o Caso de Uma Fábrica de Jóias

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Estudo de caso (Ergonomia)

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  • Rev. Ter. Ocup. Univ. So Paulo, v. 13, n. 3, p. 111-7, set./dez. 2002.

    A ABORDAGEM ERGONMICA NO ESTUDO DASPOSTURAS DO TRABALHO: O CASO DE UMA

    FBRICA DE JIAS

    THE ERGONOMICS APPROACH IN THE STUDYOF THE POSTURES OF THE WORK: THE

    CASE A JEWEL INDUSTRY

    Gisele Beatriz de Oliveira Alves(1), Ada vila Assuno(2), Micheline Gomes da Luz(3)

    (1) Professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais. Terapeuta Ocupacional. Mestreem Ergonomia.

    (2) Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Mdica do Trabalho.Mestre e Doutora em Ergonomia.

    (3) Terapeuta Ocupacional. Estagiria do Laboratrio de Ergonomia / DEP / Universidade Federal de Minas Gerais.Endereo para correspondncia: Gisele Beatriz Alves. Departamento de Terapia Ocupacional. Escola de Educao Fsica,Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais. Unidade Administrativa II - 3 andar, CampusUniversitrio/ Pampulha. Avenida Antnio Carlos, 6627. CEP: 31270-901. Belo Horizonte, Minas Gerais.

    ALVES, G.B.O., ASSUNO, A.A., LUZ, M.G. Posturas do trabalho: o caso de uma fbricade joias. Rev. Ter. Ocup. Univ. So Paulo, v. 13, n. 3, p. 111-7, set./dez. 2002.

    RESUMO: O objetivo do artigo discutir a prtica da Terapia Ocupacional na avaliao dasposturas adotadas pelos trabalhadores em situao real. Realizou-se um estudo ergonmico emuma fbrica de jias, onde foram realizadas entrevistas abertas com os trabalhadores e gerentes,anlises das posturas adotadas, descrio da durao dos ciclos de trabalho, e avaliao doscritrios informais e formais de qualidade na produo das peas. Os resultados colocam emevidncia o carter repetitivo do trabalho nos postos estudados, mas, cujos componentes soheterogneos exigindo ateno e concentrao. Essas funes cognitivas e outros determinantesinfluenciam as posturas adotadas. Discute-se ao final, o mito da postura ideal e os limites de umaprtica da Terapia Ocupacional que no integre a anlise do sentido das posturas adotadas emsuas avaliaes.

    DESCRITORES: Estudos de avaliao. Terapia ocupacional/tendncias. Postura. Engenhariahumana. Entrevistas. Indstrias/classificao. Trabalhadores.

    INTRODUO

    A Terapia Ocupacional uma disciplinacujos instrumentos, mtodos e tcnicasespecficos visam a manuteno, o aumento e a recuperao do desempenho funcional dosindivduos. Nos ltimos anos, cresceu comoespecialidade no mundo todo, e, recentemente, tem sido

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    convocada a intervir diretamente nos ambientes detrabalho. Contribuiu para essa expanso a incidnciaaumentada de problemas msculo-esquelticosassociados ao trabalho. Ou seja, o trip (1) atividadesde vida diria, (2) lazer, e (3) trabalho (AJOT, 1999),sobre o qual se assenta as aes da Terapia Ocupacional,tendo como objetivo habilitar os indivduos para quepossam se engajar naqueles papis, tarefas e atividadesque tm significado em seu cotidiano (TROMBLY,1993), mostrou sua relevncia social no mundo dotrabalho, colocando novas exigncias terico-metodolgicas para a referida disciplina.

    Este artigo visa fornecer elementos, a partir dadescrio dos resultados de um estudo realizado em umaindstria de jias, para o debate sobre a pertinncia daanlise ergonmica do trabalho na prtica do terapeutaocupacional.

    Como ser apresentado, a anlise das posturasassumidas pelos trabalhadores da empresa estudadacoloca em evidncia os componentes estticos edinmicos das mesmas, os quais, segundo a literatura,tm sido associados vrios problemas msculo-esquelticos e constituem-se em agentes provocativosde dor, desconforto, limitao de movimentos eprejuzos funcionais.

    Alguns estudos em Terapia Ocupacional queabordam as posturas laborais enfatizam a importnciada reeducao postural sem explicitar os critrios paramodificar as condies fsicas e materiais de trabalho,por exemplo: dimenses do mobilirio, ferramentas,dispositivos dos equipamentos, iluminao, vibraoetc. Isto , no so orientados para compreender osdeterminantes das mesmas em situaes reais detrabalho. Os estudos avaliam as posturas caracterizando-as como corretas ou incorretas, sem considerar asaes dos trabalhadores. Esses estudos se norteiam pelaidia de que a postura o resultado de decises e hbitospessoais, sendo assim, acredita-se que a educaopostural seria o suficiente. Ou seja, na sua abordagemterico-prtica a Terapia Ocupacional no incorpora aconcepo (defendida pela ergonomia francesa), de quea postura ideal um mito, pois, como afirma Lima(2000a): a postura assumida por um trabalhador nunca somente o resultado de idiossincrasias pessoais, mas determinada pela interrelao complexa dos mltiplosfatores constituintes da situao de trabalho.

    MTODOS

    Atravs de anlise dos resultados de um estudo

    ergonmico realizado numa fbrica de jias,procuramos elucidar porqu os indivduos adotam asposturas estereotipadas observadas, e a seguir seroapresentados os argumentos que colocam os limites daprtica do terapeuta ocupacional.

    Ergonomia a disciplina que estuda o trabalho,os seus objetivos so: entender o trabalho, evitarproblemas de sade e melhorar a eficincia da produo(ABRAHO, 2000).

    A preocupao central da ergonomia colocarem evidncia a relao entre as coisas, por exemplo,entre os objetivos do trabalho, os meios disponveis, ea sade da populao. Atravs da anlise ergonmica possvel aproximar-se das dificuldades enfrentadas nocotidiano do trabalho, as quais podem se originar doconflito entre a racionalidade do sistema e aracionalidade operatria. O ergonomista analisa astarefas no contexto onde elas so realizadas. Osmecanismos atravs dos quais o ser humano atinge osobjetivos desejados esto no centro desta anlise quepretende ao final fornecer elementos para atransformao das situaes. A anlise ergonmica dotrabalho (AET) tem como objetivo, sobretudo,compreender como o trabalhador faz para fazer a suatarefa (LIMA, 2000b). Na perspectiva da ergonomia,para entender o que o trabalho de uma pessoa, necessrio observar e analisar o desenrolar de suaatividade em situaes reais, em seu contexto,procurando identificar tudo o que muda e faz otrabalhador tomar micro-decises a fim de resolver ospequenos mas recorrentes problemas do cotidiano daproduo (ASSUNO; LIMA, 2002).

    A ergonomia no considera o trabalhador comoum mero executante de tarefas. Ele age medida emque confrontado com uma determinada situao,interpreta os dados disponveis e mensura o tempoalocado para cada operao, ou seja, ele regula e assim que obtm os resultados desejados. Sem essacapacidade de se moldar aos objetivos da produo queele incorpora, no h trabalho, no h produto final(ASSUNO, 2001).

    Os princpios apresentados acima orientam aabordagem do campo. Realizou-se um estudoergonmico entre junho e dezembro de 2000, solicitadopelo departamento de recursos humanos da empresa afim de projetar um mobilirio mais adequado. Trata-sede uma fbrica de anis, alianas, brincos, pulseiras,colares e pingentes* em ouro. A empresa funciona oitohoras/dia. O volume de peas a serem fabricadas varivel dependendo da demanda externa. Inicialmente,estudou-se o fluxograma geral da produo. Foram

    * A partir daqui o termo peas ser utilizado para se referir a cada uma dessas jias.

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    feitas entrevistas abertas com os funcionrios e osgerentes. Com exceo do design, todas as fases doprocesso so realizadas na prpria empresa, da fundioat a venda do produto final. Pode-se afirmar que umprocesso semi-artesanal. Apesar do maquinriomoderno, o processo depende das habilidades em todasas suas fases. A etapa seguinte do estudo consistiu emobservaes diretas das atividades em cada posto detrabalho*, onde tentou-se entender os critrios dequalidade perseguidos pelo trabalhador, bem como, asdificuldades enfrentadas. Respeitando a dinmica daproduo, o pesquisador entrevistava o trabalhadordurante a execuo de suas tarefas, em tempo real, natentativa de compreender os seus gestos e os seusmovimentos com as peas (em cera ou ouro), osinstrumentos e o maquinrio. As verbalizaessimultneas s observaes foram registradas (lpis epapel). Algumas situaes foram filmadas, outrasfotografadas, com o intuito de uma anlise maisdetalhada das posturas adotadas em momentosdiferentes da jornada de trabalho e em dias diferentesda semana considerando a variabilidade da natureza edo volume das tarefas. Atravs da anlise das filmagensfoi realizado um estudo detalhado das posturas, gestose movimentos adotados pelos trabalhadores,relacionando-os com as operaes anteriormenteavaliadas.

    Os resultados das primeiras observaes diretase abertas permitiram elaborar a hiptese do carterrepetitivo do trabalho em todos os postos analisados.Procedeu-se a quantificao do nmero de peasproduzidas em cada posto da montagem durante 60minutos, e a seguir calculou-se o ciclo de trabalho (otempo para a produo de uma pea). Em suma, asvariveis observadas foram: postura principal, ciclo detrabalho, critrios formais e informais de qualidade.

    RESULTADOS

    A fbrica constituda pelos seguintes setores:montagem, fundio, ourivesaria, acabamento final. Oprocesso de fabricao inicia-se no Setor de Montagemcom a preparao do molde e das peas em cera. Esseconjunto (molde e peas) ser reunido para, no Setorde fundio, dar origem s peas em ouro que seguiropara o Setor de Ourivesaria e finalmente para o Setorde Acabamento final. Como mencionado, para efeitosdesse artigo, ser focalizado o Setor de montagem, cujotrabalho do tipo artesanal contando com apenas umamquina, a injetora de cera. Trata-se de um processoartesanal semi-mecnico descontnuo. O processocomea no recebimento do modelo, confeccionado emprata, pelo modelista externo.

    * Neste artigo optou-se por apresentar os resultados do estudo ergonmico no setor de montagem.

    modeladora

    modelista

    injetora apurador mont. rvore

    fundio

    ourivesaria

    Cravao

    Figura 1 Fluxograma da produo de peas

    Na montagem existem os seguintes postos:modelagem, injeo de cera, apurao e montagem darvore (Figura 1). Dependendo do modelo, a pea queest sendo montada ser trabalhada no posto de

    cravao de pedra. Esses postos so dependentes entresi e o ritmo de trabalho determinado pela quantidadede pedidos. Assim, medida que o fluxo se inicia, aspeas trabalhadas determinam o ritmo do trabalho no

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    posto seguinte. Nos seus dizeres ali atrs vem ummonte, no gosto nem de olhar para trs depois doalmoo.

    Posto da modelagem

    Neste posto a funcionria recebe o modelo emprata preparado pelo estilista para, em seguida, prepararo molde de acordo com a previso do design. Afuncionria verifica o modelo, antes de inseri-lo nafrma de borracha. O objetivo criar um negativo emborracha, que em seguida ser preenchido com cera,dando origem a pea desse material (prottipo em cera).

    A trabalhadora pega a frma e com a ajuda deuma espcie de esptula ajeita a borracha flexvel,coloca o pino que garantir a fixao do modelo nainjetora de cera. Depois destes procedimentos, colocao modelo em prata. Em seguida coloca o conjunto namquina para vulcanizao, que permitir a borrachanatural se tornar resistente atravs de um aquecimentoa 170 graus durante 40 minutos.

    Terminado o processo de vulcanizao, afuncionria usando um estilete corta a borracha parafacilitar a retirada do modelo em prata, dando origem aonegativo da pea. Essa operao exige muita cautela ...o corte no pode deixar marca porque a a ceraescorre. Deixar a marca do corte compromete o trabalhorealizado no posto seguinte injeo de cera pois,provoca o extravasamento da cera para alm da reapretendida pelo modelo, prejudicando, assim, os critriosde qualidade estabelecidos. Para realizar essa operao,a trabalhadora realiza vrios movimentos com o punho,principalmente o de rotao. Nota-se a importncia dosgestos firmes e precisos e da ateno acurada necessriapara atender os critrios de qualidade.

    Posto da injeo de cera

    O molde em borracha preparado anteriormenteser colocado na mquina-prensa sob uma presso quecontrola a quantidade de cera a ser injetada. H um visorna mquina que indica a presso, existem oito graus depresso marcados e disponveis para seremcomandados, porm a trabalhadora no se orienta poressa informao. Ela comanda o nvel de pressonecessria por tentativa e erro, orientando-se pelo estadoda pea em cera ...se tiver muita rebarba tem dediminuir a presso.

    Resumidamente, a tarefa consiste em quatrooperaes: (1) colocar o molde na injetora; (2) controlara presso da injeo; (3) retirar o molde da injetora; (4)retirar o modelo em cera do molde.

    Quando a trabalhadora retira o molde da injetora,vai abri-lo para, ento, retirar a pea em cera,verificando se h irregularidades. Ela observa aquantidade de rebarba, se o entorno est perfeito, se opininho, onde uma pedra ser cravada, est emcondies para tal. Se, por exemplo, um anel em cerativer muita rebarba, iniciam-se novamente as operaes,comandando uma presso menor. Mas, a cada novainjeo, tudo pode mudar. Ou seja, a presso ideal parao momento anterior pode no ser para o outro, mesmoque o modelo seja o mesmo. Nota-se nesse processouma caracterstica da tarefa nem sempre visvel a umaanlise que negligencie a ao da trabalhadora: ela nos coloca e retira material da mquina, mas procuracomandar os nveis de presso mais ajustados aosobjetivos de qualidade.

    A funcionria K., trs anos de empresa, h umano trabalha no posto da injetora, cujo ciclo varia emtorno de dez segundos e exige manuteno da posturaesttica, com mnima variao. Trata-se, portanto, deum trabalho repetitivo.

    Durante uma hora de observao, ela colocoue retirou da injetora 174 moldes em cera, o ciclodurou 21 segundos. Nessa ao a principal posturaadotada foi: sentada, flexo cervical esttica, s vezesrotao cervical, flexo anterior esttica de tronco,flexo e abduo esttica de quadris, flexo estticade joelhos.

    As aes de colocar e retirar o molde da mquina,solicitam ambos os membros superiores com aduoesttica de ombro, flexo esttica de cotovelo, antebraoem neutro passando para prono, extenso dinmica depunho, com alterao do grau, flexo esttica dasmetacarpos, falanges mdias e distais. Oposio depolegar e extenso de sua falange distal para apreendera ferramenta utilizada.

    A segunda funcionria observadasistematicamente durante uma hora, colocou e retirouda injetora 182 moldes, o ciclo durou 20 segundos.Nessa ao a principal postura adotada foi: sentada,flexo cervical esttica, s vezes rotao cervical, flexoanterior esttica de tronco, flexo e abduo esttica dequadris, flexo esttica de joelhos.

    As operaes de colocar e retirar o molde damquina, solicitam ambos os membros superiores,havendo no entanto, maior constncia do membrosuperior direito para colocar e do esquerdo para retirar.As aes requerem aduo esttica de ombro, flexoesttica de cotovelo, antebrao em neutro passando paraprono, extenso dinmica de punho, flexo esttica dasmetacarpos, falanges mdias e distais. Oposio depolegar e extenso de sua falange distal.

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    Posto de cravao de pedras

    Aps confeccionadas em cera, as peas serocravadas com pedras preciosas que, embora parecidas,guardam a sua peculiaridade: forma e tamanhodiferentes. Exige-se ateno e cuidado para escolher apedra do tamanho certo para cada modelo em ceradentro do leque estreito de possibilidades, visto que aspedras j vm triadas. Essa verificao importantepara a qualidade do produto, evitando que a pedra solteno momento de fundio ...Crava e na hora dafundio cai ... tem que ter ateno ... olhar o tamanhoda pedra para ver direitinho. Segundo a trabalhadoraexiste o risco do encaixe imperfeito porque a pedra pequena. Ou seja, a pedra no pode ficar mal colocada,por isso so necessrios gestos firmes e precisos dosdedos.

    Quanto maior o nmero de pedras por modelo equanto menor o tamanho das pedras maior o tempodespendido para a cravao. Durante a observao dafuncionria W., trs anos na empresa, h dois meses nacravao, notou-se que o nmero de pedras por modeloera pequeno (mximo trs) e que as pedras erammaiores. Ela cravou 142 pedras em trinta e cincominutos de observao. O ciclo de trabalho durou emtorno de 14 segundos. Nessa ao a principal posturaadotada foi: sentada, flexo esttica cervical, flexoanterior esttica de tronco, flexo e abduo esttica dequadril, flexo esttica de joelhos.

    A ao de cravar as pedras solicita ambos osmembros superiores com abduo esttica de ombros,flexo esttica de cotovelos, pronao esttica deantebrao, extenso esttica de punho, extenso estticade metacarpos, flexo das falanges mdias e distais.Oposio de polegar e flexo de sua falange distal.

    Posto da apurao

    Neste posto as peas em cera cravadas com aspedras sero apuradas, quer dizer, ajustadas ao tamanhopretendido (circunferncia do anel, por exemplo). Cadamolde ter sua circunferncia trabalhada, o que exigeuma avaliao precisa das suas condies para garantirboa modelagem. O ciclo no curto, entretanto, as aesrealizadas solicitam um esforo muscular estticocontnuo importante, como mostra a Figura 2.

    s vezes necessrio cortar o molde paraestreit-lo. O corte feito com o pirgrafo e as pontascortadas so coladas com parafina quente. A seguir, comajuda de um estilete o trabalhador retira o excesso.Verifica se ficou torto, gira o molde, passa o estilete,assopra. Com uma espcie de esponja faz o acabamentoprocurando deixar a pea o mais limpa possvel.

    Figura 2 A postura cervical esttica no posto de trabalhode uma fbrica de jias

    Funcionria J., seis meses de empresa trabalhandona apurao. Em uma hora de observao apurou 18peas, resultando em uma pea a cada trs minutos. Nessaao a principal postura adotada foi: sentada, flexocervical esttica, flexo anterior esttica de tronco, flexoe abduo de quadris, flexo de joelhos.

    A ao realizada solicita movimentosdiferenciados dos membros superiores: membrosuperior direito em abduo esttica de ombro, flexoesttica de cotovelo, pronao esttica de antebrao,extenso dinmica de punho, flexo das metacarpos,flexo das falanges mdias e distais, oposio do polegarcom flexo de sua falange distal; membro superioresquerdo em abduo esttica de ombro, flexo estticade cotovelo, supinao esttica de antebrao, extensodinmica de punho, flexo das metacarpos, flexo dasfalanges mdias e distais, oposio do polegar.

    Em uma hora de observao de outra funcionria,dois meses de empresa, apurou 16 peas, resultandoem uma pea a cada quatro minutos. Nessa ao aprincipal postura adotada foi: sentada, flexo cervicalesttica, flexo anterior esttica de tronco, flexo eabduo de quadris, flexo de joelhos.

    A ao realizada solicita movimentosdiferenciados dos membros superiores: membrosuperior direito em abduo esttica de ombro, flexoesttica de cotovelo, pronao esttica de antebrao,extenso dinmica de punho, flexo esttica dasmetacarpos, flexo das falanges mdias e distais dosdedos, exceto falange distal do indicador que est emextenso, oposio do polegar; membro superioresquerdo em abduo esttica de ombro, flexo estticade cotovelo, supinao esttica de antebrao, extensode punho, flexo das metacarpos, flexo das falangesmdias e distais dos dedos, oposio do polegar.

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    Posto de montagem da rvore

    Depois que as peas em cera so cravadas comas pedras e apuradas, elas sero fundidas em torno deuma haste tambm em cera. medida, que os moldesem cera so fixos nessa haste, forma-se um conjuntocom aparncia de uma rvore (onde esto penduradosos moldes em cera) que seguir para uma frma emgesso, e, ento, levada ao forno. Cera e gesso temcomportamentos diferentes diante do aquecimento. Acera aquecida derrete, deixando um espao negativono gesso endurecido com o aquecimento. Este negativoser injetado, dessa vez com ouro no Setor de Fundio.

    Com o pirogrfo a trabalhadora aquece os moldesem cera (os moldes vm com um cabo destinado a estefim) de modo a fundi-los com a haste. H um apoio,regulvel, para a rvore que vai se formando. Elaprocura mant-lo no seu ngulo de viso, a 30 cm doplano de trabalho. A funcionria cuida para deixar osmoldes fixos, mas bem delimitados da hasteno podemisturar. Isso significa controlar o ponto de fuso, tercontrole sobre a temperatura do pirgrafo: dependendoda pea, eu abaixo a temperatura, estava muitoquente.

    Parece ser necessrio equilibrar as fuses, demaneira a garantir que a rvore fique em p. Ela diz:quando pecinha assim, d mais trabalho... cabemais, d mais trabalho.

    Durante uma hora de observao fundiu 166peas, ciclo de 21 segundos. As operaes realizadasnesse posto so repetitivas, mas no interior do ciclorepetitivo as variaes do modelo da pea pretendidaexigem ateno e concentrao. Segundo a funcionriaquando as peas so grandes (possuem dois cabos), amontagem da rvore mais rpida porque o nmero depeas acaba sendo menor devido ao espao ocupado.Os critrios de qualidade exigem preciso no gesto, poisna montagem da rvore, as peas devem ficar prximas(para que haja espaos vazios na rvore) mas sem setocarem. s vezes tem que se colocar uma pea grandeem um espao pequeno e o risco de derreter uma peavizinha aumenta. s vezes enquanto amolece as pontasdos cabos das peas a perfurao feita anteriormentena haste para receber o cabo se solidifica, obrigando atrabalhadora a recomear. Nota-se assim, a pressotemporal determinada pela natureza do material.

    Nessas aes a principal postura adotada foi:sentada, flexo anterior e lateral esttica da cervical,flexo anterior esttica de tronco, flexo e abduo dequadris, flexo esttica de joelhos.

    As aes solicitam ambos os membros superioresem abduo esttica de ombros, flexo esttica de

    cotovelos, pronao esttica de antebraos, extensoesttica de punhos, flexo esttica das metacarpos,flexo das falanges mdias e distais. Oposio dopolegar.

    DISCUSSO

    Como demonstrado, o trabalho no Setor demontagem repetitivo. O trabalho repetitivo implicaum elemento motor, e definido em termos de fora ede tempo. Trata-se da execuo de ciclos similares detrabalho que ocorrem mais de uma vez durante arealizao de uma tarefa, cuja durao do ciclo inferiora 30 segundos. Mas, o ciclo apesar de curto heterogneo, ou seja, possui componentes variveisdependendo da presena de fatores externos: tipo dejia, tipo de pedra, estado da mquina, volume daproduo.

    Alm de repetitivas, as tarefas realizadassolicitam habilidade e destreza manual, movimentosfirmes e precisos. Para alm da repetio, a precisodos movimentos realizados na regio distal dosmembros superiores impe uma carga esttica musculatura da regio proximal e solicita, assim, oconjunto do aparelho msculo-esqueltico dos membrossuperiores. Nota-se a exigncia de responsabilidade eateno no desenrolar das atividades de trabalho o queconduz a um aumento da contrao muscular esttica,que pode contribuir para a sobrecarga muscular global.Ou seja, os resultados obtidos mostram que essetrabalho apesar de repetitivo no essencialmentemanual. Ele exige concentrao, ateno eresponsabilidade. Todas essas exigncias estocertamente determinando as posturas, principalmenteas estticas cervicais como evidenciado na fotoapresentada anteriormente.

    As tarefas so realizadas sob presso temporal eem um contexto onde o erro no permitido pelasconseqncias possveis (desperdcio de matria-primacara). A presso temporal e o medo de errar podemaumentar a atividade muscular.

    Os cinco argumentos: movimentos precisossolicitam o conjunto do aparelho msculo-esquelticodos membros superiores, a responsabilidade, a ateno,o medo de errar, e a presso temporal aumentam aatividade muscular; fragilizam o pressuposto clssicode que a organizao dos segmentos corporais dependesomente da vontade dos indivduos, na maioria dasvezes mal educados. Ou seja, as posturas estticasno caso analisado so uma composio da tarefa defabricao de jias que exige movimentos precisos econtrolados das extremidades dos membros superiores.

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    O tamanho da pea tambm um determinante damaneira como os indivduos vo adotar posturas. Seriaintil tentar educar os trabalhadores da fbrica de jiasa evitar, por exemplo, a flexo cervical permanente, poispara enxergar detalhes da pea (em sua maioria, muitopequenas) ao mesmo tempo em que ela trabalhada, ofuncionrio aproxima sua cabea para garantir melhorfoco (visvel) solicitando a flexo cervical. As medidaspara o conforto nos postos de trabalho analisados devemser elaboradas levando-se em conta as aes dostrabalhadores, seus objetivos e impositivos do objetotrabalhado (pequeno, caro e bonito). Tentar prescrever

    a postura ideal intil, seria melhor agir sobre oprocesso tcnico-organizacional (LIMA, 2000c).

    CONCLUSO

    O profissional da Terapia ocupacional pode sebeneficiar dos resultados da AET quando chamado aorientar posturas no trabalho, medida que ele integraseu raciocnio clnico s razes que levam aqueletrabalhador, a permanecer em uma postura esttica portempo prolongado. atravs da mediao pelo trabalhoque a AET pretende abordar e esclarecer os problemasposturais.

    ALVES, G.B.O., ASSUNO, A.A., LUZ, M.G. The ergonomics approach in the studyof the postures of the work: the case a jewel industry. Rev. Ter. Ocup. Univ. So Paulo, v. 13,n. 3, p. 111-7, set./dez. 2002.

    ABSTRACT: The objective of this paper is to discuss the practice of Occupational Therapy onthe assessment of postures adopted by workers in real situations. An ergonomic study was carriedout in a jewel industry by means of open interviews between managers and workers, analyses ofadopted postures, description of work cycle duration, and evaluation of informal and formalquality criteria applied to the final products. The results pointed out for the repetitive nature ofthe work in the positions studied. On the other hand, the components were heterogeneous,demanding attention and concentration. These cognitive functions, among other determinants,influenced the adopted postures. The myth of an ideal posture and the limitations of the practiceof Occupational Therapy approach that do not take into account the significance of adoptedpostures in its evaluations are discussed.

    KEYWORDS: Evaluation studies. Occupational therapy/trends. Posture. Human engineering.Interviews. Industry/classification. Workers.

    REFERNCIAS

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    Recebido para publicao: 11/03/2002Aceito para publicao: 17/06/2002