O Chefe

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7 ‘O governo Lula é o mais corrupto de nossa história’ Qual a justificativa para o presidente da República nomear como ministro e integrante de seu primeiro escalão de auxiliares o homem que publicara, num dos jornais mais im- portantes do País, que ele, o presidente, era o chefe do governo “mais corrupto de nossa história”? Pois Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, nomeou o filósofo Roberto Mangabeira Unger no primeiro semestre de seu segundo mandato, em 2007, ministro da Secretaria de Planeja- mento de Longo Prazo, especialmente constituída para abrigá-lo. E não adiantou nem o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) inviabilizá-la tempos depois, du- rante uma rebelião para obter mais cargos no governo e proteção para o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o então presidente do Senado, acusado de corrupção. Apesar de o PMDB derrotar a Medida Provisória que criara o posto para Roberto Mangabeira Unger, Lula deu um jeito na situação, nomeando-o novamente, desta vez como ministro extraordi- nário de Assuntos Estratégicos. A posição do detrator estava garantida. “Pôr fim ao governo Lula” é o título do artigo de Roberto Mangabeira Unger publicado na Folha de S.Paulo em 15 de novembro de 2005, no sugestivo dia da Proclamação da República. O ano de 2005 havia sido marcado pela eclosão do escândalo do mensalão. Este é o parágrafo de abertura do artigo: “Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.” O que poderia ter levado o presidente da República a nomear como ministro o autor dessas acusações? E Roberto Mangabeira Unger não estava brincado, a julgar pela defesa que fez do impeachment de Lula. Ao denunciar “a gravidade dos crimes de responsabilida- de” supostamente cometidos pelo presidente, o então futuro ministro afirmou em seu artigo que Lula “comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos”. Alguém poderia argumentar que a nomeação de Roberto Mangabeira Unger seria um mal necessário. Coisa da política. E tentar explicá-la pela importância do filósofo, um pro- fessor da prestigiada Universidade de Harvard, das mais importantes dos Estados Unidos, por quase 40 anos. O Brasil, portanto, não poderia prescindir da experiência e do prestígio de Roberto Mangabeira Unger, que teria muito a contribuir com o País. Será mesmo? A cerimônia de posse do filósofo não demonstrou isso. Poucos ministros, cadeiras vazias, menos de uma hora de solenidade. E mesmo antes da criticada viagem de Roberto Mangabeira Unger à Amazônia, em 2008, na qual defendeu o desvio de águas da

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  • 7O governo Lula o maiscorrupto de nossa histria

    Qual a justificativa para o presidente da Repblica nomear como ministro e integrantede seu primeiro escalo de auxiliares o homem que publicara, num dos jornais mais im-portantes do Pas, que ele, o presidente, era o chefe do governo mais corrupto de nossahistria?

    Pois Luiz Incio Lula da Silva, o Lula, nomeou o filsofo Roberto Mangabeira Unger noprimeiro semestre de seu segundo mandato, em 2007, ministro da Secretaria de Planeja-mento de Longo Prazo, especialmente constituda para abrig-lo. E no adiantou nem oPMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro) inviabiliz-la tempos depois, du-rante uma rebelio para obter mais cargos no governo e proteo para o senador RenanCalheiros (PMDB-AL), o ento presidente do Senado, acusado de corrupo. Apesar de oPMDB derrotar a Medida Provisria que criara o posto para Roberto Mangabeira Unger,Lula deu um jeito na situao, nomeando-o novamente, desta vez como ministro extraordi-nrio de Assuntos Estratgicos. A posio do detrator estava garantida.

    Pr fim ao governo Lula o ttulo do artigo de Roberto Mangabeira Unger publicadona Folha de S.Paulo em 15 de novembro de 2005, no sugestivo dia da Proclamao daRepblica. O ano de 2005 havia sido marcado pela ecloso do escndalo do mensalo. Este o pargrafo de abertura do artigo:

    Afirmo que o governo Lula o mais corrupto de nossa histria nacional. Corrupotanto mais nefasta por servir compra de congressistas, politizao da Polcia Federal edas agncias reguladoras, ao achincalhamento dos partidos polticos e tentativa de dobrarqualquer instituio do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.

    O que poderia ter levado o presidente da Repblica a nomear como ministro o autordessas acusaes? E Roberto Mangabeira Unger no estava brincado, a julgar pela defesaque fez do impeachment de Lula. Ao denunciar a gravidade dos crimes de responsabilida-de supostamente cometidos pelo presidente, o ento futuro ministro afirmou em seu artigoque Lula comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato poltico que trocoudinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberao derecursos oramentrios, apoio para interromper a investigao de seus abusos.

    Algum poderia argumentar que a nomeao de Roberto Mangabeira Unger seria ummal necessrio. Coisa da poltica. E tentar explic-la pela importncia do filsofo, um pro-fessor da prestigiada Universidade de Harvard, das mais importantes dos Estados Unidos,por quase 40 anos. O Brasil, portanto, no poderia prescindir da experincia e do prestgiode Roberto Mangabeira Unger, que teria muito a contribuir com o Pas.

    Ser mesmo? A cerimnia de posse do filsofo no demonstrou isso. Poucos ministros,cadeiras vazias, menos de uma hora de solenidade. E mesmo antes da criticada viagem deRoberto Mangabeira Unger Amaznia, em 2008, na qual defendeu o desvio de guas da

  • 8regio para abastecer o Nordeste, sem considerar que centenas de milhares de amazonensesainda no dispunham de gua encanada, o ministro j era considerado, em mbito do gover-no, caf-com-leite. Ou seja, no lhe era atribuda importncia, nem de seu trabalho have-ria algo para se aproveitar.

    Outro trecho do artigo de Roberto Mangabeira Unger: Afirmo ser obrigao do Con-gresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladasde seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda no bastar para assegurarsua condenao em juzo. J so, porm, mais do que suficientes para atender ao critrioconstitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desres-peitou as instituies republicanas. Imiscuiu-se e deixou que seus mais prximos se imiscu-ssem, em disputas e negcios privados.

    Talvez, ento, a razo para a nomeao de Roberto Mangabeira Unger tenha sido deordem poltico-partidria. Ou seja, o filsofo traria para o governo a base social representa-da por seu partido, ampliando o nmero de legendas que davam sustentao administra-o Lula no Congresso. Como vimos, no entanto, Roberto Mangabeira Unger passou amaior parte da vida nos Estados Unidos, o que o forte sotaque no deixava desmentir. Nopossua qualquer base social, nem traria consigo qualquer fora orgnica da sociedade.

    Quanto a seu partido, o minsculo PRB (Partido Republicano Brasileiro) tinha menosde 8 mil filiados quando Roberto Mangabeira Unger se tornou ministro e era um dosmenores partidos polticos do Pas. No agregava praticamente nada base aliada deLula. Por apoio poltico-partidrio no faria sentido nomear Roberto Mangabeira Unger.Afinal, o PRB, ligado Igreja Universal do Reino de Deus, possua apenas trs deputadosfederais, um senador e o vice-presidente da Repblica, Jos Alencar (MG), que sara doPL (Partido Liberal) em decorrncia do escndalo do mensalo e foi o grande incentivadorda nomeao do filsofo.

    Em outro trecho do famoso artigo, Roberto Mangabeira Unger afirmou que Lula frau-dou a vontade dos brasileiros, ameaava a democracia com o veneno do cinismo e tinhaum projeto de governo que imps mediocridade. E mais: Afirmo que o presidente, aves-so ao trabalho e ao estudo, desatento aos negcios do Estado, fugidio de tudo o que lhe tragadificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua prpria ignorncia, mostrou-se inapto para ocargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou.

    Para fazer a vontade de seu vice Jos Alencar, um homem leal e doente, Lula s precisa-ria ter dito que gostaria muito de nomear algum indicado por ele, mas no poderia ser ohomem que o acusara de chefiar o governo mais corrupto da histria. Poderia ser qualquerum, menos aquele que conclamara o Congresso a derrub-lo da Presidncia da Repblica,por corrupo. Por que Lula nomeou Roberto Mangabeira Unger, autor de acusao tosria? Nas pginas deste livro, o leitor ser convidado a encontrar a resposta.

  • 9Montanhas de dinheiro: em pacotes,malas, carros-fortes e at em cuecas

    Da mesma forma que no se pode deixar de reconhecer os avanos das polticas sociaisresponsveis por tirar milhes de brasileiros da pobreza nos dois governos do presidenteLula, no h como minimizar o expressivo crescimento econmico e o incremento da inser-o do Brasil no cenrio mundial, tambm registrados no perodo.

    A era Lula significou, contudo, a continuidade do jeito criminoso de se fazer poltica noBrasil. Com a ressalva das honrosas excees, o grande objetivo das aes dos representan-tes do povo manteve-se o mesmo: usar cargos pblicos para participar de esquemas cujafinalidade primordial era desviar o dinheiro dos contribuintes. Obter comisses e caixinhas.Propinas. Para boa parte dos polticos brasileiros, independentemente da colorao partid-ria, a atividade poltica ainda o caminho fcil do enriquecimento.

    A notcia em destaque nas primeiras pginas dos jornais, no auge do escndalo domensalo, chocou o Pas: uma bolada de R$ 200 mil, acondicionada numa maleta, e outrosUS$ 100 mil escondidos na cueca, tudo transportado pelo assessor de um deputado do PT(Partido dos Trabalhadores, a legenda fundada pelo presidente Lula), preso no aeroporto deCongonhas, em So Paulo.

    Jos Adalberto Vieira da Silva trabalhava para o deputado Jos Nobre Guimares (PT-CE), irmo do ento presidente nacional do PT, Jos Genoino (SP). Rpido, Jos Adalbertoapagou a memria do celular. Disse ser agricultor. O dinheiro em seu poder, procurou justi-ficar, era resultado do comrcio de verduras. Logo foi desmascarado. Confessou quem era.Detido pela polcia, usou o palet para cobrir o rosto e se esconder dos fotgrafos.

    Outra imagem que marcou os anos Lula a da montanha de dinheiro apreendida pelaPolcia Federal no hotel Ibis Congonhas, em So Paulo, pouco antes das eleies nas quaisLula conquistaria seu segundo mandato, em 2006. O R$ 1,7 milho em cdulas de reais edlares seriam usados pelo PT para comprar um dossi contra polticos da oposio.

    A Polcia Federal acusou Hamilton Lacerda, coordenador da campanha do senador AloizioMercadante (PT-SP), candidato petista a governador de So Paulo naquele ano, de ter leva-do o dinheiro da corrupo ao hotel. Ele foi filmado por cmeras de segurana no saguo doIbis Congonhas, um dia antes da ao policial. Portava uma mala e se mostrava tenso.

    Nas mos cerradas de Hamilton Lacerda, a mala preta de viagem com a ala em volta doombro, uma garantia a mais de que ningum roubaria a preciosa carga no lobby do hotel. Elepegou o elevador e entrou num quarto. Saiu sem a mala. Na madrugada seguinte, voltou aoIbis. Desta vez com uma maleta e uma sacola plstica. Tudo filmado. Foi embora depois,sem a sacola. A explicao da Polcia Federal: o R$ 1,7 milho no coube na mala queHamilton Lacerda trouxera na vspera, e ele retornou com mais dinheiro.

    Quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o escndalo do mensalo,apresentou ao Pas o empresrio Marcos Valrio, dono de agncias de publicidade. Roberto

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    Jefferson era presidente nacional do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), partido da basealiada de Lula. Confessou que Marcos Valrio entregou-lhe R$ 4 milhes em 2004. RobertoJefferson descreveu Marcos Valrio e como recebeu a propina:

    - carequinha, falante e fala em dinheiro como se fosse assim uma coisa que casse docu. Primeiro foram R$ 2,2 milhes. Em duas malas enormes, notas de R$ 50 e R$ 100,etiquetadas por Banco Rural e Banco do Brasil. E trs dias depois, (...) ele volta com R$ 1,8milho. Notas de R$ 50 e R$ 100, Banco Rural e Banco do Brasil e a promessa de outrasquatro parcelas iguais.

    Roberto Jefferson citou Emerson Palmieri, apresentado como tesoureiro informal do PTB:- Eu pedi ao Emerson Palmieri que guardasse o dinheiro no cofre de um armrio

    de ao, grande.Emerson Palmieri confirmou os dois pagamentos. E acrescentou que as duas malas com

    a bolada eram de rodinhas. E a maioria das notas de R$ 50, sendo poucas notas de R$100. O tesoureiro deu mais detalhes: foi encarregado por Roberto Jefferson de dividir odinheiro no que chamou de bolos de R$ 150 mil e R$ 200 mil:

    - No coube tudo no cofre do partido, passei uma parte para um armrio do lado. Entre-guei a chave ao deputado Roberto Jefferson e ele me pediu sigilo.

    Outra testemunha importante do escndalo do mensalo, a secretria de Marcos Valrio.Fernanda Karina Ramos Somaggio relatou que Marcos Valrio mantinha frequentes conta-tos com Delbio Soares, tesoureiro do PT, e fazia reunies com o pessoal do PT:

    - Quando ele saa para as reunies, antes de sair, passava no andar de baixo, no Departa-mento Financeiro, e saa com uma mala.

    Em depoimento ao Conselho de tica da Cmara dos Deputados, Fernanda Karina Ra-mos Somaggio deu pormenores. Mencionou Geysa Dias dos Santos e Simone Vasconcelos,funcionrias de confiana da agncia de publicidade SMPB, de Marcos Valrio:

    - Quando o senhor Marcos ia a Braslia, sempre no dia ou no dia anterior eram sacadasgrandes quantias de dinheiro, pela Geysa ou pelos boys. Os boys falavam que tinha saque deR$ 1 milho. O dinheiro era levado para o Departamento Financeiro da agncia, onde aSimone e a Geysa dividiam os maos e colocavam nas malas.

    Outro trecho do depoimento de Fernanda Karina:- O senhor Marcos passava na empresa e pegava as malas para levar no avio fretado.

    Algumas vezes, a Simone dizia que ficava em um hotel em Braslia, dentro de um quarto, odia todo, contando dinheiro. E era um entra e sai de homem que ela ficava muito cansada.Ela s contava dinheiro e passava para essas pessoas.

    CPI (Comisso Parlamentar de Inqurito) que investigou corrupo nos Correios,Fernanda Karina falou da logstica dos saques de dinheiro vivo no Banco Rural:

    - A Simone ligava, avisando que os boys iam passar no banco e a agncia abria maiscedo. Eram dois ou trs boys que se dirigiam ao banco para dar garantia, em caso de assalto.Acontecia pelo menos uma vez por semana. O dinheiro era acomodado em valises tipo 007,que ficavam no Departamento de Finanas da agncia.

    Fernanda Karina envolveu outras pessoas, como o lder do PMDB, deputado Jos Borba(PR), que renunciaria ao mandato durante as investigaes do escndalo do mensalo, e

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    Silvio Pereira, o secretrio-geral do PT, surpreendido com um jipe importado em seu nome,mimo de uma empresa contratada pela Petrobras:

    - Uma vez, eu me lembro que o senhor Marcos saiu com uma mala e foi para Braslia noavio do Banco Rural. E eu sabia que nessa mala tinha dinheiro. Ele pediu para eu ligar parao Jos Borba e depois para Delbio ou Silvio Pereira, para dizer que estava indo para Brasliaencontrar Jos Borba.

    Ministro dos Transportes de Lula, Anderson Adauto (PL-MG) tambm foi acusado porFernanda Karina:

    - O irmo dele foi l na agncia, pegou uma mala de dinheiro e foi embora.Outro caso rumoroso ocorreria no gabinete do ministro Anderson Adauto, no segundo

    semestre de 2003. Da reunio teriam participado, alm de Anderson Adauto, RobertoJefferson, outros dois deputados e Delbio Soares, que supostamente levou uma mala dedinheiro para dividir entre os presentes.

    Foi rico o depoimento de Jos Francisco de Almeida Rego Polcia Federal. Ele eratesoureiro do Banco Rural e contou como a SMPB de Marcos Valrio remetia dinheiro deMinas Gerais a Braslia. Os saques tornaram-se usuais desde o incio de 2003, no primeiroano do governo Lula. As retiradas chegavam casa dos R$ 200 mil por operao. Um faxmencionava os valores e os nomes dos sacadores.

    O tesoureiro Jos Francisco de Almeida Rego cuidava da liberao do dinheiro junto aoBanco Central. Para evitar que os saques ficassem volumosos, trabalhava com notas de R$50 e R$ 100. Era tudo levado a uma determinada sala do Banco Rural em Braslia. Ascdulas eram colocadas em bolsas trazidas pelos prprios sacadores. Gente apressada que iaembora, em geral, sem conferir os valores.

    Simone Vasconcelos tambm cuidava de fazer retiradas na agncia do Banco Rural doBraslia Shopping. Mas nem sempre levava o dinheiro com ela. Assinava recibos e listava osnomes daqueles que passariam depois para receber. Desta forma, os nomes dos beneficiriosno ficavam registrados como sacadores. As pessoas simplesmente no eram identificadas.

    As investigaes do escndalo do mensalo demonstraram que Marcos Valrio operou adistribuio de dinheiro a deputados que apoiavam o governo Lula. Simone Vasconcelosfazia o trabalho de coordenar a entrega das somas. Foram atribudos a ela saques de R$ 6,1milhes. Cenas de cinema em outubro de 2003. Simone Vasconcelos fez duas retiradas,uma de R$ 800 mil e outra de R$ 650 mil. A bolada chegou de carro-forte ao escritrio daSMPB em Braslia.

    Em depoimento CPI dos Correios, Simone Vasconcelos disse que se sentia constrangidae preocupada de estar sendo identificada por desconhecidos, e tambm por estar entre-gando altas somas de dinheiro para estes, sem ao menos saber quem eram.

    Uma vez, Marcos Valrio quis saber a cor da blusa de Simone, para que fosse identificadapelo estranho que deveria receber o dinheiro. Ela tambm levou dinheiro a hotis de luxoonde estava Marcos Valrio. As entregas chegavam a R$ 300 mil.

    Em determinada ocasio, outra cena cinematogrfica: Simone Vasconcelos teve de loca-lizar um txi estacionado na frente de um certo centro de compras em Braslia e entregar aoocupante desconhecido um pacote de dinheiro.

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    Outro que chamou a ateno no esquema Marcos Valrio foi um policial mineiro denome David Rodrigues Alves, a quem foram atribudos saques de at R$ 6,5 milhes. Eleinformou que recebia pagamento variando entre R$ 50 e R$ 100 por vez que ia buscardinheiro em agncias do Banco Rural em Belo Horizonte. Tinha a incumbncia de levar assomas a Cristiano de Mello Paz, scio de Marcos Valrio na SMPB. Palavras do policial:

    - Os pacotes j estavam prontos nas agncias, eu apenas assinava o recebimento. Meutrabalho era retirar o dinheiro e entregar na SMPB.

    De acordo com David Rodrigues Alves, ficava tudo separado no banco, em maos lacra-dos. O transporte era feito em caixas de sapato, de camisa ou de telefone celular, dependen-do da quantia. Ele confessou que fazia at trs viagens por dia. Carregava de R$ 50 mil a R$150 mil por vez.

    Para no vincular Lula ao esquema de corrupo, o poderoso ministro da Casa Civil,Jos Dirceu (PT-SP), brao direito do presidente, fez o que pde para evitar ser relacionadoa Marcos Valrio. Se fosse descoberta ligao entre os dois, ficaria difcil dizer que Lula notinha nada a ver com o escndalo do mensalo. Afinal, o presidente era o grande beneficiriodo esquema: o suborno de parlamentares garantia maioria no Congresso para o governoLula. O esforo de Jos Dirceu foi em vo.

    A ligao Jos Dirceu/Marcos Valrio ficou escancarada na compra de um apartamentoem So Paulo por Maria ngela Saragoa, ex-mulher de Jos Dirceu. Depois de ser contra-tada pelo BMG, banco tambm prximo de Marcos Valrio e envolvido no esquema, Mariangela Saragoa recebeu emprstimo do Banco Rural. Ela tambm queria um apartamentonovo. Vendeu o velho a Rogrio Tolentino, scio de Marcos Valrio. Na hora de comprar onovo, levou dinheiro vivo, dentro de uma sacola.

    Um caso terrvel foi o assassinato do prefeito de Santo Andr (SP), Celso Daniel (PT).Aqui, Jos Dirceu tambm acabou envolvido. Ele foi acusado pelo promotor Amaro Thom,responsvel pela investigao da morte de Celso Daniel:

    - Parte dos recursos arrecadados em Santo Andr era utilizada em campanhas eleitoraisdo PT, levado em malas de dinheiro para o escritrio de Dirceu.

    Bruno Daniel, irmo do prefeito morto, afirmou ter ouvido do chefe de gabinete do presi-dente Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP), detalhes do caminho da propina em Santo Andr.Antes de ser guindado para o governo Lula, Gilberto Carvalho era secretrio do prefeito CelsoDaniel. Do depoimento de Bruno Daniel CPI dos Bingos, referindo-se a Gilberto Carvalho:

    - Ele foi claro: disse que os recursos arrecadados eram enviados ao PT para serem usadosno financiamento de campanhas. Era ele quem entregava o dinheiro a Jos Dirceu. Ele disseque havia momentos de tenso porque carregava o dinheiro, sem segurana, em seu Corsapreto e, em uma s ocasio, entregou R$ 1,2 milho ao deputado Dirceu.

    Em sesso sigilosa da CPI dos Bingos, uma ex-empregada de Celso Daniel disse terencontrado trs sacolas com dinheiro no apartamento do ento prefeito. Antes de sermorto, no incio de 2002, Celso Daniel era coordenador da campanha de Lula a presi-dente da Repblica.

    Jos Dirceu tambm foi envolvido com a distribuio de dinheiro na campanha eleitoralpara prefeito de Londrina (PR), em 2004. Na poca ele ainda era o superministro do presi-

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    dente Lula. Quem o denunciou foi Soraya Garcia, assessora financeira do prefeito NedsonMicheletti (PT), candidato reeleio. Segundo ela, Jos Dirceu circulou na cidade numautomvel blindado da marca BMW:

    - O ministro Jos Dirceu veio a Londrina em 18 de setembro. Era um sbado e durante asemana todo o mundo no comit financeiro reclamava de dificuldades para pagar contas decampanha. Na segunda-feira o comit tinha R$ 300 mil em caixa. Todo esse dinheiro era emnotas de R$ 100 e com lacre do Banco do Brasil.

    Soraya Garcia prestou depoimento Polcia Federal. Oficialmente, a campanha eleitoraldo PT em Londrina saiu por R$ 1,3 milho. J de acordo com ela, custou R$ 7,8 milhes. Odinheiro aparecia dentro de sacos plsticos de lixo e em sacolas de lojas.

    Outro caso ocorrido na campanha de reeleio de Nedson Micheletti em Londrina. Foinarrado pelo motorista Rogrio Bicheri. Ele trabalhava para o PT e recebeu ordens de pegardinheiro vivo no apartamento de Zeno Minuzo, um assessor de Paulo Bernardo (PT-PR),nomeado por Lula ministro do Planejamento. Do motorista:

    - Fui duas vezes l, em setembro e em outubro de 2004, dirigindo o carro de Fbio Reali,assessor do prefeito. Estacionei e o Fbio voltou com 20 envelopes, todos com nomes decoordenadores e vereadores em campanha. Era coisa de uns R$ 50 mil. Ele botou doisenvelopes no porta luvas, e o resto debaixo do banco. Ele disse que dessa forma, se fsse-mos roubados, levariam menos dinheiro.

    Diversos casos vincularam malas recheadas de dinheiro ao PT nos anos Lula. No finalde 2007, veio tona a histria de uma mala abarrotada com R$ 500 mil, entregue ao partidodo presidente da Repblica por duas empresas supostamente laranjas que teriam agido aservio da empresa multinacional norte-americana Cisco, interessada em vender produtosde informtica para a Caixa Econmica Federal.

    Um caso que deu o que falar envolveu a multinacional norte-americana Gtech, da reade sistemas de informao, e a mesma Caixa Econmica Federal. Vale a pena registrar aacareao promovida pela CPI dos Bingos entre Rogrio Buratti, ligado ao esquema doento ministro da Fazenda, Antonio Palocci (PT-SP), a quem a Caixa estava subordinada, eMarcelo Rovai, diretor da empresa multinacional.

    A discusso entre os dois era sobre a propina que Rogrio Buratti disse ter sido oferecidapela Gtech para renegociar um contrato com a Caixa. A multinacional estaria disposta adesembolsar entre R$ 500 mil e R$ 16 milhes, dependendo do que ficasse acertado, sendoque no final do negcio a empresa teria consumado um pagamento de R$ 5 milhes a umaintermediria da corrupo, uma empresa de nome MM Consultoria. A reao de MarceloRovai ao dirigir-se a Rogrio Buratti, que se tornara dono de empresas de nibus:

    - O senhor recusou R$ 16 milhes. O senhor, com a sua biografia, recusou? Quantosnibus dava para comprar com esse dinheiro?

    Agora o depoimento CPI dos Bingos de Walter dos Santos Neto, da tal MM Consultoria.Ele estava protegido por habeas-corpus para no ser preso. Tentou dar origem lcita para osR$ 5 milhes e, para justificar o destino do dinheiro e negar ter sido um intermedirio dapropina, disse sofrer do distrbio compulso ou disfuno do gasto. Declarou assim:

    - Posso dizer que a motivao que sempre tive em relao ao dinheiro vem de uma

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    deformao de minha personalidade, a necessidade de ver o dinheiro, de se sentir como poder.

    Assim, Walter dos Santos Neto alegou ter sacado R$ 650 mil transferidos pela Gtech,por exemplo, e mandado entregar o dinheiro em sua casa em carro-forte, a fim de gast-lo:

    - Minhas despesas so chocantes, gasto com frivolidades. Sou uma pessoa doente ecomecei a fazer tratamento psiquitrico.

    Depois que Jos Dirceu foi cassado por corrupo, Antonio Palocci virou o superministrode Lula. Mas por pouco tempo. Caiu sob a acusao de ter determinado a violao do sigilobancrio de um homem simples, o caseiro Francenildo Santos Costa, encarregado de cuidarde uma manso em Braslia que ficou conhecida como a casa dos prazeres. L, a turma deAntonio Palocci se divertia com garotas de programa.

    A agenciadora das prostitutas era Jeany Mary Corner. Ela contou que Rogrio Buratti,fiel escudeiro de Antonio Palocci, montou um esquema no qual as meninas punham di-nheiro dentro de revistas que eram colocadas em envelopes de papel. E saam por Brasliaentregando a correspondncia. Elas teriam pagado mensales de R$ 50 mil a oito deputa-dos. Jeany Mary Corner tambm recebeu R$ 50 mil. Para ficar quieta. Justificou:

    - Fiquei no anonimato todo esse tempo. Fui muito digna. Diferentemente de outros queabriram a boca. Por isso, pedi ajuda. Isso chantagem? O caseiro Francenildo Santos Costa viu a dinheirama que rolava na casa dos prazeres.Afirmao dele ao envolver Vladimir Poleto, tambm ligado a Antonio Palocci:

    - Via, via notas, pacotes de R$ 100 e R$ 50 na mala de Vladimir. Ele trazia muito dinheiro.Vladimir Poleto prestava servios para Antonio Palocci desde quando o ministro da

    Fazenda de Lula era prefeito de Ribeiro Preto (SP). Depois da morte do prefeito CelsoDaniel, o prefeito Antonio Palocci assumiu o papel de coordenador de campanha de Lula.

    Alguns meses antes da eleio, Vladimir Poleto foi a Braslia de avio apanhar trscaixas de bebida, todas lacradas com fitas adesivas. Caixas de usque e de rum cubano.Dentro, cdulas norte-americanas. O dinheiro, US$ 1,4 milho ou US$ 3 milhes, depen-dendo da verso, teria vindo de Cuba para irrigar a campanha de Lula.

    Transportadas para So Paulo, as tais caixas foram parar nas mos de Ralf Barquete,outro prcere da repblica de Ribeiro Preto, e levadas num automvel Omega, blindado,at o destino final: as mos do tesoureiro Delbio Soares.

    Delbio Soares, alis, tornou-se bode expiatrio para as tramias do PT. Num dos rarosmomentos em que se despiu do papel de nico responsvel por todos os males, o tesoureiro,amigo histrico de Lula, escreveu uma carta endereada ao PT, para afirmar que o caixa 2 prtica antiga e habitual no partido, pela qual jamais se viu uma punio. E, com ironia:

    Respeito a ingenuidade. No sei, no entanto, de onde imaginavam que o dinheiroviria se do cu, puxado por renas e conduzido por um senhor vestido de vermelho emenos ainda me recordo de que alguma preocupao com a origem desses recursos tenhame sido transmitida.

    Mais uma montanha de dinheiro, desta vez para pagar parte da encomenda de 2,7 mi-lhes de camisetas Coteminas, empresa do vice-presidente da Repblica, Jos Alencar. OPT levou em cash R$ 1 milho. O dinheiro foi entregue por Marice Corra de Lima, coorde-

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    nadora administrativa do partido, ao presidente da Coteminas, Josu Gomes da Silva, filhode Jos Alencar. Palavras dele:

    - Era dinheiro do PT. Eu no tinha por que pensar diferente.A essa altura, final de 2005, o PT j tinha afastado Delbio Soares para tentar se livrar

    dos problemas. Reao do novo tesoureiro, Paulo Ferreira:- No h nada dessa natureza registrado. Nenhum pagamento de R$ 1 milho Coteminas.O novo tesoureiro no levou em conta que Marice Corra Lima, depois de entregar a

    pacoteira, assinou recibo. Confrontado novamente, Paulo Ferreira disse que ela cumpriuordens, nem sabia o que estava levando. Em seguida, corrigiu-se:

    - Pode no ter sabido, entendeu? Para tentar salvar a ptria, Delbio Soares. Explicou que o R$ 1 milho, dinheiro de caixa2, estava no cofre do PT. No convenceu o relator da CPI dos Correios, deputado OsmarSerraglio (PMDB-PR):

    - Ningum neste Pas acredita que ele tenha guardado R$ 1 milho em espcie durantequase um ano, enquanto diuturnamente era abordado por credores.

    Alm de Delbio Soares, perdeu o emprego o petista Henrique Pizzolato. Era diretor demarketing do Banco do Brasil. Comprou um apartamento a uma quadra da praia deCopacabana, no Rio, por R$ 400 mil. Um ms antes, Henrique Pizzolato havia enfiado nosbolsos R$ 326 mil, em dinheiro vivo, sacado de uma conta bancria da DNA Propaganda,outra agncia de publicidade de Marcos Valrio. O pacote com as notas foi retirado em umaagncia do Banco Rural, no centro do Rio.

    Amigo de Lula h 30 anos, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) tambm terminou en-volvido com pacotes de dinheiro. Quem o denunciou foi o doleiro Antonio OliveiraClaramunt, o Toninho da Barcelona. O operador de Devanir Ribeiro era o prprio filho dodeputado, Marcos Lustosa Ribeiro, o Marco. Usava o gabinete do pai, na poca vereadorem So Paulo. As trocas de dlares por reais eram frequentes. Dependendo da quantia, odinheiro era carregado em sacolas, envelopes ou, como disse Marcelo Viana, incumbido detransportar as cdulas para o gabinete de Devanir, preso s meias ou debaixo da roupa.

    Em depoimento conjunto s CPIs dos Correios, do Mensalo e dos Bingos, Toninho daBarcelona confirmou as operaes com Marco. Durante a sesso, Devanir Ribeiro procu-rou intimid-lo, ameaando-o com um processo. Em resposta, o doleiro enumerou somas edatas em que pacotes de dinheiro foram levados ao filho Marco, em 2002: US$ 30 mil em10 de julho, US$ 25 mil em 17 de julho, US$ 20 mil em 5 de agosto, US$ 8,5 mil em 9 deagosto, US$ 10 mil em 10 de agosto e US$ 35 mil em 30 de setembro.

    Quem tambm mexeu com dinheiro vivo foi Zilmar Fernandes Silveira, scia do publi-citrio Duda Mendona, responsvel pela campanha eleitoral que elegeu Lula em 2002.Duda Mendona confessou que recebeu R$ 10,5 milhes em uma empresa offshore nasBahamas. Mas no foi s. Parte do acerto da campanha ficou para ser recebido, em dinheirovivo, na agncia do Banco Rural situada na avenida Paulista, em So Paulo. Zilmar FernandesSilveira encarregou-se de buscar os pacotes, de R$ 300 mil. Palavras dela:

    - Cheguei na tesouraria do Rural e o rapaz me trouxe um pacote de dinheiro. Eu meassustei, porque pensei que ia receber um cheque administrativo.

  • 16

    A scia de Duda Mendona logo se acostumou rotina. Confessou que voltou nos diasseguintes para pegar mais duas boladas de R$ 300 mil cada uma, e depois para fazer outrasduas retiradas, de R$ 250 mil cada vez. Total: R$ 1,4 milho.

    Em 16 de julho de 2003, Marcos Trindade e Paulo Antnio Bassoto, militantes do PT doRio Grande do Sul, tentaram embarcar com R$ 200 mil em dinheiro vivo no aeroporto deCongonhas. Marcos Trindade carregava R$ 50 mil. Conseguiu. Paulo Antnio Bassoto,com R$ 150 mil, foi detido. Para evitar o problema, Marcos Trindade passou a viajar denibus. Fez quatro viagens. Confessou que levou R$ 850 mil em dinheiro vivo do valerioduto,sempre de Belo Horizonte a Porto Alegre.

    Quem tambm viajou de nibus transportando dinheiro foi Geraldo Reis, do PT da Bahia.Foi para Vitria da Conquista (BA) com uma mala carregada com R$ 200 mil. Dois assal-tantes acabaram com a festa. De acordo com o testemunho de passageiros que estavam nonibus, os ladres reagiram surpresos ao abrir a mala. Foram embora satisfeitos. O PT noregistrou queixa na polcia.

    Ainda na Bahia, o caso do deputado Josias Gomes (PT-BA), um dos denunciados porenvolvimento no escndalo do mensalo. Acusado de receber R$ 100 mil repassados porMarcos Valrio, negou. Disse que fora ao Banco Rural apenas para obter informaes sobreum emprstimo. Depois, confessou o saque. Esteve pessoalmente na agncia e apresentou oprprio documento antes de fazer a retirada. Agiu como amador. Ao conceder entrevista,Josias Gomes declarou que o mensalo nunca existiu e foi criado pela imprensa. O discursodo deputado:

    - Refuto as acusaes que me so impostas. No sou corrupto. Jamais o serei.No Maranho, o tesoureiro local do PT, Lus Henrique Sousa, se gabou ao dizer numa reu-

    nio do partido que a direo nacional do PT enviara um emissrio a So Lus com uma malarepleta de verdinhas. Na verdade no eram dlares, mas R$ 327 mil em reais. O dinheiro decaixa 2 teria sido mandado por determinao do ento presidente do PT, Jos Genoino (SP).

    A histria de outra mala de dinheiro foi narrada por Wendel Resende de Oliveira, quetrabalhou como motorista para a deputada Neyde Aparecida (PT-GO). Os R$ 200 mil foramtransportados por ele do Diretrio Nacional do PT em So Paulo para Goinia. Por orienta-o da deputada, o motorista viajara a So Paulo de avio, apanhara a mala e seguira denibus at a capital de Gois. Era mais seguro assim. Entregou a mala ao filho da deputada.O dinheiro teria sido repassado depois ao irmo de Neyde Aparecida, candidato a prefeitode Quirinpolis (GO) na poca, e a Carlos Soares, irmo de Delbio Soares.

    Quando ainda era o poderoso tesoureiro do PT, Delbio Soares telefonou ao vice-presi-dente do partido em Braslia, Raimundo Ferreira da Silva Jnior, e pediu para ele buscar umenvelope. Raimundo Ferreira sabia que o contedo era dinheiro vivo, mas no quanto:

    - O Delbio me ligou de So Paulo e pediu para que eu fosse at a agncia do Rural,onde deveria pegar um dinheiro que ele estava precisando para umas despesas. Ele medisse que precisava de algum de confiana para buscar o pacote. Como sou amigo dele,nada mais natural.

    Agora, o PT de Mau (SP). Altivo Ovando Jnior era secretrio de Habitao da Prefei-tura local, comandada pelo PT. O grupo Peralta queria construir um centro de compras.

  • 17

    Precisava da administrao municipal que desapropriasse alguns imveis. Altivo OvandoJnior contou como Valdemir Garreta, ligado a Marta Suplicy (PT-SP), nomeada depoisministra do Turismo de Lula, abordou o empresrio Armando Jorge Peralta:

    - Se no der dinheiro, no vai ter shopping.Valdemir Garreta teria exigido R$ 1,8 milho. O empresrio topou dar seis parcelas de

    R$ 300 mil cada. Quem confessou ter buscado duas das parcelas em Osasco (SP) foi oprprio Altivo Ovando Jnior. A primeira veio em cheque. A segunda, em dinheiro vivo,acabou nas mos de Jos Mentor (PT-SP), que foi vereador lder da prefeita Marta Suplicyna Cmara Municipal de So Paulo, antes de ser eleito deputado federal. Trecho do depoi-mento de Altivo Ovando Jnior ao Ministrio Pblico:

    O dinheiro lhe foi entregue em uma caixa de arquivo, destas de papelo, devida-mente lacrada.

    Em 2007, no primeiro ano do segundo mandato de Lula, o Brasil foi atormentado pelassucessivas denncias de corrupo contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presi-dente do Senado e protegido de Lula. Uma das acusaes contra Renan foi feita pelo advo-gado Bruno Miranda Ribeiro Brito Lins, em depoimento Polcia Civil de Braslia.

    Bruno Miranda, afilhado de casamento de Renan Calheiros, denunciou que pelo menosem seis ocasies foi encarregado pelo lobista Luiz Garcia Coelho, amigo e scio de Renan,de buscar dinheiro, supostamente de propina. Bruno Miranda havia sido casado com a filhado lobista. O advogado confessou:

    - s vezes, tinha muito dinheiro. Depois parava, vinha pouquinho. Que eu tive acesso, omaior foi de R$ 3 milhes no BMG. Peguei uma sacola.

    Em seu depoimento, Bruno Miranda relatou que em 2005 viajou de carro a Belo Hori-zonte, para apanhar um pacote com R$ 300 mil em notas de R$ 100 e R$ 50, que seriarepartido em Braslia. O advogado revelou que a propina facilitou uma negociata no INSS(Instituto Nacional de Seguro Social), presidido na poca pelo deputado Carlos Bezerra(PMDB-MT), ligado a Renan Calheiros. A histria vai ser contada adiante. De qualquerforma, Bruno Miranda contou que levou R$ 150 mil a Carlos Bezerra no hotel Metropolitan.

    O advogado tambm envolveu na tramoia outro aliado de Renan, o senador RomeroJuc (PMDB-RR). Ministro da Previdncia Social e responsvel pelo INSS no primeiromandato de Lula, Romero Juc foi afastado depois da abertura de inqurito para investigaro envolvimento dele com desvio de emprstimos e com propriedades rurais fantasmas. Nosegundo mandato, Lula escolheu Romero Juc como lder do Governo no Senado.

    Um motorista de Romero Juc, alis, chegou a admitir ter feito um saque de R$ 50 mil naagncia do Banco Rural do Braslia Shopping:

    - Eu s cheguei l e disse: Meu nome Roberto Jefferson Marques. A, o cara falou:Ah, tudo bem. S isso. E me entregou um envelope amarelo, grampeado em cima. Noabri, no fiz nada.

    Ao denunciar o escndalo do mensalo ao STF (Supremo Tribunal Federal), o procura-dor-geral da Repblica, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, afirmou em seu relat-rio que o lder do PMDB na Cmara, deputado Jos Borba (PR), compareceu ao BancoRural do Braslia Shopping para sacar R$ 200 mil. Recebeu o dinheiro das mos de Simone

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    Vasconcelos, a prestativa auxiliar de Marcos Valrio. Do relatrio do procurador-geral, aoexplicar que Borba procurara o tesoureiro do banco, Joo Francisco de Almeida Rego:

    Todavia, Jos Borba recusou-se a assinar qualquer documento que comprovasse o rece-bimento da importncia acima, fazendo com que Simone Vasconcelos se deslocasse atessa agncia, retirasse, mediante a sua prpria assinatura, a quantia acima informada, eefetuasse a entrega desse numerrio ao ento parlamentar.

    Denunciado por envolvimento no escndalo do mensalo, Jos Borba renunciou ao man-dato. Ele teria sido encarregado de receber, quase sempre noite, uma fila de deputados doPMDB, numa sala da Cmara. Um total de 55 deputados do PMDB, todos da base aliada dogoverno Lula, teriam recebido mensales. As quantias teriam variado de R$ 10 mil a R$200 mil, dependendo do cacife de cada um. O procurador-geral s acusou o lder Borba.

    Um dos operadores do PMDB teria sido o advogado Roberto Bertholdo, assessor deJos Borba e integrante do Conselho de Administrao da hidreltrica de Itaipu, nomeadono governo Lula. Bertholdo teria viajado em jatinho particular com uma caixa de papeloabarrotada com R$ 8 milhes em dinheiro vivo. Ficou com medo de transportar a quantia?

    - Que perigo, o qu? Eu t operando para o governo.Antonio Celso Garcia, o Tony Garcia, foi amigo de Bertholdo. Depois, acusou-o:- O Bertholdo nunca andava com menos de R$ 50 mil, R$ 100 mil em dinheiro. Ele

    falava que era para fazer coisas eventuais, atender um ou outro.Roberto Bertholdo tambm acusou, mas mirou o lder do PP (Partido Progressista), de-

    putado Jos Janene (PR), outro a cumprir importante papel na base aliada do governo Lula,durante o primeiro mandato da administrao do PT. Aqui, Bertholdo tambm envolveu umdoleiro, Alberto Youssef. Afirmou ter visto o homem levar sacolas de dinheiro ao aparta-mento de Jos Janene em Braslia, para subornar parlamentares que apoiavam Lula:

    - Por pelo menos trs vezes. Uma vez, ele abriu uma sacola para mostrar algo aoJanene e vi que eram reais. Em uma outra vez, as sacolas eram to pesadas que a Cleide,a cozinheira do Janene, teve que ajudar o Youssef a levar as sacolas para um aposentointerno do apartamento.

    De fato, o PP esteve sempre nas fileiras de sustentao do governo Lula no Congresso. Eo presidente da Repblica no poupou esforos na hora de proteger o aliado e presidente daCmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), acusado de cobrar propina de umfornecedor da Cmara.

    Sebastio Buani, dono do restaurante Fiorella, deu dinheiro a Severino Cavalcanti, a fimde receber autorizao para reajustar o valor das refeies e a manter o estabelecimentoaberto. Sebastio Buani confessou:

    - O dinheiro foi entregue em envelopes pardos, ns saamos pelos corredores com odinheiro nas mos, eu e ele andando pelos corredores.

    Apesar dos esforos de Lula, o mensalinho de Severino Cavalcanti, no valor de R$ 10mil, levou o presidente da Cmara a renunciar ao mandato. Severino Cavalcanti ficou commedo de ser cassado e queria se eleger novamente. No conseguiu ser deputado em 2006,mas foi eleito prefeito Joo Alfredo (PE) em 2008. Segundo Buani, ele s decidiu parar desubornar o deputado depois de um pedido da filha, Gisele Buani:

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    - Um dia minha filha me viu contando dinheiro numa quarta-feira para pagar a propina,e disse: Pai, sai dessa vida porque a gente no precisa disso. O senhor est deixando depagar funcionrios que moram longe e ganham pouco para pagar propina.

    Joo Cludio Genu, que ocupou o cargo de chefe de gabinete do deputado Jos Janene(PP-PR), foi apontado como responsvel pela distribuio de envelopes com dinheiro adeputados do PP. Aps aderir ao governo Lula, em 2003, a bancada do PP pulou de poucomais de 20 para 56 parlamentares. Mensalinhos e mensales variavam de R$ 5 mil a R$ 30mil, conforme o quilate do poltico. A grana era distribuda na penso, como era conheci-do o apartamento de Jos Janene, ou na sala da liderana do PP na Cmara.

    Em depoimento Polcia Federal, Joo Cludio Genu admitiu que fez vrios saques emdinheiro vivo na agncia do Banco Rural do Braslia Shopping. Ele confessou retiradas nototal de R$ 850 mil. Mas negou ter distribudo o dinheiro a deputados. Disse que funcionavacomo uma espcie de mula, apenas transportando valores. Pegava os envelopes entreguespor Simone Vasconcelos, punha dentro de uma pasta tipo 007, sem conferir, e entregava,sem mexer, na presidncia do PP.

    Na denncia do procurador-geral da Repblica, Joo Cludio Genu foi acusado de rece-ber dinheiro em malas e sacolas e tambm dentro de um quarto do hotel Grand Bittar ou nasede da agncia de publicidade SMPB, em Braslia. Outro operador da distribuio da pro-pina dentro do PP teria sido o deputado Joo Pizzolatti (PP-SC). Ele foi acusado de circularcom dinheiro dentro de malas nos corredores da Cmara, protegido por funcionrios da reade segurana do Congresso. No foi denunciado.

    O PL (Partido Liberal) ocupou papel de destaque na sustentao poltica do primeiromandato de Lula. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto (SP), foi acusado pela ex-mulher, Maria Christina Mendes Caldeira, de pagar as despesas sempre em dinheiro vivo:

    - Teve uma poca em que comecei a reclamar muito e ele passou a usar eventualmenteum carto. Mas ele mantinha um cofro em nossa casa que parecia um armrio. Tenho asnotas fiscais desse cofre. Quando nos separamos, sa denunciando a existncia dele. E oValdemar mandou uma empresa ir l retirar o cofre.

    Em depoimento Comisso de tica da Cmara dos Deputados, Maria Christina Men-des Caldeira relatou uma conversa entre Valdemar Costa Neto e o deputado Carlos Rodrigues(PL-RJ), na qual o assunto era o suborno de parlamentares para engordar a bancada do PL:

    - Ouvi a conversa e vi o dinheiro, guardado no cofre da nossa casa. Ela ouviu conversas sobre malas de dinheiro e disse ter visto uma mala repleta de dlaresdestinada ao deputado maranhense Remi Trinta. Maria Christina Mendes Caldeira contouque Valdemar Costa Neto gostava de andar de jatinho e torrar dinheiro em cassinos. Emuma noite, no Uruguai, perdeu US$ 500 mil. Em outra ocasio, em Las Vegas, nos EstadosUnidos, deixou R$ 300 mil num cassino. Ela revelou tambm:

    - Na volta de uma viagem acabei trazendo, sem saber, uma mala de dinheiro.Na CPI do Mensalo, Jacinto Lamas, que atuou como tesoureiro do PL, afirmou ter ido

    buscar, por orientao de Valdemar Costa Neto, pacotes, envelopes e encomendas, sempre emdinheiro vivo, na sede da SMPB em Belo Horizonte, e na agncia do Banco Rural no BrasliaShopping. Quando ia pegar o numerrio em hotis, Simone Vasconcelos fazia a entrega:

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    - Era sempre um acerto entre o Valdemar e o Delbio.No segundo mandado de Lula, o PL se transformou em PR (Partido da Repblica).

    Valdemar Costa Neto, que havia renunciado ao mandato para evitar possvel cassao, dis-putou a eleio seguinte e foi novamente eleito deputado federal. Mas ficou de fora dapresidncia do novo partido. O PR continuou na base aliada de Lula. Em 2007, Emlio dePaula Castilho, assessor e sobrinho do deputado Aracely de Paula (PR-MG), foi preso comquase R$ 80 mil em dinheiro vivo.

    A soma estava em uma caixa de papelo dos Correios, embrulhada com papel e lacradacom fita adesiva, dentro de uma mala de roupas no automvel de Emlio de Paula Castilho.Nervoso, ele disse aos policiais que a grana era fruto da venda de um carro usado. Depoiscorrigiu para dois veculos. Por fim alegou que eram trs automveis, comprados por umhomem com nome incerto, que teria feito o negcio sem ao menos ver o que estava com-prando, s na confiana.

    Outro escndalo da era Lula que no pode deixar de ser mencionado o dos sanguessu-gas, escancarado pela Polcia Federal no ltimo ano do primeiro mandato da administraodo PT. O esquema fraudulento envolveu possivelmente dezenas de deputados, prefeituras efuncionrios do Ministrio da Sade. Fornecia ambulncias a preos sobrevalorizados.

    O advogado Eduardo Mahon comentou o depoimento de Maria da Penha Lino, funcio-nria do Ministrio da Sade presa durante a operao. Ele citou o trecho em que Maria daPenha Lino se refere ao motorista Fernando Freitas, encarregado de transportar garagemdo Congresso os donos da empresa que negociavam as ambulncias:

    - Na garagem, pegavam as malas e colocavam o dinheiro no palet, nas meias e nascuecas. Passavam pelo detector de metal da chapelaria. No dava nada. Subiam Cmara.Iam de gabinete em gabinete, fazendo os acertos. Acabava o dinheiro, voltavam para o carroe pegavam mais. Na cara dura, na cueca, na meia.

    Cassado por corrupo, o ex-ministro Jos Dirceu resolveu desabafar revista Piau. Jcorria o ano de 2008. Jos Dirceu mencionou o episdio da construo da sede do PT emPorto Alegre, em 2001. Sabia do que estava falando: na poca, Jos Dirceu era o presidentedo partido e Delbio Soares, o tesoureiro.

    De acordo com Jos Dirceu, a obra em Porto Alegre foi feita s com dinheiro de caixa2. Ele acrescentou: era com mala de dinheiro. O ex-presidente do PT chamou de essepessoal as lideranas gachas do partido:

    - Chegava para Delbio e falava: Delbio, preciso de R$ 1 milho. Como que al-gum vai arrumar esse dinheiro assim, de uma hora para outra?

    Jos Dirceu explicou:- O pobre do Delbio tinha de ir aos empresrios conseguir doaes. A, estoura o mensalo

    e esse pessoal vem dizer que o Delbio era o homem da mala. O que no dizem que a malaera para eles.

    Em outro trecho da entrevista, Dirceu atacou a ex-senadora Helosa Helena (PSOL-AL).Expulsa do PT, ela passou a denunciar condutas inadequadas de parte das lideranas dopartido. O ataque de Jos Dirceu:

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    - Ela votou contra a cassao do Luiz Estevo. Votou mesmo, e por motivos impublicveis.Helosa Helena reagiu, chamando Jos Dirceu de ladro dos cofres pblicos e de an-

    dar passeando pelo Brasil e gastando todo o dinheiro que ele roubou do povo:- Se durante toda a carreira dele de homem pblico medocre e ladro ele cometeu in-

    meros atos que certamente no podem ser publicados, eu, como mulher trabalhadora, nuncafui capaz de nenhum ato impublicvel.

    Em 2009, a Polcia Federal desencadeou a Operao Boi Barrica e indiciou FernandoSarney, filho do presidente do Senado, Jos Sarney (PMDB-AP), um dos maiores aliados deLula. Fernando Sarney foi acusado de montar um esquema para desviar dinheiro pblicousando a Valec, empresa estatal encarregada de construir a ferrovia Norte-Sul.

    A relao de Fernando Sarney com a Valec se dava por intermdio do diretor de Enge-nharia da estatal, Ulisses Assad. Uma parte da obra, no valor de R$ 45 milhes, teria sidoentregue Lupama. Conforme as investigaes, a Lupama era uma empresa de fachadaligada ao grupo de Fernando Sarney para desviar dinheiro da ferrovia.

    Para pagar pelos servios de Ulisses Assad, Fernando Sarney teria mandado propina pormeio de seu motorista. Uma mala de dinheiro seguiu de Braslia para So Paulo. Os federaisestavam na cola, mas no contaram com o zelador do prdio da famlia Sarney na capitalpaulista. Ele percebeu a movimentao e ajudou o motorista a entrar escondido com a maladentro do porta-malas de um carro de Fernando Sarney. O homem se safou.

  • 22

    Lula, o chefe

    O Palcio do Planalto bem que tentou abafar, mas desde o incio o presidente Lulaesteve no centro da crise poltica. O escndalo do mensalo eclodiu em 14 de maio de2005, com a divulgao de uma gravao clandestina pela revista Veja. Maurcio Mari-nho, funcionrio dos Correios, ps no bolso do palet R$ 3 mil. Propina. De cara, a evi-dente vinculao do PTB ao esquema de corrupo. Os Correios eram rea de influnciado partido, uma das agremiaes integrantes da base aliada do Governo Federal, capita-neada pelo PT, a legenda de Lula.

    Enquanto os telejornais escancaravam a fita com as imagens de Maurcio Marinhoenfiando o dinheiro no bolso, Lula apressava-se em defender o deputado RobertoJefferson (RJ), presidente nacional do PTB. Palavras de Lula, alto e bom som, em 17 demaio de 2005:

    - Precisamos ter solidariedade com os parceiros, no se pode condenar ningumpor antecipao.

    Lula se pronunciou durante almoo com aliados. O presidente insistiu:- Parceria parceria. Tem de ter solidariedade.E arrematou, para no deixar dvidas:- Essa a hora em que Roberto Jefferson vai saber quem amigo dele e quem no .Lula estava preocupado. Recorda-se que, alguns meses antes, dissera a seguinte frase

    endereada a Roberto Jefferson, em meio ao noticirio que especulava sobre um pagamentode R$ 10 milhes do PT ao PTB, com vistas a comprar o apoio dos trabalhistas s eleiesmunicipais de 2004:

    - Eu te daria um cheque em branco e dormiria tranquilo.A gravao de Maurcio Marinho trouxe outras complicaes. Como se sabe, ele desan-

    dou a conversar com os interlocutores que o subornavam, sem saber que estava sendo gra-vado. O funcionrio dos Correios mencionou uma empresa, a Novadata, pertencente a MauroDutra, o Maurinho, amigo de Lula havia mais de 20 anos. A Novadata fornecia computa-dores para o Governo Federal. Apenas nos dois anos e meio da primeira administrao Lula,faturou R$ 284,5 milhes, sendo R$ 110 milhes em contratos com a Caixa EconmicaFederal, R$ 100 milhes em contratos de locao de 27.500 computadores para a Petrobrase R$ 16,2 milhes em vendas aos Correios.

    Aqui uma pausa, para registrar: Lula passou o rveillon de 2001 na manso de MauroDutra em Bzios, no badalado litoral do Rio. O mesmo Maurinho que fez contribuies aoPT, arrecadou dinheiro para o partido e emprestou avio a Lula. Na fita, Maurcio Marinhofala de acertos em licitaes. Descreve manobra da Novadata para superfaturar computa-dores. A empresa tentou fazer o preo de cada computador vendido ao governo dar um saltoinjustificado, de R$ 3.700 para R$ 6.000.

    Logo nos primeiros dias da crise, Lula trabalhou abertamente contra a ideia de se criaruma CPI para investigar a corrupo nos Correios. Foi deciso de governo: a administrao

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    federal iria liberar dinheiro de emendas ao Oramento a todos os parlamentares que votas-sem contra a CPI. Faltou combinar com os jornais.

    Roberto Jefferson foi destaque no noticirio poltico. As incurses do presidente doPTB nos subterrneos de Braslia revelaram vrias suspeitas de corrupo. Lula achou porbem se afastar do aliado, mas continuou a trabalhar contra a instalao da CPI. RobertoJefferson estava cada vez mais isolado. Os estrategistas do presidente no imaginaram queo desgaste do poltico fluminense o levasse a uma reao explosiva.

    Em 6 de junho de 2005, Roberto Jefferson concedeu uma entrevista-bomba ao jornalFolha de S.Paulo. O Brasil no seria mais o mesmo. A manchete, na primeira pgina, parano deixar dvidas: PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson. Oescndalo do mensalo assumiria contornos dramticos.

    Leal ao presidente que procurou proteg-lo, Roberto Jefferson tentou deix-lo fora dacrise. Mas logo implicou o superministro Jos Dirceu (PT-SP). A Folha de S.Paulo tambmreproduzia a reao de Jos Dirceu, assim que ouviu Roberto Jefferson falar sobre os repas-ses. Infere-se que a tarefa de fazer as operaes de distribuio do dinheiro era de responsa-bilidade do tesoureiro do PT, Delbio Soares. Palavras de Jos Dirceu:

    - Eu falei para no fazer.Ora, se o todo-poderoso ministro da Casa Civil, brao direito de Lula, disse a Delbio

    Soares para no fazer, fica implcito que a prtica fora pensada, discutida e provavelmenteera de amplo conhecimento do chamado ncleo duro do governo. Destaca-se que Delbiotinha relao histrica com Lula.

    Mas voltemos a Roberto Jefferson, que envolveu no seu relato Folha de S.Paulo ou-tros importantes auxiliares do presidente. Se os mencionados j no conhecessem os fatos,ficariam com a obrigao de tomar providncias assim que foram informados. Afinal, Lulano poderia permanecer alheio existncia de um esquema que entregava dinheiro a parla-mentares. Isso, claro, se j no soubesse muito bem o que acontecia.

    Roberto Jefferson contou que levou informaes sobre o mensalo ao ministro daIntegrao Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). Da mesma forma que Jos Dirceu, deveriainformar o presidente sobre o que lhe fora relatado. Assim, providncias enrgicas impedi-riam o prosseguimento da prtica de suborno. E faria isso como dever de lealdade, indepen-dentemente das suas convices. Conforme Jefferson, Ciro Gomes lhe disse que no acredi-tava na histria da transferncia de dinheiro de caixa 2 para a base aliada.

    Rodeado de ministros leais, Lula no fugiria do seu dever constitucional de determinarimediata abertura de investigaes, com a finalidade de punir eventuais culpados. Outrahiptese, porm: Lula teria dado carta branca s operaes de suborno. Agora, deixaria otempo amainar a situao, confiando na falta de memria da imprensa e dos brasileiros.

    Depois foi a vez de Miro Teixeira (PT-RJ), ministro das Comunicaes. Os deputadosJos Mcio (PTB-PE) e Joo Lyra (PTB-AL) testemunharam a conversa na qual RobertoJefferson pediu para Miro Teixeira contar tudo a Lula. Tem mais. Jefferson tambm discutiuo problema com o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), o ento lder do governo Lula naCmara dos Deputados, e garante que exps tudo ao ministro Antonio Palocci (PT-SP),outro integrante do ncleo duro do governo. O recado estava dado.

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    Aparentemente, s Miro Teixeira levou a coisa a srio. Pelo menos num primeiro mo-mento. A prova que informaes prestadas por ele fizeram o Jornal do Brasil denunciar emmanchete, em 24 de setembro de 2004: Planalto paga mesada a deputados. Trecho deabertura da reportagem: O governo montou no Congresso um esquema de verbas e cargospara premiar partidos fiis ao Planalto. Chama-se mensalo.

    No houve consequncias. O ento presidente da Cmara, deputado Joo Paulo Cunha(PT-SP), prometeu instaurar sindicncia para apurar a denncia do Jornal do Brasil, mas foitudo engavetado s pressas. E Miro Teixeira capitulou. Antes disso, no entanto, havia narra-do o caso a Lula. A que a coisa pega. Miro Teixeira era oriundo do PDT (Partido Demo-crtico Trabalhista), mas se transferira para o PT e assumira a liderana do governo Lula naCmara dos Deputados. O episdio aconteceu logo aps o escndalo que culminou com asada de Waldomiro Diniz do Ministrio da Casa Civil, no primeiro grande caso de corrupoda era Lula, a ser relatado adiante.

    Miro Teixeira, no papel de lder, era assediado por deputados que temiam pelo fim damesada fornecida pelo governo, uma hiptese aventada com a sada de Waldomiro Diniz.Afinal, o assessor de Jos Dirceu, defenestrado da Casa Civil, cuidava justamente da rela-o da administrao federal com o Congresso. Miro Teixeira foi duro. Em 25 de fevereirode 2004, disse ao presidente que deixaria a liderana do governo. No aceitava os pagamen-tos. Com ar de surpresa, Lula garantiu desconhecer o assunto. E disse que iria discuti-lo,sem falta, com Jos Dirceu. Nada. Pouco mais de um ms depois, Miro Teixeira voltou aoPalcio do Planalto e pediu para sair da liderana. Infelizmente, no levou o caso at asltimas consequncias. Substituiu-o o deputado Professor Luizinho (PT-SP), que viria pos-teriormente a ser acusado de envolvimento no mesmo escndalo do mensalo.

    Em 5 de janeiro de 2005, Roberto Jefferson levou o assunto diretamente a Lula. Quemtestemunhou foi o ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), do Turismo. Nenhumaprovidncia tomada. Roberto Jefferson voltou a Lula novamente, em 23 de maro de 2005.Desta vez, vrias pessoas ouviram a conversa sobre as mesadas do Delbio. Jeffersonexps tudo. Presenciaram Jos Dirceu, Aldo Rebelo e Jos Mcio. Todos os trs, alis, jsabiam do assunto. Alm deles, ouviram o relato o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e ochefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP). Da mesma forma, eles no poderiammais alegar desconhecimento. Jefferson afirmou:

    - Presidente, o Delbio vai botar uma dinamite na sua cadeira.Reao de Lula:- Que mensalo?Interessante destacar que no segundo mandato de Lula, Walfrido dos Mares Guia e Jos

    Mcio, braos direito e esquerdo de Roberto Jefferson no PTB at eclodir o escndalo domensalo, seriam promovidos por Lula. Walfrido iria do morno Ministrio do Turismo parao chamativo Ministrio das Relaes Institucionais, exatamente para ser o responsvel pelarelao do governo com o Congresso. E Mcio sairia da liderana do PTB para a lideranado governo na Cmara. E quando Walfrido fosse afastado depois da acusao de envolvimentocom o chamado mensalo mineiro, Lula no teria dvidas: promoveria mais uma vez Mcio,nomeando-o ministro das Relaes Institucionais. Em 2009, Lula recompensaria os bons

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    servios prestados por Mcio, indicando-o para uma vaga no TCU (Tribunal de Con-tas da Unio).

    Por que os aliados de Roberto Jefferson assumiram papis de destaque na administraoLula? simples: porque blindaram Lula no episdio das denncias de Roberto Jefferson.No respaldaram nem deram eco s acusaes que poderiam levar ao impeachment do pre-sidente. E foram recompensados por terem sido leais.

    Mas voltemos uma vez mais no tempo. Houve outro episdio, dez meses antes daque-le encontro entre Jefferson e Lula, em 23 de maro de 2005. Ocorreu na noite de 25 demaio de 2004. O curioso que, desta vez, Lula introduziu o assunto. A comitiva do presi-dente estava em viagem oficial China. L pelas tantas, depois do farto jantar, Lula sevirou para o deputado Paulo Rocha (PT-PA) e perguntou se ele j ouvira falar do paga-mento de mesadas a parlamentares. Para entender: durante os desdobramentos do escn-dalo do mensalo, Paulo Rocha preferiu renunciar ao mandato a correr o risco de sercassado, justamente por ter feito saques de dinheiro de caixa 2. Rocha negou a histria,obviamente. Mas outros trs deputados que estavam no jantar na China confirmaram averacidade da conversa revista Veja.

    Com a exploso do escndalo do mensalo, Aldo Rebelo (PC do B-SP) foi escaladopara falar em nome do Palcio do Planalto. Admitiu que Lula ouvira mesmo o relato deJefferson em 23 de maro de 2005, mas tratou de proteger o presidente. Para Rebelo, adenncia envolvia o PT e outros partidos, no o governo. Ora, o PT o partido de Lula. E osoutros partidos do sustentao poltica ao governo Lula. Estavam sendo pagos para isso.Como proteg-lo?

    O lder de Lula no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), tentou explicar a reunio de23 de maro:

    - Nenhum dos presentes tratou aquilo como denncia, nem discutiu o assunto na reu-nio. Depois, Lula chamou Aldo e Chinaglia e perguntou se havia comentrios sobre isso naCmara. No houve denncia, apenas o relato de boato.

    Para Aloizio Mercadante, portanto, Lula, o grande beneficirio da maioria forjada paraapoiar o seu governo no Congresso, no tinha providncias a tomar sobre o assunto. Pois,afinal, no havia comentrios sobre o tema.

    A Folha de S.Paulo ainda circulava com a denncia de Roberto Jefferson sobre o mensalonaquele 6 de junho de 2005, quando o governador de Gois, Marconi Perillo (PSDB), veioa pblico revelar que dois deputados receberam propostas para se transferir base aliada dogoverno Lula, em troca de dinheiro. Mais lenha na fogueira.

    Pior: em 5 de maio de 2004, Marconi Perillo j havia levado o fato diretamente aoconhecimento de Lula. Na poca, o presidente disse que iria apurar. No fez nada. De qual-quer forma, no teria sentido dizer que no sabia do assunto. Meses depois, fustigado, oPalcio do Planalto se posicionou sobre o episdio por meio de nota. Informou que Lula nose recordava de nenhum comentrio do governador Marconi Perillo a respeito de uma ten-tativa de suborno de deputados. Mais uma vez, Lula foi convenientemente escondido.

    Em 12 de junho de 2005, nova entrevista de Roberto Jefferson Folha. Ele deu detalhesda conversa com Lula, dentro do gabinete do presidente:

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    - Ele me pediu que explicasse como funcionava o mensalo. Eu disse. Depois ele selevantou, me deu um abrao e eu sa. Na entrevista, a chave para entender por que o escndalo do mensalo no foi contido nosbastidores da poltica, e virou mesmo um escndalo. Roberto Jefferson relatou reprterRenata Lo Prete a primeira conversa com Lula para falar dos repasses, em janeiro de 2005.Roberto Jefferson esforou-se em salvaguardar o presidente:

    - E vi a reao dele de perplexidade. E ento as coisas pararam. Mas o que eu estranho que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongascontra o PTB. Algum, dentro do governo, no gostou que ns passamos essa informaoao presidente.

    O algum de Jefferson era o ministro Jos Dirceu. Teria sido acionado por Lula. E aAbin (Agncia Brasileira de Inteligncia) entrara em ao, segundo o presidente do PTB.No final das contas, mostrou-se desastrosa a estratgia de fuar a vida de Jefferson paradescobrir podres do deputado, com vistas a obter o seu silncio. Ele no aceitou a chanta-gem. O tiro saiu pela culatra.

    Dia 13 de junho de 2005, o seguinte entrevista da Folha: a assessoria de Jos Dirceudivulgou informaes segundo as quais o relacionamento entre o ministro da Casa Civil e opresidente Lula era excelente. Bobagem. O importante do recado de Jos Dirceu estavana frase que, segundo a assessoria, o ministro havia proferido. A fala de Dirceu foi divulgadacomo sendo textual, entre aspas, e serviu para definir a sua relao com Lula:

    - No fao nada que no seja de comum acordo e determinado por ele.Estava tudo a. Dirceu, ao travar combate para no ser expelido do governo, fez ameaa

    velada a Lula, como quem diz: No ouse me fritar, muito menos me demitir. Sei demais.Posso e vou compromet-lo. Mas ficou nisso. Dirceu jamais fez nada, apesar de, em outrosmomentos da crise, ter voltado a insinuar que poderia pr o dedo na ferida. Chegou a alfine-tar o presidente em algumas ocasies, como da vez que fez crticas a Fbio Lus Lula daSilva, o Lulinha, em entrevista concedida no incio de 2008 revista Piau.

    O mais importante da frase em que Dirceu deu o recado a Lula, porm, a confissode que agia conforme o acertado com o presidente. Por si s, a frase deveria ter se constitu-do em elemento de peso para justificar a abertura de processo por crime de responsabilida-de contra Lula.

    Em 14 de junho de 2005, Roberto Jefferson prestou depoimento ao Conselho de tica daCmara dos Deputados. Foi um dia histrico. Ele pediu o afastamento de Jos Dirceu do gover-no. Na prtica, sentenciou queda o homem mais importante da histria do PT, depois de Lula:

    - Z Dirceu, se voc no sair da rpido, voc vai fazer ru um homem inocente, opresidente Lula.

    Para complicar as coisas, entrou em cena Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretriade Marcos Valrio. A essa altura, Marcos Valrio, o empresrio dono de agncias de publicidadee principal operador do mensalo, j era uma celebridade. Fernanda Karina disse em entrevista revista Isto Dinheiro que Marcos Valrio tinha comunicao direta com Jos Dirceu.

    O superministro de Lula tambm foi acusado de receber dinheiro do esquema decorrupo montado em Santo Andr (SP). Quem fez a denncia foi Francisco Daniel, irmo

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    do ex-prefeito Celso Daniel (PT). Aqui, Lula voltou ao centro da crise. Francisco Danieldisse que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, transportou R$ 1,2 milho depropina em seu carro. A origem do dinheiro, devidamente entregue ao ento presidentenacional do PT, Jos Dirceu, seria a propina arrecadada na Prefeitura de Santo Andr.

    Jos Dirceu foi afastado do governo em 16 de junho de 2005. Fazendo-se de alheio aosproblemas, como sempre, Lula deu entrevista em Luzinia (GO) para dizer que as dennci-as eram vazias. Entrementes, nos bastidores de Braslia, o presidente trabalhava parafrustrar a CPI dos Bingos, uma nova fonte de investigaes contra o seu governo. Prometeumundos e fundos para quem ficasse ao seu lado, mas no impediu a instalao da comisso.

    Um episdio que mostrou Lula como sujeito atuante nos bastidores de seu governo, eno algum sempre por fora dos detalhes comprometedores, como procurava se mostrar.Foi o caso da simples nomeao do diretor de Engenharia da empresa estatal FurnasCentrais Eltricas. O assunto relatado por Roberto Jefferson ocupou vrias pginas de jor-nal. No era para menos. O diretor, Dimas Toledo, administrava, de acordo com RobertoJefferson, uma sobra de R$ 3 milhes ou R$ 4 milhes por ms, dependendo da verso,dinheiro abocanhado quase integralmente pelo PT.

    O caso Furnas acabou contribuindo para o desgaste da relao PT/PTB, pois o partidode Roberto Jefferson no aceitava ficar margem, relegado a um segundo plano. Pois bem:na partilha de cargos do governo, ficou combinado que Jefferson exerceria influncia emFurnas. Ele queria trocar Dimas Toledo. Lula era simptico ao pleito do PTB. O presidentedissera a Jefferson:

    - Roberto, por que est demorando tanto?Lula no aceitaria argumentao alguma que prejudicasse o PTB:- Nada disso. O Dimas vai sair.No caminho, porm, estava Jos Dirceu, aparentemente cioso da fortuna em comisses

    e propina. Quando a casa caiu, Roberto Jefferson contou a histria aos jornais. A reaoinstantnea do Palcio do Planalto foi afastar todos os citados, inclusive Dimas Toledo. Masa histria de Roberto Jefferson revelou que Lula tinha pleno conhecimento do que se passa-va nos pores do governo e palpitaria nas nomeaes para cargos de escales inferiores.

    Outro caso vinculado diretamente a Lula ocorreu em 8 de julho de 2005, a partir denotcia publicada pelo jornal O Globo. A Telemar, uma das maiores operadoras de telefoniado Pas, investira R$ 5 milhes na pequena Gamecorp, de Fbio Lus Lula da Silva, oLulinha. Como se sabe, a Telemar fora constituda com recursos de origem pblica, pro-venientes do Banco do Brasil, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico eSocial) e fundos de penso de empresas estatais. Alm disso, era empresa concessionria deservio pblico, regulada pelo Governo Federal.

    O negcio Telemar/Gamecorp foi intermediado pela consultoria de Antoninho MarmoTrevisan, outro amigo de Lula. Para o presidente, porm, nada de errado. A reao dele,nervosa, pretendendo pr um ponto final no assunto que envolvia seu filho:

    - Esto querendo mexer na minha vida privada. Isso uma baixaria, um golpe baixo, umdesrespeito. Isso irracional.

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    Voltemos a um acontecimento importante, ocorrido em 17 de junho de 2005. Lula deu afamosa entrevista em Paris, divulgada com exclusividade pelo programa Fantstico, da RedeGlobo. O impressionante da histria foi o coro do presidente ao que acabara de ser dito porMarcos Valrio e Delbio Soares, ambos metidos at o pescoo na lambana do escndalo domensalo. A estratgia dos trs, apesar da diferena de tom das intervenes, foi a mesma:negar os pagamentos a parlamentares, ou seja, o crime de corrupo, e pr tudo na conta desimples repasses para quitar dvidas de campanha, usando caixa 2. Um crime menor, portanto,apenas eleitoral. Para Lula, o PT fez o que feito no Brasil, sistematicamente:

    - E no por causa do erro de um dirigente ou de outro que voc pode dizer que o PTest envolvido em corrupo.

    Enquanto Lula minimizava a crise, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) acusava o quechamou de crime de quadrilha:

    - Agora, o partido est dentro do governo, e foram usadas empresas pblicas como oCorreios e Furnas, para fazer transaes ilcitas. Favoreceram essas empresas em troca dodinheiro dado ao partido.

    Difcil tapar o sol com a peneira. Olvio Dutra (PT-RS), petista histrico, foi demitidodo Ministrio das Cidades. Ressentido, desabafou durante entrevista: a disputa e a con-centrao de poder no governo fizeram crescer a erva daninha. Referia-se erva daninhada corrupo.

    Para ajudar a entender Lula, um acontecimento de 1995, dez anos antes do escndalo domensalo. Outro petista histrico, o economista Paulo de Tarso Venceslau, procurou o presidentepara conversar. Denunciou-lhe um esquema de corrupo que envolvia o advogado RobertoTeixeira, compadre de Lula. Ele vinha usando o nome de Lula para desviar dinheiro de prefeitu-ras do PT. Venceslau no aceitava a prtica, uma forma de irrigar os cofres do partido.

    O economista achou que Lula o ajudaria a extirpar o corrupto que manchava o nome doPT, mesmo que o caso envolvesse seu compadre. Resultado: Paulo de Tarso Venceslau foiexpulso do partido. Quanto a Teixeira, continuou firme e forte. Venceslau concedeu entre-vista ao jornal O Estado de S. Paulo:

    - Lula foi o primeiro a saber do caso. Sabia do comprometimento do seu compadre,sabia do volume de dinheiro pblico envolvido, e fez questo no s de acobertar, mas depunir quem tinha descoberto.

    O economista comparou Lula nos dois casos. Na dcada de 90, candidato a presidente,ao ser informado das andanas de Teixeira atrs de comisses em prefeituras, e depois,presidente da Repblica, com o escndalo do mensalo:

    - Eu levei para ele, pessoalmente. E o tempo todo fingiu que no sabia. Evidentementeque Lula no operava, assim como no est operando hoje. Mas como ele sabia naquelapoca, ele sabe hoje, sempre soube.

    Depoimento de Jos Dirceu ao Conselho de tica da Cmara. Quem roubou a cena foiRoberto Jefferson. Veio tona a operao Portugal Telecom. Os fatos: o ministro Walfridodos Mares Guia pediu ajuda a Lula para resolver problemas financeiros do PTB. Com osuposto conhecimento do presidente, Marcos Valrio e Emerson Palmieri, tesoureiro doPTB, viajaram a Lisboa atrs de uma comisso que poderia chegar a R$ 100 milhes. A

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    jogada pressupunha uma transferncia de US$ 600 milhes do IRB (Instituto de Ressegurosdo Brasil), outro rgo do governo brasileiro envolvido nas denncias. Se desse certo, os R$100 milhes irrigariam os caixas 2 do PT e do PTB. Marcos Valrio chegou a Portugal sedizendo consultor do presidente do Brasil. E ele era mesmo.

    Mais uma histria apimentada misturando Lula e caixa 2. Foi publicada em 4 de agostode 2005, pelo jornal O Estado de S. Paulo. Diz respeito a uma entrevista do presidente aoPrograma do Ratinho, do SBT, em 2004. A apario de Lula na televiso teria sido compra-da com R$ 2,1 milhes do valerioduto, como ficou conhecido o canal pelo qual corria odinheiro movimentado por Marcos Valrio. A soma teria viabilizado um acerto entre o de-putado Jos Borba (PMDB-PR), aliado do governo, e o apresentador de televiso CarlosRoberto Massa, o Ratinho. As partes negaram, obviamente. Dias depois, o escndalo domensalo levaria Borba a renunciar ao mandato.

    Um caso intrigante, o da exonerao de Mrcio Arajo de Lacerda (PSB-MG), entosecretrio-executivo do ministro da Integrao Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). MrcioLacerda, que seria eleito prefeito de Belo Horizonte em 2008, estava na lista de sacadoresde Marcos Valrio, agraciado com R$ 457 mil. O dinheiro teria sido usado para pagar osservios publicitrios de uma agncia que trabalhou na campanha de Lula, no segundoturno de 2002, conforme admitiu o tesoureiro Delbio Soares. A eleio de Lula, portanto,teria sido irrigada com dinheiro de caixa 2. O caso repercutiu durante o depoimento deDelbio Soares CPI do Mensalo. Eis o dilogo travado entre Delbio Soares e o deputa-do Jlio Redecker (PSDB-RS), que faleceu em 2007 no desastre com o avio da TAM noaeroporto de Congonhas, em So Paulo. Pergunta de Jlio Redecker:

    - O dinheiro foi enviado para Ciro Gomes?- Sim.- Pagou despesas de campanha de Ciro ou Lula?- De Ciro.- Mas Ciro disse que foi servio prestado pelo marqueteiro dele no segundo turno

    campanha de Lula.- No foi. O dinheiro pagou servios prestados pelo (publicitrio) Einhart campanha

    de Ciro no segundo turno.- Mas Ciro no foi candidato no segundo turno. Ele apoiou a candidatura Lula.- O Einhart trabalhou com o Duda Mendona. Eles filmaram o Ciro para o programa de

    Lula no segundo turno. O dinheiro pagou despesas que o Ciro teve no segundo turno.- Ento o dinheiro de Valrio, de caixa 2, pagou despesas de campanha de Lula no

    segundo turno.Delbio silenciou.A crise assumiu contornos dramticos em 11 de agosto de 2005. O publicitrio Duda

    Mendona confessou CPI dos Correios que recebeu R$ 10,5 milhes de Marcos Valrioem depsitos no exterior. Note-se bem: trata-se de dinheiro de caixa 2, no declarado, semorigem definida, usado para pagar servios prestados na campanha de 2002, no pleito queelegeu Lula. Dia seguinte, em discurso no Planalto, Lula quis dar fim ao caso:

    - O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas.

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    Em 13 de agosto de 2005, a revista poca publicou entrevista com Valdemar Costa Neto(PL-SP), o primeiro deputado a renunciar durante as investigaes do escndalo do mensalo.Em foco, uma reunio ocorrida em 2002 para decidir o apoio do PL ao PT e a indicao deJos Alencar para vice de Lula. O encontro se deu no apartamento do ento deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Braslia.Paulo Rocha, alis, tambm renunciaria em 2005, com medo de ser cassado, depois de noconseguir negar a sua participao no esquema de corrupo. Lula estava presente reuniono apartamento de Paulo Rocha. Depois de rdua negociao, durante a qual Lula, discreto,teria se retirado a um aposento ao lado, fechou-se o acordo pelo qual o PT se prontificava atransferir R$ 10 milhes para o PL, a fim de obter o apoio do partido de Jos Alencar. pocaperguntou a Valdemar Costa Neto:

    - Lula sabia que a conversa no quarto era sobre dinheiro?- Ele sabia. O presidente sabia o que a gente estava negociando. Olha, ele e o Z Dirceu

    construram o PT juntos. O Lula sabia o que o Dirceu estava fazendo. O Lula foi para l parabater o martelo. Tudo o que o Z Dirceu fez foi para construir o partido.

    Note-se bem: Valdemar Costa Neto era o presidente do partido do vice-presidente da Rep-blica. A sigla pertencia base aliada do governo. A confisso dele teria sido outro elementoimportante para justificar a abertura de processo por crime de responsabilidade contra Lula. Vale registrar trecho da entrevista de Hlio Bicudo, respeitvel jurista, revista Veja.Hlio Bicudo, quadro histrico do PT, desligou-se do partido:

    - Lula um homem centralizador. Sempre foi presidente de fato do partido. imposs-vel que ele no soubesse como os fundos estavam sendo angariados e gastos e quem era oresponsvel. No porque o sujeito candidato a presidente que no precisa saber de di-nheiro. Pelo contrrio. a que comea a corrupo.

    - Por que o presidente no tomou nenhuma atitude para impedir que a situaochegasse aonde chegou?

    - Ele mestre em esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma.Desabafo do deputado Joo Paulo Cunha (PT-SP), outro acusado de envolvimento no

    escndalo do mensalo, durante uma reunio do Campo Majoritrio, a corrente do PT cujaslideranas mximas sempre foram Lula e Jos Dirceu. Desgastado com as notcias decorrupo, o Campo Majoritrio teve o nome alterado para Construindo um Novo Brasil, nosegundo mandato de Lula. De qualquer forma, Joo Paulo Cunha fez ameaas veladas aLula durante aquela reunio. Reclamou de ingratido e hipocrisia. Apesar de feitas a portasfechadas, as ameaas acabaram na imprensa. No foram desmentidas. O envolvimento deLula, por Joo Paulo Cunha:

    - Quem tomou a deciso de fazer alianas? Foi o Z Dirceu? Quem exigiu o contratocom Duda Mendona?

    Em outras palavras, Lula no s sabia, como estava por trs de tudo. Era o chefe. Con-tinuou a ser o chefe.

    Insatisfeitos com o presidente, prceres do PT mantiveram a carga sobre Lula. Em en-trevista Folha de S.Paulo em 25 de setembro de 2005, Jos Dirceu disse quem, em suaopinio, eram os responsveis pela crise:

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    - Muita gente. Parece que eu fui presidente do PT sete anos sozinho, secretrio-geralcinco anos sozinho, n? O PT no foi construdo assim. Tem dezenas de dirigentes impor-tantes que hoje so prefeitos, governadores, ministros, deputados e senadores que participa-ram da construo de toda essa estratgia comigo.

    - E o presidente.- E o prprio presidente da Repblica. isso o que eu digo. A responsabilidade de

    todos ns. Ns temos que debater isso, num congresso do partido, e fazer o balano.- O senhor acha que o presidente da Repblica assume a responsabilidade

    que tem?- No quero nominar ningum. O que eu no aceito prejulgamento, que foi tudo erra-

    do, que foi tudo um fracasso, que a poltica de alianas do PT estava errada. Tudo foi apro-vado democraticamente.

    Jos Dirceu respondeu se Lula participou das discusses:- Participou. Todos participaram. Mas eu quero discutir e avaliar. Eu no quero julgar

    ningum porque eu no quero que me prejulguem. O que no aceito a imagem de que eufiz tudo sozinho e depois apareceu Silvio Pereira, Delbio Soares e Marcelo Sereno, queso o mal. Ento corta esse mal e o PT est salvo. Isso maniquesta. E eu no mereo isso.

    Em outro trecho da entrevista, o jornal faz um comentrio:- As pessoas que votaram no PT a vida inteira imaginavam que votavam num

    partido que tinha prticas diferentes.- Esse um erro e o PT vai pagar por ele. Ns vamos ter que pedir desculpas ao Pas.

    Ns assumimos compromissos na campanha eleitoral com partidos e repassamos recursos.Se fossem da arrecadao oficial do PT, no teria problema nenhum. Como foram recursosde emprstimos tomados num banco e foram repassados fora da prestao de contas, huma ilegalidade a que vai ser punida pela Justia.

    Como se v, Jos Dirceu deu eco estratgia que desvincula o dinheiro movimentadodurante o escndalo do mensalo da prtica de corrupo, atribuindo as somas entregues apolticos a emprstimos bancrios. Ele tambm fala sobre a poltica de alianas e o progra-ma de governo de Lula:

    - Ento esto julgando Lula tambm. Tem de saber qual o julgamento e qual o graude responsabilidade de cada um.

    - E a responsabilidade poltica? As pessoas votam no Lula e ele no sabe de nada? difcil acreditar que ele ignorava tudo.

    - No isso. que ele no tem responsabilidade. Eu no posso atribuir responsabilidadea ele no grau dele. O Lula tem responsabilidade poltica porque ele era lder do PT. Mas osgraus so diferentes. No posso atribuir a ele responsabilidade sobre o caixa 2. A eu novou atribuir.

    - Ele no tem responsabilidade como liderana?- Isso uma pergunta que tem de ser dirigida a ele. Eu no vou responder por ele.Menos de duas semanas depois, foi a vez de Lula conceder entrevista. Ele falou ao

    programa Roda Viva, da TV Cultura. E retribuiu altura:- Feliz o Pas que tem um poltico da magnitude do Z Dirceu.

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    Em outro momento da entrevista, Lula volta carga:- Qual a acusao que existe contra o Z Dirceu?Uma entrevista perigosa para o presidente. O entrevistado Silvio Pereira, o ex-secret-

    rio-geral do PT. Falou Folha de S.Paulo, em 2 de outubro de 2005:- A minha responsabilidade no diferente da de nenhum outro dos 21 membros da

    executiva nacional do PT. O nvel de deciso que eu tinha no era diferente do de nenhumdos 21 membros da executiva nacional do PT.

    Silvinho evitou citar nomes:- Eu assumo a responsabilidade como membro da direo do PT, em que pese a direo

    do PT ter realmente a noo do que estava acontecendo. Ningum hipcrita de achar queno sabia que existia caixa 2. Qual membro da direo do PT no sabia disso?

    O reprter perguntou se o ento presidente do partido, Jos Genoino (SP), sabia doesquema de caixa 2. Palavras de Silvinho:

    - Eu pergunto: qual o membro da alta direo do PT que no poderia supor quepudesse existir?

    Silvinho se desligou do PT aps admitir que havia ganhado um jipe Land Rover depresente de uma fornecedora da Petrobras. Depois, assumiria a responsabilidade perante aJustia e, para no ser processado, concordaria em prestar servios comunitrios. Saiu livre.

    Um fardo pesado para Lula, o caso Santo Andr. Em 23 de novembro de 2005, a empre-sria Rosngela Gabrilli deps CPI dos Bingos. Trouxe luz meandros do esquema decorrupo engendrado na administrao do ex-prefeito Celso Daniel (PT).

    A irm dela, Mara Gabrilli, pediu ajuda diretamente a Lula. Esteve no apartamento dopresidente em So Bernardo do Campo (SP), e conversou com ele por 20 minutos. Descre-veu um quadro de extorso contra prestadores de servios Prefeitura de Santo Andr,controlada pelo PT, como a empresa da famlia dela. Lula ficou de averiguar e tomarprovidncias. Desabafo de Mara Gabrilli, confirmando o depoimento da irm:

    - Ningum fez absolutamente nada. Nunca tive uma resposta.Chamada a depor na mesma CPI dos Bingos, Mara Gabrilli revelou novas informaes

    sobre o encontro dela com Lula. Na ocasio, contara ao presidente que Srgio Gomes daSilva, o Sombra, estava envolvido no esquema de corrupo. Sombra tambm era acusa-do de mandar matar Celso Daniel. Durante a reunio com Mara Gabrilli, o presidente Lulavirou-se para os trs assessores que o acompanhavam para dizer:

    - Nossa, eu achei que o Srgio Gomes j estava muito longe.Como sempre, Lula dissimulou. Fez que no sabia o que se passava. Conveniente. O

    incrvel que o tal Sombra no saa do noticirio dos jornais. Vivia prestando depoimentosa CPI, Ministrio Pblico e Polcia Civil. Como poderia estar muito longe? Como o pre-sidente seria to desinformado?

    Lula no tomou providncias para resolver o problema em Santo Andr, conforme secomprometera. Ao invs disso, a famlia de Mara Gabrilli passou a sofrer presses. Elaexplicou CPI o que aconteceu aps a conversa em So Bernardo do Campo. Referiu-se aoex-vereador Klinger Luiz de Oliveira (PT), um dos acusados de envolvimento no esquemade corrupo:

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    - Ocorreu justamente o contrrio. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissode sindicncia da Prefeitura se instalou na nossa empresa.

    Alm de Santo Andr, a crise poltica teve outra ramificao importante em RibeiroPreto (SP), terra de Antonio Palocci (PT-SP). Irromperam sucessivos indcios de condutasinadequadas e corrupo na cidade, na poca em que a administrao municipal estava sobo comando do prefeito Antonio Palocci. Apesar da gravidade das denncias que s seavolumavam, Lula fez reiteradas defesas do seu ministro da Fazenda.

    Quanto mais era denunciada a participao de Antonio Palocci na malversao doscontratos de limpeza pblica de Ribeiro Preto, mais manifestaes de Lula a elogiar o ex-prefeito. Como justificar a defesa de algum cujos procedimentos e o envolvimento empossveis falcatruas ficava cada vez mais evidente?

    O noticirio era farto: inquritos, provas documentais e testemunhas. Principalmente osdepoimentos do advogado Rogrio Buratti. Ele manteve ligaes estreitas com o PT, masdecidiu contar o que sabia para melhorar sua situao na Justia. Por que, ento, a solidari-edade a Antonio Palocci? Aparentemente, s havia uma explicao: Antonio Palocci sabiademais. Impossvel a Lula simplesmente demiti-lo e mand-lo de Braslia de volta a Ribei-ro Preto. Neste sentido, Palocci era uma pedra no sapato do presidente.

    Ao admitir a hiptese de impeachment de Lula, o presidente da OAB (Ordem dos Advo-gados do Brasil), Roberto Busato, falou da proximidade do presidente com Luiz Gushiken(PT-SP), outro integrante do ncleo duro do Palcio do Planalto. Roberto Busato tratoudo caso Visanet, ou seja, do dinheiro de publicidade do Banco do Brasil que, de acordo comas investigaes da CPI dos Correios, foi desviado para o PT:

    - A revelao de repasses de verba de publicidade da Visanet, ligada ao Banco do Brasil,a agncias de Marcos Valrio, e de distribuio a parlamentares sempre em pocas apropri-adas ao governo, atingiu mortalmente o corao de Gushiken. E, ao atingir Gushiken, atin-ge Lula, na medida que o presidente no tomou nenhuma atitude para afast-lo do governo. prova inconteste de que Lula sabia exatamente de todo o esquema e estava de acordo coma sua existncia.

    Para Roberto Busato, no havia dvidas:- A participao de Lula absolutamente baseada pela proximidade de quem sempre foi

    confidente e grande amigo de Gushiken. O ex-ministro realmente comandava toda a rea decomunicao do Governo Federal, onde havia um desvio de dinheiro pblico para ativida-des partidrias e delituosas no sentido de corromper o Congresso Nacional.

    Em depoimento CPI dos Bingos, o economista Paulo de Tarso Venceslau apresentoumais evidncias de que Lula tinha conhecimento sobre o que se passava sua volta. Genteprxima do presidente estava exposta a denncias de corrupo. Paulo de Tarso Venceslaurelatou em 17 de janeiro de 2006 que enviara em 1995 uma carta a Lula para contar sobre asperipcias do amigo e compadre do presidente, advogado Roberto Teixeira. Na dcada de80, Teixeira emprestara um imvel para Lula morar em So Bernardo do Campo.

    Roberto Teixeira representava uma empresa que vivia batendo nas portas das prefeitu-ras do PT para obter contratos sem licitao, com base em notas falsas e rasuradas. Apesarde informado, Lula nada fez na poca. Como se v, a coisa vinha de longe.

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    Insatisfeito com a falta de ao de Lula, Paulo de Tarso Venceslau procurou o senadorAloizio Mercadante (PT-SP), sempre muito prximo do presidente. Reao de AloizioMercadante ao ler a carta endereada a Lula, segundo a verso no desmentida de Paulo deTarso Venceslau:

    - Ele ficou chocadssimo e disse: Isso nitroglicerina pura. Mas no fez nada. Afir-mava que tentava sem conseguir. O silncio continuou.

    Pergunta-se: como tentava sem conseguir? Mercadante tinha acesso privilegiado aLula. Sempre teve. Em 1994, por exemplo, foi candidato a vice-presidente da Repblicaquando Lula tentou chegar ao Palcio do Planalto pela segunda vez. Se Mercadante alertousobre a inconvenincia da presena de Teixeira mas no conseguiu afast-lo do PT, a resis-tncia teria sido do prprio Lula. No havia outra hiptese. Venceslau tambm contou tudoa Frei Betto, outro amigo histrico de Lula. Frei Betto dirigiu-se assim a Venceslau:

    - Se o Lula souber que algum est conversando com voc, ele jura que aquela pessoavai ser decapitada do partido.

    Lula protegia o esquema suspeito de corrupo, engendrado por seu compadre. Ressal-te-se que isso ocorreu em 1995. Desde 1993, porm, Paulo de Tarso Venceslau vinha denun-ciando Roberto Teixeira. Na poca, Venceslau era secretrio de Finanas de So Jos dosCampos (SP), cidade cuja prefeita era ngela Guadagnin (PT-SP).

    ngela Guadagnin foi ouvida depois do depoimento de Venceslau. Ela admitiu outroproblema, o de que Paulo Okamotto, homem de confiana do presidente Lula, percorriaprefeituras do PT na dcada de 90. Paulo Okamotto ia atrs de listas de fornecedores dasadministraes. De posse dos nomes das empresas, ia a campo pedir dinheiro a quem man-tinha contratos com os governos do PT. ngela Guadagnin outra estrela do PT que tevepapel importante nos desdobramentos do escndalo do mensalo. Aqui, ela admitiu:

    - O que fica desse episdio que se conhecia o esquema de arrecadao paralela hmuito tempo, desde 1993.

    A coisa anterior. Em 1989, a primeira eleio direta para presidente depois da ditaduramilitar. A primeira disputada por Lula. Ele mesmo, pessoalmente, pediu ento prefeita de SoPaulo, Luiza Erundina, na poca no PT, um esquema que alterasse a ordem cronolgica dospagamentos a empresas contratadas para fornecer bens e servios administrao municipal.

    Naquele final da dcada de 80, o Brasil vivia tempos de inflao galopante. Receberantes do prazo estipulado, portanto, permitiria fazer aplicaes financeiras que renderiambom dinheiro. Quem fosse contemplado com o benefcio retribuiria altura, com transfe-rncias generosas de dinheiro para o caixa 2 do PT. Luiza Erundina resistiu.

    Em 1998, Lula foi candidato a presidente pela terceira vez. Em 9 de fevereiro de 2006,deps ao Ministrio Pblico o ex-secretrio de Habitao de Mau (SP), Altivo OvandoJnior. No ano de 1998, aquela cidade da Grande So Paulo estava sob comando do prefeitoOswaldo Dias (PT). De acordo com o depoimento de Altivo Ovando Jnior, Lula pressio-nou por dinheiro para financiar a sua campanha eleitoral. Do depoimento: O declarante se recorda de que, no pleito de 1998, o presidente Lula compareceu nogabinete do prefeito de Mau, oportunidade em que, utilizando termos chulos, cobrou deOswaldo Dias maior arrecadao de propina em favor do PT.

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    Durante o depoimento, foi reproduzida frase atribuda a Lula:Ele dizia: P, Oswaldo, tem que arrecadar mais, faz que nem o Celso Daniel em

    Santo Andr. Voc quer que a gente ganhe a eleio como?Naquele ano, Lula voltou a perder, pela terceira vez consecutiva. Mas, em 2002, dispu-

    tou novamente e foi eleito presidente da Repblica. Passou a despachar no gabinete doterceiro andar do Palcio do Planalto. Aps mais de trs anos como o mais alto mandatriodo Pas, ficaria difcil acreditar que no soubesse o que acontecia na sala bem ao lado dasua, ocupada durante parte daquele perodo de turbulncia pelo superministro Antonio Palocci(PT-SP). E ali se urdiu a conspirao contra o caseiro Francenildo Santos Costa.

    O rapaz havia desmascarado Antonio Palocci. Contestou as mentiras do ministro. Anto-nio Palocci procurava um meio de negar o impossvel, o fato de ter sido um frequentador dacasa dos prazeres. A manso fora alugada em Braslia pela repblica de Ribeiro Preto,como ficou conhecido o grupo de colaboradores do ento ministro, e costumava ser redutopara festas com garotas de programa.

    Lula participou ativamente da tentativa de blindar Palocci. O presidente teria tramadoo recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender o depoimento de FrancenildoSantos Costa CPI dos Bingos. As investigaes sobre o caso mostraram que Lula forainformado pessoalmente da ordem de Palocci para a violao do sigilo bancrio do casei-ro. Jorge Mattoso, o ento presidente da Caixa Econmica Federal, avisara-o em 24 demaro de 2006.

    A rigor, Lula j recebera informaes a respeito quatro dias antes, em 20 de maro,quando o ministro da Justia, Mrcio Thomaz Bastos, relatou ao presidente o envolvimentode Antonio Palocci na quebra do sigilo. Palocci s seria afastado em 27 de maro, umasemana depois. Naquele momento, no havia mais jeito de desvincul-lo do crime. Durantetodo o escndalo, para variar, Lula deu uma de quem no sabia de nada.

    No auge da crise, em 23 de maro, houve uma reunio na casa de Antonio Palocci. Arevista Veja relatou que um sindicalista nomeado por Lula na vice-presidncia da CaixaEconmica Federal fora escolhido para subornar algum funcionrio da Caixa, com R$ 1milho. A ideia era encontrar algum para assumir a violao do sigilo.

    O tal sindicalista, Carlos Augusto Borges, era homem de confiana de Lula. Ser poss-vel que o presidente no soubesse da misso de Borges? Ou, ao contrrio, teria sido exata-mente o presidente quem o sugerira para pilotar a operao de suborno? Tudo indica queLula considerava sua obrigao fazer o que estivesse ao alcance p