O caos na dinâmica do sistema capitalista

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1 O CAOS NA DINÂMICA DO SISTEMA CAPITALISTA Fernando Alcoforado* 1. Esboço de sistema de governança racional e democrática de um país Pode-se afirmar que todo país é possuidor de 5 grandes sistemas: 1) científico e tecnológico; 2) econômico; 3) social; 4) ambiental; e, 5) político e moral. Na atualidade, o padrão desejado de desempenho de um país é medido pelo que se realiza apenas no campo da economia utilizando-se como referencial de progresso o tamanho e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) desconhecendo os demais sistemas. Trata- se de um enorme equívoco porque o desempenho desejado de cada um dos 5 sistemas acima descritos deveria levar em conta os 5 padrões descritos a seguir: O padrão de desempenho científico e tecnológico desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) o aumento da produtividade da economia que é medida pela relação entre PIB global e PIB setorial e recursos utilizados nos processos produtivos (matérias primas, insumos e mão de obra); 2) a redução dos custos de produção agrícola, industrial e serviços; 3) o aumento nos investimentos em P&D; 4) a inovação de novos produtos e processos que é medida por seu avanço em relação produtos e processos anteriormente utilizados; 5) o aumento da durabilidade dos produtos/ serviços; 6) o aumento da segurança física dos produtos/serviços proporcionada às pessoas e usuários; e, 7) a queda nos níveis de dependência tecnológica do país em relação ao exterior. Estes indicadores permitiriam avaliar se o desempenho do sistema científico e tecnológico está contribuindo para o aumento da riqueza e do bem-estar da população. O padrão de desempenho econômico desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) o aumento da taxa de crescimento do PIB; 2) a redução na taxa de inflação; 3) a redução na relação Dívida Pública/ PIB; 4) o aumento nos saldos na Balança Comercial e no Balanço de Pagamentos; 5) a queda na carga tributária; 6) a queda nos níveis de dependência econômica do país em relação ao exterior; 7) aumento nos investimentos na infraestrutura de energia, transportes e comunicações; e, 8) aumento no Indicador Genuino de Progresso (GPI - Genuine Progress Indicator), que leva em conta os parâmetros bem-estar e meio ambiente utilizando a mesma metodologia de cálculo do PIB, mas, diferentemente deste, acresce ao cálculo itens como trabalho doméstico e voluntário e subtrai os custos decorrentes de fatores como criminalidade, poluição, degradação ambiental e comprometimento dos recursos e sistemas naturais (Ver o GPI no website <http://www.compendiosustentabilidade.com.br/compendiodeindicadores/indicadores/d efault.asp?paginaID=26&conteudoID=324 >). Estes indicadores permitiriam avaliar se o sistema econômico está contribuindo para o aumento de sua riqueza, a queda no seu endividamento público, a redução dos níveis de inflação, a geração de superávites na balança comercial e no balanço de pagamentos, a queda na carga tributária, a conquista da independência ou a redução da dependência econômica do país em relação ao exterior e para a realização de um genuíno progresso econômico. O padrão de desempenho social desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) a conquista do pleno emprego ou a redução na taxa de desemprego; 2) a elevação da distribuição de renda medida pelo índice de Gini; 3) a redução dos índices de criminalidade na sociedade; 4) aumento nos níveis de atendimento dos serviços de educação, saúde, habitação e transporte da população; 5) aumento nos investimentos na infraestrutura de educação, saúde, habitação e saneamento básico; 6) o aumento no

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O CAOS NA DINÂMICA DO SISTEMA CAPITALISTA

Fernando Alcoforado*

1. Esboço de sistema de governança racional e democrática de um país

Pode-se afirmar que todo país é possuidor de 5 grandes sistemas: 1) científico e tecnológico; 2) econômico; 3) social; 4) ambiental; e, 5) político e moral. Na atualidade, o padrão desejado de desempenho de um país é medido pelo que se realiza apenas no campo da economia utilizando-se como referencial de progresso o tamanho e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) desconhecendo os demais sistemas. Trata-se de um enorme equívoco porque o desempenho desejado de cada um dos 5 sistemas acima descritos deveria levar em conta os 5 padrões descritos a seguir:

O padrão de desempenho científico e tecnológico desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) o aumento da produtividade da economia que é medida pela relação entre PIB global e PIB setorial e recursos utilizados nos processos produtivos (matérias primas, insumos e mão de obra); 2) a redução dos custos de produção agrícola, industrial e serviços; 3) o aumento nos investimentos em P&D; 4) a inovação de novos produtos e processos que é medida por seu avanço em relação produtos e processos anteriormente utilizados; 5) o aumento da durabilidade dos produtos/ serviços; 6) o aumento da segurança física dos produtos/serviços proporcionada às pessoas e usuários; e, 7) a queda nos níveis de dependência tecnológica do país em relação ao exterior. Estes indicadores permitiriam avaliar se o desempenho do sistema científico e tecnológico está contribuindo para o aumento da riqueza e do bem-estar da população.

O padrão de desempenho econômico desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) o aumento da taxa de crescimento do PIB; 2) a redução na taxa de inflação; 3) a redução na relação Dívida Pública/ PIB; 4) o aumento nos saldos na Balança Comercial e no Balanço de Pagamentos; 5) a queda na carga tributária; 6) a queda nos níveis de dependência econômica do país em relação ao exterior; 7) aumento nos investimentos na infraestrutura de energia, transportes e comunicações; e, 8) aumento no Indicador Genuino de Progresso (GPI - Genuine Progress Indicator), que leva em conta os parâmetros bem-estar e meio ambiente utilizando a mesma metodologia de cálculo do PIB, mas, diferentemente deste, acresce ao cálculo itens como trabalho doméstico e voluntário e subtrai os custos decorrentes de fatores como criminalidade, poluição, degradação ambiental e comprometimento dos recursos e sistemas naturais (Ver o GPI no website <http://www.compendiosustentabilidade.com.br/compendiodeindicadores/indicadores/default.asp?paginaID=26&conteudoID=324>). Estes indicadores permitiriam avaliar se o sistema econômico está contribuindo para o aumento de sua riqueza, a queda no seu endividamento público, a redução dos níveis de inflação, a geração de superávites na balança comercial e no balanço de pagamentos, a queda na carga tributária, a conquista da independência ou a redução da dependência econômica do país em relação ao exterior e para a realização de um genuíno progresso econômico.

O padrão de desempenho social desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) a conquista do pleno emprego ou a redução na taxa de desemprego; 2) a elevação da distribuição de renda medida pelo índice de Gini; 3) a redução dos índices de criminalidade na sociedade; 4) aumento nos níveis de atendimento dos serviços de educação, saúde, habitação e transporte da população; 5) aumento nos investimentos na infraestrutura de educação, saúde, habitação e saneamento básico; 6) o aumento no

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IDH- Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela Organização das Nações Unidas, que leva em conta o PIB per capita, a longevidade das pessoas e sua educação (avaliada pelo índice de analfabetismo e pelas taxas de matrícula nos vários níveis de ensino); e, 7) o aumento da Felicidade Interna Bruta -FIB (Gross National Happiness-GNH), que analisa as 73 variáveis que mais contribuem para a meta de atingir o bem-estar e a satisfação com a vida (Ver o GNH no website <http://www.grossnationalhappiness.com/>). Estes indicadores permitiriam avaliar se o sistema social está contribuindo para a conquista do pleno emprego ou a redução dos níveis de desemprego, o aumento da renda da população, a queda nos indicadores de criminalidade, o aumento da prestação de serviços de educação, saúde, habitação e transporte da população e o aumento do desenvolvimento humano e do seu bem estar.

O padrão de desempenho ambiental desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) a eliminação ou redução da emissão de gases do efeito estufa; 2) o aumento dos serviços de saneamento básico prestados à população; 3) a eliminação ou redução dos níveis de desflorestamento e de queimada de florestas; 4) a redução no consumo de combustíveis fósseis; 5) o aumento da participação de energia renovável na matriz energética; 6) a eliminação ou redução da poluição da terra, do ar, do oceano e da água; 7) o aumento da eficiência energética ou economia de energia na agropecuária, na indústria e nos meios de transporte em geral; e, 8) o aumento da reciclagem de materiais. Estes indicadores permitiriam avaliar se o sistema ambiental está contribuindo para a defesa do meio ambiente local e global em benefício de sua população e do seu bem estar.

O padrão de desempenho político e moral desejado a considerar deveria ser o seguinte: 1) o aumento da solidariedade entre os habitantes do país; 2) o incremento na prática da justiça social pelos órgãos do governo e pela Sociedade Civil; 3) o aumento da distribuição da renda e da riqueza junto à população; 4) o aumento das medidas de preservação e cuidados com a natureza; 5) o incremento das políticas de desenvolvimento integral da educação de acordo com os mais elevados valores humanos; 6) os avanços na realização da vontade coletiva dos cidadãos; 7) o aprimoramento das instituições políticas; 8) o sucesso no combate à corrupção medido por sua redução; 9) o aumento do exercício da cidadania com a efetiva participação dos cidadãos nas decisões de governo e na luta pela ampliação de seus direitos; e, 10) o aumento da contribuição das organizações públicas e privadas ao desenvolvimento político, econômico, social e ambiental do país. Estes indicadores permitiriam avaliar se o sistema político e moral está contribuindo para que os habitantes sejam solidários entre si, a justiça econômica e social seja praticada, a educação contribua para formar verdadeiros cidadãos, a participação da Sociedade Civil nas decisões de governo e a corrupção seja erradicada no país.

A realização do padrão desejado de desempenho para cada um dos 5 sistemas (científico e tecnológico, econômico, social, ambiental e político e moral) de um país requer a existência de uma estrutura de planejamento e controle a eles associados que possibilite fazer com que os resultados de suas atividades correspondam ao padrão de desempenho desejado para o país. Competiria a essa estrutura de planejamento e controle: 1) determinar o nível de recursos necessários à consecução do padrão desejado de desempenho de cada sistema em termos de matérias primas, insumos, mão de obra, recursos financeiros, etc.; 2) exercer o controle dos processos de trabalho relativos a cada sistema para identificar os desvios entre sua execução e o padrão desejado de desempenho e, caso necessário, decidir sobre as correções a serem realizadas nos processos de e/ou na entrada dos recursos necessários à operação do sistema; e, 3)

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exercer o controle do desempenho dos resultados obtidos na saída de cada sistema para identificar os desvios entre sua execução e o padrão desejado de desempenho e, caso necessário, decidir sobre as correções a serem realizadas nos processos de trabalho de cada sistema e/ou na entrada dos recursos necessários à operação de cada sistema.

A Figura 1 apresenta como os sistemas científico e tecnológico, econômico, social, ambiental e político e moral devem operar em bases racionais para alcançar seus objetivos ou um padrão desejado de desempenho.

Figura 1- A organização como um sistema aberto em um meio ambiente

Percebe-se, pelo exposto, que a finalidade da estrutura de planejamento e controle seria a de evitar ou minimizar a ocorrência de desvios entre o que foi planejado (padrão de desempenho do sistema) e o que foi realizado (produto final da execução do sistema). Este seria o “modus operandi” da estrutura de planejamento e controle capaz de racionalizar a operação e assegurar a governabilidade dos sistemas científico e tecnológico, econômico, social, ambiental e político e moral de um país. No entanto, para ser democrático, seria preciso, entretanto, que a governança desses sistemas contasse com a efetiva participação da população e de organismos da Sociedade Civil na formulação dos objetivos (padrão de desempenho) a serem perseguidos, bem como na formulação de políticas ou regras de decisão que buscam corrigir os desvios entre o que foi planejado e realizado.

2. O planejamento em sistemas de economia de mercado e de economia estatal planificada

2.1- O planejamento em sistemas de economia de mercado

A economia de mercado é o sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Todos os agentes econômicos agem por conta própria. Este sistema é guiado pelo mercado que orienta as atividades dos agentes econômicos por caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades dos investidores. O Estado utiliza o seu poder coercitivo exclusivamente com o propósito de evitar que as pessoas empreendam ações lesivas à preservação e ao funcionamento

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regular da economia de mercado. Assim, o Estado cria e preserva o ambiente onde a economia de mercado pode funcionar em segurança. O slogan marxista que caracteriza o sistema capitalista como anárquico retrata corretamente essa estrutura social.

Analisando a economia capitalista mundial, Fernand Braudel afirmou em The Wheels of Commerce (Nova York: Harper & Row, 1982) ser ela constituída por uma camada superior de uma estrutura em três patamares: a camada inferior, a mais ampla, de uma economia extremamente elementar e basicamente autossuficiente, que denominou de vida material, a camada da não economia, o solo onde o capitalismo crava suas raízes, mas na qual nunca consegue penetrar. Acima dessa camada, vem o campo da economia de mercado, com suas muitas comunicações horizontais entre os diferentes mercados em que há uma coordenação automática que liga a oferta, a demanda e os preços. Depois dessa camada e acima dela, vem a zona do antimercado onde circulam os grandes predadores e vigora a lei das selvas. Esse — hoje como no passado, antes e depois da revolução industrial — é o verdadeiro lar do capitalismo (Figura 2). O que se denomina usualmente por economia de mercado incorporaria, considerando o enfoque de Braudel, também o antimercado que é o composto pelos grandes monopólios empresariais que exercem a dominação dos mercados nacionais e mundiais.

Figura 2 – Estrutura do capitalismo em camadas segundo Fernand Braudel

Fonte: Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003

Na economia de mercado, a maior parte da produção econômica (de bens e de serviços) é resultante da decisão tomada por empresas privadas controladas por cidadãos particulares na indústria, no comercio, na infraestrutura e na prestação de serviços. Na economia de mercado, o Estado interfere na atividade econômica basicamente para regulamentar e, em alguns países, prestar serviços em setores como energia, segurança, educação, saúde, entre outros. O planejamento estatal da economia é meramente indicativo. O padrão desejado de desempenho de uma nação é medido na economia de mercado, basicamente, pelo que realiza no campo da economia utilizando-se como referenciais de progresso o tamanho e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e a taxa de inflação. A ausência de uma efetiva estrutura de planejamento e controle estatal em uma economia de mercado faz com que se torne muito grande a ocorrência de desvios entre o padrão desejado de desempenho e os resultados alcançados pelo sistema econômico. Isto explica porque o sistema capitalista mundial está sempre sujeito a crises de caráter local e global, como as que ocorreram em 1870, 1929 e 2008.

2.2- O planejamento em sistemas de economia estatal planificada

ANTIMERCADO

ECONOMIA DE MERCADO

VIDA MATERIAL

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A economia estatal planificada é um modelo econômico que contempla o controle do Estado sobre a economia. A economia é planificada quando o Estado interfere nos assuntos comerciais de um país, decidindo assuntos como produção e planificação dessa produção. Esse modelo ficou conhecido após sua aplicação durante mais de 70 anos na extinta União Soviética. Na economia estatal planificada, a maioria das empresas que atuam na economia é estatal, ou seja, pertence ao Estado. Ao contrário do que acontece na economia de mercado onde os detentores do capital ditam as leis do comércio, na economia estatal planificada compete ao governo tomar as decisões sobre produção e distribuição.

Na economia estatal planificada, a produção econômica é dirigida pelo Estado. As fabricas, o comercio e os serviços são controlados por empresas estatais. Os trabalhadores são funcionários do Estado. Somente o Estado detém a propriedade dos meios de produção. Nesse sistema, a produção econômica do país é planejada por um órgão central do Estado, visando atender às necessidades sociais que esse órgão centralizador planejou. Não existem empresas privadas disputando, no mercado, a venda de seus produtos.

Na economia estatal planificada, o governo elabora planos que, na União Soviética, eram chamados de “planos quinquenais” tendo a função de promover o crescimento econômico através da ampliação do setor produtivo. Com a planificação da economia, o governo buscava elevar os níveis de produção e, ao mesmo tempo, assegurar o pleno emprego com distribuição de renda para a população. Atualmente, apenas China, Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Mianmar adotam a planificação da economia. O declínio desse modelo na atualidade está ligado ao fim da URSS.

Em todos os países socialistas que adotaram a economia estatal planificada, observou-se a formação de uma classe ou elite dominante, atrelada ao Estado, que detinha maiores privilégios sociais. Esta situação associada ao fato de a população desses países ter sido marginalizada das decisões dos governos ditatoriais, bem como ao insucesso no planejamento de suas economias, levaram ao fim da União Soviética e do sistema socialista do Leste Europeu. Com suas economias em declínio, para evitar o mesmo destino da União Soviética e do sistema socialista do Leste Europeu, China e Cuba abriram suas economias ao capital internacional, especialmente a China. Apesar da abertura desses países ao capital internacional, seus sistemas econômicos continuam sendo planejados em que o Estado atua como regulador da atividade econômica privada e estatal.

Pode-se concluir, pelo exposto, que uma das principais diferenças entre economia de mercado e economia planificada se resume ao nível de regulação de como a atividade econômica e produtiva é realizada por parte do Estado. Se o Estado toma uma posição intervencionista ela diz respeito a uma economia planificada, enquanto o Estado que só controla e coleta impostos resultante da atividade econômica, estaria se referindo a uma economia de mercado. Outra grande diferença reside no fato de nas economias de mercado não ser possível alcançar racionalidade na operação do sistema econômico de um país porque o Estado não exerce com efetividade o planejamento e controle da economia, enquanto nas economias planificadas esta racionalidade pode ser realizada seja na formulação dos objetivos (padrão de desempenho) seja na correção dos desvios entre o que foi planejado e o que foi realizado graças à ação do Estado. No entanto, apesar

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disso, as economias estatais planificadas, socialistas, pecaram porque não proporcionaram a participação da Sociedade Civil nas decisões de governo.

2.3- O planejamento em uma economia mista capitalista estatal e privada

A economia de mercado, ou capitalismo, como é comumente chamada, e a economia socialista são mutuamente excludentes porque, na primeira, os capitalistas são detentores dos meios de produção e, na segunda, os meios de produção pertencem ao Estado. Não há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas. Não há algo que se possa chamar de economia mista, um sistema que seria parcialmente socialista e parcialmente capitalista. A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é pelo Estado. Se, numa sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, alguns desses meios são possuídos e operados por um ente público, ou seja, pelo governo ou uma de suas agências, isto não significa existir um sistema misto que combine socialismo e capitalismo. Se, numa sociedade baseada majoritariamente na propriedade estatal dos meios de produção, ou seja, pelo governo ou uma de suas agências, alguns desses meios são possuídos e operados por entes privados, isto não significa, também, existir um sistema misto que combine socialismo e capitalismo.

O fato de o Estado possuir e operar algum tipo de instalação industrial não altera as características essenciais da economia de mercado. Essas empresas públicas estão sujeitas à soberania do mercado. Têm de se ajustar como compradoras de matérias-primas, equipamento e mão de obra, e como vendedoras de bens e serviços à dinâmica da economia de mercado. Estão sujeitas às leis do mercado e, portanto, dependem dos consumidores que lhes podem dar ou negar preferência. Precisam empenhar-se para obter lucros ou, pelo menos, para evitar prejuízos. O governo pode cobrir o déficit de suas empresas recorrendo a fundos públicos. Mas isto também não elimina nem diminui a supremacia do mercado. Portanto, é o mercado que determina o funcionamento dessas empresas públicas. Nada que seja de alguma forma, relacionado com o funcionamento do mercado pode ser chamado de socialismo. Isto significa dizer que a China, por exemplo, deixou de ser país socialista e não é um país de economia mista porque o que lá prevalece é o capitalismo de Estado.

É evidente que em uma economia mista capitalista predominantemente estatal ou predominantemente privada, a racionalidade na operação do sistema econômico de um país só será alcançada na formulação dos objetivos (padrão de desempenho) e na correção dos desvios entre o que foi planejado e o que foi realizado se o Estado atuar na governança do sistema como regulador da atividade econômica e como mediador entre os detentores do capital e a Sociedade Civil assegurando a esta participação nas decisões de governo.

3. Como administrar o caos na dinâmica do sistema capitalista

O capitalismo é um sistema complexo, dinâmico, adaptativo e não linear porque possui elementos ou agentes em grande número que interagem entre si formando uma ou mais estruturas que se originam das interações entre tais agentes. Os sistemas complexos são sistemas que se caracterizam por serem dinâmicos que tem como características fundamentais sua sensível dependência das condições iniciais pelo qual, mínimas diferenças no início de um processo qualquer, podem levar a situações completamente opostas ao longo do tempo.

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A opinião de Ervin Laszlo, Ph.D. pela Sorbonne e presidente do Clube de Budapeste, apresentada no livro O Ponto do Caos (São Paulo: Editora Cultrix, 2006), é a de que “um sistema dinâmico, quer ocorra na natureza, na sociedade ou em uma simulação de computador, é governado por atratores. Estes definem ‘o retrato de fase’ do sistema: a maneira como ele se comporta ao longo do tempo. Atratores estáveis puxam a trajetória do desenvolvimento do sistema para dentro de um padrão recorrente e reconhecível, levando-o a convergir em um dado ponto (se o sistema for governado por atratores pontuais) ou a descrever ciclos através de diferentes estados (quando ele está sob o comando de atratores periódicos). No entanto, sistemas dinâmicos também podem alcançar um estado em que os atratores que emergem não são estáveis, mas ‘estranhos’. São os atratores caóticos”.

Cabe observar que um atrator é o conjunto de pontos no espaço de fase para o qual um sistema tende a ir à medida que evolui. O atrator pode ser um único ponto, uma curva fechada (ciclo limite) que descreve um sistema de comportamento periódico, ou um fractal (também chamado de atrator estranho), quando o sistema apresenta caos. Em sistemas caóticos o movimento nunca se repete, apesar de muitas vezes ter que ocorrer dentro de certos limites. Assim, somente uma figura infinitamente complexa - um fractal - pode dar conta de representar esta trajetória que nunca se repete no espaço de fase. Mudança e Tempo são os dois aspectos fundamentais do Caos.

O Caos se refere principalmente a algo que evolui ao longo do tempo. A Teoria do Caos explica o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos. Nesses sistemas, inúmeros elementos estão em interação de forma imprevisível e aleatória. Este é o caso da economia de mercado capitalista porque não existe uma governança eficaz do sistema econômico. Cabe observar que Ilya Prigogine, comentando em “As leis do Caos” sobre pontos de bifurcação em reações químicas, afirma que “elas demonstram que até mesmo em nível macroscópico a nossa predição do futuro mistura determinismo e probabilidade. No ponto de bifurcação, a predição tem caráter probabilístico, ao passo que entre os pontos de bifurcação, podemos falar de leis deterministas” (PRIGOGINE, I. As leis do caos. São Paulo: Editora da UNESP, 2002).

É de Ervin Laszlo a tese de que “os sistemas entram em um estado de caos quando flutuações que eram, até então, corrigidas por realimentações negativas autoestabilizadoras ficam fora de controle. A trajetória de desenvolvimento torna-se não linear: tendências predominantes colapsam e em seu lugar surgem vários desenvolvimentos complexos. Raramente o caos é uma condição prolongada; na maior parte dos casos, é apenas uma época transitória entre estados mais estáveis. Quando as flutuações no sistema atingem níveis de irreversibilidade, o sistema atinge um ponto crítico em que ele colapsa em seus componentes individuais estáveis (colapso) ou passa por uma evolução rápida em direção a um estado resistente às flutuações que o desestabilizaram (avanço revolucionário). Se esse caminho do avanço revolucionário é selecionado, o sistema evolui para um estado no qual ele tem uma capacidade de processamento de informação intensificada e maior eficiência no uso da energia livre, bem como mais flexibilidade, maior complexidade estrutural e níveis de organização adicionais”.

A Figura 4, a seguir, mostra o que acontece com um sistema dinâmico como o sistema econômico de um país quando está sujeito a “flutuações” que o leva a um ponto de bifurcação a partir do qual o sistema alcança uma nova estabilidade dinâmica (avanço revolucionário) ou entra em colapso. A Figura 4 mostra que no ponto bifurcação o

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sistema tem que ser reestruturado ou entrará em colapso. Esta é a situação vivida pela economia de muitos países, inclusive a do Brasil, que, após a crise que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e se espraiou pelo planeta, não houve uma reestruturação dos sistemas econômicos nacionais e mundial.

Figura 4- Sistemas dinâmicos

Fonte: Ervin Laszlo. O Ponto do Caos. São Paulo: Editora Cultrix, 200.

Quando está sujeito a “flutuações”, um sistema dinâmico como o sistema econômico de um país o leva a um ponto de bifurcação a partir do qual o sistema alcança uma nova estabilidade dinâmica (avanço revolucionário) ou entra em colapso. No ponto bifurcação, o sistema tem que ser reestruturado ou entrará em colapso. Esta é a situação vivida pela economia de muitos países, inclusive a do Brasil, que, após a crise que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e se espraiou pelo planeta, não houve uma reestruturação dos sistemas econômicos nacionais e mundial.

O caminho do avanço revolucionário, que levaria à superação da crise econômica mundial eclodida em 2008 e não foi resolvida até hoje, requereria a reestruturação do sistema econômico mundial transformando-o em um sistema complexo aberto, auto-organizável e sensível ao feedback que, contribuindo para a troca de insumo ou energia com o ambiente, o tornaria suscetível às mudanças resultantes de feedback, adaptando-se ao novo ambiente e aprendendo por meio de sua experiência.

Ao invés do avanço revolucionário que levaria à superação da crise econômica global, o cenário de colapso da economia mundial foi prognosticado pelo grande pensador e economista francês, Jacques Attali que prevê a ocorrência de quatro etapas para o desdobramento da crise econômica que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e que se espraiou pelo mundo: 1) As dívidas públicas se tornam mais pesadas; 2) A falência do Euro e a depressão mundial; 3) Falência do Dólar e retorno da inflação mundial; e, 4) Depressão e ruína da Ásia (ATTALI, J. Tous ruinés dans dix ans?- Dette publique: La dernière chance. Librairie Arthème Fayard, 2010). No momento atual, a economia

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mundial se defronta com a etapa 1 em que as dívidas públicas se avolumaram em todo o mundo.

Segundo Jacques Attali, o sistema financeiro internacional já não funciona mais. O modelo neoliberal que regeu o mundo nos últimos 40 anos morreu e haverá depressão que durará muitos anos. Diante da existência do caos que domina a economia mundial, é chegada a hora de cada país e a humanidade se dotarem o mais urgentemente possível de instrumentos necessários a terem o controle de seu destino. Para ter o controle de seu destino a humanidade precisa exercer a governabilidade de seus sistemas econômicos e da economia mundial. Este é o único meio de sobrevivência da espécie humana.

*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.