O Bandeirante - n.202 - Setembro de 2009

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A Internet, o Português e o Internetês Ano XVIII - n o 202 - SETEMBRO de 2009 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP O Bandeirante Jornal Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). “Não se pode chamar realmente de língua ao idioma que não possui escritor”. Pietro Bembo (1470-1547), literato italiano. A revolução nos meios de comunicação so- cial é simplesmente assustadora e encantadora, sobremodo para quem a tem acompanhado desde a época em que só se dispunham do rádio e da televisão em preto e branco, com poucos aparelhos existentes. Assistir televisão não era somente um luxo, mas um aconteci- mento, em que se reuniam familiares, parentes e vizinhos. Ou para quem é da época em que para se fazer um contato interurbano era necessário a ida a uma cabine telefônica da cidade; a intermediação de uma telefonista que após longo tempo de espera completava a ligação, com qualidade precária do som, acompanhado de ruídos, chiados e reverbe- rações. Ou ainda, se utilizava o Correio para mandar e receber cartas de amor, que sempre demandavam um tempo excessivamente longo para chegar. Embora esses exemplos sejam do milênio passado, são realidades vividas há menos de quarenta anos! Não resta nenhuma dúvida de que a era da informática mudou e tem mudado a vida do mundo. Ontem, o analfabeto era quem não sabia ler ou escrever. Hoje, já se considera excluído da sociedade quem não tem acesso à Internet. E os países pobres ou em desen- volvimento, particularmente o Brasil, ainda estão longe de vencer a primeira etapa, que independe da custosa tecnologia! Modestamente penso que a Internet, na história da civilização, deva ser considerada como um divisor de Eras, tamanho tem sido seus benefícios, modificação e repercussão na vida dos terráqueos. Através dela pode-se informar, ouvir músicas, enviar ou receber fotografias, textos, ou mesmo livros; conhecer museus, adquirir vários bens de consumo; comprar ingressos de espetáculos ou roteiros turísticos; fazer cotações; direcionar-se em grandes metrópoles; obter mapas geográ- ficos; empreender pesquisas várias; realizar transações bancárias, dentre tantos outros predicados. Infelizmente, também pela Internet, pode-se disseminar a pornografia; estimular a pedofilia; incentivar o preconceito racial; estruturar a logística do crime organizado e a administração do narcotráfico; facilitar a cor- rupção, dentre tantas outras ações malévolas. O vernáculo não ficou imune a essas vi- cissitudes. Em pouco tempo, precisamente no final dos anos 80, portanto, há menos de quatro lustros, tem-se assistido a uma deformação do idioma e o surgimento de uma língua paralela ou mesmo marginal, que é justificada pela sua rapidez e praticidade na comunicação digitada no teclado do computador. Eis a formação do internetês – corruptela do idioma português na Internet –, expresso nos seus dialetos virtuais do bloguês e do orkutês. “Naum sab?” é uma dentre tantas expres- sões existentes. As principais características desta neo-expressão grafológica são a exces- siva abreviação e a exiguidade de vocábulos; as vogais desaparecem; o “h” (agá) substitui os acentos; são utilizados sinais, siglas e sím- bolos, conhecidos também como emoticons – desenhos e fácies que expressam emoções –, propiciando uma verdadeira transformação (adulteração) das palavras, cuja finalidade é conversar pelo teclado numa velocidade célere e próxima à da fala. Assim, dentro de seu léxico, o “cadê” transforma-se em “kd”; “beijo” em “bju”; “beijão” em “bjaum”; “depois” em “dps” “fique”em “fik”; “você” em “vc”; “não” em “naum”; “e” em “&”; “aqui”em “aki”; “folhas” em “fls”; “até” e “ateh”; “é” em “eh”; “quem” em “kem”; “saudações” em “sds”; “falou” em “flw”; “beleza” em “bls”; “demais” em “d+”, já em “jah”, etc., etc. Dentre os símbolos gráficos mais usuais, tem-se: J ou :-) que significam sorrir; }{ subentendendo encontro de faces; :-@ que expressa grito e ;-) que deve se entendido como piscar. Postas essas considerações, deve-se per- guntar: O internetês não estaria colaborando para o mal-aprendizado da língua culta, sobremodo por ser praticado e absorvido por adolescentes que sequer tenham aprendido e sedimentado o português – que não é um idioma fácil –, acrescido do fato de que em nossas escolas, particularmente as públicas, apresentarem grandes deficiências no ensino? E aí há duas correntes divergentes de opiniões, não somente entre os jovens, mas também entre os especialistas afins. Os mais puristas acham que o internetês tem agredido ou mesmo assassinado a língua portuguesa em sua gramática, pois a deturpa muito mais ainda do que na forma coloquial- mente falada no dia a dia. Outros alegam que qualquer idioma vivo é necessariamente dinâmico, que muda ao longo do tempo, pois, sendo um fenômeno social, acompanha o desenvolvimento da sociedade. Por conseguinte, acham que o internetês seja apenas mais uma forma particular da expres- são vernacular. Embora o internetês seja ágil e versátil, pois mescla a escrita formal e informal, além da utilização de sinais e símbolos, ele não é admitido em situações da norma culta de linguagem, tais como provas, exames, pales- tras, entrevistas, redação de contratos, ofícios, petições... etc., etc. Será que um adolescente ou um jovem tem plena consciência dessa diferenciação? Estaria o internetês prejudicando ainda mais o apren- dizado adequado, para não dizer escorreito, do vernáculo? O que você acha? A fim de favorecer sua reflexão, vale a pena recordar a frase lapidar do célebre es- critor português, Fernando Antonio Nogueira Pessoa (1888-1935): “minha pátria é a língua portuguesa”.

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A Internet, o Português e o Internetês

Ano XVIII - no 202 - Setembro de 2009Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP

O BandeiranteJornal

Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).

“Não se pode chamar realmente de língua ao idioma que não possui escritor”.Pietro Bembo (1470-1547), literato italiano.

A revolução nos meios de comunicação so-cial é simplesmente assustadora e encantadora, sobremodo para quem a tem acompanhado desde a época em que só se dispunham do rádio e da televisão em preto e branco, com poucos aparelhos existentes. Assistir televisão não era somente um luxo, mas um aconteci-mento, em que se reuniam familiares, parentes e vizinhos. Ou para quem é da época em que para se fazer um contato interurbano era necessário a ida a uma cabine telefônica da cidade; a intermediação de uma telefonista que após longo tempo de espera completava a ligação, com qualidade precária do som, acompanhado de ruídos, chiados e reverbe-rações. Ou ainda, se utilizava o Correio para mandar e receber cartas de amor, que sempre demandavam um tempo excessivamente longo para chegar.

Embora esses exemplos sejam do milênio passado, são realidades vividas há menos de quarenta anos!

Não resta nenhuma dúvida de que a era da informática mudou e tem mudado a vida do mundo. Ontem, o analfabeto era quem não sabia ler ou escrever. Hoje, já se considera excluído da sociedade quem não tem acesso à Internet. E os países pobres ou em desen-volvimento, particularmente o Brasil, ainda estão longe de vencer a primeira etapa, que independe da custosa tecnologia!

Modestamente penso que a Internet, na história da civilização, deva ser considerada como um divisor de Eras, tamanho tem sido seus benefícios, modificação e repercussão na vida dos terráqueos. Através dela pode-se informar, ouvir músicas, enviar ou receber fotografias, textos, ou mesmo livros; conhecer museus, adquirir vários bens de consumo; comprar ingressos de espetáculos ou roteiros turísticos; fazer cotações; direcionar-se em grandes metrópoles; obter mapas geográ-ficos; empreender pesquisas várias; realizar transações bancárias, dentre tantos outros predicados.

Infelizmente, também pela Internet, pode-se disseminar a pornografia; estimular a pedofilia; incentivar o preconceito racial; estruturar a logística do crime organizado e a

administração do narcotráfico; facilitar a cor-rupção, dentre tantas outras ações malévolas.

O vernáculo não ficou imune a essas vi-cissitudes. Em pouco tempo, precisamente no final dos anos 80, portanto, há menos de quatro lustros, tem-se assistido a uma deformação do idioma e o surgimento de uma língua paralela ou mesmo marginal, que é justificada pela sua rapidez e praticidade na comunicação digitada no teclado do computador. Eis a formação do internetês – corruptela do idioma português na Internet –, expresso nos seus dialetos virtuais do bloguês e do orkutês.

“Naum sab?” é uma dentre tantas expres-sões existentes. As principais características

desta neo-expressão grafológica são a exces-siva abreviação e a exiguidade de vocábulos; as vogais desaparecem; o “h” (agá) substitui os acentos; são utilizados sinais, siglas e sím-bolos, conhecidos também como emoticons – desenhos e fácies que expressam emoções –, propiciando uma verdadeira transformação (adulteração) das palavras, cuja finalidade é conversar pelo teclado numa velocidade célere e próxima à da fala.

Assim, dentro de seu léxico, o “cadê” transforma-se em “kd”; “beijo” em “bju”; “beijão” em “bjaum”; “depois” em “dps” “fique”em “fik”; “você” em “vc”; “não” em “naum”; “e” em “&”; “aqui”em “aki”; “folhas” em “fls”; “até” e “ateh”; “é” em “eh”; “quem”

em “kem”; “saudações” em “sds”; “falou” em “flw”; “beleza” em “bls”; “demais” em “d+”, já em “jah”, etc., etc.

Dentre os símbolos gráficos mais usuais, tem-se: J ou :-) que significam sorrir; }{ subentendendo encontro de faces; :-@ que expressa grito e ;-) que deve se entendido como piscar.

Postas essas considerações, deve-se per-guntar: O internetês não estaria colaborando para o mal-aprendizado da língua culta, sobremodo por ser praticado e absorvido por adolescentes que sequer tenham aprendido e sedimentado o português – que não é um idioma fácil –, acrescido do fato de que em nossas escolas, particularmente as públicas, apresentarem grandes deficiências no ensino? E aí há duas correntes divergentes de opiniões, não somente entre os jovens, mas também entre os especialistas afins.

Os mais puristas acham que o internetês tem agredido ou mesmo assassinado a língua portuguesa em sua gramática, pois a deturpa muito mais ainda do que na forma coloquial-mente falada no dia a dia.

Outros alegam que qualquer idioma vivo é necessariamente dinâmico, que muda ao longo do tempo, pois, sendo um fenômeno social, acompanha o desenvolvimento da sociedade. Por conseguinte, acham que o internetês seja apenas mais uma forma particular da expres-são vernacular.

Embora o internetês seja ágil e versátil, pois mescla a escrita formal e informal, além da utilização de sinais e símbolos, ele não é admitido em situações da norma culta de linguagem, tais como provas, exames, pales-tras, entrevistas, redação de contratos, ofícios, petições... etc., etc.

Será que um adolescente ou um jovem tem plena consciência dessa diferenciação? Estaria o internetês prejudicando ainda mais o apren-dizado adequado, para não dizer escorreito, do vernáculo? O que você acha?

A fim de favorecer sua reflexão, vale a pena recordar a frase lapidar do célebre es-critor português, Fernando Antonio Nogueira Pessoa (1888-1935): “minha pátria é a língua portuguesa”.

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morno, os oito gatos lá estão à espera de sua provedora... parecem todos da mesma família pela homogeneidade das cores... ficam sorra-teiros entre folhagens de planta, em um único local do Parque do Ibirapuera, em S.Paulo... pressentem, com extrema exatidão a chegada da provedora. Magra, alta, sempre apressada, nem bem chega com sua sacola de comidas e todos vão em sua direção... ela, rapidamen-

te, abre a sacola, despeja a comida num trecho acimentado sobre a grama, bem próximo à calçada... e rapidamente recolhe os talheres e pratos... não traz líquidos... e incontinenti se retira... faz isso todos os dias... na mesma hora... no início me parecia que ela o fazia por prazer, pois ia com calma e se retirava da mesma forma... com o tempo percebi um aceleramento nos seus passos e uma certa inquietação... ultimamente, tenho-a visto, irritada mesmo, superapressada, já não põe a comida no acimentado mas a joga com certa raiva e sai numa pressa incrível... fiquei pensando...e se um dia ela morrer, ou se curar de seu ato obsessivo, como fica? Os gatos ficarão perplexos... duvidarão de si próprios se não perderam a noção do tempo... será que perderam o horário-chave das 10 horas? Não, impossível... e como explicar o vazio que ficou... imenso vazio... a mente dos animais não exige explicação... somente uma constatação... sem mergulho nas suas causas... acabou, acabou!!... vamos procurar outra alternativa de sobrevivência... é verdade que os incautos passarinhos que por ali aterrizam não são suficien-tes para cessar a fome e a necessidade protéica e calórica... mas, por um instante, captei o pensamento dos gatos... e das gatas... perplexas... o qual dizia... e ainda tem gente que acha que ninguém faz falta neste mundo... ledo engano... principalmente os obsessivos que nutrem o planeta, sustentando os histéricos, os fóbicos e... os normais...

Jornal O Bandeirante ANO XVIII - no 202 - Setembro 2009

Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP. Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor: Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão, Carlos José Benatti, Geovah Paulo da Cruz, Helio Begliomini, José Jucovsky, Josyanne Rita de Arruda Franco, Luiz Jorge Ferreira, Marcos Gimenes Salun, Sergio Perazzo.Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.

Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.

Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a

opinião da Sobrames-SP

Editores de O Bandeirante

Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009Helio Begliomini – maio de 2009 -

Editor: Helio BegliominiRevisão: Ligia Terezinha PezzutoDiagramação: Mateus Marins CardosoImpressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfi ca

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O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 3 SUPLemeNto LIterÁrIo

Bola de CristalInfinitude Profética

Submetidos a tecnológicas inovaçõesEstilos de vidas em décadas sob pressõesPermitirão expandir amplamente pioneiraA bio-nanotecnologia pela vez primeira!

A fantástica viagem na era da informáticaIntegra a técnica da engenharia genéticaAnalogias entre circuitos integrados sensíveisEntreabrem portas a todos os impossíveis!

Com o “Livro da Vida” decodificadoA “Evolução” torna-se coisa do passado...O projeto genoma na sua genialidadePoderá ser o começo de uma outra humanidade!?

José JucovskyMédico aposentado em São Paulo

Sem mais mistérios, o DNA vivificadorSopra vigorosos milagres dum futuro sedutorNa bola de cristal da física quântica e da genéticaFlui a pseudo-onipotente infinitude profética!

As visões das nossas próprias existências clonadasDestino desejado por heranças remodeladasCompõem novos bailados sob peregrino céuNo vir a ser em fascinantes jornadas ao léu!

Os passos do conhecimento a serem dadosMarcam o século XXI para serem conquistadosPor incansáveis cientistas e inventores visionáriosDa longevidade em corpos humanos revolucionários.

Sinceridade

A mentira é uma conveniência. Seria bom se tentássemos ser menos convenientes com certas coisas. Pelo menos não se-ríamos tão mentirosos. Principalmente com relação às pessoas a quem prezamos e queremos muito, deveríamos ser um pouco menos inconvenientes de vez em quando. Faria um bem dana-do a todos, pois pelo menos não seríamos apenas o protótipo latente da mentira. E haveria o mais legítimo carinho, o mais puro querer bem!

Já a conveniência é uma questão de escolha. Seria bom se tentássemos escolher com mais critério o que nos convém. Pelo menos não seríamos tão superficiais com relação à verdade. Principalmente com relação à pretensa verdade de certas esco-lhas que fazemos por conveniência momentânea. Deveríamos ter um pouco mais de senso, do bom, na hora de priorizar escolhas, pois certamente estaríamos mentindo um pouco menos. Menos para uns e mais para outros, é verdade, pois infelizmente sempre haveria mais mentiras e conveniências do que sinceridade e verdade na maioria de nossas escolhas. É próprio de nós humanos.

Por sua vez, a escolha é uma prioridade regida pelo egoísmo. Temos plena convicção de ter feito as escolhas certas, sempre que nos certificamos que estas são certas para nós mesmos. Raramente temos um olhar macro, justamente por causa do

Marcos Gimenes SalunJornalista em São Paulo

egoísmo. Apenas decidimos o que melhor nos convém e damos o caso por encerrado assim que nos convencemos de que aquilo é realmente o melhor. Para nós mesmos.

E então mentimos. Descaradamente. Esquecemo-nos da fidelidade e da gratidão. Esquecemo-nos momentaneamente do quanto já havíamos feito para que acreditassem em nós. Desprezamos a sinceridade do relacionamento para priorizar a conveniência. E isso nos basta, quase sempre. Só que, infeliz-mente, é assim que perdemos a credibilidade e a confiança que tanto nos custou a conquistar e que são fundamentais para tudo o mais que pretendemos. Perdidas a confiança e a credibilidade, pouco nos resta.

A relação entre as pessoas é complexa demais para que se possa decidir certas coisas apenas com um olhar ou com algumas palavras. É pouco para nosso ser ávido de conquistas e pleno de conveniências. Deveria ser assim, é verdade, mas infelizmente não é, simplesmente porque sempre uma das partes vai querer ser mais conveniente que a outra. É daí que vem uma mentira conveniente, um olhar conveniente, uma palavra não menos conveniente... E, é claro, a mentira. Mentira não... Conveniên-cia. Ninguém diz mentiras. Todos são convenientes. E sempre são extremamente sinceros em suas conveniências, pelo menos consigo mesmos.

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4 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 SUPLemeNto LIterÁrIo

Misamply e Lolobay

Há coisas na vida que nos deixam atônitos. Embora saibamos que um dia vão acontecer, surpreendemo-nos da forma como ocorrem. Uma delas é a morte. Temos ciência de que passaremos por ela, mas ignoramos o dia, a hora e a maneira.

Estava pensativo e fora de órbita quando li no mural de avisos do velório: Geraldo Magela Tabarani dos Santos – sala 2.

Não conseguia acreditar que aquele meu amigo de há mais de trinta anos tinha dado cabo à sua vida com um tiro na cabeça, da mesma maneira que sua filha há cerca de três anos e meio.

Estava sempre bem-humorado e bem-disposto; era esportista, advogado e apresentava-se na reta final de conclusão de sua pós-graduação.

O Bruno, meu filho, tinha passado um fraterno, alegre e descontraído final de semana com ele e seu filho Felipe, em seu sítio, em Taubaté, há apenas uma semana! Minha esposa agradeceu-lhe, por telefone, a estadia e a atenção prestadas. E como de praxe, ele esboçou cordialidade e amizade.

Em nossa convivência, o Geraldo sempre demonstrou alegria, espontaneidade, firmeza e altruísmo.

Não, não dava para acreditar no que eu estava sentindo e vendo. Ele era sempre o mesmo amigo que conheci na Comunidade de Jovens do Tremembé. Participamos de muitos encontros, passeios, festas, atividades sociais e religiosas.

Lembro-me no início de nossa juventude quando ele, que já tinha ar de machão, foi surpreendido por mim com bobes na cabeça e com uma cueca de rendinhas, à moda feminina. Daí surgiram dois apelidos inventados respectiva e instantane-amente: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay. E eles foram ditos inúmeras vezes quando nos encontrávamos, nos mais diversos ambientes, ainda que a idade e o tempo estivessem passando.

Realmente, não era possível imaginar o Geraldo, de aparência tão forte, ter abdicado tragicamente do convívio de seus familiares e amigos!

Não faltaram especulações sobre os possíveis porquês: A ferida não cicatrizada pela morte trágica e inexplicável de sua filha... a separação da esposa alguns meses atrás... a morte da mãe há dois meses... problemas no trabalho... depressão... perda do prazer de viver... saudade incoercível de sua filha e mãe... Entretanto, quaisquer que fossem os motivos tornava-se impensável admitir que ele tivesse tomado essa sombria e irrevogável decisão.

Confesso que tive remorso e um sentimento de culpa me abateu por uma possível omissão em tentar ajudá-lo. Mas ele não esboçava necessidades. Ao contrário, misturado à sua alegria, era calculista e aparentava ser autossuficiente. Quando sua filha morreu, ele e a esposa, Ana Telma, resolveram doar os órgãos dela. Não me esqueço que embora ele não perten-cesse à área da saúde, conseguiu permissão para assistir o transplante de coração, tendo sua filha como doadora. Quanta coragem e ousadia!

No seu computador de trabalho, havia fotos de sua mãe, Dea, e da sua querida filha, Andrezza. Pais e filhos... dois dos mais valiosos patrimônios materiais e imateriais que o Criador pode nos conceder!

O pensamento voltava-se para a dor que seu pai estava experimentando – ele, que por três vezes fora submetido à cirurgia cardíaca –, assim como pelo futuro psicológico que seu filho poderia ter.

Por mais que nosso corpo estivesse presente entre seus familiares e amigos, todos estávamos transtornados e envolvidos de alguma forma nessa tragédia. Nosso pensamento divagava não querendo acreditar na crua realidade. Era exatamente a réplica dos sentimentos e da perplexidade que tivemos com relação à morte sinistra de sua filha.

Essa tinha sido a autodetonação do homem-bomba que involuntariamente lesaria e mutilaria a todos os seus entes que-ridos. Embora não convivêssemos sob o mesmo teto, considerávamo-nos parte de sua vida e, consequentemente, sua morte estava levando um pouco de cada um daqueles que o amava.

Toda uma experiência vivida passava instantaneamente como um filme em minha mente. Foi indelével a nossa alegria quando por reiteradas vezes conseguíamos escalar a íngreme Pedra do Baú, em Campos do Jordão, sendo a última há quase sete anos, quando eu tinha 40 e você, Geraldo, 39 anos. Quando jovens subíamos com outros amigos. Nessa última vez nos atrevemos, juntamente com seu irmão Pio, a escalá-la com nossos filhos e alguns de seus sobrinhos.

Lembro-me que há exatos três anos tivemos um jantar em comemoração pelos nossos vinte anos de casamento. Além da Aida, minha esposa, e da Ana Telma, estavam nossos amigos José Alberto e Tânia, que também tinham casado na mesma época, além do Pio com a Stefanie, que foram padrinhos nos três matrimônios.

É, Geraldo... não consigo imaginar que você não esteja mais em nosso convívio. Prefiro me iludir e vê-lo sempre sorrindo, disposto e entusiasmado, e chamá-lo como nos velhos tempos: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay.

E, por trás destas enigmáticas palavras, ocultavam-se virtualmente a nossa inolvidável amizade e a nossa trajetória desde os tempos de adolescência, que vinham à tona instantaneamente, toda vez que as pronunciávamos.

Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).

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O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 5 SUPLemeNto LIterÁrIo

Suburbia

Ovo colorido no balcão do bar.Dois dedos de cachaça,quem paga, na porrinhadesempata ímpar ou par.Pinguços aos tropeçosna calçada fazendo chalaça.Massa tampando e alisandoo reboco fosco da paredecheirando a óleo de linhaça.

Chorinho e jaqueira no quintalentre penas de pato e de galinha.Bujões de gás na cozinha.Mãos enxugando o avental,rangidos de dobradiças no portão,docinhos de Cosme e Damião.

Frango e leitão de padaria,camiseta, chinelo e suspensório,rádio de pilha abominável, duracel, amplificando aos berroso programa de auditórioou novela de mistério,O céu é o limite, Ministériode perguntas cretinas, PRK30, Papel carbono, Jerônimo,O Sombra, não sei mais quê,patrocínio Cashmere Bouquet.Como se sente, rim doente?Tome Urodonal e viva contente.

Velhas siglas se sucedendono ritmo paralelo dos trilhos,nas janelas quebradas do trem:IAPETEC,IAPI,IAPC,IAPB,das tabuletas descascadas,despencadas, sem prego, sem grude,das faces de velhos conjuntos,desconjuntos habitacionaisde venezianas despedaçadase vidros vazados,olho e venda de pirata,pelas atiradeiras e bolas de gudeda vizinhança de pé no chão.

Pés de chinelos de arrabaldeanotam num rabiscoo milhar do jogo do bichono mármore da mesa do boteco

Sergio PerazzoMédico psiquiatra em São Paulo

do Mané Mão-de-vaca,mulato banguela, varapau,entre cervejas chocas,marcação de caixa de fósforos,cavaquinho e reco-recoe bolinhos de bacalhausem azeite e sem espinhos.

Donas de casa despachadascom sacolas atulhadasda xepa da feira de sábado,minguados legumes,melancia aguada,amareladas verduras,pastel de ventoque nada contém,macarronada e saladano preparo do almoçodo domingo que vem.

Burros sem rabo e estrumeenfileirando ruas de barro.Pingentes não preciososquase caindo de madurosna linha, da beira do vagão,despejando meia-fábricade horas extras e cansaçona plataforma da estação.

É você quem mandano tabuleiro do camelôespremido na porta da venda.Parada de ônibus entre a tenda

do terreiro de umbandae a cruz da capelinha de melão.É de São João...é de São João...

São Jorge, espada e cavalo,bordados no banco do lotaçãoonde jaz por um momentona modorra refestelado,dragão adormecido,o motorista caniculadoda sesta do meio-dia,fechado para a fila conformadade passageiros ao relento.

Ecos das peladas de dia inteiro,courinho ou bola de meia,uniformes desbotadoscrucificados ao sol dos varaisou espreguiçados em coradouros,preguiçosos torcedores.

Avesso das praias e parques,o pedaço que não saiu no mapanem no colorido do cartão postal.Estrofes de segunda mãonum dó menor de samba-canção.Parágrafo de um conto mal-ajam-brado,de anonimatos,de casas de pasto,de casas de cômodos,de cortiços, de muquifos, de sobrados,de quartos sombrios de pensão.

P ara um povo de passado duroA mar é resistir com alacridadeR evolvendo o Araguaia ainda escuroÁ vançando assim na via Liberdade.

Carlos Augusto Ferreira GalvãoMédico psiquiatra em São Paulo

Acróstico Libertário (Pará)(Poesia de guardanapo)

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6 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 SUPLemeNto LIterÁrIo

Replantar árvores de noite. Na calada da noite, quando os cães principiam a adormecer imersos em sonhos repletos de ossos enterrados. Cães sonham.

Neste mesmo instante estão os gatos pelos telhados barulhentos e sedentos de pecados.

A silhueta da lua jaz em uma lata abandonada de sardinha, aberta e atirada ao acaso no quintal metade acimentado. Ele desce de chinelos muito surrados, arrastando lado esquerdo, corpo semiparalisado. Enxerga pouco. Próximo e adiante. Mas sonha também como os cães, com replantar árvores.

Ninguém desconfia que ele é quem quebra o cimento pacientemente com uma lâmina tosca, noite após noite. E que é ele que se masturba incompletamente na roupa íntima dependurada de Alice.

Para depois lavar a mão no balde, cheio de água aparada da bica.

Onde às vezes a lua também mija.Ela abre a casa. Escancara as janelas e enxota as

formigas com uma vassoura tão velha quanto ela. Atira pedras nos sapos e arranca as trepadeiras que se agarram na janela traseira do barranco em que mora com o marido semiparalítico, ex-madeireiro que, durante três décadas, quase desmatou toda a região do Sul do Pará. Enquanto ela repete este ritual de abrir escandalosamente portas e janelas, ele deixa-se ficar na cama ao lado de sua perna mecânica presa entre duas cadeiras e a mesinha do rádio a pilha, sua companhia mais íntima. Ela é quem encontra a roupa suja e amarelada com vestígios de sangue. É ela quem nota o balde de água suja e atribui aos gatos.

Uma noite ela sentindo-se sozinha e solitária vai até sua cama. Ele não estava. Havia vestido sua perna mecânica e saíra pela porta da cozinha. Ficou em dúvida se fora

Três Contos Negros para um Cara Pálido

Amor Tardio

Luiz Jorge FerreiraMédico clínico em São Paulo

Josyanne Rita de Arruda FrancoMédica pediatra em Jundiaí

Entre, abra a porta e preencha o vaziodas horas já mortas, dos dias tão frios.

Está quente? Que importa? Não é relevantese a vida só gosta das horas de dantes!

A vida prefere viver de lembranças...Eu não! Eu prefiro a doce esperança

do que está por vir, da grande surpresaque é desejar ser mais que certeza.

Eu gosto dos sonhos e da fantasia!

Eu quero a bonança de crer que os diassão puro acaso, são bela orgia

e ter, por inteiro, a vida que expia...

ele que a abrira ou fora Alice que, saindo de tardezinha, nua para estender seu vestido de chita colorida e deixá-lo secar ao sabor da brisa morna da madrugada, a esquecera aberta.

Ela sentou-se à mesa da cozinha e ficou riscando com uma faca quase sem fio um desenho bizarro de galos, boiada, pássaros e miúdos meninos de curtas asas.

Sem notar que entravam formigas, percevejos, grilos e cupins. E começavam a importuná-la. Nem viu quando ele entrou. Havia replantado árvores, sujado de sêmen o vestido de Alice e amarrado os cães aos gatos em cima do telhado.

Entrara pulando.Estava a perna dento do córrego a espiar Alice que

se banhava. Ele entrou nu negro em uma perna só.Alice chateada com a briga do casal uma tarde de Natal

viajou para o Paraná onde vendeu seu olho de vidro e alugou uma casa para cuidar dos gatos sapos e um casal de morcegos que vieram com ela dentro da sacola do Banco do Brasil.

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O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 7 SUPLemeNto LIterÁrIo

Coma-se Milho

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Frango é milho que anda. Se milho vira frango, leite, carne, ovo, banha, pele, vísceras, e como afro-disíaco dá filhote e cria, então deve ter uma potência nutritiva muito grande. Não há nenhum outro vegetal que sozinho seja capaz de tudo isso.

O milho nasceu na América. Foi levado para a Europa depois do des-cobrimento. No centro e no norte, onde já se comia pão de trigo, ele não teve lugar na mesa. Foi destina-do aos animais. Depois perdeu lugar para a batata, também americana. Bem ao sul, apesar do pão e das massas de trigo, o milho já teve seu lugar importante na alimentação humana com a polenta.

A polenta tem uma história inte-ressante. Os italianos dizem que são os seus inventores e os brasileiros, particularmente os mineiros, se van-gloriam de serem os criadores dela com outro nome, o angu. Nenhum dos dois tem razão. Quem inventou a polenta ou o angu foram os africa-nos. Mas como, se os africanos não tinham milho? Tá certo, mas eles tinham o sorgo, o chamado milho dos pobres. Tudo o que se faz com um, se faz com o outro. O sorgo é um parente do milho que exige poucas chuvas e viceja naturalmente nos campos africanos. A história registra que as hostes romanas já comeram angu no norte da África, mil anos antes do descobrimento. Os negros levaram o angu nas suas migrações. A Itália é muito próxima da África, tanto que há uma grande população italiana com os sobrenomes: Nero, Negrini, Del Nero, Negroni, Dal Pre-ti, todos descendentes de africanos. Ao Brasil o angu chegou nos navios negreiros.

Nos Andes, junto ao lago Titi-caca, muito piscoso, os indígenas depositavam um peixe dentro de cada cova de plantio de milho, como adubação orgânica. O milho é uma

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planta muito exigente, não produz em solos pobres, nem ácidos. Mas é muito produtivo. Na Bíblia se diz que Canaã era a terra prometida, muito rica, onde para cada semen-te plantada se colhiam setenta. Na modernidade só o milho ultrapassou esse número.

Os índios faziam um roçado rústico com machados de pedra, esperavam secar, botavam fogo e plantavam milho, por uns dois anos seguidos. A terra se esgotava e eles abandonavam aquele roçado, cuja mata se recuperava. O branco chegou com a foice e o machado de aço e a eficiência no roçar aumen-tou muito. Começou a devastação, o desmatamento, as grandes quei-madas, a erosão, a desertificação, o empobrecimento.

Os índios desenvolveram mal o beneficiamento do milho. Comiam-no cru, assado, cozido. No máximo quebravam-no com o pilão. A Amé-rica aprendeu a moer o milho com os europeus, em moinhos iguais aos de trigo. Uma pedra rotativa rolava sobre outra, esmagando os grãos até virarem pó. Esse pó, cru, recebeu um nome, o substantivo fubá, talvez para se diferenciar da farinha de trigo, simplesmente chamada farinha. O fubá processado numa chapa quente virou farinha de milho. Isto deve ter sido copiado da mandioca, porque o processamento é semelhante.

Os pilões manuais foram melho-rados nos pilões mecânicos, movidos à água, o monjolo e a trapizonga, este último constituído de monjolos múltiplos, um engenho com um eixo excêntrico acionando vários braços. Um uso destes últimos foi na mineração de ouro, para pulverizar as pepitas.

Onde não havia moinhos de pe-dra engenhou-se uma forma prática de beneficiar o milho. Deixava-se o grão de molho para amolecer, inchar e soltar a película envoltória que

era jogada fora na lavagem ou na sopragem, para em seguida triturá-lo no pilão manual ou no monjolo. Este milho, se pouco quebrado, é a canjica que se cozinha com água ou leite, e pode ser enriquecido com sal, açúcar, coco, amendoim. Se a tritura-ção atingir o estado de pó, é o fubá-de-canjica, considerado mais nobre do que o fubá comum. Também se pode fazer fubá-de-canjica no moi-nho, com milho despeliculado. Mas o fubá comum leva uma vantagem: mantém a película que não é digerí-

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vel e forma as fibras indispensáveis para a saúde dos intestinos. Mais barato e melhor.

As proteínas do milho são duras, difíceis de fragmentar-se em ami-noácidos no processo digestivo. Os milhos amarelos são todos assim. Institutos de pesquisa criaram um milho branco mais rico em proteínas e mais “mole”, mas não tenho notí-cia dele no mercado. Acho que não vingou. Mas agora o milho amarelo comercial comum ficou fácil de desdobrar, com os produtos pré-cozidos (quimilho, milharina, polentina, fubá, etc), e com fogão a gás, pa-nela de pressão e pa-nelas antiaderentes; ficou bem digestivo.

O fubá comum, de granulação levemente grosseira, e mesmo o mais fino, o fubá pré-cozido e os flocos para polenta, cuscuz e mingau são os mais baratos alimentos que existem. O povo deixou de usá-los por causa de uma esperteza dos produtores estrangeiros de trigo, Estados Unidos, Canadá, e uma safadeza dos políticos brasileiros. Os governos deles compravam (e ainda compram) o trigo dos seus produtores por um preço alto e nos vendiam mais barato, a crédito, com financiamentos de longo prazo, 10, 20 anos para pagar. Que vergonha, comermos a crédito! Os políticos brasileiros, interessados em pão, circo e votos, aliviavam os impostos de importação. A farinha ficou tão barata que substituiu a cal no bali-zamento dos campos de futebol! O pãozinho ficou tão barato, durante tanto tempo, que as donas de casa

se esqueceram do fubá, ou ficaram com preguiça de usá-lo. Eles fize-ram como os traficantes: vendem o produto barato, a crédito, até que o freguês vicie e não possa mais viver sem o produto.

Quanto sustenta um pãozinho de 50 gramas? Nada. Coisa nenhuma! Não tem proteínas, não tem gor-duras, nem vitaminas. Tem apenas

hidrato de carbono que engorda adoidado e muito sal, que faz subir a pressão. É só volume, a arte de industrializar ar. É vento assado... Pegue 50 gramas de fubá e cozinhe em água. Verá que faz volume, sus-tenta. Dá sustança, como diz o caipira. Ponha açúcar e terá combustível para crianças, jovens e trabalhadores, gente que gasta energia. Ponha leite em vez de água e ponha ovo: terá o mais completo alimento para todos, crianças, adultos, velhos. É um ver-dadeiro coquetel de saúde. Pode ser mingau na mamadeira, mingau de se comer com colher, cuscuz, farofa, farinha, bolo, pudim, angu, polenta em pedaços. Para os apressados, bas-ta preparar no dia anterior, guardar

na geladeira e aquecer na hora de comer. Quando menino eu morei com minha madrinha, casada com descendentes de ingleses, e era cos-tume a empregada nos acordar com um fumegante prato de creme de aveia, que tomávamos na cama. Mi-lho é mais completo do que aveia.

Ao cozinhar feijão, um produto geralmente caro, ponha fubá para

engrossar o caldo e baratear o custo. Au-menta muito o volu-me, rende, fica mais forte e gostoso, ali-menta. E dispensa a carne, porque já tem as proteínas neces-sárias. É ideal para merendas escolares, instituições com gran-des cozinhas, como creches, asilos, alber-gues, abrigos, restau-rantes coletivos. Ou para a sua família, vegetariana ou não.

Somos hoje um dos maiores produto-res de milho do mun-do. Mas não fizemos

como os mexicanos, que não perde-ram sua cultura alimentar, embora eles produzam muito menos milho do que nós e estejam pertinho dos Estados Unidos, grande produtor de trigo. Mesmo que sejam pobres, porque seu território é menor e menos aproveitável e tenham muitos filhos, são capazes de produzir seu próprio alimento. Sua agricultura de subsistência funciona. Histori-camente o Brasil nunca conseguiu produzir mais do que 30 a 40% do trigo que consumia e nos últimos 60 anos sempre dependeu deste ali-mento produzido no exterior. Será a “Síndrome de Portugal”, cujo prato principal é o bacalhau produzido na Noruega?

Coma-se Milho

(continuação da página anterior)