenvolvimento sustentável

esteve intimamente ligado ao progresso econômico e à manutenção dos recursos

naturais, como forma de garantir o avanço da estrutura econômico/social.

Hodiernamente, a preocupação com o desenvolvimento sustentável se estende a

outras áreas como a cultura e a saúde, existindo uma integração entre as dimensões

espacial, social, ambiental, cultural e econômica, alicerçadas em instituições e

organizações da sociedade civil109, que, conjuntamento com o Estado e as empresas

107 SILVA, Christian Luiz da, Ibidem, p. 18.

108 KOLADICZ, Aline Cristina, Op cit, p. 328.

109 Para Fernando Borges Mânica, Terceiro Setor é o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que desenvolvam atividades de defesa e promoção dos direitos fundamentais ou prestem serviços de interesse público. MÂNICA, Fernando Borges, Panorama histórico-legislativo do Terceiro Setor no Brasil: do conceito de Terceiro Setor à lei das OSCIP, in Terceiro setor, empresa e estado: novas fronteiras entre o público e o privado, coord OLIVEIRA, Gustavo Justino, Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 175.

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privadas, articulam, fomentam e realizam programas voltados ao interesse público,

estabelecendo regras e interações que influenciam no comportamento sociedade.110

Deve-se, portanto, criar novas propostas para o desenvolvimento, integrando os

interesses econômicos com os demais aspectos da sustentabilidade, visando a

construção de uma sociedade mais justa no decorrer do tempo, uma vez que, segundo

Aline Cristina Koladicz111, “se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo

modificações de caráter social e político, se o desenvolvimento social e político não for

a um tempo resultado e causa de transformações econômicas será porque de fato não se

teve desenvolvimento”.

No discurso atual, o Estado continua sendo um dos principais atores no processo

de desenvolvimento econômico sustentável, já que além de realizar políticas públicas,

fomenta os programas e projetos desenvolvidos pelas organizações da sociedade civil

por meio do repasse de recursos112.

Uma das formas113 de se atingir o desenvolvimento econômico sustentável será

por meio da função social da propriedade privada, a qual objetiva atender ao interesse

comum social, impondo uma nova destinação ao bem sem desconsiderar o interesses

dos proprietários.

Em belíssima reflexão, Regina Maria Macedo Nery Ferrari114, citando Leon

Duguit, aduz que:

todo indivíduo tem, na sociedade, uma função a cumprir, certa tarefa a examinar, de tal modo que, em relação à propriedade o proprietário, tem, de um lado, o dever e o poder de empregar a coisa que possui para satisfazer suas necessidade individuais no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral e, de outro, utilizá-la para

110 Ver o conceito apresentado por DA SILVA, Christian Luiz, Op Cit., p. 18.

111 KOLADICZ, Aline Cristina, Idem.

112 No caso das OCIPs, o repasse ocorre por meio do Termo de Parceria, Lei 9.790/99 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.

113 Anotnio Carlos Cunico Jr., Marcus Vinicius Guaragni e Rafael Tortato, em texto publicado na obra Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico integrado e adaptativo, apresentam a relação entre as dimensões cultural, educacional e ambiental e o aspecto econômico do desenvolvimento sustentável. DA SILVA, Christian Luiz, Op Cit., p. 89/102.

114 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Estatuto da cidade e a função social da propriedade, in Revista dos Tribunais, Ano 97, v. 867,janeiro de 2008, p. 53.

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atender necessidades comuns de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.

O atendimento às necessidades pessoais representam o caráter

econômico/individual atribuído ao bem pelo proprietário, como forma de exercer seu

direito de usar, gozar e dispor da coisa.

Juntamente com este poder/dever, existe a obrigatoriedade de se atender ao

interesse social quando do exercício dos poderes de proprietário, de modo que a normal

exploração da propriedade beneficie toda a coletividade.

A função social implica o reconhecimento de condicionantes positivas ao direito

de propriedade, sendo que, na perspectiva da Constituição Federal de 1988, a ordem

econômica deve propiciar o desenvolvimento nacional e a justiça social, através do uso

racional da terra115.

Significa dizer que, além de ser economicamente útil e produtiva, a propriedade

deve ser usada em proveito coletivo através de uma política de desenvolvimento116.

Tal assertiva deve ter por objetivo atingir a sustentabilidade sócio-econômica,

promovendo desenvolvimento regional, por meio de políticas públicas que visem à

melhoria da qualidade de vida da população.

Conforme os ensinamentos de Luiz Edson Fachin, a propriedade “deixaria de ser

um direito subjetivo sem se converter, entretanto, em simples interesse legítimo,

abrangendo a privação de determinadas faculdades, a criação de um complexo de

condições para o exercício dos poderes proprietários e o exercício de certos direitos

elementares do domínio117.

115 Evidentemente, trata-se de qualquer espécie de propriedade, sobretudo urbana e rural.

116 Dessa forma, a falta de obrigatoriedade de editar um Plano Diretor não exime a necessidade de existir uma política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, para ordenar e incrementar as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Op Cit., p. 57.

117 Com base nos ensinamentos de Rodotá, ao atualizar a obra de Orlando Gomes, o ínclito mestre aduz que “a funcionalização da propriedade se resolveria na distinção entre espécies particulares de bens, classificados mediante critério econômico, e pela modificação das normas que disciplinam a atividade do proprietário. Quanto aos bens, é relevante a classificação entre bens de produção, bens de uso e bens de consumo, por isso que “só os bens produtivos são idôneos à satisfação de interesses econômicos e coletivos que constituem o pressuposto de fato da função social”. Só apedeutas estendem aos bens de uso o princípio da função social, falando em função social da propriedade edilícia ou, até mesmo, na dos bens duráveis. Quanto à mudança do regime legal, as novas disposições normativas voltam-se para um momento da atividade do proprietário, que é o da empresa, ou, segundo outros autores, “a propriedade chamada a absorver a função social não é a propriedade direito-subjetivo, mas a propriedade instituto-jurídico”, indicava que “a funcionalização não toca o conteúdo do direito, ficando de fora muito ao contrário”. ORLANDO, Gomes, Direitos reais, 19ªed. Atual. FACHIN, Luiz Edson, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 125.

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Não há como se admitir a função social como simples sinônimo de não-

individualístico, já que esta deve objetivar o desenvolvimento econômico-sustentável

promovendo a integração do indivíduo na coletividade.

Sem desconsiderar o interesse individualista, a propriedade se justifica a partir de

sua missão social118, devendo o proprietário gerir os bens como forma de promover o

crescimento econômico de toda a sociedade.

A compreensão das transformações de uma sociedade no decorrer do tempo

permite refletir sobre as estratégias a serem adotadas para a continuidade do

desenvolvimento econômico de modo a serem considerados os interesses dos

proprietários e dos não-proprietários quando da exploração do bem.

Certo que a economia pode ser definida como “o estudo da alocação dos recursos

escassos na produção de bens e serviços para a satisfação das necessidade ou desejos

humanos”119, sua principal tarefa é analisar como a economia funciona, ponderando

sobre o papel que a propriedade exerce no sistema produtivo como meio de promover o

desenvolvimento sustentável.

Na medida em que as variáveis inerentes à dinâmica econômica são condicionadas

à inter-relação das questões culturais, espaciais e institucionais, deve-se compreender a

propriedade como uma das formas de se promover o desenvolvimento econômico

regional a partir da destinação do bem a um fim social específico, como a geração de

renda originada em um evento como uma feira livre.

Certo que programar mudanças para as futuras gerações é mais fácil do que adotar

medidas no presente, uma vez que se está assinando um contrato para outras pessoas

cumprirem, a função social desempenha um papel crucial no atual desenvolvimento

econômico sustentável como forma de promover o crescimento social a partir do uso

racional do bem.

A análise das dimensões de sustentabilidade cria condições para a definição de um

panorama local, no qual a propriedade exerce papel crucial na geração e circulação de

riquezas.

O desenvolvimento só pode ser considerado sustentável se estiver em consonância

com o crescimento econômico, otimizando e valorizando a interdependência das

118 Expressão usada por ORLANDO, Gomes, Ibidem, p. 128.

119 MENDES, Judas Tadeu Grassi, Desafios econômicos no ambiente dos mercados de bens e serviços, in Reflexões ao desenvolvimento sustentável, GRASSI, Judas, Tadeu Mendes, Op Cit., p. 90.

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dimensões ambientais, culturais e espaciais, com os diversos agentes sociais, como o

Estado e as empresas.

Certo que, para cada tipo de bem, há um regime específico de atuação da função

social da propriedade. Sendo esta um conceito maleável, deve ser interpretada pelo

magistrado no caso concreto, sem perder de vista o conteúdo essencial mínimo

representado pelos poderes dominiais.

Garantir a função social da propriedade é, antes de mais nada, garantir o direito à

educação, saúde, cultura, funcionalizando-se o acesso aos bens, sem se confundir com a

socialização da propriedade, uma vez que a inter-relação entre as dimensões com o

sistema econômico visa atingir a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

8. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO MEIO DE PROMOVER O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - CONCLUSÕES

A construção histórica do conceito de desenvolvimento sustentável está vinculada

à ideia de manutenção dos recursos naturais de modo a rediscutir as políticas públicas e

ações voltadas ao crescimento econômico, baseado no sistema capitalista.

Não se deve observar o desenvolvimento sustentável apenas sob o enfoque

econômico, uma vez que este visa equilibrar os diversos fatores sócio-ambientais com o

progresso nos meios de produção obtidos através do domínio da técnica.

Deve-se atentar para a diferença entre desenvolvimento sustentável e

sustentabilidade, já que aquele se refere ao meio pelo qual se obtem a manutenção e

auto-gestão dos recursos sócio-ambientais, enquanto que esta é o fim a ser atingido pelo

processo de desenvolvimento120.

Em que pese serem conceitos dinâmicos, o foco principal do desenvolvimento

sustentável está no modo de se obter a sustentabilidade, enquanto esta, por sua vez,

preocupa-se com o resultado final do desenvolvimento.

Durante os anos 1950, com a crise econômica do pós-guerra, foi adotada,

principalmente pelos países envolvidos, uma política de governo voltada ao crescimento

econômico pautada na produção e distribuição de riquezas por meio de organizações

120 Christian Luiz da Silva, opus citandum Dresner aduz que os “termos sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são utilizados como sinônimos em muitas situações; porém, são diferentes, senão, como afirma de forma jocosa, a própria palavra desenvolvimento seria completamente dispensável”. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 12.

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públicas, privadas ou indivíduos empreendedores que assumiram o processo produtivo,

cabendo à administração impulsionar o desenvolvimento através da regulamentações.

Contudo, constata-se que os governos passaram a assumir grande parte do

desenvolvimento sócio-econômico, de modo a exercerem diretamente diversas

atividades do setor produtivo121.

A segunda fase, chamada de desenvolvimento integrado122, foi caracterizada pela

distribuição equitativa dos resultados obtidos pelo crescimento econômico à sociedade,

objetivando o desenvolvimento social de modo a atender as necessidades básicas por

meio de investimentos em áreas como a saúde e a educação.

O Estado foi o participante chave tanto no primeiro período quanto na segunda

fase, responsabilizando-se, inicialmente, pelo crescimento e, subsequentemente, pelo

desenvolvimento de políticas públicas sociais123.

Na década de 70, o discurso ideológico do desenvolvimento sustentável residiu na

forma pela qual se deu o crescimento econômico dos países desenvolvidos, pautados

num modelo econômico capitalista.

A passagem para a terceira fase foi marcada pela crise do petróleo de 1973, já que

esta reduziu dramaticamente a capacidade dos governos de atender as necessidades

públicas geradas pelo desenvolvimento social.

Considerando que a possível escassez dos recursos naturais obstacularia o

acúmulo de riquezas e a continuidade do desenvolvimento econômico, bem como,

acarretaria o desequilíbrio dos ecossistemas124, houve a interação entre os objetivos

defendidos pelos atores econômicos e ambientais, de modo a se buscar o

121 Marcos Kisil divide a recente história do desenvolvimento sócio-econômico em quatro fases, sendo que sobre o tema, aduz que: Isso também abriu caminho para um envolvimento direto do governo numa ampla série de atividades produtivas, regulando ou se tornando produtor direto. O resultado desta fase foi um crescimento gigantesco do Estado como o grande responsável pelo processo e pela distribuição dos resultados do desenvolvimento. KISIL, Marcos, Op. Cit., p. 134.

122 Expressão usada por KISIL, Marcos, Idem.

123 Os analistas começaram a argumentar que crescimento sem equidade era crescimento sem desenvolvimento. Considerações sobre equidade também significam maior atenção aos assuntos de desenvolvimento social. KISIL, Marcos, Idem.

124 A ênfase política e o discurso ideológico colocaram em questão o modelo de desenvolvimento sustentado na acumulação contínua de riquezas, ao questionar se essa “continuidade” não estaria ameaçada pela falta de recursos e pela má distribuição dos ganhos oriundos. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 14.

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desenvolvimento sustentável como meio de garantir a sobrevivência do sistema

econômico-ambiental.125

A busca por novas alternativas impulsionou as comunidades a participarem do

processo de desenvolvimento, passando o governo e as agências financiadoras a

atuarem como parceiras no processo de desenvolvimento, especialmente em âmbito

local126.

Tornou-se necessário repensar o aproveitamento dos recursos naturais, de forma a

conciliar os interesses econômicos, representados pela continuidade dos meios de

produção, com o interesse social, representado, neste primeiro momento, pelas questões

sócio-ambientais em âmbito local.127

A crise econômica do final dos anos 70 alterou a visão de desenvolvimento

central-globalizante para comunitário-local, mudando o enfoque econômico capitalista

representando geração de riquezas, para a proteção dos recursos naturais e manutenção

dos meios de produção, de modo que o homem passou a ser o elemento central para se

atingir o desenvolvimento sustentável.128

A participação da comunidade propiciou o surgimento de novas estruturas

organizacionais voltadas, especialmente, ao interesse local, as quais, por meio da gestão

125 Por evidente este que os objetivos defendidos eram, de certo modo, antagônicos, pois, como ressalta Christian Luiz da Silva: “Esse conflito foi negociado pelas partes, levando-se em conta os interesses dos grupos individuais. Os capitalistas precisam de recursos para produzir e reproduzir o capital. Os ambientalistas objetivam, proteger e manter o sistema ambiental ainda existe”. SILVA, Christian Luiz da, Ibidem, p. 15.

126 No nível das comunidades locais começaram a surgir possibilidades novas para o processo de desenvolvimento. As pessoas redescobriram que podem fazer coisas por si próprias, individualmente como empreendedores, ou organizados em grupos ou comunidades. A esta situação nova, governos e agências financiadoras passaram a dar mais atenção ao seu papel de orientadores, e não mais diretores, do processo de desenvolvimento. KISIL, Marcos, Op Cit., p. 135.

127 O debate sobre o objeto do desenvolvimento pode ser resumido em se considerando duas posições principais. A primeira posição leva em conta os resultados do desenvolvimento em termos de objetivos como o crescimento, ou igualdade, da geração e distribuição da renda ou de bens e serviços sociais básicos. A segunda posição está relacionada com o próprio processo de desenvolvimento, estando preocupada com a intensidade com a qual estas atividades são direcionadas e gerenciadas pelas instituições governamentais, e não-governamentais, na participação dos setores públicos e privados, na relação entre os poderes federais, estaduais e municipais, no próprio papel do cidadão como co-partícipe das decisões sobre desenvolvimento. KISIL, Marcos, Ibidem, p. 133.

128 Destarte, um novo sistema emerge da própria dinâmica do capitalismo, em que o indivíduo torna-se elemento-chave para se compreender o processo de desenvolvimento. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 17.

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participativa dos recursos, objetivavam criar um meio ambiente favorável ao

desenvolvimento sustentável129.

Deve-se ter em mente que a economia não é formada apenas pelos recursos

financeiros, mas também, pelo capital humano130 e natural, sendo o último, todo o

ecossistema que envolve o processo de produção.

A preocupação deve estar voltada para todo o processo de produção, desde a

seleção da matéria-prima até a elaboração dos produtos finais, já que para se atingir o

desenvolvimento sustentável, deve-se atentar tanto para o produto quanto para a

destinação final do bem.

Segundo o escólio de Christian Luiz da Silva131:

Esse sistema deve ser estudado com foco multidisciplinar compreendendo aspectos econômicos, culturais, de estrutura social, de uso dos recursos, entre outros, tornando-se insustentável para garantir a sustentabilidade, posto que as interações e características entre e dos agentes se alteram com o passar do tempo.

Assim, o desenvolvimento sustentável deve propiciar impactos positivos para toda

a sociedade, visando manter os recursos naturais ou reduzindo sua exploração pelo

capital tecnológico, permitindo aumento da qualidade de vida, passando o individuo a

ser o epicentro das discussões.

É possível aduzir que, em um primeiro momento, o desenvolvimento sustentável

esteve intimamente ligado ao progresso econômico e a manutenção dos recursos

naturais, como forma de garantir o avanço da estrutura econômico/social.

129 È possível aduzir que a participação da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas foi uma das causas do surgimento do denominado Terceiro Setor, sendo que, segundo Manoel de Oliveira Franco e Gustavo Justino de Oliveira: o interesse no Terceiro Setor é uma das decorrências das políticas reformistas de Estado, ocorridas nas últimas décadas do século XX, as quais, em muitos casos, provocam a desmobilização das estruturas públicas voltadas à prestação de serviços sociais à comunidade. FRANCO, Manoel de Oliveira; OLIVEIRA, Gustavo Justino de, Op Cit., p. 15.

130 Osmar Ponchirolli aduz que: “todos os seres humanos possuem valor intrínseco. A noção de capital humano surgiu recentemente. Humano, do latim hominem (para humanos), está relacionado a pessoas. Determina nossa espécie: ser humano é uma pessoa. Capital, do latim caput (para cabeça), tem muitas interpretações. No uso comum, significa o primeiro, maior ou melhor. Na contabilidade moderna, denota lucro líquido – os ativos restantes de um negócio, após todos os passivos serem deduzidos”. E continua: “as empresas necessitam perceber que os seres humanos, em seu trbalho, não são apenas pessoas movimentando ativos – eles próprios são ativos que podem ser valorizados, medidos e desenvolvidos como qualquer outro ativo da corporação. São ativos dinâmicos que podem ter seu valor aumentado com o tempo, e não ativos inertes que perdem valor. PONCHIRIROLLI, Osmar, Op Cit., p. 117/118.

131 SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 18.

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Hodiernamente, a preocupação com o desenvolvimento sustentável se estende a

outras áreas como a cultura e a saúde, existindo uma integração entre as dimensões

espacial, social, ambiental, cultural e econômica, alicerçadas em instituições e

organizações da sociedade civil132, que, conjuntamente com o Estado e as empresas

privadas, articulam, fomentam e realizam programas voltados ao interesse público,

estabelecendo regras e interações que influenciam no comportamento da sociedade.133

Deve-se, portanto, criar novas propostas para o desenvolvimento, integrando os

interesses econômicos com os demais aspectos da sustentabilidade, visando à

construção de uma sociedade mais justa no decorrer do tempo.

No discurso atual, o Estado continua sendo um dos principais atores no processo

de desenvolvimento econômico sustentável, já que, além de realizar políticas públicas,

fomenta os programas e projetos desenvolvidos pelas organizações da sociedade civil

por meio do repasse de recursos134.

Uma das formas135 de se atingir o desenvolvimento econômico sustentável será

por meio da função social da propriedade privada, a qual objetiva atender ao interesse

comum social, impondo uma nova destinação ao bem sem desconsiderar os interesses

dos proprietários.

Em belíssima reflexão, Regina Maria Macedo Nery Ferrari136, citando Leon

Duguit, aduz que:

todo indivíduo tem, na sociedade, uma função a cumprir, certa tarefa a examinar, de tal modo que, em relação à propriedade o proprietário, tem, de um lado, o dever e o poder de empregar a coisa que possui

132 Para Fernando Borges Mânica, Terceiro Setor é o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que desenvolvam atividades de defesa e promoção dos direitos fundamentais ou prestem serviços de interesse público. MÂNICA, Fernando Borges, Panorama histórico-legislativo do Terceiro Setor no Brasil: do conceito de Terceiro Setor à lei das OSCIP, in Terceiro setor, empresa e estado: novas fronteiras entre o público e o privado, p. 175.

133 Ver o conceito apresentado por DA SILVA, Christian Luiz, Op Cit., p. 18.

134 No caso das OSCIPs, o repasse ocorre por meio do Termo de Parceria, Lei 9.790/99 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.

135 Antônio Carlos Cunico Jr., Marcus Vinicius Guaragni e Rafael Tortato, em texto publicado na obra Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico integrado e adaptativo, apresentam a relação entre as dimensões cultural, educacional e ambiental e o aspecto econômico do desenvolvimento sustentável. SILVA, Christian Luiz da, Op Cit., p. 89/102.

136 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Op Cit., p. 53.

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para satisfazer suas necessidade individuais no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral e, de outro, utilizá-la para atender necessidades comuns de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.

O atendimento às necessidades pessoais representam o caráter

econômico/individual atribuído ao bem pelo proprietário, como forma de exercer seu

direito de usar, gozar e dispor da coisa.

Juntamente com este poder/dever, existe a obrigatoriedade de se atender ao

interesse social quando do exercício dos poderes de proprietário, de modo que a normal

exploração da propriedade beneficie toda a coletividade.

A função social implica o reconhecimento de condicionantes positivas ao direito

de propriedade, sendo que, na perspectiva da Constituição Federal de 1988, a ordem

econômica deve propiciar o desenvolvimento nacional e a justiça social, através do uso

racional da terra137.

Significa dizer que, além de ser economicamente útil e produtiva, a propriedade

deve ser usada em proveito coletivo através de uma política de desenvolvimento138.

Tal assertiva deve ter por objetivo atingir a sustentabilidade sócio-econômica,

promovendo desenvolvimento regional, por meio de políticas públicas que visem à

melhoria da qualidade de vida da população.

Conforme os ensinamentos de Luiz Edson Fachin, a propriedade “deixaria de ser

um direito subjetivo sem se converter, entretanto, em simples interesse legítimo,

abrangendo a privação de determinadas faculdades, a criação de um complexo de

condições para o exercício dos poderes proprietários e o exercício de certos direitos

elementares do domínio139.

137 Evidentemente, trata-se de qualquer espécie de propriedade, sobretudo urbana e rural.

138 Dessa forma, a falta de obrigatoriedade de editar um Plano Diretor não exime a necessidade de existir uma política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, para ordenar e incrementar as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Op Cit., p. 57.

139 Com base nos ensinamentos de Rodotá, ao atualizar a obra de Orlando Gomes, o ínclito mestre aduz que “a funcionalização da propriedade se resolveria na distinção entre espécies particulares de bens, classificados mediante critério econômico, e pela modificação das normas que disciplinam a atividade do proprietário. Quanto aos bens, é relevante a classificação entre bens de produção, bens de uso e bens de consumo, por isso que “só os bens produtivos são idôneos à satisfação de interesses econômicos e coletivos que constituem o pressuposto de fato da função social”. Só apedeutas estendem aos bens de uso o princípio da função social, falando em função social da propriedade edilícia ou, até mesmo, na dos bens duráveis. Quanto à mudança do regime legal, as novas disposições normativas voltam-se para um momento da atividade do proprietário, que é o da empresa, ou, segundo outros autores, “a propriedade chamada a absorver a função social não é a propriedade direito-subjetivo, mas a

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Não há como se admitir a função social como simples sinônimo de não-

individualístico, já que esta deve objetivar o desenvolvimento econômico-sustentável

promovendo a integração do indivíduo na coletividade.

Sem desconsiderar o interesse individualista, a propriedade se justifica a partir de

sua missão social140, devendo o proprietário gerir os bens como forma de promover o

crescimento econômico de toda a sociedade.

Atualmente, não se pode afirmar que a propriedade é apenas uma das forma de

circulação de riqueza, vez que esta passou a ter uma eficácia autônoma e direta no

próprio direito, como um princípio que deve ser observado pelo intérprete quando da

aplicação da lei, sem constituir norma restritiva negativa ao direito de propriedade.

A compreensão das transformações de uma sociedade no decorrer do tempo

permite refletir sobre as estratégias a serem adotadas para a continuidade do

desenvolvimento econômico de modo a serem considerados os interesses dos

proprietários e dos não-proprietários quando da exploração do bem.

Certo que a economia pode ser definida como “o estudo da alocação dos recursos

escassos na produção de bens e serviços para a satisfação das necessidade ou desejos

humanos”141, sua principal tarefa é analisar como a economia funciona, ponderando

sobre o papel que a propriedade exerce no sistema produtivo como meio de promover o

desenvolvimento sustentável.

Na medida em que as variáveis inerentes à dinâmica econômica são condicionadas

a inter-relação das questões culturais, espaciais e institucionais, deve-se compreender à

propriedade como uma das formas de se promover o desenvolvimento econômico

regional a partir da destinação do bem a um fim social específico, como a geração de

renda originada em um evento como uma feira livre.

Programar mudanças para as futuras gerações é mais fácil do que adotar medidas

no presente, uma vez que se está assinando um contrato para outras pessoas cumprirem,

a função social desempenha um papel crucial no atual desenvolvimento econômico

sustentável como forma de promover o crescimento social a partir do uso racional do

bem.

propriedade instituto-jurídico”, indicava que “a funcionalização não toca o conteúdo do direito, ficando de fora muito ao contrário”. ORLANDO, Gomes, Op Cit., p. 125.

140 Expressão usada por ORLANDO, Gomes, Op Cit., p. 128.

141 MENDES, Judas Tadeu Grassi, Desafios econômicos no ambiente dos mercados de bens e serviços, in Reflexões ao desenvolvimento sustentável, Op Cit., p. 90.

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A análise das dimensões de sustentabilidade cria condições para a definição de um

panorama local, no qual a propriedade exerce papel central na geração e circulação de

riquezas.

O desenvolvimento só pode ser considerado sustentável se estiver em consonância

com o crescimento econômico, otimizando e valorizando a interdependência das

dimensões ambientais, culturais e espaciais, com os diversos agentes sociais, como o

Estado e as empresas.

Para cada tipo de bem há um regime específico de atuação da função social da

propriedade, sendo esta um conceito maleável, deve ser interpretada pelo magistrado no

caso concreto142, sem perder de vista o conteúdo essencial mínimo representado pelo

poderes dominiais.

Garantir a função social da propriedade é, antes de mais nada, garantir o direito à

educação, saúde, cultura, funcionalizando-se o acesso aos bens, sem se confundir com a

socialização da propriedade, uma vez que a inter-relação entre as dimensões com o

sistema econômico visa atingir a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

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142 Longo caminho precisará ser percorrido, até se conscientizem os profissionais do direito de que posturas insólitas não são apenas desejáveis, mas imprescindíveis. O desatino das opções da lex mercatoria só encontrará óbices na ponderação de valores a cargo do julgador. Este será cada vez mais o árbitro de conflitos complexos, em que a visão maniqueísta dará lugar a aparente equilíbrio entre as pretensões e que seriam dificilmente resolvidos não fora a inserção desse novo personagem: o futuro habitante da Terra. Para a possibilidade de vida digna desse póstero é que deverá se inclinar o fiel da balança. NALINI, José Renato, Op Cit. p. 14.

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