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83 RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 21, p. 83-108, nov. 2003 Marcello Baquero Este artigo examina a relação entre democracia, cultura política e capital social no Brasil. O tema é abordado de maneira compreensiva, pois acredita-se que esses conceitos interagem permanentemente. No caso brasileiro é possível, entretanto, identificar alguns fatores que historicamente têm incidido na configuração de um tipo de cultura política, de caráter híbrido, que mistura posturas favoráveis à democracia e predisposições negativas em relação às instituições políticas. Esse mal-estar, argumenta-se, não é conjuntural nem temporário, mas de caráter estrutural e danoso para o fortalecimento democrático. Em tal cenário o desenvolvimento do capital social, aumentaria, prática e teoricamente, o poder dos cidadãos permitindo-lhes maior inserção e participação na arena política. São utilizados como fonte dados de pesquisas qualitativas e quantitativas coletados no Rio Grande do Sul no período de 1974 a 2000. Os resultados do estudo sugerem uma ausência de capacidade cooperativa entre os brasileiros, o que poderia explicar os déficits de participação política e a conseqüente instabilidade democrática. PALAVRAS-CHAVE: cultura política; democracia; capital social; participação política. Recebido em 28 de março de 2003. Aceito em 17 de julho de 2003. CONSTRUINDO UMA OUTRA SOCIEDADE: O CAPITAL SOCIAL NA ESTRUTURAÇÃO DE UMA CULTURA POLÍTICA PARTICIPATIVA NO BRASIL I. INTRODUÇÃO Os esforços empreendidos no Brasil para for- talecer sua democracia, desde o início do processo de redemocratização, têm convergido para a de- fesa de maior participação da cidadania nos pro- cessos de decisão política e na fiscalização dos gestores públicos. Tais esforços têm visado reverter o crescente processo de desintegração social, resultado, entre outros fatores, da diminui- ção do Estado como fruto da adoção de uma pers- pectiva neoliberal que desestruturou a sociedade sem gerar uma contrapartida criativa que possi- bilitasse articular um espaço comum sob novas regras. Segundo Lechner (1990), o que está claro na América Latina – e que se considera aplicável também ao Brasil – é o fracasso da tentativa de instituir a coordenação social baseada na racionali- dade do mercado, conquanto esta não se sustenta por si só nem sustenta uma ordem e uma orientação comunitária que favoreçam a integração social. Tal situação estimulou a realização de estudos e pesquisas de caráter multidisciplinar que passa- ram a refletir sobre a importância de redescobrir e recuperar o Estado e a sociedade, valorizando, sobretudo, a participação cidadã. Como sugere Sen (1998, p. 597), “a relevância intrínseca dos direitos civis e políticos [acrescenta-se: os direitos huma- nos, também] garantidos pela democracia, autoriza a defender sua vigência sem que seja necessário demonstrar se essa forma de democracia fomenta ou não o crescimento econômico. Esse posiciona- mento não deixa de ser uma novidade se consi- derando que por muito tempo a teoria democrática liberal vigente recomendou sacrificar alguns direi- tos políticos e civis, por os considerar como obstá- culos para o desenvolvimento”. Assim, o reconhecimento e valorização de fa- tores “subjetivos” na democracia têm levado atores sociais e políticos a um consenso, cada vez maior, sobre a necessidade de evitar a fragmentação da sociedade e, em decorrência, evitar o questiona- mento da validade do sistema democrático. Os desafios imediatos relacionados a essa problemática dizem respeito a como estimular e motivar os cida- dãos a participar politicamente em um contexto de fragmentação e crescente desigualdade social? Como criar e/ou reconstituir um ambiente estimu- lante para a participação política? Tais desafios são gigantescos, pois o Estado, ao longo de sua história, tem perdido a credibilidade em convocar seus cidadãos para enfrentar essa tarefa. Tornou- se imperativo, portanto, refletir sobre mecanismos que proporcionem o retorno do cidadão à esfera política.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 21: 83-108 NOV. 2003

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 21, p. 83-108, nov. 2003

Marcello Baquero

Este artigo examina a relação entre democracia, cultura política e capital social no Brasil. O tema éabordado de maneira compreensiva, pois acredita-se que esses conceitos interagem permanentemente. Nocaso brasileiro é possível, entretanto, identificar alguns fatores que historicamente têm incidido naconfiguração de um tipo de cultura política, de caráter híbrido, que mistura posturas favoráveis à democraciae predisposições negativas em relação às instituições políticas. Esse mal-estar, argumenta-se, não éconjuntural nem temporário, mas de caráter estrutural e danoso para o fortalecimento democrático. Em talcenário o desenvolvimento do capital social, aumentaria, prática e teoricamente, o poder dos cidadãospermitindo-lhes maior inserção e participação na arena política. São utilizados como fonte dados depesquisas qualitativas e quantitativas coletados no Rio Grande do Sul no período de 1974 a 2000. Osresultados do estudo sugerem uma ausência de capacidade cooperativa entre os brasileiros, o que poderiaexplicar os déficits de participação política e a conseqüente instabilidade democrática.

PALAVRAS-CHAVE: cultura política; democracia; capital social; participação política.

Recebido em 28 de março de 2003.Aceito em 17 de julho de 2003.

CONSTRUINDO UMA OUTRA SOCIEDADE:O CAPITAL SOCIAL NA ESTRUTURAÇÃO

DE UMA CULTURA POLÍTICA PARTICIPATIVA NO BRASIL

I. INTRODUÇÃO

Os esforços empreendidos no Brasil para for-talecer sua democracia, desde o início do processode redemocratização, têm convergido para a de-fesa de maior participação da cidadania nos pro-cessos de decisão política e na fiscalização dosgestores públicos. Tais esforços têm visadoreverter o crescente processo de desintegraçãosocial, resultado, entre outros fatores, da diminui-ção do Estado como fruto da adoção de uma pers-pectiva neoliberal que desestruturou a sociedadesem gerar uma contrapartida criativa que possi-bilitasse articular um espaço comum sob novasregras. Segundo Lechner (1990), o que está clarona América Latina – e que se considera aplicáveltambém ao Brasil – é o fracasso da tentativa deinstituir a coordenação social baseada na racionali-dade do mercado, conquanto esta não se sustentapor si só nem sustenta uma ordem e uma orientaçãocomunitária que favoreçam a integração social.

Tal situação estimulou a realização de estudose pesquisas de caráter multidisciplinar que passa-ram a refletir sobre a importância de redescobrire recuperar o Estado e a sociedade, valorizando,sobretudo, a participação cidadã. Como sugere Sen(1998, p. 597), “a relevância intrínseca dos direitoscivis e políticos [acrescenta-se: os direitos huma-

nos, também] garantidos pela democracia, autorizaa defender sua vigência sem que seja necessáriodemonstrar se essa forma de democracia fomentaou não o crescimento econômico. Esse posiciona-mento não deixa de ser uma novidade se consi-derando que por muito tempo a teoria democráticaliberal vigente recomendou sacrificar alguns direi-tos políticos e civis, por os considerar como obstá-culos para o desenvolvimento”.

Assim, o reconhecimento e valorização de fa-tores “subjetivos” na democracia têm levado atoressociais e políticos a um consenso, cada vez maior,sobre a necessidade de evitar a fragmentação dasociedade e, em decorrência, evitar o questiona-mento da validade do sistema democrático. Osdesafios imediatos relacionados a essa problemáticadizem respeito a como estimular e motivar os cida-dãos a participar politicamente em um contextode fragmentação e crescente desigualdade social?Como criar e/ou reconstituir um ambiente estimu-lante para a participação política? Tais desafiossão gigantescos, pois o Estado, ao longo de suahistória, tem perdido a credibilidade em convocarseus cidadãos para enfrentar essa tarefa. Tornou-se imperativo, portanto, refletir sobre mecanismosque proporcionem o retorno do cidadão à esferapolítica.

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A despeito disso, deve-se salientar que se temmodificado, substancialmente, o pensamentoortodoxo sobre a participação cidadã, que a limitavaa ações convencionais. Atualmente, verifica-seuma reorientação teórico-prática significativa nopaís, que reabilita, não só na retórica, mas tambémna prática, a noção de sociedade em que as pes-soas deveriam ter mais poder e ingerência na fisca-lização dos gestores públicos. Em tal cenário, quaissão as ramificações dessa reorientação tanto nadimensão dos gestores públicos como na dimensãoda sociedade civil? A tensão da relação entre Esta-do e sociedade que caracteriza o Brasil está ate-nuando-se por esse movimento? É possível afirmarque há um revigoramento do papel do cidadão naesfera pública? Existe capital social? E, se existe,contribui para melhorar a qualidade da democracia?

Na tentativa de responder a essas indagaçõestem-se verificado uma produção substancial deestudos e pesquisas dedicada à temática de revalo-rização da participação política dos cidadãos. Noentanto, parece que, apesar do reconhecimentodo papel do indivíduo no processo político, poucosesforços têm sido empreendidos para materializaresse papel na realidade cotidiana. Constatam-selacunas e deficiências na compreensão sobre quaismecanismos funcionam (ou não) na dinâmica decapacitar os cidadãos para uma maior e maisqualificada participação na política. Uma dessaslacunas refere-se ao papel do capital social e suainfluência (ou sua ausência) na estruturação deuma sociedade mais democrática que precisa serexaminado. Dessa forma, este artigo busca com-preender como se dá o processo de desenvolvi-mento de interesses políticos em um contextocaracterizado pela desigualdade social e crescentepobreza e analisa as possibilidades de constituircapital social como fator de empowerment dossetores excluídos. Isso deve ser entendido comoum instrumento complementar e não como subs-tituto de mecanismos convencionais de ingerênciapolítica, capaz de agregar os cidadãos na buscade objetivos comuns e não em um sentido de isola-mento corporativo. Trata-se, portanto, de sugerircaminhos que proporcionem a visibilidade e reso-lução das demandas desses setores públicos quehistoricamente estiveram à margem da preocupa-ção dos governantes, junto com aqueles gruposque gozam de privilégios, em virtude de suacapacidade associativa e corporativa. Essencial-mente, pretende-se responder à seguinte pergunta:é possível dar poder (“to empower”) aos cidadãos

individualmente, aumentando sua capacidade co-laborativa em contextos caracterizados por práticaspolíticas tradicionais, por padrões de desigualdadesocial e em ambiente de desconfiança generalizada?E, se afirmativo, esse processo contribui para amelhoria da qualidade da democracia no país? Pararesponder a essas perguntas utilizam-se dados depesquisas qualitativas e quantitativas realizadas noRio Grande do Sul1.

II. O CIDADÃO NA POLÍTICA

Pensar em mecanismos que proporcionem u-ma democracia social mais justa implica trazer aspessoas para a esfera pública. Tal transição depen-de, fundamentalmente, da capacidade do Estadoe de suas instituições de aceitar e valorizar essaparticipação. Uma democracia social sem políticosou cidadãos democráticos está fadada ao fracasso.

Nessa linha de análise, para alguns autores(KRISHNA, 2002, p. 437), a mera existência deinstituições democráticas criadas de cima parabaixo não é suficiente para garantir a estabilidadepolítica, e, menos ainda, a justiça social. A menosque os cidadãos tenham fé nessas instituições eenvolvam-se em atividades de auto-governança, ademocracia enquanto conceito e enquanto práticapode tornar-se algo destituído de significado, usadopara legitimar práticas autoritárias e de corrupçãoinstitucionalizada, pois a cidadania social não sefaz presente. Segundo Iazzetta (2000, p. 40), “sila ausencia de ciudadanía social nos conmueve,

1 Apesar da existência de bancos de dados sobre a culturapolítica na América Latina (Latinobarómetro, World ValuesSurvey, Encuesta Panamericana, Cesop), ainda se verificamproblemas de continuidade e de padronização de perguntas.As questões formuladas nem sempre correspondem àsdefinições que alguns autores dão aos mesmos conceitos.Assim, prender-se a esses dados poderia limitar algumasreflexões teóricas que vão além dessas dimensões, quandose incorporam indicadores pontuais de atitudes ecomportamentos. Como nosso objetivo é de naturezacompreensiva, optou-se por utilizar várias fontes regionaispara tentar responder às questões formuladas neste artigo.Acredita-se que as inferências que se fazem a partir dessesdados encontram respaldo na teoria e, fundamentalmente,na história de grande parte dos países da região latino-americana. Pesquisas qualitativas e quantitativas levadas acabo em cidades do Rio Grande do Sul, tanto comadolescentes quanto com eleitores adultos, são utilizadaspara apreender como se dá o processo de constituição denormas, valores e crenças a respeito da dimensão política,bem como se esses elementos contribuem (ou não) para aconstituição de capital social.

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no es solo porque ofende a la dignidad humanasino porque socava las posibilidades de aquellosde actuar autónomamente en su relación con otrosciudadanos y con el Estado e, continua, el ver-dadero desafío reside por consiguiente en construiruna sociedad más justa y hacerlo democrá-ticamente”.

Historicamente, a ausência de uma maiorparticipação das pessoas no Brasil tem mostradoque a democracia de procedimentos não temconseguido legitimar-se por seus próprios valores,pois, presentemente, o grau de contestação é altoe a participação das pessoas em atividadesconvencionais (pertencer a partidos, participar decomícios, discutir política, entre outros) é redu-zida. O dilema enfrentado pelo país é de que osrecursos econômicos para satisfazer as demandasmateriais básicas são insuficientes, levando a umprocesso acelerado de desagregação da vida social.A história recente tem mostrado que sociedadesnessas condições dificilmente promovem o estabe-lecimento de culturas políticas participativas – aocontrário, caracterizam-se pela ineficiência, cor-rupção ou regimes despóticos.

Dessa forma, a crise da democracia formal –seu sistema histórico-social acumula contradiçõesque não se podem resolver por meio de ajustesdentro dos padrões institucionais vigentes – podeser identificada como resultado de quatro fatores(HIRST, 2002, p. 412-414): a) um declínio daparticipação política com evidência de uma cres-cente alienação da política e insatisfação com ospolíticos; b) a perda da capacidade de governança,por parte dos estados, em virtude tanto do pro-cesso de globalização quanto da mudança da esferapública para o mercado. Particularmente, as políti-cas neoliberais têm estimulado a instalação de umamoldura legal que favorece e garante a livre circu-lação de bens e capitais que possibilitaram, comsucesso, a retirada crescente do Estado das áreassociais com a privatização dos serviços públicos,beneficiando as empresas transnacionais. A formacomo tem aparecido a contradição entre a racionali-dade do mercado e a racionalidade local tem sidoem termos do crescente desemprego, de umaexclusão social maciça, da expansão da pobreza,da supressão de garantias públicas para a terceiraidade e para a juventude, da redução de gastosnas áreas sociais, da desmobilização social e nadescrença em projetos emancipatórios. Nesse con-texto de crise, o grande desafio é como resgatar adignidade humana (MARGULIS, 1996, p. 8).

Geralmente os efeitos da globalização tem sido e éutilizada por governantes para implementarpolíticas públicas, consideradas inevitáveis, masque resultam no agravamento do quadro social;c) as bases sociais da participação democrática eo pluralismo político em culturas caracterizadaspor associações fortes estão ameaçadas por seuperceptível declínio, como também da participaçãonão política (social). Os cidadãos começam arelacionar-se com o mundo muito mais via meiosde comunicação eletrônicos, passando mais tempoisolados uns dos outros e em um consumo privado.Em países como o Brasil, essa fase convive para-lelamente com uma crescente exclusão social; d)é fato que a amplitude tanto da democracia formalquanto das associações voluntárias é mais umacaracterística das sociedades avançadas, por seremelas sociedades organizacionais. Tal cenário afastaa sociedade civil como ente de controle e fiscaliza-ção tanto das instituições estatais quanto das orga-nizações privadas. Dessa forma, os cidadãos per-dem poder tanto como empregados quanto comoconsumidores. Assim, a democracia organizacionalnão promove valores democráticos de consultasobre os interesses das pessoas afetadas por suasdecisões. Outrossim, este tipo de democracia en-coraja o controle hierárquico, gerando, a passivida-de por parte dos controlados. Embora essas condi-ções não sejam propícias à solidez democrática,esses países têm conseguido manter uma certaestabilidade política longitudinal, em virtude daspolíticas públicas que incidem positivamente naqualidade de vida dos seus cidadãos. O problemasurge quando esses elementos aparecem em socie-dades como a brasileira, em que a dimensão mate-rial essencial (saúde, moradia, emprego) está longede ser resolvida.

No caso do Brasil, constata-se uma contradiçãoentre um avanço tecnológico acelerado simulta-neamente com o agravamento do quadro social, oque tem levado a que quanto mais aumente a ex-clusão social e o contingente de excluídos, menoré a capacidade do Estado em responder às deman-das desses grupos. O resultado tem sido o de queas pessoas têm começado a inventar e encontrarmecanismos informais de transmitir suas deman-das sociais e, cada vez mais, tentam resolver essasreivindicações sem a ingerência do Estado. Consta-ta-se, assim, o desenvolvimento crescente de no-vas formas de mobilização cultural e formasalternativas de construção de identidades e partici-pação coletivas no contexto da precariedade do

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Estado, necessárias para a sobrevivência dos ex-cluídos, em condições de carência, privação e desi-gualdade2.

As perspectivas para o futuro nessas circuns-tâncias não são promissoras, se examinado o lega-do histórico que privilegiava caminhos e soluçõesmeramente técnicos. Por exemplo, nas décadasde 1980 e 1990 a nação brasileira enfrentou gravís-simos problemas sociais e econômicos que influen-ciaram decisivamente a produção acadêmica, queaté então privilegiava soluções técnicas e institu-cionais, colocando o cidadão apenas como espec-tador ou em um papel não-protagônico. A criseeconômica e o crescimento da pobreza e da exclu-são social catalisaram o interesse, por parte dacomunidade acadêmica e de organismos nacionaise internacionais, pelas redes sociais como elemen-tos geradores de soluções. Institucionalizou-se uminteresse sobre o tipo de capital social que seriarelevante para as camadas tradicionalmente excluí-das das políticas sociais e passou-se a reconhecere aceitar a idéia de que a democracia requer, pelomenos, um nível mínimo de capital social, ou seja,normas e formas de associação que possibilitariamo surgimento de confiança dos cidadãos nas autori-dades constituídas e nas instituições vigentes.

Essas reflexões levaram ao questionamento damodernização do capitalismo, pois seu pressupostode que somente a tecnologia pode trazer vantagenspara o desenvolvimento social mostrou-se falso.Prova disso é que a maior parte do mundo temseguido esse modelo e o problema social não temsido resolvido. As tentativas de explicar o fracassodas instituições políticas como geradoras únicase eficientes de legitimidade vão desde os teóricosda modernização, que atribuem o atraso políticoaos baixos níveis de alfabetização, urbanização edesenvolvimento industrial, até, em uma outraperspectiva, os teóricos do desenvolvimento, taiscomo Huntington (1975), que considerava ainstabilidade política como resultado de umaparticipação crescente e descontrolada, em virtudeda capacidade limitada de respostas por parte doEstado, bem como de um desenvolvimento insti-tucional inadequado. Por sua vez, os teóricos dadependência argumentavam que a estruturaeconômica internacional e nacional produzia entre

os países da América Latina e os outros paísesdesenvolvidos forças inimigas ao desenvolvimentodemocrático. Por sua vez, a perspectiva de culturapolítica tentava explicar como o legado culturalibérico gerou valores deletérios para o ama-durecimento democrático.

Nesta última perspectiva, atribuiu-se uma rele-vância especial à coesão da família e da comunida-de como elemento tangível na possibilidade de umdesenvolvimento econômico eficiente, em áreasem que o Estado tem fracassado. Para alguns auto-res (HIRST, 2002, p. 409), esses elementos propi-ciaram o surgimento da chamada democracia as-sociativa; esse tipo de democracia – ao contrárioda doutrina econômica liberal, que tenta limitar asfunções do Estado e privilegia o mercado comoregulador das relações sociais – busca a expansãoda governança democrática e da sociedade civil.A ênfase que se coloca no associativismo procuraresponder à crise da eficiência declinante da demo-cracia por procedimentos e o crescente desconten-tamento dos cidadãos com um Estado centraliza-dor e padronizado nas suas ações; ao mesmotempo, propicia elementos de fiscalização para oscidadãos (accountability). Busca-se, por esse ca-minho, democratizar o Estado e a sociedade aomesmo tempo em que os fortalece.

É importante ressaltar que as dificuldades dasabordagens alternativas em fortalecerem-seresulta, também, da tenacidade com que o mundoacadêmico aderiu às linhas estabelecidas de análise,negligenciando, nesse processo, o exame do novoou não-antecipado. Um desses fenômenos dizrespeito a formas alternativas de participação emobilização política à margem das instituiçõesconvencionais e socialmente aceitas. No entanto,a bibliografia até recentemente teimou em negarseu significado ou têm-nas colocado em segundoplano em relação às análises de engenharia insti-tucional. A conseqüência tem sido a prevalênciade um conhecimento reativo que parece estarsempre começando do zero. Parece que estamossempre reagindo às teorizações que vêm de fora,ao invés de refletir, de maneira autóctone, utilizandoo diálogo com o conhecimento estabelecido comocontra-argumento à construção de explicaçõesteóricas alternativas.

III. A REINVENÇÃO DA CIDADANIA

A materialização do cidadão no processopolítico tem sido constatado particularmente nocontexto do fortalecimento de entidades locais,

2 Esse fenômeno é conhecido como “resiliência”, isto é, acapacidade de as pessoas adaptarem-se positivamente àsociedade, em condições adversas (MELILLO & OJEDA,2001).

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organizações não-governamentais (ONGs), asso-ciações de moradores e organizações voluntárias,entre outras. No campo do reativamento do poderlocal, por exemplo, várias experiências têm mos-trado que a guinada para o seu revigoramento tempossibilitado uma ingerência maior dos cidadãosna política (FACHIN & CHARLAT, 1998). De fato,tem-se argumentado que as políticas para odesenvolvimento local são mais eficientes quandoformuladas e implementadas por uma cooperaçãopróxima entre os atores públicos e privados(COUTO, 1995; SOARES, 1996; COOKE &MORGAN, 1998; MOURA, 1998; SOARES &PONTES, 1998; PEREIRA, 1999).

Uma das razões desse movimento da reativaçãodo local pode ser atribuído ao desencanto das pes-soas com os programas sociais do governo, prin-cipalmente em relação à pobreza, ao desempregoe à decadência comunitária. A conseqüência temsido a busca das organizações engendradas infor-malmente na sociedade, por parte dos cidadãos,como alternativas preferenciais na resolução dosproblemas, evidenciando o distanciamento docidadão das instituições políticas convencionaisda democracia formal como seus interlocutoresefetivos.

As organizações alternativas às tradicionais(partidos) são vistas crescentemente como sendomais flexíveis e efetivas do que os programaspatrocinados pelo Estado. Também são considera-das mais capazes de estruturar suas atividades àsnecessidades e circunstâncias comunitárias.Assim, em virtude das deficiências da democraciarepresentativa, um número crescente de pessoasparece depositar fé na ação da sociedade civil noprocesso de regeneração política. A esse respeitoSmuloviz e Peruzzotti (2000), propõem o conceitode “accountability societal” como complementarao de “accountability horizontal” que ocorredentro do Estado, como mecanismo que possibilitao controle e a fiscalização dos gestores públicos,por meio de recursos não institucionais e cuja efe-tividade está baseada em sanções simbólicas.

Esse movimento é relativamente recente, poiso enfoque predominante na Ciência Política era, eé, institucionalista e de procedimentos ou a cha-mada democracia minimalista. Por muito tempo,tornou-se consensual que regimes democráticossão mais bem definidos em termos de procedi-mentos e não em termos de substância. Emble-mático desse posicionamento é o estudo de Ros-

tow (1970) sobre transições democráticas, em queafirmava peremptoriamente que “há um reconhe-cimento geral de que a democracia é essencial-mente um assunto de procedimento e não de subs-tância” (idem, p. 421). Na mesma linha de análiseDiamond (1996, p. 3) afirma que “felizmente, amaioria das definições sobre democracia atualmen-te (em contraste com as das décadas de 1960 e1970) convergem para definir a democracia comoum sistema de autoridade política, separada dequalquer elemento econômico e social”. Essasperspectivas sobre democracia têm sido questiona-das, particularmente no que diz respeito à AméricaLatina, onde, por exemplo, segundo Camp (2001,p. 9), “o que mais distingue a versão latino-ame-ricana de democracia daquela dos Estados Unidosé a ênfase na igualdade econômica e social e noprogresso”.

Parte significativa da produção contemporâneasobre democracia na América Latina rejeita afir-mações de caráter minimalista por as considerarpouco úteis na reflexão dos dilemas desses países,bem como por terem sido derrubadas pelos fatoscontemporâneos. A história encarregou-se demostrar as limitações desses argumentos, pois asdemocracias, nessa região, continuam a evidenciarsérios problemas sociais, portanto de substância,o que obrigou uma reavaliação das referidasperspectivas teóricas, redirecionando a discussãono sentido de resgatar o cidadão para a esfera polí-tica. Atualmente está claro que as pessoas que nãotêm poder (empowerment) submetem-se facilmentea discursos populistas ou simplesmente caem emuma passividade permanente. Tais elementos sãodanosos para a democracia. Esse fenômeno não émonopólio dos países em desenvolvimento, mastambém começa a ser observado nas economiascentrais. Por exemplo, para alguns autores (KARL,BANDUCCI & BOWLER, 2003), o declínio doengajamento cívico na União Européia é umsintoma do descontentamento da população e umacrise de legitimidade.

Tal situação tem-se estendido de maneiranegativa para os países da América Latina, ondese verifica o precário grau de legitimidade que osgovernos latino-americanos têm experimentadonos últimos anos e que se tem materializado emações que não respeitam os direitos humanos detodos os cidadãos, bem como em uma crescenteindiferença dos governantes pelos problemas dospaíses. Esse processo, que para alguns autorescaracteriza a desinstitucionalização do Estado

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(GARAY, 2001), tem levado a uma perda da noçãodo bem comum e à prevalência de interessesparticulares, fragilizando, dessa maneira, a convi-vência cidadã e acarretando uma vulnerabilidadedo contrato social. Constata-se nesse cenário umaaculturação (formação prática de princípios efundamentos que regem comportamentos doscidadãos) de atitudes e comportamentos quedesvalorizam as práticas democráticas e levam auma erosão de princípios básicos de convivênciapacífica. Tal situação tem levado a que “la enraizadafragmentación del tejido social, la deslegitimacióndel Estado y la perdida de convivencia ciudadanase manifiestan no sólo en el deterioro de comporta-miento y conductas ciudadanas sino en las rela-ciones políticas, económicas, sociales y culturales,al hacerlas proclives a la configuración de lo quese puede denominar como un proceso de ‘acul-turación de la ilegalidad’ y en ciertos campos, hastauna ‘aculturación mafiosa’ a cargo de grupos po-derosos que van superditando y condicionandopaulatinamente actitudes e inclusive algunos valo-res de otros grupos y estratos de la sociedad. Loque, entre otras cosas, va afectando la misma cul-tura cívica o la civilidad en amplios sectores de lasociedad” (idem, p. 3).

Cabe ressaltar que tal comportamento é o resul-tado não de uma predisposição dos cidadãos emprivilegiar a informalidade, a apatia ou a alienação,mas da atual desordem política, econômica, sociale cultural que caracteriza a sociedade contem-porânea. O’Donnell (1994) tem chamado asdemocracias latino-americanas com essas carac-terísticas de “democracias delegativas”. Na“democracia representativa”, os governantes elei-tos representam os eleitores, enquanto na “demo-cracia delegativa” os governantes, uma vez eleitos,fazem prevalecer sua vontade particular em de-trimento da comunidade em um sentido amplo.Tais elementos também contribuem para o surgi-mento do que Parga (2001) denomina de processode corrupção da democracia, o qual não será resol-vido com mais leis, mais regras ou mais proce-dimentos democráticos formais. Nessa linha deanálise, Touraine (1997) argumenta que alguns ato-res e observadores consideram a volta de pro-cessos eleitorais livres como uma comprovaçãoda vitória da democracia. Segundo ele, essaconclusão não pode ser aceita como verdadeira.A decadência das idéias e dos movimentos revolu-cionários e contra-revolucionários pode significarum retrocesso da política desvinculada da maior

parte da sociedade, o que é positivo, porém nãoindica, de per se, a criação ou o fortalecimento dademocracia. Naturalmente esses argumentos nãoimplicam sugerir que instituições não sejam consi-deradas importantes ou colocá-las em segundo pla-no – tal posicionamento seria ingênuo. Trata-se,sim, de incorporar explicações alternativas aosdéficits democráticos observados no país, indoalém da engenharia institucional. A esse respeitoLechner (1994) defende que a menos que se desen-volva uma racionalidade normativa, vale dizer, umacultura política que valorize a democracia comovalor, junto a uma racionalidade técnico-instru-mental, o processo de modernização democráticasomente poderá assentar-se em bases autoritáriasde dominação. Deve-se reconhecer, entretanto, queo processo de reorientação teórica é lento e insatis-fatório. Os chamados modelos alternativos são ain-da frágeis e dependem de respaldo empírico.

A ênfase nas instituições foi necessário, e ine-vitável, em uma determinada época, particular-mente durante a redemocratização do país, poisuma das primeiras etapas era a reconstituição dasinstituições políticas. Tal tarefa era imperativa noestágio inicial da construção democrática; a insti-tucionalização dessas organizações, entretanto, nosanos posteriores, não implicou a resolução dosproblemas de estabilidade e fortalecimento demo-crático. A história mostra que, mesmo com insti-tuições políticas poliárquicas, o país não conseguiureverter seus padrões tradicionais de autoritarismoe práticas populistas. Tal comportamento redun-dou no distanciamento deliberado dos governantesem relação aos problemas mais urgentes, levandoao seu isolamento e à reincidência de práticas auto-ritárias no trato da coisa pública. Evidenciou, por-tanto, a impossibilidade desses governos em utilizaras instituições vigentes para realizar mediaçõesefetivas de relações sociais autônomas. Dessaforma, a democracia contemporânea no país tem-se tornado excessivamente padronizada, em queo respeito às instituições limita-se a uma funçãolegitimadora das autoridades políticas. SegundoValdés, “é necessário superar o mito que reduz ademocracia ao processo técnico, sem examinarseu verdadeiro conteúdo, que é o resultado dasoma de valores éticos e culturais historicamentedeterminados” (VALDÉS, 2002, p. 36). É por essarazão que se tornou imperativo buscar outrasexplicações e soluções para esses problemas.

A revalorização da política da sociedade civile, conseqüentemente, do papel atribuído ao

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cidadão como sujeito integrante das políticaspúblicas não se restringe à dimensão institucional-formal, segundo a qual os procedimentos poliár-quicos servem como fatores de empowerment daspessoas, principalmente por meio das eleiçõescomo principal fator de controle popular dosrepresentantes eleitos. A esse respeito Joslyn eLigler (2001) argumentam que, embora as eleiçõesofereçam aos cidadãos um mecanismo institucionalpara expressar seu ponto de vista pró ou contra ogoverno, implicitamente proporcionam os meiospara afirmar a crença na legitimidade do sistemapolítico vigente. A história recente do Brasil, entre-tanto, tem mostrado que esse procedimento poliár-quico, sem negar sua importância, não se temconstituído no fator de poder do cidadão. Pelocontrário, a despeito da existência de eleições,segundo dados de pesquisas eleitorais levadas acabo na América Latina nos últimos quinze anos(BAQUERO, 2001), os eleitores parecem maisdesconfiados e mais decepcionados com a política– a conseqüência parece ter sido a instituciona-lização de uma apatia generalizada em relação aosmeios convencionais da política (partidos, eleiçõese procedimentos formais, de maneira geral).

Em relação a isso, Young (2000, p. 4) afirmaque chegamos a um momento histórico paradoxal,em que quase todos parecem ser favoráveis àdemocracia, mas poucos acreditam que um gover-no democrático possa fazer alguma coisa. Os pro-cessos democráticos, em muitos casos, parecemparalisar o processo de tomada de decisões. Atual-mente é vista com ceticismo a noção de que comboas instituições e com boas intenções e predisposi-ções das pessoas para engajarem-se politicamentegarante-se a estabilidade democrática.

Ao mesmo tempo em que a perspectiva insti-tucional é questionada, várias e distintas formasalternativas de participação política, que não encon-tram explicações teóricas adequadas no conheci-mento estabelecido, têm surgido. Por exemplo, omovimento de Chiapas no México, o movimentoindígena no Equador, o Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra no Brasil, além das milha-res de iniciativas documentadas em relação a gru-pos da sociedade que se organizam espontanea-mente em prol de objetivos comuns (Revista doTerceiro Setor, 2003). A ausência de marcos expli-cativos sobre esses movimentos, possibilitaramdiscussões sobre o papel das associações volun-tárias e/ou informais como entidades geradorasde reflexões e práticas de inclusão cidadã. Assim,

as associações cívicas e voluntárias são crescen-temente vistas como sendo importantes no resgatedo cidadão para a esfera pública e na promoçãoda discussão política e das políticas do governo.De modo geral, essas organizações, por meio daestruturação e dedicação à margem de um apoioinstitucional, em muitos casos têm conseguidomobilizar os cidadãos marginalizados socialmentepara pressionar o Estado a responder às suasdemandas.

Nesse sentido, uma segunda dimensão de valo-rização do cidadão tem emergido recentemente,relacionando-se à possibilidade de empowermentdos cidadãos por meio do capital social, o qual serefere ao envolvimento dos indivíduos em ativi-dades coletivas que geram benefícios em um es-pectro mais amplo. Essa guinada para explicaçõesalternativas de empowerment e participação políticatêm gerado uma produção científica significativasobre a validade ou não do paradigma de capitalsocial no processo de fortalecimento da democra-cia contemporânea. Um corolário resultante é quequando há, de fato, um processo interativo paradecidir sobre assuntos comunitários, o lado “per-dedor” não questiona a legitimidade do resultado,pois a decisão passou por uma discussão pública,inclusiva e regular do ponto de vista de proce-dimentos. Uma das conseqüências desse debatetem sido a proliferação de estudos que tem orien-tado sua preocupação para avaliar a qualidade dademocracia nos países em desenvolvimento (BA-KER, 1999; BAQUERO, 2003).

Estudos iniciais cuja preocupação era encontrarmecanismos de ampliação da democracia em umsentido maximalista defendiam o processo dedescentralização, pois, por meio desse instru-mento, as relações entre o Estado, o mercado e asociedade civil seriam mais eficientes. SegundoGuallida e Perez (2002), a democracia fundamen-tada nos princípios da descentralização transcendea definição que particulariza a dimensão processualcaracterizada pela existência de eleições livres,liberdade de associação, accountability e o con-trole civil da instituição militar como é defendidopela abordagem institucionalista.

Outrossim, a democracia resultante de um pro-cesso de descentralização transcende a democraciarepresentativa, pois implica que o processo detomadas de decisões resulte da negociação estabe-lecida diretamente entre os vários atores sócio-políticos que influenciam a agenda política (GUA-

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DILLA & PEREZ, 2002, p. 90). Outrossim, umdos objetivos da descentralização é a eliminaçãode procedimentos clientelísticos na relação Estado-sociedade. O problema, entretanto, é o pressupos-to da descentralização que visualiza o cidadãocomum como um ator social com poder e capazde fazer prevalecer seu ponto de vista, em umcontexto de deliberação, o que está longe da reali-dade, pois, de maneira geral, a maior parte da po-pulação não vê nos mecanismos de deliberação,por não estar preparada, uma saída para seusproblemas.

Assim, ampliar a participação dos cidadãos napolítica tem a ver com a forma como eles desco-dificam e internalizam normas e valores em relaçãoà política, ou seja, o tipo de cultura política. Emuma avaliação retrospectiva sobre a importânciada cultura política na explicação dos fenômenospolíticos e sociais, constata-se que ela era vistacomo algo secundário, negligenciando uma discus-são mais aprofundada sobre seu papel na configu-ração de um sistema democrático e participativo.

IV. O RESSURGIMENTO DA CULTURA POLÍ-TICA

A retomada de estudos sobre cultura políticapode ser atribuída ao colapso do marxismo e aoressurgimento do nacionalismo, por um lado, e àsdeficiências explicativas das abordagensinstitucionais, por outro, estimulando o interessesobre como os regimes políticos legitimam-se ecomo os cidadãos posicionam-se frente a esseselementos. Nas últimas duas décadas tem-seinstitucionalizado o axioma de que os regimesdemocráticos dependem, para sua sobrevivência,do apoio dos cidadãos bem como de sua confiançanas instituições e nos governantes. Isso se aplica,sobretudo, aos regimes que estão no processo deamadurecer e estabilizar suas democracias.Embora não seja possível estabelecer o grau deapoio necessário para fortalecer a estabilidadepolítica, o consenso é de que, sem ele, os regimespolíticos serão ineficientes e com pouca cre-dibilidade, mesmo tendo sido eleitos pelo votopopular e funcionando dentro dos marcospoliárquicos da legalidade.

A premissa que vincula o apoio político àestabilidade democrática remonta aos clássicos,porém sua materialização empírica teve início comDavid Easton (1965), que diferenciou apoio espe-cifico (às instituições e aos governantes), que é oresultado de um quid pro quo pela satisfação do

atendimento às demandas da população, de apoiodifuso, que significa uma lealdade generalizada nãocontingenciada pelas recompensas de curto prazo.O importante a ressaltar é que essas duas dimen-sões estão organicamente ligadas e que a esta-bilidade democrática depende de ambas.

A importância atribuída à cultura política e àsociedade civil está presente em quase todos osclássicos da democracia (Tocqueville, Rousseau,Aristóteles, Platão) e nas mais recentes reflexõessobre a importância de trazer de volta o cidadãopara a esfera política (Habermas, Pateman,Mouffe, Giddens, Touraine). Do ponto de vistadessas perspectivas alternativas, a cultura é vistacomo dinâmica e não estática e que evolui cons-tantemente sob a influência de fatores externos einternos. Sua base, no entanto, constitui-se defatores duradouros que a tornam diferente de ou-tras culturas. Tal síntese materializa-se em crenças,predisposições, motivações e normas de fazer ascoisas de um povo. No entanto, junto com valorespositivos são construídos valores que influenciama forma como as pessoas fazem e vêem as coisasem um determinado contexto.

Assim, mesmo que conceitos como atraso,miséria, fome, clientelismo, personalismo, patrimo-nialismo não possam ser considerados comovalores culturais, eles são assimilados pela culturae naturalizados, gerando, no campo da política,uma cultura passiva, silenciosa e pouco partici-pativa. É o que se denomina de fatores histórico-estruturais (BAQUERO & PRA, 1995).

Esses fatores historicamente possibilitaram asubordinação política dos cidadãos a determinadoscandidatos em troca de favores do Estado que,em princípio e segundo o marco jurídico, deve-riam estar disponíveis para todos. Não é, entre-tanto, o que ocorre. Via de regra, o comum é queo político aproprie-se de recursos públicos (patri-monialismo) para conseguir a subordinação polí-tica, pois desse mecanismo depende sua reeleição– mas os que se subordinam obtêm, de maneiraprivilegiada, o que deveriam ser bens de acessopúblico. Dessa forma, o clientelismo funciona co-mo um espelho, pois ao particularismo dos políti-cos corresponde o particularismo dos eleitores.Em tal cenário o tipo de cultura política que surgepermite que o assistencialismo atue como ummecanismo poderoso de cooptação e controle doscidadãos. O paradoxal da situação é que essaprática funciona em virtude das deficiências e

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incapacidade do Estado em responder às deman-das da população.

Foram essas preocupações que fizeram queressurgisse o interesse sobre a cultura política –pois a constatação da crise da democracia repre-sentativa, com sua ênfase no mercado e na racio-nalidade dos atores como enfoque predominante,não consegue explicar o crescente descontenta-mento dos cidadãos com as instituições políticase sociais.

Tal situação estimulou na Ciência Política umredirecionamento para pesquisas de cultura políti-ca, que assumem posicionamento ontológico clarode que a cultura é fundamental na compreensãodos fenômenos políticos. Não se trata da defesade posicionamento monolítico sobre a supremaciada abordagem da cultura política vis-à-vis outrasperspectivas teóricas, mas de uma abordagemcompreensiva que incorpora as explicações institu-cionais. A esse respeito, Inglehart (1988, p. 1223)argumenta que está, cada vez mais, evidente a pre-cariedade dos modelos que ignoram os aspectosculturais.

O primeiro passo na direção de valorizar acultura política surgiu no trabalho de Almond eVerba (1965), em uma perspectiva comparativaempírica sobre a cultura política de cinco países.Apesar das criticas feitas a esse trabalho (estático,normativo, voluntarista) – muitas delas plenamentejustificáveis – uma contribuição importante e queprevalece ao longo do tempo diz respeito à impor-tância atribuída, pelos autores, a normas e valoresculturais como fundamentais na persistência dademocracia de massa. Na perspectiva da culturapolítica são as atitudes e as expectativas em relaçãoao sistema político que mantêm a comunidadenacional integrada. Os valores e atitudes são avalia-dos em termos de como agem no sentido da manu-tenção da comunidade em um sentido nacional.Nessa perspectiva, quando se observam polari-zações de atitudes a conseqüência é a desordem ea instabilidade. Visto dessa forma, a teoria dacultura política centra-se na problemática da esta-bilidade. Os autores da cultura cívica preocupam-se com o estabelecimento das condições sob asquais as democracias são estáveis e detêm umaautoridade legítima. Outrossim, do ponto de vistada teoria da cultura política, Estado e sociedadesão entidades separadas que são integradas pormeio de instituições intermediárias (formais e infor-mais) via processo de socialização política. As pes-

quisas de opinião são fundamentais para avaliarcomo os cidadãos internalizam crenças em relaçãoa essas instituições e deduz-se dessas crenças ograu de legitimidade do sistema político. No casodo Brasil, várias pesquisas têm sido levadas a cabonessa direção (LAMOUNIER & SOUZA, 1991;MOISÉS, 1995; BAQUERO, 2001). Tais pesquisasconstataram que o legado histórico tem uma in-fluência fundamental na compreensão das razõesque levaram ao surgimento e manutenção de umacultura política fragmentada e silenciosa no Brasil.Como conseqüência, estabeleceu-se a importânciade reconhecer as singularidades de sua cultura comvistas a buscar respostas eficientes aos seus pro-blemas.

Segundo a teoria da cultura política, a con-fiança interpessoal e a confiança nas instituiçõespolíticas são pré-condições para a formação deassociações secundárias que, por sua vez, podemagir como promotoras da participação política e,conseqüentemente, no aperfeiçoamento da demo-cracia. Para o bom funcionamento das instituiçõespolíticas é imperativa a confiança dos cidadãosnelas. Se em um sentido causal não se pode espe-cificar o que antecede o quê, do ponto de vistamais compreensivo essa relação é inegável. O de-safio está em encontrar mecanismos que possi-bilitem uma integração entre esses conceitos demodo a conferir poder aos cidadãos para uma inge-rência maior na política. A esse respeito Prze-worski (1999) tem argumentado que os defensoresdo capitalismo concluem equivocadamente que amaneira ótima de gerar resultados econômicosseria reduzir a função econômica do governo,quando o que é necessário é garantir que a condutado governo seja submetida a uma fiscalizaçãoatenta por parte dos cidadãos. Em síntese, a eco-nomia melhora quando melhora a qualidade da de-mocracia, garantindo aos cidadãos que possamexigir do governo responsabilidades pela conduçãoeconômica e social do país.

A capacidade de fiscalização, entretanto, passapor um processo de capacitação (educação polí-tica) das pessoas para não só se interessarem nosassuntos de natureza política, como também, fun-damentalmente, participarem dessa arena. Alcançaresse objetivo, entretanto, é tarefa gigantesca seavaliados os indicadores de escolaridade no país.Em pesquisa divulgada pela Organização das Na-ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul-tura (UNESCO) em julho de 2003 (ABRAMOVAY& CASTRO, 2003), constatou-se que cerca de

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50% dos alunos brasileiros na faixa dos 15 anos,estão abaixo ou no chamado nível 1 de alfabe-tização, marca estabelecida pela UNESCO queclassifica os alunos que conseguem apenas lidarcom tarefas muito básicas de leitura. Ao mesmotempo, em uma escala sobre níveis de compreen-são de leitura englobando 41 países, o Brasil estáquase no fim da fila: 37a posição – à frente (e nãomuito) na América Latina somente do Peru (Revis-ta do Terceiro Setor, 2003). O que está claro,atualmente, é que educação para a democracia nãoexiste. Como constituir cidadãos críticos e orienta-dos para uma participação política maior em talcenário? Esse parece um dos principais desafiosque os cientistas políticos têm que responder, poiso que se verifica na prática é uma situação de apatiae um senso de impotência para resolver as coisas.Esse tipo de comportamento parece um fenômenoglobal. Por exemplo, segundo alguns autores(PUTNAM & GOSS, 2002) existe atualmente umprocesso generalizado de “desengajamento cívico”.No caso brasileiro, tal erosão dos laços sociaismanifesta-se em uma cultura da lealdade que rara-mente vai além da família e do grupo de amigosmais próximos. O setor público é visto com des-confiança e a noção de bem comum é frágil. Maso que mais surpreende é a aparente indiferençadas pessoas em relação a essas práticas. O resul-tado concreto é a ausência de políticas de inclusãosocial e uma tendência a desestimular a partici-pação dos cidadãos.

Nesse cenário, deparamo-nos com um regimedemocrático convivendo com um Estado oligár-quico. O regime promove o respeito à Constituição,às leis, às instituições e aos procedimentos demo-cráticos. No entanto, é controlado por poderespatrimonialistas de grupos minoritários que agemem detrimento do bem coletivo, promovendo, des-sa forma, uma concentração maior de riquezas desetores privilegiados, acentuando a desigualdadee a exclusão social. Para tentar reverter esse pro-cesso, Putnam e Gross (idem), baseados emteorias desenvolvidas há mais de um século e, emnossa opinião, de aplicação universal, têmproposto que os graves problemas econômicos,políticos e sociais de um sistema político não po-dem ser resolvidos pela mera existência de insti-tuições, mas é necessário fortalecer as redes desolidariedade entre os cidadãos. Nessa mesma linhade pensamento, Young argumenta que “até assupostamente sociedades mais democráticas domundo na maior parte do tempo são democracias

‘plebiscitárias’: os candidatos posicionam-se vaga-mente sobre os assuntos políticos, os cidadãosapóiam-se uns aos outros e têm pouca relação como processo político, até a próxima eleição”(YOUNG, 2000, p. 5) e acrescenta que “o espíritoe a prática democráticos inspiram muitas organiza-ções voluntárias; movimentos compostos de taisgrupos algumas vezes influenciam as ações dogoverno e as ações de outras instituições podero-sas” (ibidem).

Segundo Putnam, o conceito que enfoca a im-portância da promoção e do fortalecimento da soli-dariedade – capital social – não é novo, pois temsido reinventado pelo menos seis vezes desde queapareceu nos trabalhos de Hanifan (1916). Emtempos recentes o conceito de capital social temsido utilizado de maneira multidisciplinar, levandoa um consenso de que a evidência gerada por essesestudos permite afirmar que as características dasociedade civil afetam a saúde da democracia, dascomunidades e das pessoas (PUTNAM & GOSS,2002).

Tal constatação difere das abordagens tradi-cionais cujo enfoque sobre a democracia geral-mente se davam mais no campo acadêmico, ne-gligenciando uma discussão mais aprofundadasobre como os cidadãos percebem a democraciae suas experiências em um regime desse tipo. Umaforma de estudar como as pessoas concebem esseconceito tem sido via pesquisas quantitativas quebuscam a confirmação (ou não) de hipóteses pré-elaboradas. No entanto, quando o conceito de de-mocracia é analisado qualitativamente, do pontode vista de como os cidadãos experimentam-na,geralmente as teorias estabelecidas e os conceitosmostram-se estreitos e incompletos.

Emblemático dessa situação são os estudosproduzidos por Powers (1999), na Argentina, ondeconstatou que o uso do paradigma poliárquico dedemocracia é insuficiente para captar a riquezaou a insuficiência desse conceito. Nesse sentido,a abordagem qualitativa parece a mais indicadapara tentar captar a noção de capital social. Pes-quisas que mostrem como as pessoas constróemo significado do mundo político tornam-se oportu-nas e relevantes. No Brasil, principalmente no RioGrande do Sul e Paraná, vários pesquisadores têmorientado suas preocupações para essa temática,pontualmente com adolescentes. Os dados apre-sentados na Tabela 1 mostram como, ao longodos anos, a juventude tem descodificado a política.

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TABELA 1 – AVALIAÇÕES NEGATIVAS DE CATEGORIAS POLÍTICAS (RIO GRANDEDO SUL)

FONTES: para 1994 e 2000: pesquisas sobre socialização política do Núcleo de Pesquisassobre América Latina (NUPESAL–UFRGS); para 2003: pesquisa sobre o universo político dajuventude no inicio do século XXI, em Caxias do Sul (LUCAS, 2003).

NOTAS: 1. A tabela refere-se às respostas à seguinte questão: “Gostaríamos que vocêcolocasse ao lado de cada palavra outra que seja, na sua opinião, parecida, próxima, dapalavra sugerida (dimensão negativa)”.

2. As respostas agrupadas na dimensão negativa foram: “corrupção”, “roubalheira”, “mentira”,“suja”, “ladra”, “poder”, “falsa”, “injusta”, “desonesta”, “briga”, “interesseira”, “ruim”,“enganadora”, “sem caráter”, “chata”, “confusão”, “péssima”, “podre” e “mal”.

3. Na variável “democracia”, as categorias são na dimensão positiva.

Os sintomas de um processo de desconsoli-dação democrática e, conseqüentemente, de crisede legitimidade do sistema político brasileirotornam-se evidentes em três áreas, a saber: a per-cepção negativa e hostil dos cidadãos em relaçãoaos partidos políticos, aos agentes políticos e àsinstituições políticas.

Há um consenso de que quando as pessoasdesconfiam permanentemente da classe políticaas possibilidades de construir uma democraciaeficiente diminuem substancialmente. Se, além des-sa desconfiança, os partidos políticos não se cons-tituem em pontos de referência para a construçãode identidades coletivas, as relações sociais e polí-ticas dão-se em uma dimensão terciária, ou seja,estabelecem-se relações diretas entre o cidadão eo Estado (Presidente da República), à margem dospartidos. Talvez essa constatação seja a que maisaproxima-se de um teorema, pois a evidência em-pírica a esse respeito é incontestável.

Outrossim, o fracasso das instituições policiale judiciária em proteger os cidadãos tem propicia-do o surgimento de organizações para-estatais queacabam contribuindo para uma imagem negativado Estado. Como conseqüência, presentementeos cidadãos vivem sob condições de mais inse-gurança e pobreza.

Essas condições têm criado o que se denomina

de um “mercado de desencanto”, particularmentecom a política e com os políticos. Tal contextopossibilita a desvalorização das virtudes demo-cráticas, que aparecem mais como ficção do querealidade, agravada com o esvaziamento das pro-messas democráticas. Embora esse desencantonão tenha produzido tolerância pelo autoritarismo,tem gerado sociedades desmobilizadas e apáticas.As pessoas crescentemente se têm retirado da are-na pública para a privada, fragilizando qualquerpossibilidade de construir uma cidadania democrá-tica, bem como instituições políticas eficientes eestáveis.

Os dados da Tabela 1 confirmam esse diagnós-tico, pois constata-se a forma negativa que a ju-ventude internalizou a dimensão política, na últimadécada. As flutuações longitudinais são mínimase estão dentro da margem de erro. O que está evi-dente nesse resultado é a prevalência de opiniõespreponderantemente hostis em relação às três ins-tituições mencionadas e que são consideradas es-senciais na democracia representativa (na média72% para a atividade política, 69% para os partidospolíticos e 70% para o governo). Em relação aoitem democracia os dados são opostos, pois severifica uma orientação majoritária pró-democra-cia, ou seja, apoio difuso (média 84% de respostaspositivas).

Categoria/ano 1994 2000 2003 Média

Política 71 69 75 72

Partidos 72 71 65 69

Governo 70 72 69 70

Democracia 86 84 82 84

TOTAL (N) (600) (580) (1118) -

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Os dados refletem, no âmbito da proposta desteartigo, a dificuldade da transição de uma sociedadeclientelística para uma sociedade com relaçõeshorizontais. Nesse processo, a consolidação dacidadania não é um processo sem dificuldades.Depende de fatores múltiplos que estão envolvidosna transformação de uma cultura política para umadimensão mais participativa; depende também daproliferação de organizações sociais autônomas eda capacidade dessas associações em representara pluralidade e diversidade dos distintos interessesexistentes na sociedade como um todo; dependetambém da existência de movimentos sociaisdemocráticos e mecanismos institucionalizadosque sejam aplicados para tornar a democraciaparticipativa viável, tais como o referendo, a revo-gação de mandato e a liberdade de associação.

A leitura dos dados da Tabela 1 sugere que ademocracia é possível se existem indivíduoscapazes de abstrair-se do particularismo e assumira imparcialidade, colocando-se no lugar dos outros.Uma democracia de indivíduos racionais, porémauto-interessados, é inconcebível, visto que aracionalidade emerge da cooperação contratual.Os procedimentos dessa cooperação são: a) aparticipação direta, b) em deliberações públicas,c) das assembléias que ocorrem periodicamente,d) que legislam por meio de consenso ou maioria,e) que designam representantes f) sempre sujeitosa revogação de mandato. Em virtude dessas regrasgeram-se resultados coletivamente vinculantes, ouseja, decisões moralmente justas. Esse processonão sugere que a sociedade civil constitua-se emuma alternativa ao governo democrático, mas nacessão de um espaço livre em que as atitudes sãoconservadas e um comportamento democrático écondicionado (BARBER, 1999, p. 9). Alcançar talobjetivo, em um contexto de descrença genera-lizada, no entanto, é quase impossível. Torna-seimperativo, portanto, examinar elementos quepromovam cidadãos ativos. O conceito de capitalsocial parece útil nessa direção.

V. CAPITAL SOCIAL

O capital social é um potencial e poderosoconceito explicativo nas Ciências Sociais. Aocontrário da cultura política, que enfatiza aestabilidade ideológica e a estabilidade das demo-cracias, a teoria do capital social tem no âmagode sua análise o desempenho das instituiçõesdemocráticas. Putnam (1993) argumenta que as

instituições são instrumentos para alcançarpropósitos e não meramente concordâncias. Oscidadãos querem que o governo faça coisas e nãosimplesmente decida coisas. Poder-se-ia dizer queàs atitudes e normas propostas pela teoria decultura política acrescenta-se uma dimensãoavaliativa de como fazê-las, de maneira eficiente:é nisso que se constitui o capital social. Esse fatordistinto da teoria de capital social levou Foley eEdwards (1997, p. 550) a sustentar que o capitalsocial faz “parte da busca por novos paradigmascom os quais confrontar os problemas das socie-dades contemporâneas”. Para o Banco Mundial,por exemplo, esse conceito está sendo conside-rado como o “elo perdido” do desenvolvimento(FINE, 1999), inclusive promovendo uma novaagenda de análise na redução da pobreza e napromoção da democracia social. Assim, seu usotem possibilitado reflexões alternativas teórico-práticas, conceituações e pesquisas empíricas quepermitem que várias áreas de políticas públicassejam melhor compreendidas. Ao mesmo tempo,é um conceito problemático em vários aspectos,tais como: seu significado, sua medição, se éantecedente ou conseqüente e sua dependênciacontextual. Suas raízes, além de serem históricas,são multidisciplinares (Putnam na Ciência Política;Coleman na Sociologia; Fukuyama na HistóriaEconômica e na Sociologia). Do ponto de vistaideológico, em uma dimensão contínua, o capitalsocial pode ser o empowerment da cidadania, opluralismo e a democratização. Em uma dimensãomais conservadora, o capital social localiza-se emum compromisso com estruturas familiarestradicionais e em uma ordem moral coletivafundada em valores tradicionais (GAMARNIKOV& GREEN, 1999). As definições mais conhecidassão aquelas que vinculam o capital social àconfiança nas relações sociais (FUKUYAMA,1995), como engajamento cívico via participaçãoem associações voluntárias (PUTNAM, 1995),como uma fábrica social que cria o desejo decooperar no desenvolvimento de capital físico(OSTROM, 1994) como uma variável na geraçãode capital humano entre gerações e como umaspecto da estrutura social que facilita determi-nadas formas de ação e cooperação.

Uma diferença importante entre capital sociale outras formas de capital é que o capital socialexiste em uma “relação social”. Reside nas “rela-ções” e não no indivíduo sozinho, como é o caso

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de habilidades de capital humano. É construídoem coletividades institucionalizadas tais como:universidades, corporações, governos, associa-ções informais de pessoas em que o conhecimentoe as visões de mundo formam-se e são trans-feridas.

Obrigações, confiança, fluxo de informações,amigos, cultura, normas, redes e engajamentocívico constituem-se em indicadores parciais sobreo que é o capital social e onde reside. Se a metáforade bens e capitais é útil para analisar as relaçõessociais, deve ter em conta a habilidade transfor-madora do capital de uma coisa para outra. O quenas relações sociais funciona como um catalisadorde ações coletivas e cooperativas? Os economistastêm enfatizado principalmente o motivo individualou a maximização de utilidades (ambição). Se aspessoas confiam umas nas outras, honram as obri-gações, seguem as normas e tornam-se amigosuns dos outros, somente para maximizar sua pró-pria a utilidade, esses elementos são simplesmentecommodities adicionais para serem inter-cambiados.

É necessário, portanto, acrescentar outrasvariáveis que esclareçam como o capital socialfunciona. Por exemplo, a simpatia, um indicadordifícil de ser operacionalizado quantitativamente,pode gerar envolvimentos unilineares que não sãocalculados necessariamente com a expectativa deretorno. A esse respeito, os sociólogos e os analistaspolíticos afirmam que o comportamento que seguenormas e obrigações não é calculado estritamente,mas é apreendido na socialização, é um esforçoparcialmente inconsciente. Os indivíduos intera-gem, formam e são formados por esses processosculturais.

Visto dessa perspectiva, o capital social é umrecurso complexo que oferece explicações sobrecomo os dilemas da ação coletiva podem sersuperados; muitos autores sustentam que têm umimpacto significativo e relevante na obtenção deresultados importantes de políticas públicas emáreas como: educação, saúde, criminalidade, bem-estar, crescimento econômico, desempenho deinstituições políticas e desenvolvimento degovernos efetivos e democráticos (MALLONEY,SMITH & STOKER, 2000, p. 802). Apesar dascriticas ao conceito, Trigilia (2001, p. 428) argu-menta que, se usado com cuidado e precisão e senão estiver sobrecarregado, o conceito de capitalsocial pode ajudar-nos a compreender não só o

desenvolvimento local, mas principalmente aformulação de políticas mais apropriadas – emboraressalte que o capital social não deve ser visto emtermos de cultura ou civilidade, mas em termosde relações e redes sociais.

A premissa essencial do capital social é a deque permite ações cooperativas comunitárias eresolve os problemas comuns da coletividade. As-sim, o conceito de capital social é atraente porqueagrega um número de características da vida socialprincipalmente para aspectos negligenciados ouescondidos da vida política de uma cidade. Desa-fia-nos a explorar a infraestrutura da sociedadecivil e sugere que dentro dela podemos encontrarexplicações sobre como em algumas localidadesa atividade política e, principalmente, econômicae social mostram grande vitalidade e parecem sermais efetivas. Tal hipótese tem-se consolidado aolongo do tempo com estudos que têm verificadotal relação (PUTNAM, 1995; principalmente,NARAYAN & CASSIDY, 2001).

Paradoxalmente, a polêmica e a controvérsia arespeito do significado do capital social tem-seconstituído uma fonte de estímulo à realização deestudos e pesquisas, ao invés de marcar seudeclínio. Do ponto de vista teórico, por exemplo,tenta-se construir conceitos intermediários, dentrodos quais se incluem anomalias empíricas eanalíticas que inevitavelmente surgem da existênciade redes e da confiança. Outrossim, a noção decausalidade entre capital social e resultados espe-cíficos pode ser revertida ou redefinida.

Está claro que, presentemente, as dimensõesde capital social (tais como: confiança das relaçõesentre os indivíduos e instituições; redes e canaisinformativos; normas e sanções efetivas) são deimportância fundamental na formação da vidaeconômica e social. O capital social é consideradoprodutivo, pois torna possível alcançar determi-nados objetivos que na sua ausência não seriapossível.

A valorização das associações livres comoingredientes verdadeiros dos sistemas democrá-ticos, portanto de capital social, não é novo:remonta a Montesquieu, Tocqueville e Weber. Oúltimo, por exemplo, embora não utilizasse otermo “capital social” no seu trabalho sobre a éticaprotestante, já concebia a idéia de redes sociaiscomo instrumento para influenciar a formação deatividades empresariais, facilitando assim odesenvolvimento econômico em uma área parti-

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cular. O que importa ressaltar é que, da mesmaforma que muitos autores contemporâneos, Weberavaliou positivamente os resultados e as conse-qüências dessas redes de relações sociais para aatividade econômica.

De fato, todas as constituições do mundo libe-ral-democrático explicitam, de alguma forma, anecessidade de assegurar e garantir a liberdade deassociação. Nos últimos anos, essa idéia tem ocu-pado grande espaço de debate, principalmente apremissa central de Putnam (1993; 2000), paraquem a problemática central da saúde das socie-dades contemporâneas localiza-se no envolvimentodos cidadãos com associações não-políticas comorequisito essencial da constituição de normas evalores de adesão à democracia. Nesse sentido,“as associações são as principais escalas da demo-cracia na sociedade” (ROBTEUTSCHER, 2002,p. 514).

Essa afirmação, no entanto, tem sido contes-tada do ponto de vista quantitativo, pois argu-menta-se que existe pouca evidência de que fazerparte de associações voluntárias está relacionadoa atitudes individuais de confiança (NEWTON,2001, p. 201). Baseado nesses resultados afirma-se que as teorias que associam capital social,sociedade civil e estabilidade democrática sãofrágeis. Creio que a questão não está na ausênciade solidez teórica, mas sim na forma, ainda nãoresolvida, de como se mede a confiança e o capitalsocial. É mais provável que os indicadoresempíricos não estejam captando essa associação,pois seria inconsistente defender que a integraçãosocial, a eficiência econômica e a estabilidadedemocrática possam ser alcançadas, embora ahistória mostre que em alguns casos seja possível,mesmo sem confiança por parte dos cidadãos nasinstituições e nos governantes. A existência deconfiança não só cria um ambiente de credibilidadee, conseqüentemente, de legitimidade, comofortalece o contrato social. A ausência desseelemento gera tensão permanente e instabilidadena sociedade que, no máximo, pode aspirar a umademocracia instável em que mecanismos de

engenharia institucional não raro parecem medidascasuísticas e descontextualizadas. A esse respeitoDaMatta tem observado que “achar que nósvamos modificar profundamente e sanar deter-minados males modificando simplesmente aarquitetura institucional, eu realmente acho umacoisa terrível” (DAMATTA, 1993, p. 55). Esseseria um dos elementos, segundo o autor, queexplicaria porque os brasileiros sistematicamentevivem sob regimes cujo funcionamento é auto-ritário, embora democraticamente eleitos.

Talvez por isso tanto Tocqueville como Putnamtenham estabelecido uma associação próxima entreconfiança, normas, virtudes cívicas em geral eassociações, de um lado, e um processo demo-crático eficiente, por outro. A credibilidade de umsistema político e seu eficiente desempenho, por-tanto, depende do grau de confiança que aspessoas têm nas instituições.

Assim, a legitimidade de um sistema político éconstruída por meio de fatores institucionais, his-tóricos e culturais. Na dimensão da cultura políticasão as atitudes de satisfação demonstrada peloscidadãos em relação à democracia que nos dãoindícios sobre o grau de legitimidade e credibili-dade do sistema político. Esse indicador é clássicoe vem dos tempos de David Easton (1965), paraquem essas atitudes possibilitam determinar o queele denominou de apoio difuso, que era consideradoessencial no processo de construção de legitimida-de das instituições políticas. Apesar das críticasfeitas aos conceitos de apoio difuso e apoio especí-fico, consideramos que, pelo menos até os diasde hoje, os aspectos positivos e sua contribuiçãona compreensão das bases de legitimidade superamas deficiências apontadas por vários autores(NORRIS, 1999). Porém, o conceito mais impor-tante na compreensão da estabilidade de um sis-tema político tem a ver com o apoio dos cidadãosàs instituições da poliarquia.

A esse respeito torna-se oportuno examinar ograu de confiança dos brasileiros em suas insti-tuições políticas; esses dados estão apresentadosna Tabela 2.

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FONTE: Pesquisas eleitorais em Porto Alegre (NUPESAL-UFRGS).

NOTA: A tabela refere-se à pouca ou nenhuma confiança dos entrevistados nas instituições indicadas.

As respostas dos entrevistados em relação aograu de confiança que eles depositam nasinstituições políticas – neste caso o governo, oPoder Legislativo e os partidos – mostram que oscidadãos não confiam nelas. A confiança nasinstituições não é somente uma dimensão atitudinalde valor positivo do ponto de vista moral e ético,é também imperativo para o fortalecimento dademocracia. Em sociedades caracterizadas peladesconfiança prevalecem as atitudes e compor-tamentos políticos tradicionais, em que o cliente-lismo, o personalismo e o patrimonialismo são prá-ticas do cotidiano político. O mais preocupantedos dados acima é o gradual crescimento dessadesconfiança, mesmo no âmbito de um regimedemocrático. A persistência desses níveis elevadosde desconfiança pode constituir-se em um indíciofundamental para entender a crise permanente dosgovernos popularmente eleitos no país, nos últimosanos. Quando menos de 20% da população confianas suas instituições (de 1996 a 2002), é difícilfalar em “consolidação democrática”.

Segundo essa evidência que mostra as insti-

tuições políticas à margem da vida das pessoas, éinevitável que os cidadãos voltem-se para outrosinterlocutores nas suas reivindicações – as asso-ciações informais. Esse comportamento não é no-vo, pois desde a publicação do livro Political Cul-ture de Almond e Verba, tem-se acumulado grandequantidade de evidências empíricas que mostramque as associações têm um impacto positivo nasaúde democrática dos países. Constatou-se quea correlação está condicionada pelas condiçõeshistóricas estruturais de um país, ou seja, não sepode concluir que a relação participação em asso-ciações voluntárias – fortalecimento democráticoseja causal. Isso se deve ao fato de que as associa-ções não fomentam, por si sós, um tipo de culturapolítica, mas são um reflexo de e amplificam ostraços culturais dominantes de seu ambiente. Naverdade, constituem-se no espelho da cultura po-lítica vigente.

Robteutscher (2002, p. 516) apresenta oseguinte esquema para avaliar a diferença entre aperspectiva do capital social e a perspectivahistórica.

FIGURA 1 – ASSOCIAÇÕES ENTRE O CAPITAL SOCIAL E O DISCURSOHISTÓRICO

FONTE: Robteutscher (2000, p. 516).

TABELA 2 – GRAU DE CONFIANÇA DOS BRASILEIROS NAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS (%)

Instituições/

ano 1968 1974 1985 1994 1996 1998 2000 2002

Governo

Federal 40 48 56 70 83 82 92 87

Congresso

Nacional - - - 84 87 86 92 89

Partidos

Políticos - - 40 66 60 90 89 91

TOTAL (N) 367 380 488 600 600 600 600 600

Associaçõesdemocráticas

Todas asAssociações

Associações não-democráticas

Vínculo do capital social

Vínculo histórico

Reflexo

Cultura Política(cívica)democrática

Cultura (cívica)democrática

Cultura não-democrática

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Esse esquema é valioso na compreensão decomo uma cultura política é construída, pois ilustracomo os chamados fatores histórico-estruturaisincidem nessa configuração. Não se trata de umdeterminismo histórico ou cultural, mas sim dainfluência de um legado que incide na forma comoos valores e crenças internalizados pelas pessoasafetam a qualidade da democracia de um país. Seesses valores e normas são negativos a possi-bilidade de substituir uma ordem social é remota,pois valores e crenças são o fundamento da insti-tucionalidade democrática. No Brasil, segundoFernandes (1968), o problema histórico da políticaé o ethos patrimonialista. Segundo o autor, sãoquatro séculos de mandos e desmandos cliente-listas. Isso fez que o conflito (a lógica da política)fosse tratado desde os primórdios da Repúblicacomo caso de polícia, exclusão e antagonismosocial exacerbado, produzindo uma estruturapolítica autoritária que vige até os dias atuais. Talcontexto histórico não pode ser negligenciado paracompreender porque os cidadãos brasileiros nãoconfiam nas suas instituições políticas, ao mesmotempo que permite compreender porque a meraexistência de condições estruturais para que ademocracia fortifique-se é insuficiente.

Por exemplo, se se institucionaliza na sociedadeo medo e a insegurança coletivos, as células sociaissão praticamente destruídas, não possibilitando odesenvolvimento de normas, tais como: solidarie-dade, confiança e tolerância. No seu lugar, cons-titui-se uma cultura política de resignação a práticasautoritárias, verticais, hierarquizadas, mesmo emum regime democrático. Tais atitudes e compor-tamentos negam a possibilidade de produzir meca-nismos institucionais de mediação política comcredibilidade. Tal situação dificilmente contribuipara a solidificação de uma cultura política parti-cipativa.

Esse dilema fez que a agenda do período recen-te de democratização no Brasil tenha-se voltadopara a busca de diretrizes de inclusão social e polí-tica dos cidadãos na sociedade moderna. Essatarefa, entretanto, exigiu o resgate de conceitosque haviam sido considerados pouco úteis nacompreensão dos dilemas democráticos, taiscomo: clientelismo, personalismo e patrimonia-lismo. Esses conceitos, por exemplo, são utilizadospor Bruso, Nazareno e Stokes (2001) para exa-minar por que na Argentina os eleitores, apesar deterem sido traídos por promessas eleitorais quenão se materializaram após seus candidatos serem

eleitos, continuaram a apoiar o partido político eos políticos que frustraram suas expectativas; aexplicação dos autores é que o clientelismo deMenem funcionou na cooptação dos pobres. Omesmo fenômeno ocorreu no Peru, com Fujimori,e no Equador, com Bucharam e depois comMahuad. Exemplos como esses não são incomunsnos países da América Latina, e o Brasil não é aexceção. Candidatos notoriamente conhecidos porsuas práticas autoritárias, populistas e com poucoteor ético e moral continuam a ser eleitos. Nessecontexto, o legado cultural das instituições tantoformais quanto informais são o reflexo da formacomo as relações sociais são absorvidas pelacultura – em um sentido clientelístico.

Esse contexto faz que a política e suas institui-ções sejam vistas de maneira negativa, propiciandoa emergência de modos alternativos de transmis-são de demandas; esses canais alternativos funda-mentam-se, em parte, na corrupção, em umaburocracia ineficiente, na supressão de liberdadescivis, nas falhas na esfera dos direitos de pro-priedade e no fracasso na manutenção da coesão.No caso do Brasil, tais fatores caracterizaram suahistória obrigando as comunidades a tentar resolverpor si mesmas problemas que são da responsa-bilidade do Estado, em um sentido privado e infor-mal. Isso se deve ao fato de que as pessoas nãovêem nessas instituições méritos ou vêem-nas comdesconfiança, de modo que o distanciamento delasé inevitável. Quando os mecanismos de repre-sentação convencionais (partidos políticos) nãoconseguem expressar ou agregar os interesses dapopulação, por meio de um consenso democrático,a crise decorrente dessa situação leva a um funcio-namento atípico das instituições democráticas –os grupos tradicionalmente marginalizados conti-nuam a ser excluídos da agenda dos partidos. Talsituação conduz à prevalência do clientelismo edo particularismo (os interesse particular sobre-põe-se ao bem público) que, por sua vez, possi-bilita um cinismo generalizado em relação às insti-tuições formais da poliarquia (PARAMIO, 1999).Nesse contexto, os partidos servem para agregarvotos e não preferências, não possibilitando aformulação de políticas públicas de interesse geral(LYNE, 1997). Não surpreende que, nessascircunstâncias, as pessoas não demonstreminteresse em filiar-se ou identificar-se com partidospolíticos. Os dados da Tabela 3 são ilustrativosdesse distanciamento, no caso do Rio Grande doSul.

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No período de 1994-2000, a magnitude daidentificação partidária favorece claramente oPartido dos Trabalhadores (PT), em detrimentode todos os outros partidos, que experimentamum declínio ou estagnação constantes. O quechama atenção, entretanto, é manutenção da nãoidentificação partidária acima de 30% nesses quase20 anos, revelando que os partidos pouco têm feitopara motivar os cidadãos a filiarem-se ou mesmoidentificarem-se com eles. Como se sabe, um doselementos considerados essenciais para aestabilidade política de uma nação é o grau e aestabilidade com que as pessoas se identificamcom as organizações mediadoras de seusinteresses. Presume-se que com o processo deconvivência democrática, ao longo do tempo, essaidentificação tenda a aumentar. O que se observa,entretanto é uma estagnação e até um processode desinstitucionalização dos partidos. Esses dadosmostram que a possibilidade de desenvolverestímulos para um engajamento político maior dos

cidadãos não se dá por meio dos partidos políticos.A produção de capital social, tendo comocatalisador os partidos, é mínima. Os eleitoresprocuram outras fontes de motivação paraenvolver-se politicamente. De maneira geral, pode-se afirmar que os partidos, inclusive em um estadoconsiderado politizado como o Rio Grande do Sul,baseiam a representação de interesses muito maisno intercâmbio particularizado, razão por que amaioria dos eleitores carece de identidadeideológica. Não surpreende, portanto, que oscidadãos procurem outros mecanismos deagregação de seus interesses. Nesse caso, podemser apontadas as associações secundárias evoluntárias.

A hipótese na literatura é que a participaçãoem associações produz capital social relevante, oque significa que promove e facilita o engajamentopolítico. Esse tipo de capital social é produzidocomo conseqüência da experiência política e da

TABELA 3 – IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA NO RIO GRANDE DO SUL (%)

FONTE: Pesquisas eleitorais em Porto Alegre (NUPESAL-UFRGS).

NOTAS: 1. Os totais podem não somar 100% em virtude da não inclusão de preferência abaixo de 1%.

2. N/S ou N/R: não sabe ou não respondeu.

Partido/ano 1974 1985 1994 1996 1998 2000

ARENA 18 - - - - -

MDB 41 - - - - -

N/S ou N/R 11 - - - - -

PDS - 6 - - - -

PDT - 28 8 5 7 8

PT - 6 29 41 33 40

PTB - 2 2 2 3 4

PMDB - 21 11 3 10 5

PFL - 2 2 3 1 -

PCdoB - 1 0,5 - 0,4 -

PFL - 2 2 3 1 1

PSDB - - 1 2 1 -

Nenhum 28 30 41 32 34 30

TOTAL (N) 380 600 600 600 600 600

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informação que é regularmente comunicada dentroda rede de relações sociais do indivíduo.

Uma das postulações mais consistentes que setem estabelecido na discussão sobre a democraciaé a de que, sem confiança, ela não sobrevive. Seufortalecimento, portanto, depende do fim do mono-pólio da representação e agregação de interessescentrada nos partidos. As circunstâncias atuaisexigem outras formas de agregar demandas. Em-bora o capital social seja fomentado por uma varie-dade ampla de interações formais e informais entreos membros de uma comunidade, uma análiseplena dessas interações não é observável. O quese pode observar é a prevalência de filiação emorganizações voluntárias em um determinadocontexto. Como resultado, ser membro de asso-ciações tem-se tornado o indicador mais adequadopara examinar a formação ou destruição de capitalsocial. Acredita-se que, ao fazer parte de associa-ções, as pessoas desenvolvem interações entre si,aumentando a possibilidade do desenvolvimentode confiança recíproca entre elas. O resultado,segundo pesquisas (YAMAGISHI & YAMA-GISHI, 1994), é o aumento da capacidade da açãocoletiva, cooperação e confiança intragrupo, possi-bilitando que os objetivos coletivos sejam alcan-çados mais facilmente. A questão fundamental,

entretanto, é saber se a participação em grupos eassociações também contribui para o processo deconstrução de uma sociedade em que a cooperaçãopara todo e qualquer propósito – não somente dosgrupos – é facilitado (STOLLE & ROCHON,1998). Nessa direção, as associações, em um sen-tido amplo, podem ser o caminho a seguir. Outros-sim, pressupõe-se que a experiência de ser mem-bro de associações formais ou informais contribuipara o desenvolvimento da tolerância e cooperaçãoentre os cidadãos de maneira geral. O teorema éde que quanto mais a pessoa participa de asso-ciações, maior a tendência a solidificar um civismopúblico e, conseqüentemente, o fortalecimento dademocracia. Tais qualidades, tolerância e coopera-ção, somente geram confiança generalizada quandose orientam para a comunidade como um todo, oque não é o caso de bandos, a máfia, ou gruposfanáticos que podem produzir capital social perso-nalizado, mas não produzem capital social públicoque é o que conta para o amadurecimento demo-crático de um país.

Nessa direção, o que nos interessou foi exa-minar a experiência das pessoas em associaçõesem um sentido mais genérico e público na capitalgaúcha, pois o capital social público constitui-sena essência da tese do capital social.

Embora a análise dos dados diga respeito àspessoas, o capital social pressupõe objetivostangíveis de natureza coletiva (por exemplo, uniresforços para conseguir o asfaltamento de ruas);assim, o capital social público refere-se à unidadede análise “macro” e não “micro”. Os dadosexaminados nos anos 1974, 1998 e 2000 sugeremníveis reduzidos de associatividade dos cidadãosem Porto Alegre. O que chama a atenção é apercentagem relativamente elevada de pessoas queresponderam participar de algum tipo de

associação em 1974 (34%): seria lógico esperarque tal nível fosse mais razoável para os anossubseqüentes, pois foi a época da chamadaconsolidação democrática (1998-2000). Paratentar compreender o que estava acontecendo, essavariável foi cruzada com o tipo de associação aque o cidadão vinculou sua participação. A respostafoi esclarecedora. Em 1974, 76% das pessoasresponderam participar de algum tipo deassociação religiosa, indicando sua igreja como afonte primária de tal vínculo, caindo para 67%

TABELA 4 – GRAU DE ASSOCIATIVIDADE EM PORTO ALEGRE(1974-2000) (EM %)

FONTE: Pesquisas eleitorais em Porto Alegre (NUPESAL-UFRGS).

NOTA: A tabela refere-se às respostas à seguinte questão: “O(a)sr(a). participa de algum tipo de associação (religiosa, esportiva,outra)?”.

Ano/resposta 1974 1998 2000

Sim 34 17 22

Não 68 83 78

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em 1998 e 51% em 2000. O que se depreendedessas informações é que, a partir de 1974, odeclínio em associatividade dos cidadãos coincidecom o declínio da credibilidade das instituiçõespolíticas como fontes de construção de identidadescoletivas. Esse declínio, no entanto, aparentementenão foi substituído por vínculos com outro tipode associações – que experimenta, ao contráriodo esperado, uma redução. O ideal seria podercontar com dados de pesquisa do tipo painel quenos possibilitassem uma avaliação das flutuaçõesatitudinais em relação às razões que levaram aspessoas a não se interessarem em participar deoutras associações. Na ausência dessasinformações, no entanto, pode-se levantar umahipótese de que pertencer ou ser membro de igrejasé uma atividade quase formal e obrigatória, nãoproduzindo estoques de capital social público quese possam transferir para outras associações,conforme os dados parecem sugerir. Do ponto devista empírico, pelo menos, a evidência de umatradição de associatividade pública em Porto Alegredeve ser vista com cautela.

A hipótese que aqui se levanta é que é im-perativo fomentar e fortalecer as associações vo-luntárias e públicas existentes como instrumentosvitais do amadurecimento democrático pelaparticipação ativa e propositiva, da intelectualidadedo país, indo além de uma prática meramentedescritiva e de diagnóstico. Para Verba et alli(1995), por exemplo, um dos principais resultadosda existência de associações é que elas pro-porcionam um espaço para que as pessoas dis-cutam a política mais freqüentemente, estimulandoseu interesse, sofisticação e participação política.

A associação, por outro lado, quando espon-tânea e voluntária, ao contrário de obrigatória,possibilita conhecer outras pessoas, aumentandonão só a possibilidade de mais discussões políticas,como aumenta a percepção do indivíduo do queestá ocorrendo na sociedade e a maneira domi-nante e aceita da forma de pensar e agir.

Assim, pressupõe-se que as associações civissão mais democráticas e mais cívicas porqueexistem em sociedades que são mais democráticase mais cívicas do que sociedades do passado. Asevidências mais citadas na América Latina dessasituação são: a criação de Villa el Salvador, no Peru;as feiras de consumo popular, na Venezuela, e oorçamento participativo, em Porto Alegre(KLIKSBERG, 2000).

No entanto, vários autores têm alertado para aimportância de reavaliar a relação causal entreassociações e bom governo. Portes (1998), porexemplo, tem sugerido que o impacto de redessociais nas atividades econômicas pode ser muitodiferente. Segundo ele, se, de um lado, em muitoscasos a informação e confiança que circulam pormeio das relações pessoais podem limitar ooportunismo e facilitar a cooperação econômica,de outro lado podem agir como limitadores decompetitividade e assim reduzir a eficiência comoresultado dos conflitos entre os atores. Portanto,para compreender de que forma as funçõespositivas decorrentes da existência de redes sociaispodem ser materializadas é primordial conhecernão só as condições culturais, mas também aspolíticas.

A reflexão de Portes é valiosa no sentido deapontar a necessidade de levar-se em consideraçãoo contexto histórico e cultural dentro do que ocapital social é (ou não) gerado. No caso brasileiro,apesar de os dados não englobarem o conjunto dopaís, pode-se inferir teoricamente que não há umatradição associativa e a que existe não proporcionaas bases de produção de capital social público.Dessa forma, apesar da existência de centenas deassociações informais e voluntárias que organizam-se em torno de objetivos comuns, elas parecemnão gerar redes associativas mais amplas, pois seusmembros centram-se em questões particulares.Esse, por exemplo, tem sido o problema do orça-mento participativo em Porto Alegre (GENRO,2001; RICCI, 2001).

Assim, a história mostra que o monopólio darepresentação e participação política no Estado enos partidos políticos no Brasil está longe deconstituir-se no elemento catalisador de umaqualidade democrática melhor, contribuindo parao crescente ceticismo do cidadão em relação àsinstituições políticas. Nesse contexto, o Estadode Direito é permanentemente questionado e éimprevisível e as estruturas burocráticas nãofuncionam de acordo com valores universais. Ditode outra forma, em um contexto em que o Estadoé ineficiente e com pouca credibilidade, as redessociais podem aumentar o desenvolvimento doconflito tanto na atividade econômica como nasinstituições públicas em uma dimensão negativa,levando à apropriação de recursos políticos econseqüentemente à institucionalização de relaçõespautadas por clientelismo e paternalismo. Esseparece o caso do Brasil contemporâneo.

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Nesse sentido, a construção de capital socialpúblico deve ser analisada dentro de umacompreensão da evolução histórica e das condiçõesmateriais do país, além de considerar-se como umprocesso de interações sociais que levam aresultados construtivos. Não depende, portanto,de um único fator e também não é uma relaçãolinear (BANKSTON & ZHOU, 2002, p. 285).

VI. AS BASES DE LEGITIMIDADE DO SIS-TEMA POLÍTICO BRASILEIRO

Vários autores brasileiros, ao longo do tempo,têm argumentado que o legado histórico do paísnão possibilitou o estabelecimento de bases sólidaspara constituição de uma democracia duradourano sentido social (Viana, Amaral, Tavares, Hollan-da, Uricochea). Um dos elementos responsáveispor tal situação é, segundo os autores, a incapa-cidade das instituições em constituírem-se empontos de referência para a construção de identida-des coletivas na sociedade. Os dados da Tabela 4,acima, demonstram claramente que, longitudinal-mente, a desconfiança nessas instituições, mesmona vigência da redemocratização, mantém-seinalterada.

Para o caso do Brasil, quando se examina quala contribuição das instituições governamentais dademocracia formal na produção de capital socialpúblico, constata-se que, ao contrário do que seesperava, o que essas instituições produzem nãoé capital social mas fragmentação e apatia por partedos cidadãos.

O argumento de Eduards e Foley (1997) – deque o capital social é específico de um determinadocontexto, existindo nas relações e normas sociaisque facilitam a ação cooperativa e que existemdentro dos grupos não é necessariamente trans-ferível para outros contextos – é oportuno a esserespeito. Se aceito o argumento de contextua-lidade, então não há sentido em medir o capitalsocial no nível individual fora da comunidadeespecífica. Talvez isso ocorra porque a atençãotem-se orientado para o papel das associaçõesvoluntárias e civis, negligenciando parcialmente opapel da família, da escola e do lugar de trabalhono debate sobre capital social.

Em um sentido mais abrangente, o capital socialdeve incorporar a família, os amigos e os colegasde trabalho como elementos constituidores de umrecurso importante se que pode catalisar em épocasde crise ou em situações que requeiram alcançar

bens materiais coletivos. Assim, aquelas comuni-dades com elevados estoques de redes sociais eassociações cívicas estão em uma posição maissólida para enfrentar vulnerabilidades, a pobreza,resolver disputas e/ou tirar partido de novasoportunidades (WOOLCOCK, 2001). É esse, porexemplo, um dos argumentos utilizados paraexplicar o sucesso do orçamento participativo emPorto Alegre. Afirma-se que essa cidade detémuma dimensão de sociabilidade igualitária quecontribuiu na formação de elementos associativosmais fortes que no resto do Brasil (AVRITZER,2003, p. 20), promovendo, assim, predisposiçõesassociativas que facilitaram a implantação de umademocracia mais participativa.

A evidência mais sólida em apoio da tese docapital social vem de estudos no nível comunitários(cívico), que se utilizam de medidas sofisticadasde redes comunitárias, da natureza e da abrangên-cia da participação cívica e dos intercâmbios entrevizinhos. Dessa forma, para que a democraciafuncione a confiança e as redes representam pré-condições necessárias, porém não suficientes.Uma sociedade pode ter elevados índices de con-fiança entre os cidadãos, ou pode estar interconec-tada com redes sociais horizontais, mas para queesses recursos sejam relevantes para a democraciaas pessoas devem preocupar-se com assuntos quevão além de suas vidas privadas. Aqui o papel doEstado, nos seus vários níveis, e a comunidadeacadêmica tornam-se insubstituíveis, pois sãoesses agentes que podem articular a construçãode capital social em um sentido mais amplo e maisabrangente.

Essa participação pode gerar efeitos internos eexternos no sistema político. Externamente asassociações podem passar a ser vistas como ca-nais alternativos de influência, pois proporcionamvínculos institucionais entre os membros e o siste-ma político e servem como instituições intermediá-rias. A articulação e agregação de interesses, bemcomo de valores, é facilitada pela presença de den-sas redes de associações secundárias (PUTNAM,1993).

No nível interno, o resultado pode se dar nageração de hábitos de cooperação, solidariedade eespírito público. É um processo de socialização.Outrossim, tem também um efeito educacionalporque os participantes adquirem habilidades ecompetências que são importantes para a demo-cracia: por exemplo, conhecimento sobre temá-

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ticas específicas ou como as instituições públicasfuncionam, como administrar a organização,como discutir assuntos de “maneira civilizada”...dessa forma, as associações podem constituir-seem escolas de democracia.

Nos últimos anos têm proliferado associaçõesterciárias cujo apoio dá-se por meio de contribui-ções monetárias ao invés da participação comtempo. Assim, constata-se que há um declínio naintensidade de envolvimento associacional. Sabe-se que o capital social pode formar-se e transmitir-se por interação direta; por outro lado, gruposterciários consistem em redes verticais e não hori-zontais, conseqüentemente não contribuindo parao desenvolvimento de redes horizontais ou da con-fiança social.

Assim, redes verticais contribuem pouco pararesolver problemas coletivos. Segundo Putnam(1993, p. 74) uma rede vertical, independentemen-te de sua densidade e da importância para seusparticipantes, não pode sustentar confiança ecooperação. Em contrapartida, as associaçõesfomentam um maior grau de horizontalidade. Aassociação cria redes secundárias que promovema interação face-a-face com poucas barreiras paraos “de fora” e com os participantes envolvidosem associações múltiplas. No nível individual,afiliações múltiplas significam uma interação maisampla. Conseqüentemente, deve ter um efeitocumulativo no nível de confiança e engajamentocívico e deve ampliar o escopo de redes quefacilitam sua difusão na sociedade. Em pesquisaempírica levada a cabo na Noruega, Wollebaek eSelle (2002, p. 44) demonstraram que a partici-pação tem um impacto na confiança social inclusivequando se controla pelas características demográ-ficas. A forma mais produtiva de participação emrelação à formação de capital social parece sernão apenas a participação em várias associaçõesmas afiliações múltiplas em associações compropósitos diferentes.

Um dos aspectos centrais de capital social é ode entender a democracia por meio da transfor-mação das relações de poder entre o Estado, omercado e a sociedade civil. A idéia de democraciaimplícita nesse tipo de descentralização transcendea de função estritamente processual de umademocracia como um sistema político caracteri-zado por eleições livres, baseado no sufrágio uni-versal, liberdade de associação, accountability econtrole civil dos militares (O’DONNELL, 1992).

VII. CONCLUSÃO

Uma das teses que se tem solidificado na teoriapolítica contemporânea é a que diz respeito àsvirtudes da democracia participativa vis-à-vis ademocracia representativa. Estudos com diferentesmetodologias e perspectivas teóricas têmcrescentemente convergido para a idéia de que éimperativo resgatar o cidadão para a esfera pública.Tanto a legitimidade e a credibilidade de um sistemapolítico dependem não só das instituições políticasda engenharia institucional, dos fatores externose internos, mas também de uma base normativade apoio a essas instituições por parte dos cidadãos.Há um consenso de que sem confiança não hádemocracia. Presume-se que o processo de cons-trução de bons cidadãos passa por um engajamentomais eficiente e permanente na arena política. Sãoas associações que facilitam essas atividades, poiselas constituem-se em escolas de cidadania ondese aprende, fundamentalmente, as virtudes dacooperação e da tolerância. Isso não significa umposicionamento que favoreça ou insinue a diminui-ção ou enfraquecimento das instituições típicasdo sistema representativo de democracia. O con-texto contemporâneo, entretanto, caracteriza-sepelo surgimento de um conjunto de fatores novose inesperados que não foram contemplados pelosteóricos da democracia de procedimentos e queestão obstaculizando a construção eficiente de umsistema democrático orientado para o social. Paradeter esse processo de fragmentação societáriapor meio do capital social é necessário fortalecera ação coletiva. Três componentes são essenciaispara alcançar esse objetivo: confiança; desenvolvi-mento de redes sociais e fomento ao engajamentocívico.

São esses instrumentos, além dos mecanismosconvencionais, que poderão proporcionar basesalternativas que complementarão as políticas con-vencionais para resolver os problemas contempo-râneos da sociedade brasileira: a desagregaçãosocial, a fragmentação societária, a erosão daconfiança interpessoal e nas instituições políticas,a crise econômica e o crescimento da pobreza eda exclusão social. Tais fatores e sua superaçãonão dependem de mais leis, mais instituições e maisregras. Em muitos casos esses procedimentos jáestão previstos na Constituição: os problemas sãosua implementação e os mecanismos defiscalização do cumprimento de tais dispositivos.Dois exemplos são suficientes para ilustrar essa

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situação: o cumprimento constitucional de umsalário mínimo e o tratamento igualitário doscidadãos. A sua inobservância não se deve àausência da palavra escrita, mas à ausência devontade política e de mecanismos eficientes defiscalização.

Portanto, a importância renovada sobre papelda cultura política no processo de fortalecimentodemocrático do país nas teorias modernas desociedade cívicas sugere que atividades deliberati-vas face a face e a colaboração horizontal dentrodas organizações voluntárias longe da esferapolítica (tais como: clubes esportivos, cooperativasagrícolas ou grupos filantrópicos) promovem aconfiança interpessoal e fomentam a capacidadede trabalho conjunto no futuro, criando oselementos de coesão da vida social que são asbases da sociedade civil e da democracia. Os dadosaqui examinados sugerem a existência de umacultura política pouco participativa, tanto nadimensão convencional quanto na dimensãoassociativa, mas, ao mesmo tempo indica anecessidade de organizar os grupos já existentes,bem como promover a formação de associaçõespara alcançar metas instrumentais, bem como paracriar as condições para uma cooperação mais amplaou capital social público. Subjacente a essaargumentação está a importância atribuída aoconceito de confiança. A valorização desseconceito pode ser atribuída a uma conscientizaçãoampla de que as bases existentes de cooperaçãosocial, solidariedade e consenso têm experimen-tado uma erosão e que há uma necessidade deprocurar outras alternativas. Para Misztal (1998,p. 12), a confiança, entendida freqüentemente emtermos vagos e genéricos, condiciona todos osaspectos da vida humana. Quando a comunidadeé danificada todos sofrem e quando é destruída, asociedade declina e entra em colapso (ver osexemplos recentes da Argentina, do Equador e do

Iraque). Os dados analisados mostram que o sensode comunidade gerada pelas instituiçõesconvencionais da democracia é mínimo.

Os déficits democráticos criados pelo funcio-namento deficiente das instituições convencionaisda democracia representativa têm produzidoorientações nos cidadãos de repúdio à forma comose pratica a política atualmente, levantando anecessidade de criar mecanismos societários defiscalização dos gestores e instituições políticas.

Para efetivar tal fiscalização, as pessoas cres-centemente se têm voltado para a participação emgrupos informais à margem das organizações con-vencionais. Esse tipo de comportamento tem-seinstitucionalizado e funciona em caráter perma-nente. No entanto, a miopia dos governantes emreconhecer esses movimentos como parte de umnovo contexto, em que essas organizações possamconviver cooperativamente com as instituições tra-dicionais, não tem possibilitado uma agenda quese oriente pela compreensão e pelo fortalecimentodesses novos mecanismos de pressão. Nesse sen-tido, o capital social como instrumento de empo-werment das pessoas para agirem coletivamentepode ser o mecanismo que estava faltando paragerar uma democracia mais eficiente e com qua-lidade, em que as demandas de grupos tradicio-nalmente excluídos não sejam esquecidas, aomesmo tempo em que tais experiências fortaleçamo conceito de cidadania. Aceitar tal proposta,entretanto, envolve reconhecer que os paradigmastradicionais que privilegiam soluções técnicasdevem ser substituídos por outros que incorporema dimensão subjetiva e social da democracia. Esseposicionamento implica a deconstrução do conhe-cimento estabelecido e a adoção de uma práxismais conseqüente e propositiva da Ciência Política– o que, certamente, para grande parte da comu-nidade acadêmica, é uma heresia.

Marcello Baquero ([email protected]) é Professor do Departamento de Ciência Política daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Ciência Política pela Florida StateUniversity (EUA).

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