O Bem em Si em Platão e Aristóteles

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O Bem Supremo em Platão e Aristóteles * Wilson Gualberto dos Santos ** INTRODUÇÃO A presente análise tem como objetivo percorrer as teses eleboradas por Platão (428-348 a.C) e Aristóteles (384=323 a.C.) acerca do “bem supremo”. Neste sentido, a nossa preocupação é examinar a diferença entre os dois pensadores. Para que isto seja possível, penetraremos na estrutura conceitual das duas doutrinas, levantando e investigando três questões que consideramos fundamentais. A primeira é a seguinte: como entender a noção platônica de bem em si frente à etica e à política? A segunda diz respeito à pedagogia platônica. E a terceira trata do ponto de vista aristotélico contra Platão. O PENSAMENTO DE PLATÃO Com finalidade de entendermos a teoria de Platão, retomamos algumas de suas obras: o Fédon, o Banquete ea República. Vale ressaltar que, ao entrar em contato com Crátilo, discípulo de Heráclito de Éfeso, Platão adotou alguns aspectos da idéia heraclítica sobre a mudança das coisas. Logo, o incessante movimento do ser, isto é, o devir, tornou-se um empecilho à sua ciência; porquanto, ela dependia de bases estáveis. Com efeito, Platão procura formular proposições que sustentam o real no atemporal e no estático. Daí as noções de mundo inteligível e mundo sensível: onde o primeiro é o realmente real, estático e eterno, e o segundo mutável e temporal. O objeto da ciência encontra-se nas idéias: formas incorpóreas e transcendentes. Por conseguinte, o Bem Supremo, enquanto Idéias ontologicamente Pura, é a objetividade do saber. É importante dizer que a questão ontológica liga-se ao problema ético, o qual vincula-se ao espaço político, porque o bem é a realidade ontológica suprema da ação. Na ação humana individual e social estão a ética e a política. Há uma estreita relação entre a noção de “bem”e a “vida humana”. A vida na terra é uma “realidade” aparente, uma vez que somente a “idéia” é o “real”. Por isso, a vida perfeita é separada do sensível. Significa que viver eticamente é conviver em íntima ralação com o Supremo Bem, a “idéia” verdadeiramente “real”. Ele, o bem, essência existente em si, é auto-sustentável. Assim sendo, o fundamento da ciência(ética e política) se faz ou realiza-se a partir do mundo imutável. No Fédon, o filósofo demontra os valores estéticos, morais e matemáticos como algo em si. Ele argumenta: “(...) Volto a uma teoria que já muitas vezes discuti e por ela começo : supondo que há um belo, um bom, e um grande em si, e do mesmo modo as demais coisas” 1 . As idéias em si são os únicos alicerces da verdadeira ética e da política. Para o homen adquirir o conhecimento (ético e político) “puro” deve elevar-se até o bem supremo. A “via” a ser percorrida está explícita no Banquete e na República. É importante dizer, como expõe Jaeger 2 , que o Banquete está influenciado pelo pensamento heraclítico do ser e não-ser 3 . A virtude, o belo, o bom e o grande em si entram no rol discursivo de ser sempre o mesmo 4 . Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer

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O Bem Supremo em Platão e Aristóteles*

Wilson Gualberto dos Santos**

INTRODUÇÃO

A presente análise tem como objetivo percorrer as teses eleboradas por Platão (428-348 a.C) eAristóteles (384=323 a.C.) acerca do “bem supremo”. Neste sentido, a nossa preocupação éexaminar a diferença entre os dois pensadores. Para que isto seja possível, penetraremos naestrutura conceitual das duas doutrinas, levantando e investigando três questões que consideramosfundamentais.

A primeira é a seguinte: como entender a noção platônica de bem em si frente à etica e àpolítica? A segunda diz respeito à pedagogia platônica. E a terceira trata do ponto de vistaaristotélico contra Platão.

O PENSAMENTO DE PLATÃO

Com finalidade de entendermos a teoria de Platão, retomamos algumas de suas obras: oFédon, o Banquete e a República. Vale ressaltar que, ao entrar em contato com Crátilo, discípulode Heráclito de Éfeso, Platão adotou alguns aspectos da idéia heraclítica sobre a mudança dascoisas. Logo, o incessante movimento do ser, isto é, o devir, tornou-se um empecilho à sua ciência;porquanto, ela dependia de bases estáveis.

Com efeito, Platão procura formular proposições que sustentam o real no atemporal e noestático. Daí as noções de mundo inteligível e mundo sensível: onde o primeiro é o realmente real,estático e eterno, e o segundo mutável e temporal. O objeto da ciência encontra-se nas idéias:formas incorpóreas e transcendentes. Por conseguinte, o Bem Supremo, enquanto Idéiasontologicamente Pura, é a objetividade do saber.

É importante dizer que a questão ontológica liga-se ao problema ético, o qual vincula-se aoespaço político, porque o bem é a realidade ontológica suprema da ação. Na ação humanaindividual e social estão a ética e a política. Há uma estreita relação entre a noção de “bem”e a“vida humana”.

A vida na terra é uma “realidade” aparente, uma vez que somente a “idéia” é o “real”. Porisso, a vida perfeita é separada do sensível. Significa que viver eticamente é conviver em íntimaralação com o Supremo Bem, a “idéia” verdadeiramente “real”. Ele, o bem, essência existente emsi, é auto-sustentável. Assim sendo, o fundamento da ciência(ética e política) se faz ou realiza-se apartir do mundo imutável. No Fédon, o filósofo demontra os valores estéticos, morais ematemáticos como algo em si. Ele argumenta:

“(...) Volto a uma teoria que já muitas vezes discuti e por ela começo : supondo que háum belo, um bom, e um grande em si, e do mesmo modo as demais coisas”1.

As idéias em si são os únicos alicerces da verdadeira ética e da política. Para o homenadquirir o conhecimento (ético e político) “puro” deve elevar-se até o bem supremo. A “via” a serpercorrida está explícita no Banquete e na República. É importante dizer, como expõe Jaeger2,que o Banquete está influenciado pelo pensamento heraclítico do ser e não-ser3.

A virtude, o belo, o bom e o grande em si entram no rol discursivo de ser sempre o mesmo4.

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Logo, o saber enquanto idéia em si está explícita no puro bem. Assim, podemos afirmar que quemalmejar a sabedoria (sophia) e/ou a ciência ética e política precisa contemplar o Bem. Contudo, paraalcançá-lo, o homen necessita percorrer o caminho do amor. Platão descreve o trajeto do seguintemodo:

“(...). Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo, através do corretoamor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o pontofinal. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amorou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquelebelo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e dois paratodos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para asbelas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senãodaquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.(...)”5.

O “contato” com o belo (Kalokagathia)6 é o mesmo que ocorre com as virtudes reais7. Atéporque o seu alcance é feito de modo virtuoso, ou seja, é realizado com muito exercício ou práticado “bem”. O bem supremo é, neste aspecto, o ponto culminate da realização da vida intelectual,ética e política. A ascensão às ideias supremas, ao belo, ao bom e ao grande em si, é descrita nodiscurso que Socrátes atribui a Diotima de Mantinéia8, conforme a sua dialética idealista. O relatopassa por “percurso” hierárquico do saber.

A relação entre o puro bem, a ética e a política toma maior relevância na República. A buscado saber político começa no momento que o homem se preocupa em sair do mundo sensível. Nesteaspecto, a polis, enquanto espaço para o conhecimento ético e político, é uma ilusão, objetofantasmagórico dos ignorantes, pois o verdadeiro governante deve se orientar rumo ao mundointeligível.

Na República9, a concepção de bem supremo articula-se com a noção política. Percebe-se,portanto, um intrínseco vínculo entre ontologia e governo da “cidade”. O gráfico abaixo demonstrao “trajeto”do ser humano até o “conhecimento da política”.

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A alegoria da caverna tem uma conotação política, pedagógica e ética. Na verdade, a“dramatização da caverna” revela, como diz Goldschmidt, o acesso ao Bem.Os homens,prisioneiros das coisas materiais, são “rudes”, incultos e não governam. Em outros termos, os queatingem o bem supremosão, no ideal platônico, os bons governantes.

A educação é o sustentáculo que garante o alcance do verdadeiro protótipo político.Porquanto, se alguém olhar de imediato para a “luz do sol” estaria naturalmente, como diz Platão,com os olhos deslumbrados, sem nada poder ver.Por conseguinte, o homem deve ser educado passoa passo para poder ver.

A pedagogia, neste sentido, torna-se importante na junção entre a ética e a política a partir doexercício que direciona o homem ao Bem Supremo. Complementemos, pois, com as palavras deJaeger que registra:

“(...) A verdadeira essência da educação é dar ao Homem condições para alcançar ofim autêntico da sua vida. Identifica-se com a aspiração socrática ao conhecimento dobem, com a phronesis”.

Sob este ponto de vista, essa relação (educação, política e ética) é concebida, por Platão,mediante duas virtudes: a coragem e a temperança. A cidade, na hipótese platônica, deve serfundada sobre as quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, temperança e justiça.A sabedoria é aprimeira entre elas.E a ciência que mostra a verdadeira espécie de conhecimento para o bem dacidade é a da vigilância.

O filósofo grego intercala a educação dos guardiões (pedagogia) com o conhecimento paragovernar bem. Com efeito, convém enfatizar com um trecho de Barker que diz:

“(...) Não basta que o soldado seja ágil e corajoso; ele é um guardião (fúlax), e, como ocão de guarda (mais uma analogia), precisa ser dócil em relação aos habitantes dacasa que defende, embora feroz com os estranhos”.

Neste aspceto, podemos afirmar (como faz Barker) que:

“(...) deve haver um sistema educativo não somente para os ‘auxiliares’ guerreiros,mas também para os ‘Guardiões perfeitos’ - os reis-filósofos”.

A coragem garante a salvação da cidade, a temperança é uma forma de dominação de certosprazeres e desejos,e a justiça diz respeito à função natural do homem na cidade.

E síntese, o homem justo em nada diferirá da cidade justa.Contudo, para ser justo, tanto ogovernante quanto o governado devem ser educados. A pedagogia platônica conduz todos a partirda ética e política ao Bem, visto que o Bem Supremo é o ponto mais alto a ser alcançado pelospedagogos e governantes. Porque ele é imóvel e a idéia perfeita.

Enfim, o Bem em si, como escreve Schaerer,

“é irredutível a toda definição, porque ele transcende o ser.”

Entretanto, ele, o bem, sintetiza em si uma concepção epistemológica, ontológica,pedagógica, ética e política. Por conseguinte, é por ele que há possibilidade da correta ação humana,no âmbito da política.

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A CONTRA-ARGUMENTAÇÃO DE ARISTÓTELES

Em primeiro lugar, salientamos (como interpreta felizmente Morral) que Aristóteles tem ohábito de avaliar as filosofias dos demais pensadores segundo as classificações que inventaria paraas suas próprias.Por exemplo, a distinção entre as ciências práticas e as teóricas que ele faz, e quePlatão não fizera.

Na verdade, a crítica aristotélica parte de uma visão realista das coisas. Na Ética,ele separa asciências teóricas (conhecimento contemplativo) das ciências práticas (conhecimento da ação). Énessa segunda ciência que reside a crítica do Estagirita ao Bem Supremo platônico.

A frase inicial do Livro primeiro da Ética a Nicômaco demonstra a tese de que o bem temmuitos sentidos e varia conforme os sujeitos a que se aplicam. O filósofo escreve:

“Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algumbem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisasvisam.(...)”.

Nesta passagem, o pensador grego introduz, explicitamente, a palavra indagação, onde aentende como “investigação” científica. A “ação” de que fala o trecho deve ser compreendida noplano ético-político. E o termo “propósito” significa a intenção da ação. Percebe-se que ele inclui,na sua primeira frase, o problema do conhecimento científico, ético, político e dos fins.

Sob este viés, o pensador, no primeiro capítulo da Ética a Nicômaco, trata de mostrar que afinalidade que buscamos por si mesma (o bem) deve ser efetivada na cidade. Porque nela (nacidade) está a finalidade como algo maior e mais completo.Em seguida, o Estagirita demonstra queo homem deve estudar (analisar) a Cidade. Porque é ela que possui o objeto da sua investigação,isto é, o bem. Com efeito, ele articula de modo lógico o exame da cidade com a ciência política. Porconseqüência, quem conhece a Cidade tem necessariamente conhecimento político, mas paraadquiri-lo é preciso exercer a cidadania. Deste modo, o jovemé considerado alheio ao saber político,pois falta-lhe experiência.

A estratégia aristotélica é diferenciar, logo de início na Ética (cap. 1) e na Metafísica (cap. 1),a ciência teórica da prática. Feito isto, propõe-se examinar o “bem universal”. É neste contextofilosófico que surge a crítica de Aristóteles à teoria platônica da idéia de bem. Ele diz:

“Talvez seja melhor examinar o bem universal e discutir exaustivamente o seusignificado, embora tal investigação se torne penosa pelo fato de as Formas terem sidointroduzidas na filosofia por um amigo (Platão). De qualquer modo, talvez pareçamelhor, e de fato seria até uma obrigação, especialmente para um filósofo, sacrificaraté as relações pessoais mais estreitas em defesa da verdade; efetivamente, ambas nossão caras, mas o dever nos leva à primazia da verdade.(...)”

Primeiro a verdade, depois a amizade; após tal argüição, o próximo passo foi o de demonstrarque o Bem não é universal e nem unívoco. Inteligentemente, o pensador grego faz, como oslingüistas, uma análise da palavra “bem”. Ele afirma que “o termo bem é usado igualmente nascategorias de substância, de qualidade e de relação, e o que existe por si, ou seja, a substância, éanterior por natureza ao relativo”.Comparando a tradução acima de Mário da Gama Kury com ade W. D. Ross, percebemos que o termo “bem” pode ser entendido como “aquele que é por si”(that which is per se).O verbo “to be” indica ser e estar ao mesmo tempo, assim como o verbo“éstiv” em grego. Isso deixa transparecer “bem absoluto”, no sentido em que o bem é “ser” e“estar” em si. Não obstante, ressalta o filósofo:

“Não poderia haver Forma comum a ambos estes bens.”

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Nesta perspectiva, ao contrário de Platão, Aristóteles dissocia o bem prático da Idéia do Bem.Ele procura mostar que o termo “bem” tem tantas acepções quanto “ser”. A ação moral ou bemprático não é, como relata Bréhier, ciência exata, como as matemáticas, mas ensino que visa tornaros homens melhores.

Deste modo, percebe-se que “o bem” não pode ser algo universal. O que há são muitasciência; por exemplo, escreve o pensador:

“a da oportunidade, pois a oportunidade na guerra é estudada pela estratégia, e nadoença pela medicina, e a moderação quanto aos alimentos é estudada na medicina enos exercícios pela ciência física”.

Isso significa que não há só uma ciência do “ser” e, conseqüentemente, do “bem”.O ponto relevante da questão é mostrar que a ética aristotélica está intimamente ligada à vida

cotidiana dos homens. Ela não transcende as atitudes dos cidadãos. Sob esta via, podemos falar queo bem é analógico. Porque não há idéia separada das realidades concretas. O aristotelismo faz umacrítica à posição platônica do bem, enquanto transcendente e universal.

É dentro deste esboço filosófico que reside a dicotomia entre Aristóteles e Platão. Para oEstagirita, o bem é visto de várias maneiras. Por exemplo: o ver bem (qualidade da visão) e o agirbem (qualidade racional). A essência de um bem separado é inútil. Ainda que existisse um “bem emsi”, seria inútil, porque ninguém o atingiria.

A crítica fundamental aqui é ao realismo dos conceitos. Em Aristóteles, o bem não é umaidéia em si, como aponta o realismo platônico, mas idêntico à felicidade do homem. Como analisaMorrall:

“Para Aristóteles, o primeiro princípio da ética é o de que ela se dirige à consecuçãoda felicidade para o indivíduo, felicidade esta conseguida mediante o funcionamentocorreto das possibilidades humanas. (...) Há, portanto, uma interconexão necessária davida individual com a comunitária, que para Aristóteles significa uma relação íntimaentre ética e a política”.

Na Política, a ligação entre o indivíduo e a polis parte da inculcaçãoda virtude, ou seja, doshábitos corretos dos cidadãos. Isso ocorre através da preeminência da faculdade de phronesis,prudência prática. Tal prudência, como descreve Morrall, é

“distinta de Sophia, a sabedoria derivada da contemplação teórica da verdadeabsoluta.”

O homem de phronesis (aquele que prudentemente pensa e sente a realidade política) é o quedeve habitar a polis ideal. Sendo assim, podemos argumentar no sentido de que existe umaintegração entre as perspectivas realista e idealista em Aristóteles. Essa articulação metodológica éusada na investigação (ou classificação) das formas de governo.O pensador descreve e idealiza omelhor governo e, por conseguinte, hipotetiza os melhores cidadãos.

A crítica ao bem platônico acontece no fato da polis de Platão não ter espaço para o indivíduo,ou seja a relação entre familiares é suprimida. Para Aristóteles, a felicidade da comunidade dependeda felicidade de seus membros. Sob este princípio, ele contesta Sócrates quando escreve:

“(...) Embora prive os guardiães de felicidade, ele (Sócrates), diz que o dever dolegislador é fazer feliz a cidade inteira, mas o todo não pode ser feliz a não ser que a

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maioria de suas partes, ou todas, ou pelo menos algumas delas, gozem de felicidade,porquanto felicidade não é uma coisa semelhante ao princípio da paridade dosnúmeros (esta só pode existir no todo, e não em qualquer de suas partes, mas com afelicidade isto é impossível) seja como for, se os guardiães não são felizes, que outraclasse poderia sê-lo? Certamente os artífices e a massa dos cidadãos comuns não oseriam. A cidade sobre a qual Sócrates fala apresenta todas estas dificuldades e outrasnão menores”.

Por fim, o discurso indivíduo-pólis é o mesmo que interliga a Ética a Nicômaco e a Política.Em outras palavras, é uma argumentação oposta à socrática no Banquete e na República.Deveras,podemos dizer que é uma “nova” metafísica do bem. O bem, depois de Aristóteles, jamais será vistocomo transcendente sem levar em conta as contestações aristotélicas.

CONCLUSÃO

Este assunto percorreu o caminho da antítese intelectual, constituída pelas teorias do bemtranscendente e a do bem prático. Por um lado, numa perspectiva hipotético-platônica, está o ápiceda metafísica (o Bem) e da teodicéia (o Bem Supremo); e do outro, na redução empírico-aristotélica, o realismo (o Bem e o Ser) e o materialismo (Prática do Bem).

Os argumentos platônicos acerca das críticas aristotélicas têm seus pontos relevantes. Platãodemonstra que a ciência (episteme) deve ter uma base imutável e real; aspecto do qual Aristótelesnão discorda. Platão conclui também de algum modo que esse mundo material é “estável” e, porisso, tem lugar para a ciência. Assim, ele procura dar realidade ao conceito de “bem supremo”.

Sob a óptica platônica, compreender o relativismo do “bem” não nos traria nenhum saber.Além do mais, o nosso conhecimento ético e/ou político ficaria dentro das escuridões da “caverna”,pois no relativo não se encontrará o absoluto, ou seja, a idéia perfeita do Supremo Bem.

O Estagirita, por sua vez, tem suas razões. Porque, segundo ele, em nada adiantaria saber queo bem é em si, ou transcendente, ou real e imutável, se nós não o atingirmos. Deste modo, eledescreve o “bem” intrínseco à ação do homem.

O Bem Supremo não é para ser contemplado e nem vislumbrado, defende categoricamenteAristóteles. Platão, diferentemente, valoriza a contemplação, porque tal atitude traz ao homem o“real/saber”. O racional/real ou ideal/real está em si como a “luz” está para “sol”.

Notamos, em síntese, que há uma profunda diferença entre os dois autores. Entretanto,esperamos maiores aprofundamentos, visto que a problemática conceitual acerca do bem, dilata,ainda nos tempos atuais, o espeço discursivo filosófico. Até porque não é exagerado dizer quevivemos sob princípios éticos derivados das teorias acerca do Bem Supremo.

BIBLIOGRAFIA:

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