O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

13
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG INSTITUTO DE LETRAS E ARTES LITERATURA DO RIO GRANDE DO SUL Prof. Mauro Nicola Póvoas O cancioneiro do Rio Grande do Sul A literatura oral do Rio Grande do Sul é formada por poemas de feição simples, tanto na forma como no conteúdo. Vários foram os autores que coletaram essas trovas de descante: Apolinário Porto Alegre, Carlos von Koseritz, Cezimbra Jacques, Graciano A. de Azambuja, Alfredo Ferreira Rodrigues, João Simões Lopes Neto, Múcio Teixeira, Pedro Luís Osório, Walter Spalding, Contreiras Rodrigues e Augusto Meyer, entre outros. As temáticas são variadas, com assuntos que vão do universal (o amor, por exemplo) ao regional (os hábitos e os costumes do homem gaúcho). Formalmente, a maioria dos poemas constitui-se de quadras, com versos heptassílabos, com o 2º e o 4º versos rimando. Abaixo, transcrevem-se, no todo ou em parte, algumas composições, todas obviamente anônimas. No primeiro grupo, a temática é a Grande Revolução de 1835; no segundo eixo, predomina o cunho gauchesco. A REVOLUÇÃO FARROUPILHA Retirados de: PORTO ALEGRE, Apolinário. Cancioneiro da Revolução de 1835. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1981. A Bento Gonçalves da Silva Bento Gonçalves da Silva Da liberdade é o guia. 1

Transcript of O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

Page 1: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURGINSTITUTO DE LETRAS E ARTES

LITERATURA DO RIO GRANDE DO SULProf. Mauro Nicola Póvoas

O cancioneiro do Rio Grande do Sul

A literatura oral do Rio Grande do Sul é formada por poemas de feição

simples, tanto na forma como no conteúdo. Vários foram os autores que

coletaram essas trovas de descante: Apolinário Porto Alegre, Carlos von

Koseritz, Cezimbra Jacques, Graciano A. de Azambuja, Alfredo Ferreira

Rodrigues, João Simões Lopes Neto, Múcio Teixeira, Pedro Luís Osório,

Walter Spalding, Contreiras Rodrigues e Augusto Meyer, entre outros.

As temáticas são variadas, com assuntos que vão do universal (o

amor, por exemplo) ao regional (os hábitos e os costumes do homem

gaúcho). Formalmente, a maioria dos poemas constitui-se de quadras, com

versos heptassílabos, com o 2º e o 4º versos rimando. Abaixo, transcrevem-

se, no todo ou em parte, algumas composições, todas obviamente

anônimas. No primeiro grupo, a temática é a Grande Revolução de 1835; no

segundo eixo, predomina o cunho gauchesco.

A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Retirados de: PORTO ALEGRE, Apolinário. Cancioneiro da Revolução

de 1835. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1981.

A Bento Gonçalves da Silva

Bento Gonçalves da Silva

Da liberdade é o guia.

É herói, porque detesta

A infame tirania.

O general Bento Gonçalves

Que de nada se temeu,

Ainda estando numa ilha

Corajoso combateu.

1

Page 2: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

O herói Bento Gonçalves

Tem na sua convivência

Um Neto com senhoria,

Um Lima com excelência.

Bento Gonçalves primeiro,

General Neto segundo,

Fazem frente aos galegos

Em qualquer parte do mundo.

A Antônio de Sousa Neto

O Neto mais o Crescêncio

Ainda hão de ter a glória

De vencer esses tiranos

E ganhar-lhes a vitória.

O Neto mandou botar

As espadas nos fiéis,

Porque a corja de cativos

É imóvel, são painéis.

Hei de mandar escrever

Por montanhas e deserto,

Em letras d’ouro este nome:

Antônio de Sousa Neto.

Senhor Neto não emigra,

Nem tão pouco roubo faz,

Há de mostrar à canalha

O poder dos liberais.

O Neto não deixa o povo,

Nem cuida dos parelheiros,

Porque tem pr’a seu andar

Um Tavares, um Medeiros.

2

Page 3: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

Senhor Neto não precisa

De cuidar de parelheiros,

Já lá tem Silva Tavares,

Faltando só o Medeiros.

Senhor Neto não precisa

De cavalo parelheiro,

Que tem para seu andar

Bento Manuel Ribeiro.

O Neto gritou na frente,

O Lima na retaguarda:

Essa corja de cativos

Para os livres não são nada.

As farroupilhas

Esta que aqui vos fala

É constante liberal,

Oprimida, perseguida

Pela corja galegal.

Mais vale uma farroupilha

Que tenha uma saia só,

Do que duas mil camelas

Envoltas em ouro em pó.

Ao dia vinte de Setembro

Dia vinte de Setembro,

Dia grato e soberano,

Será de eterna memória

A todo o republicano.

3

Page 4: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

Salve, dia venturoso!

Ao teu aparecimento

Os livres todos mostraram

Geral contentamento.

O herói Bento Gonçalves

Que de nada se temeu,

Vindo o vinte de Setembro

Bateu palmas e venceu.

O GAÚCHO E OS SEUS HÁBITOS

Retirados de: MEYER, Augusto. Cancioneiro gaúcho: seleção de poesia

popular com notas e um suplemento musical. Porto Alegre: Globo, 1959.

Monarquia

1

Todos cantam, trovam versos

Com sua sabedoria;

Só eu me ponho a cantar

Pela lei da monarquia.

2

Quando começo a cantar,

Digo palavras tiranas,

Da árvore a que me encosto

Seca o tronco, murcha a rama.

3

Gosto da vida do campo,

Dessa eterna gauchada,

Na cidade eu morreria,

Comendo carne cansada.

4

Page 5: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

4

Quem é gaúcho de lei

E bom guasca de verdade,

Ama, acima de tudo,

O bom sol da liberdade.

5

Eu sou um quebra largado,

Por Deus e um patacão!

E se duvidam, perguntem

À moçada do rincão.

6

Nas altas cavalarias,

Eu, que sou guasca largado,

Tenho sempre à mão o relho

E o pingo rinchando ao lado.

7

Nos campos de minha terra,

Sou gaúcho sem patrão;

De a cavalo, bem armado,

Minha lei é o coração.

8

Sou valente como as armas,

Sou guapo como um leão;

Índio velho sem governo,

Minha lei é o coração.

9

Quando ato a cola do pingo

E ponho o chapéu do lado,

E boto o laço nos tentos,

Por Deus que sou respeitado!

5

Page 6: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

10

Ser monarca da coxilha

Foi sempre o meu galardão,

E quando alguém me duvida,

Descasco logo o facão.

11

Não tenho mancha nem medo,

Não temo inverno ou verão;

Meu culto é o das raparigas

E do mate-chimarrão.

12

Eu sou aquele que disse,

Depois de dizer, não nego:

Achando amor do meu gosto,

Morro seco e não me entrego.

13

Quando me ausento dos pagos,

Isto por curto intervalo,

Reconhecem minha volta

Pelo tranco do cavalo.

14

Ninguém me pise no poncho!

Pardo velho abarbarado,

Tenho chilenas da prata

E pala branco, bordado.

15

Desde guri eu já era

Um monarca abarbarado,

Ninguém me pisou no poncho

Que não ficasse pisado.

6

Page 7: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

16

Pardo forro sem governo,

Senhor das minhas ações,

Sei amar gratuitamente

E punir ingratidões.

17

Gosto da vida do campo,

Governo com honra e brio;

Com um par de bolas no cinto

Não tenho medo nem frio.

18

Sou livre como a seriema,

Não reconheço tirano;

Criei-me nas escaramuças,

Ao sopro do minuano.

Mate

1

Dizem que o mate afoga

As mágoas do coração;

Mate sobre mate tomo,

As mágoas boiando vão.

2

Eu venho de lá de longe,

Noite velha adiantada;

Dá-me um mate-chimarrão,

Minha boa misturada.

7

Page 8: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

3

Senhora dona da casa,

Eu sou muito pedinchão:

Mande me dar de beber,

Mas que seja um chimarrão.

4

Senhora dona da casa,

Dê-me um mate-chimarrão

Com quatro pedras de açúcar,

E queijo e bastante pão.

5

Do meu canto eu estou vendo

Quantos mates vais chupando;

Quando me chegar a cuia.

Os pauzinhos ‘stão nadando.

6

Eu não quero tomar mate,

Quando os ricos ‘stão tomando;

Quando chega a vez dos pobres,

Os pauzinhos ‘stão nadando...

7

Quem quiser que eu cante bem

Dê-me um mate de congonha,

Para limpar este peito,

Que está cheio de vergonha.

Cavalo e mulher (trecho)

1

Estou velho, tive bom-gosto,

Morro quando Deus quiser;

Duas penas levo comigo:

Cavalo bom e mulher.

8

Page 9: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

2

Cavalo bom e mulher

Foi pelo que fui perdido:

Cavalo bom sempre tive,

Co’a mulher fui mui unido.

3

Cuidavas que me deixando

Eu por ti deitava dó;

Muito fraco é o carreirista

Que tem um cavalo só.

Quero-mana

1

Tão bela flor, digo agora,

Tão bela flor, quero-mana,

Que passarinho é aquele

Que está na flor da banana?

Co o biquinho, dá-le, dá-le

Co as asinhas, quero-mana.

2

Tão bela flor, quero-mana,

As barras do dia aí vêm,

Os galos já estão cantando,

Os passarinhos também.

3

Os galos já estão cantando

E os passarinhos também,

Vai recém-amanhecendo

E aquela ingrata não vem.

9

Page 10: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

4

Ah! galo, se tu soubesses

Quanto custa um bem-querer,

Nunca, nunca tu cantavas

Às horas do amanhecer!

5

Tão bela flor, digo agora,

Tão bela flor, quero-mana,

Quando eu ando neste fado,

A própria sombra me engana.

6

Adeus, quero-mana ingrata,

Que inda te pretendo ver

Abrasada de saudade

E sem ninguém te valer...

O anu

1

O anu é pássaro preto,

Passarinho do verão;

Quando canta à meia-noite,

Ó que dor no coração!

2

E se tu, anu, soubesses

Quanto custa um bem-querer

Ó pássaro, não cantarias

Às horas do amanhecer.

10

Page 11: O Cancioneiro Do Rio Grande Do Sul

3

O anu é pássaro preto,

Pássaro do bico rombudo;

Foi praga que Deus deixou

Todo negro ser beiçudo.

Prenda minha

1

Vou-me embora, tenho pressa,

Prenda minha,

Tenho muito que fazer,

Tenho que parar rodeio,

Prenda minha,

No peito do bem-querer.

2

Noite escura, muito escura,

Prenda minha,

Toda a noite me atentou;

Quando foi de madrugada,

Prenda minha,

Foi-se embora e me deixou.

11