O atrito de rolamento.

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"Raffiniert ist der Herr Gott, aber boschaft ist Er nicht" (A. Einstein) "Natura Simplicitatem Amat"(J. Kepler) O atrito de rolamento. Uma força de interação bastante complicada - mas que não podemos deixar de considerar neste nosso curso, uma vez que ela desempenha um papel preponderante num grande número de fenômenos que se desenrolam ao nosso redor - é a força de atrito de rolamento. São forças de atrito de rolamento, por exemplo, que nos permitem aumentar ou diminuir a velocidade de um automóvel, nas condições usuais. A fim de justificar - ao menos em parte - a nossa afirmativa inicial de que as forças de atrito de rolamento são complicadas, estamos representando na figura um esquema da ação , sobre as rodas de um automóvel, das forças de atrito de rolamento. Figura 1 Tais forças , na figura, são a F r e a f r . Por hipótese o automóvel representado está sendo "acelerado”: o binário motor 1 2 ( , ) f f r r está sendo aplicado à roda motriz pela ação de um sistema adequado de engrenagens. Observe-se que as forças de atrito de rolamento representadas na figura a a (F e f) r r têm sentidos opostos. (Sugerimos que você, antes de prosseguir, procure criar um modelo que permita explicar as forças de atrito de rolamento). Geralmente as forças de atrito de rolamento, assim como as de atrito estático a de deslizamento, resultam do fato de não serem perfeitamente polidas as superfícies reais; isto equivale a dizer que as forças de atrito de rolamento usuais nada mais são do que reações vinculares. Nas figuras abaixo estamos indicando esquematicamente o comportamento das forças de atrito de rolamento. Note-se que só aparecem forças de atrito de rolamento se a superfície rolante estiver angularmente acelerada, ou se houver tendência para adquirir aceleração angular. Figura 2

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"Raffiniert ist der Herr Gott, aber boschaft ist Er nicht" (A. Einstein) "Natura Simplicitatem Amat"(J. Kepler)

O atrito de rolamento.

Uma força de interação bastante complicada - mas que não

podemos deixar de considerar neste nosso curso, uma vez que ela desempenha um papel preponderante num grande número de fenômenos que se desenrolam ao nosso redor - é a força de atrito de rolamento. São forças de atrito de rolamento, por exemplo, que nos permitem aumentar ou diminuir a velocidade de um automóvel, nas condições usuais. A fim de justificar - ao menos em parte - a nossa afirmativa inicial de que as forças de atrito de rolamento são complicadas, estamos representando na figura um esquema da ação , sobre as rodas de um automóvel, das forças de atrito de rolamento.

Figura 1

Tais forças , na figura, são aF

r e af

r. Por hipótese o automóvel

representado está sendo "acelerado”: o binário motor 1 2( , )f fr r

está sendo aplicado à roda motriz pela ação de um sistema adequado de

engrenagens. Observe-se que as forças de atrito de rolamento representadas na figura a a(F e f )

rr têm sentidos opostos. (Sugerimos

que você, antes de prosseguir, procure criar um modelo que permita explicar as forças de atrito de rolamento).

Geralmente as forças de atrito de rolamento, assim como as de atrito estático a de deslizamento, resultam do fato de não serem perfeitamente polidas as superfícies reais; isto equivale a dizer que as forças de atrito de rolamento usuais nada mais são do que reações vinculares. Nas figuras abaixo estamos indicando esquematicamente o comportamento das forças de atrito de rolamento. Note-se que só aparecem forças de atrito de rolamento se a superfície rolante estiver angularmente acelerada, ou se houver tendência para adquirir aceleração angular.

Figura 2

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Figura 3

Figura 4

Em cada uma das figuras (2, 3 e 4) estamos representando um

disco circular rolando sobre uma superfície plana a horizontal. Exageramos a representação das rugosidades da periferia do disco e da superfície de apoio a fim de acentuar o modelo mecânico que estamos utilizando para explanar as forças de atrito de rolamento. Na fig. 2 um sistema de forças internas ao disco dá origem a um binário motor 1 2( , )f f

r r que tende a aumentar a velocidade angular do

disco, enquanto que na fig. 3 o sistema de forças internas dá origem a um binário retardador 1 2( , )f f

r r que tende a diminuir a velocidade

angular do disco. Essas forças internas não poderiam acelerar o centro de massa do disco, de acordo com o teorema do movimento do centro de massa. No entanto o centro de massa do disco pode ser

acelerado, através de tal mecanismo (que é, essencialmente, o mecanismo utilizado num automóvel). Nas figuras 3 e 4 estamos imaginando o modelo mecânico explanatório de como o centro de massa do disco pode ser acelerado como uma conseqüência da ação das forças internas. Tal modelo introduz, de forma natural, as forças de atrito de rolamento (representadas nas figuras 3 e 4 por af

r). Na

fig. 2 a ação das forças internas ao disco é equivalente a zero, isto é, não dá origem a binário algum; não aparecem, então, forças de atrito de rolamento e a velocidade do centro de massa do disco se mantém constante.

Uma esfera homogênea é abandonada sobre uma rampa plana a inclinada em relação à horizontal. Sabendo-se que a esfera rola sem deslizar, pede-se calcular qual será a velocidade cv do seu centro no momento em que tal centro estiver passando num ponto 1 situado a uma distância vertical h abaixo do ponto O onde ele estava inicialmente situado (e em repouso). Sabe-se que o momento de inércia de uma esfera, relativo a um diâmetro, vale 20,4mR , caso a esfera seja homogênea (sendo m e R a massa e o raio da esfera).

Figura 5

Solução:

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Escolhamos como referencial um eixo cartesiano, OX, paralelo às retas de declive máximo da rampa a cuja origem O coincida com o ponto 0 onde fica inicialmente situado o centro da esfera. Tal referencial sendo galileano sobre a esfera atuarão apenas forças de interação, as quais serão, no caso, as seguintes: o seu próprio peso p

r , a reação vincular nr

exercida pela rampa de apoio, e

a força de atrito de rolamento afr

exercida pela rampa. De acordo com os teoremas do movimento do centro de massa a de d'Alembert, a representando-se por cxa a componente da aceleração do centro da esfera, relativa ao eixo OX, por α a sua aceleração angular, por I, e seu momento de inércia, relativo ao seu diâmetro horizontal, e por ϕ o ângulo que a rampa forma com a horizontal, pode-se escrever que:

- a cx

a c

mgsen f ma

f R I

ϕα=

=

donde, tendo-se em conta que

20,4cI mR= e cxa Rα= , vem que:

2

-

0,4a cx

cxa

mgsen f ma

mR af R

R

ϕ =

=

logo

cx

5a = gsen =constante 0

7ϕ ≠

o que nos mostra que o centro da esfera se move com movimento uniformemente variado. Conseqüentemente pode-se escrever que:

2

1

52 ( )

7cv g sen xϕ=

onde 1x é a abscissa do ponto 1 (fig. 5) vê-se que

1h x senϕ= ∴ 1

hx

senϕ= .

Levando-se uma expressão na outra, vem:

2 10 107 7c c

gh ghv v= ∴ =

Observação. Demonstra-se que a energia cinética, cE , de um sistema rígido animado de um movimento qualquer é calculável pela seguinte expressão:

2 21 12 2c cE mv I ω= +

onde m é a massa do sistema, v, é a velocidade do seu centro de massa, I, é o seu momento de inércia relativo a um eixo que passe pelo seu centro de massa e seja paralelo ao seu eixo de rotação e ω é a sua velocidade angular. Tendo-se em conta esta informação, calculemos a energia cinética, cE , da esfera considerada no exemplo anterior, no instante em que o seu centro estiver passando no ponto 1 situado a uma distância vertical h abaixo do ponto O onde ele estava inicialmente em repouso. De acordo com a equação anterior e tendo-se em conta que cv Rω= e

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20,4cI mR= , pode-se escrever que:

22 2

2

1 1(0,4 )( )

2 2c

c c

vE mv mR

R= + ∴ 20,7c cE mv=

donde, tendo-se em conta que

107c

ghv = ,

vem que:

100,7 ( )

7c

ghE m= ∴ cE mgh=

expressão esta que nos mostra que a energia cinética da esfera, no ponto 1, e igual à sua energia potencial no ponto 0 (escolhendo-se para plano horizontal de referência o plano horizontal que contém o ponto 1). Mas então a energia mecânica da esfera é constante, o que nos permite dizer que as forças de atrito de rolamento são conservativas. Permite-nos dizer, além disto, que a nulo o trabalho realizado entre dois pontos quaisquer pelas forças de atrito de rolamento que atuam sobre um sistema rígido ; realmente, de acordo com o teorema da energia cinética o trabalho realizado entre dois pontos pelas forças que atuam sobre um sistema material qualquer é igual à variação da energia cinética do sistema entre os pontos considerados, a de acordo com

cE mgh= a variação da energia cinética w: esfera, entre os pontos 0 e 1, é igual a mgh; e como mgh é o trabalho realizado, entre os pontos 0 e 1, pelo peso da esfera, vem que é nulo o trabalho realizado entre os pontos 0 e 1 pela força de atrito de rolamento.

Observação. É bastante interessante o fato da força de atrito de rolamento não trabalhar, isto é, de ser sempre nulo o trabalho realizado por forças de atrito de rolamento. Na fig. 6 estamos representando um disco circular que se move apoiado sobre uma superfície plana a horizontal, o disco estando submetido à ação de um sistema de forças internas que dão origem a um binário motor

1 2( , )f fr r

. Sob a ação de tal binário o disco está acelerado angularmente, e, em conseqüência, submetido à ação de uma força de atrito de rolamento.

Figura 6

Extraído e adaptado de “Mecânica”, de L. P. Maia

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