O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio?cambial já estava praticamente...

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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Opinião - Seção: Tendências / Debates - Assunto: Economia - Página: A3 - Publicação: 19/10/19 URL Original: O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? SIM Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável Gustavo Franco Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”. Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberalLula -Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam. O economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central - Danilo Verpa - 18.abr.18/Folhapress Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos. O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois,

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Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Opinião - Seção: Tendências / Debates -Assunto: Economia - Página: A3 - Publicação: 19/10/19URL Original:

O Brasil deve avançar na liberalização do mercado decâmbio?O Brasil deve avançar na liberalização do mercado decâmbio? SIMIdeias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estávelGustavo FrancoTudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente denegócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aosmercados financeiro e de capitais”.Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalizaçãocambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quandofoi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

O economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central - Danilo Verpa - 18.abr.18/FolhapressLogo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião osdirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde quehaja identificação)”. Tempos heroicos.O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, atelevisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois,

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então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavamdispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentaçãocambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudoque for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação játramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomesdurante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era areforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direçãoimensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e arazão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meuprojeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eraminexistentes.O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com osubstitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitospreconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta daintrodução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, meparece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir comcompras free shop, outro assunto velho).Gustavo FrancoEx-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela UniversidadeHarvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

O Brasil deve avançar na liberalização do mercado decâmbio? NÃOUm passo ambicioso para as condições da economia brasileiraPaulo Nogueira Batista JúniorO projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com oestágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais,aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas comobjetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar essesobjetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, queconduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

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O economista Paulo Nogueira Batista Jr. - Reprodução - 07.mar.19/Programa Voz AtivaAs propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrõesinternacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de políticaque convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as queconvêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são asque disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao seaventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidadeeconômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamenteproblemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma. A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contasexternas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. Odéficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia serecuperar. As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2,agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadasàs de outros países emergentes.Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, PauloGuedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, opresidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver aconversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas emmoedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, quedesembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo. O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moedaestrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida comcautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por umgrupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.Paulo Nogueira Batista Júnior

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Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)