O Ciclo de Desenvolvimento da Indústria Têxtil em Caxias-MA

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UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Economia CICLO DE DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA TÊXTIL EM CAXIAS-MA Este exemplar corresponde ao origmal da dissertaçao defendida por Cléudia Menezes Graça Teixeiraem 2910712003 e orientada pelo Prof. Dr . Rui Guilherme Granziera. CPG, 29 I 07 I 2003 Cléudia Menezes Graça Teixeira Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para obtenção do título de Mestre em História Econômica, sob a orientação do Prof. Dr. Rui Guilherme Granziera. Campinas, 2003

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Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP em 2003.

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  • UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    Instituto de Economia

    CICLO DE DESENVOLVIMENTO DA INDSTRIA TXTIL EM CAXIAS-MA

    Este exemplar corresponde ao origmal da dissertaao defendida por Cludia Menezes Graa Teixeiraem 2910712003 e orientada pelo Prof. Dr. Rui Guilherme Granziera.

    CPG, 29 I 07 I 2003

    Cludia Menezes Graa Teixeira

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para obteno do ttulo de Mestre em Histria Econmica, sob a orientao do Prof. Dr. Rui Guilherme Granziera.

    Campinas, 2003

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    A minha me, fone Menezes Graa Teixeira, pela dedicao permanente.

    Ao meu pai, Felippe Teixeira Netto, in memorian.

    Aos meus irmos, Cleuton e Maria de Fatima.

    A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam para a elaborao deste trabalho.

  • v

    "Ser membro de uma comunidade humana situar-se em relao ao seu passado (ou da comunidade). ( .. ) O passado , portanto, uma dimenso permanente da conscincia humana, um componente inevitvel das instituies, valores e outros padres da sociedade humana. O problema para os historiadores analisar a natureza desse 'sentido do passado', na sociedade e localizar suas mudanas e transformaes. " (HOBSBA WM, 1998)

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    RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo resgatar o processo histrico de cnaao e funcionamento das fbricas de tecido, fundadas e instaladas na cidade de Caxias, nos anos de 1883, 1889, 1891 e 1892, Companhia Industrial Caxiense, Companhia Unio Caxiense, Fbrica Sanhar e Companhia Manufatora Caxiense, respectivamente. Destaca-se a importncia histrica da Companhia Industrial Caxiense, por ter sido a primeira indstria de fiao e tecelagem do Estado do Maranho. Procurou-se compreender o ciclo do desenvolvimento da indstria txtil caxiense, no quadro do processo de industrializao txtil no Brasil, e das condies econmicas da Provncia do Maranho e da cidade de Caxias, entre o ltimo quartel do sculo XIX e a primeira metade do sculo XX. A amplitude do tema exigiu um esforo de busca de documentao identificada nos arquivos da cidade de Caxias e de So Lus-MA, com a qual se teceu os fios deste primeiro trabalho de sistematizao.

    Palavras-chave: histria - histria econmica - histria empresarial -economia -industrializao - indstria txtil.

    Abstract: Development Cycle of the Textile lndustry in Caxias, MA:

    This work has had as an aim to retrieve the historie process of the creation and running of textiles factories founded and installed in the town of Caxias by Companhia Industrial Caxiense (1883}, Companhia Unio Caxiense (1889}, Fbrica Sanhar (1891) and Companhia Manufatora Caxiense (1892). The historie importance of the Companhia Industrial Caxiense is highlighted for having been the first spinning and weaving industry in the state of Maranho. We have tried to understand the developing cycle of Caxias textile industry within the scenery of Brazilian textile industrialization, and the economical conditions of the old Province of Maranho and Caxias town, between the last quarter of the Nineteenth Century and the first half of the Twentieth Century. The amplitude of the theme has demanded an effort in the searc:h of documentation identified in the archives of Caxias and So Luis-MA, with which the treads of this first systematization work have been woven.

    KEYWORDS: history - economics history - corporate history - economy -industrialization - textile industry

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    RELAO DE ANEXOS

    ANEXO I - Reproduo das fotografias dos prdios das fbricas Industrial Caxiense, Unio Caxiense, Manufatora e Sanhar. ANEXO 11 - Estatutos da Sociedade Unio Caxiense. ANEXO 111 - Companhia Unio Caxiense Exemplo de Registro do Controle do Almoxarifado. ANEXO IV - Cpias dos Balanos da Companhia Unio Caxiense. ANEXO V- Companhia Unio Caxiense Relao dos Acionistas (1893). ANEXO VI - Documento de Representao da Associao Comercial do Maranho ( 28/06/1886). ANEXO VIl - Relao das Sociedades Anonymas do Estado do Maranho. ANEXO VIII - Quadro Demonstrativo de Dispndio e Produo da Companhia Unio Caxiense e Companhia Manufatora Caxiense. ANEXO IX - Jornal "Cruzeiro" - Memorando Histrico da Companhia Unio Caxiense. ANEXO X- Balano da Companhia Manufatora Caxiense (31/12/1893). ANEXO XI - Ata da Sesso Extraordinria da Assemblia Geral da Companhia Manufatora Caxiense (1894). ANEXO XII- Livro Caixa da Companhia Unio Caxiense. ANEXO XIII- Companhia Unio Caxiense Registro de Movimento de Combustvel (1923). ANEXO XIV - Companhia Unio Caxiense Livro do Movimento da Produo do Consumo e das Estampilhas (1926). ANEXO XV - Ata da Companhia Unio Caxiense S/A - Agricola, Industrial e Exportadora (30/04/1980). ANEXO XVI- Carta do Sindicato das Indstrias de Fiao e Tecelagem do Rio de Janeiro de 12/04/1951. ANEXO XVII- Carteira Profissional da Sra. Elvina Maria da Conceio Funcionria da Companhia Unio Caxiense.

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    ANEXO XVIII - Exemplares de Registro de Empregados da Companhia Unio Caxiense Ano de 1941. ANEXO XIX - Companhia Unio Caxiense Exemplar de Folha de Freqncia (1895). ANEXO XX - Companhia Unio Caxiense Folha de Pagamento - Novembro de 1948. ANEXO XXI -Companhia Unio Caxiense Correspondncias Comerciais. ANEXO XXII - Planta Baixa do Prdio de Propriedade da Companhia Unio Caxiense onde funcionou a Companhia Manufatora Caxiense (Livro de Tombo).

  • SUMRIO

    APRESENTAO ....................................................................................... 1

    INTRODUAO ................................................................................................ 3

    1. RELAES ENTRE A PRODUO DO ALGODOE A GNESE DA INDSTRIA TXTIL NO BRASIL .............................................................. 7

    2. MOVIMENTO DE CONSTITUIO DO CAPITAL COMERCIAL AO CAPITAL INDUSTRIAL, NO ESTADO DO MARANHO E NA CIDADE DE CAXIAS, NO FINAL DO SCULO XIX ................................. 17

    2.1 As fbricas como objeto de mediao desse movimento: primeiras aproximaes sua histria .......................................... 17

    2.2 Antecedentes da histria de Caxias no sculo XIX e sua influncia no desenvolvimento econmico da regio .................... 29

    3. CICLO DE DESENVOLVIMENTO DA INDSTRIA TXTIL CAXIENSE .................................................................................................................... 37

    3.1 Dados gerais sobre as quatro fbricas criadas no perodo de quase uma dcada- 1883-1892 .......................................................... 37

    3.2 Companhia Industrial Caxiense: sua fundao, instalao e funcionamento entre 1883 e 1903 ..................................................... 38

    3.3 Companhia Unio Caxiense: fundao, instalao, e funcionamento entre 1892 a 1958 ..................................................... 70

    3.4 Companhia Manufatora: sua fundao, instalao, e

    XI

    funcionamento entre 1892 e 1958 . .. ............. .. . ........ ..... .... ...... .... ... 126

  • XII

    3.5 Funcionamento conjugado das Fbricas Unio Caxiense e Manufatora .......................................................................................... 135

    3.6 Fbrica Sanhar: sua fundao, instalao e funcionamento entre 1891 a 1965 .... ....... .. .. .............. ................................ ..... ....... ....... 152

    3. 7 Operrios caxienses: condies de assalariamento nas fbricas de tecido ............................................................................... 157

    4. EVIDNCIAS E QUESTES SOBRE O FECHAMENTO DAS FBRICAS DE CAXIAS ................................................................. 171

    5. CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 179

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 191

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    APRESENTAO

    O contedo desta dissertao compreende a sntese possvel da investigao sobre o ciclo de desenvolvimento da indstria txtil caxiense, a partir do contexto da industrializao no Brasil e no Maranho, articulado s conjunturas internacionais que definiram os rumos do desenvolvimento do capitalismo no territrio nacional. no final do sculo XIX e metade do sculo XX.

    Embora tenha adotado originalmente para o projeto de pesquisa o ttulo - Apogeu e Declnio da Manufatura Txtil na Cidade de Caxias-, ao concluir este texto, optei por renome-lo com o seguinte ttulo : Ciclo de Desenvolvimento da Indstria Txtil Caxiense, para acatar a sugesto muito pertinente de um dos professores do Mestrado de Histria Econmica do Instituto de Economia, que muito incentivou -me na busca e aproveitamento de fontes primrias, Prof. Dr. Luiz Felipe de Alencastro.

    Alm dos procedimentos de trabalho utilizados, cujos resultados so de minha inteira responsabilidade, como uma pesquisadora que se inicia nesta rea de conhecimento, agradeo a disponibilidade, orientao e apoio permanente do Prof. Dr. Rui Guilherme Granziera, sem o que teria sido impossvel finalizar esta produo.

    Tambm considero que foi muito importante o dilogo estabelecido com a Profa. Ora. Lgia Maria Osrio Silva e a Profa. Ora. Vilma Peres Costa, que contriburam para melhor delimitao do trabalho, durante minha participao em Seminrios de Tese realizados no Instituto de Economia da Unicamp, sob a coordenao das pesquisadoras citadas.

    Agradeo, de modo particular, a leitura cuidadosa e pertinente deste trabalho, que foi realizada pelo Prof. Dr. Jos Ricardo Barbosa Gonalves e pela Profa. Ora Llia Ins Zanotti de Medrano, que, no momento do exame de qualificao, apresentaram contribuies relevantes para o aperfeioamento do contedo deste texto.

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    Alm dos professores referidos, agradeo igualmente a todos os docentes do Mestrado em Histria Econmica do Instituto de Economia, com quem pude apreender e aprofundar os conhecimentos necessrios para transitar, de forma menos tmida, nessa rea de investigao.

    Tambm foi muito gratificante a convivncia com os meus colegas de mestrado, portanto os nossos encontros esto registrados na memria da histria do nosso curso, mesmo que no se tenha construdo vnculos mais permanentes.

    Os funcionrios do Instituto de Economia e da Fapesp merecem destaque pela gentileza de suas orientaes e pronto atendimento s solicitaes feitas durante o percurso de realizao deste trabalho, portanto, agradeo a todos e, particularmente, Aparecida e Alberto. Tambm o trato atencioso do Daniel, fazendo o seu trabalho de xerocopiar todos os documentos para finalizar esse texto, foi fundamental.

    Por ltimo, mas no menos importante, o registro que se deseja colocar em destaque sobre o apoio tcnico e financeiro da FAPESP, que tem sido responsvel pelo desenvolvimento de grande parte da pesquisa realizada pelos pesquisadores do estado de So Paulo, mas tambm, de muitos outros estados da federao, que realizam nas universidades paulistas seus estudos e pesquisas em nvel de ps-graduao. Essa contribuio para que se consolidem as bases cientficas da pesquisa nacional de grande relevncia para o Brasil.

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    INTRODUO

    A escolha do objeto de estudo e pesquisa que analisado neste texto, deveu-se, principalmente, a duas razes que se destacam: a) o carter indito da pesquisa sobre as fbricas de tecido da cidade de Caxias; b) a possibilidade de contribuir-se para o desenvolvimento da rea de Histria Econmica do Maranho, cujas pesquisas existentes ainda no esgotaram a necessidade de maior aprofundamento da anlise dos processos histricos, sociais e econmicos que produzem a realidade maranhense, desde os sculos passados.

    Diferentemente de um trabalho de investigao historiogrfica cujas fontes so essencialmente os estudos e pesquisas j existentes, no caso especfico desta pesquisa, as fontes de natureza primria foram privilegiadas, embora seu carter diversificado e bastante disperso, tenha oferecido um grau de dificuldade maior para real izar-se a pesquisa e a exposio dos resultados.

    Essa dificuldade reconhecida pela maioria dos pesquisadores que se dedica histria empresarial no Brasil, porque diferentemente das condies de organizao de acervos e arquivos especializados que preservam as fontes relativas histria de empresas, como ocorre na Frana e Estados Unidos, que desde o incio do sculo XX, deram incio s pesquisas sobre a histria econmica, a histria dos negcios e das empresas 1, em muitos casos, o que se constata no Brasil, a destruio e o extravio de fontes preciosas, dado o descaso dos prprios proprietrios das antigas indstrias, tal como ocorreu em Caxias - Maranho, talvez pela impossibilidade de avaliarem a importncia histrica dessa documentao.

    1 Lobo ( 1997) realiza um resgate da Histria Empresarial, identificando a sua gnese nos Estados Unidos e na Frana. bem como traando as diferenas entre a produo que se deriva de uma vertente mais liberal, que trata as empresas de forma isolada do contexto (tradio dos estudos clssicos, do incio do sculo, nos Estados Unidos) e de uma vertente, que tanto do ponto de vista marxista, como da Escola dos Anais, (mais presente na produo francesa ), trata da histria empresarial compreendida no interior de um quadro mais globaJ das relaes econmicas e sociais de uma poca. Nesse mesmo trabalho, apresenta uma sntese da produo da histria empresarial no Brasil.

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    Alm desse aspecto, a elaborao que exige a construo de "teias, tramas e tessitura" para explicar a indstria txtil , no sculo XIX, no Brasil, requer ainda, que se possa identificar as conexes que se estabelecem no nvel macro, mesa e micro da histria e, portanto, da economia e da poltica, ampliando enormemente a complexidade do estudo a se realizar, o que nem sempre permite que se alcance a condio de apresentar um texto mais completo, do ponto de vista histrico e tenco.

    A amplitude do tema aliada fragmentao das fontes e dos dados exigiu um esforo de busca de documentao identificada nos arquivos da cidade de Caxias e de So Lus, que embora seja volumosa, ainda deixa lacunas, que somente podero ser superadas em pesquisas posteriores, que tomem como ponto de partida os fios com os quais se teceu esse primeiro trabalho de sistematizao que se realizou, focado sobre as fbricas caxienses fundadas e instaladas em 1883, 1889, 1891 e 1892, Companhia Industrial Caxiense, Companhia Unio Caxiense, Fbrica Sanhar e Companhia Manufatora Caxiense, respectivamente.

    Alm do recurso da pesquisa documental escrita, tambm foi adotada a entrevista como procedimento importante, do ponto de vista da histria oral, de modo que se pudesse acrescentar alguns aspectos e/ou detalhes sobre o funcionamento das fbricas, no encontrados nos Jornais de Caxias e de So Lus, nas Atas das Assemblias de Acionistas, nos Relatrios das Diretorias, nos Livros Contbeis, nas Fichas de Registro de Funcionrios, Folhas de Freqncia e nas obras que tratam da indstria no Maranho, no sculo XIX e no sculo XX, e constituem trabalhos relevantes na histonografia maranhense.

    Apesar de se enfatizar o uso desse instrumento de pesquisa, foram entrevistados, apenas dois funcionrios das fbricas, no perodo de sua histria mais recente, o Sr. Luiz Gonzaga Bayma Pereira, nascido em 1914, portanto com 88 anos, que foi Gerente da Fbrica Sanhar, de 1950 a 1966; e a operria, Elvina Maria da Conceio, nascida em 1919, portanto, com 83 anos, que foi contratada, aos 26 anos, em 1945, para funes no setor de embalagem e no setor mediador, responsvel pela costura das fazendas (anterior ao processo de alvejamento), na Companhia de Fiao e Tecidos

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    Unio Caxiense S.A. fechada em 1958, embora as ltimas atas das assemblias dos acionistas sejam de 1980.

    Destaca-se, finalmente, que a motivao original para realizar essa pesquisa est vinculada minha origem na cidade de Caxias, na qual cresci, ouvindo as histrias contadas pelos mais velhos, acerca das quatro fbricas, que para eles representavam o sinal do progresso alcanado pela cidade, na poca em que se destacou no cenrio do estado do Maranho, como uma cidade industrial, no ltimo quartel do sculo XIX, e na primeira metade do sculo XX.

    A estrutura do texto, que se desenvolve a seguir, foi concebida de um modo em que as anlises sobre o objeto no se sobrepusessem a ele mesmo, ou seja, as explicaes sobre o Ciclo de Desenvolvimento da Indstria Txtil Caxiense so elaboradas, mas a histria das fbricas em si mesma constitui o fio condutor deste trabalho, tendo sido privilegiadas na exposio do conjunto das quatro indstrias, aquelas em relao s quais foram identificadas as fontes mais consistentes.

    Assim, a Companhia Industrial Caxiense e a Companhia Unio Caxiense, as mais antigas, foram colocadas em primeiro plano no quadro histrico que se intentou apresentar. As fbricas Manufatora Caxiense e Sanhar sero retratadas, de forma breve e superficial, pois embora tenham sido as ltimas criadas e instaladas, foram aquelas cuja documentao identificada mais reduzida e menos substancial.

    As pesquisas e estudos clssicos sobre a histria da indstria txtil no Brasil de Canabrava (1951 ), Stein (1979) e Luz (1975) foram obras de referncia bsica, para que se pudesse apreender o contexto de surgimento das fbricas de tecido de Caxias -Ma. Assim, as referncias tericas acerca das conjunturas nacionais e internacionais relativas ao desenvolvimento da indstria txtil no Brasil so contempladas, remetendo inclusive o leitor identificao dessas fontes, citadas em notas de rodap, sem as quais no se poderia compreender a historicidade do prprio objeto da pesquisa.

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    Entretanto, dados os limites deste trabalho, no foi possvel recorrer ao conjunto das obras citadas por Lobo (1997), ao fazer um resgate da produo da histria empresarial no Brasil, que apresenta, numa primeira fase, grande concentrao na histria da indstria txtil2. Ainda assim, destacam-se os trabalhos de Giroletti (1981 ), Melo (1990), Reichel (1978), Ribeiro (1988), Weid (1986), que foram tomados como referncias importantes, de exemplos das anlises da histria de fbricas de tecidos de vrias regies do Brasil.

    Na composio da estrutura do presente texto, so destacados os aspectos da indstria txtil caxiense, a partir das fontes primrias, cujo contedo , por vezes, reproduzido integralmente, dado o seu carter indito para a maioria dos pesquisadores desse tema.

    2 Lobo considera que "a concentrao de trabalhos sobre histria empresarial de um setor de ponta., como o txtil, no perodo de meados do sculo XIX dcada de 1930, decorre da importncia que teve quanto ao valor de investimento, da produo, do p ioneirismo tecnolgico, sobrepujando a. atividade artesanal e manufatureira." ( 1997: 224)

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    1. RELAES ENTRE A PRODUO DO ALGODO E A GNESE DA INDSTRIA TXTIL NO BRASIL

    A gnese da indstria de tec1dos no Brasil tanto se deve ao prprio desenvolvimento da industrializao na Europa, e, particularmente, indstria de mquinas que se desenvolveu com a revoluo industrial inglesa, como tambm condio de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, vinculado ao mercado internacional, a partir de sua economia agro-exportadora.

    As relaes econmicas e polticas do Brasil com a Europa foram definidas, desde o perodo da colonizao, quando Portugal subordinou a colnia a um processo de comercializao de seus produtos por seu intermdio, condicionando o Brasil no perodo de trs sculos, (do sculo XVI ao sculo XVIII ), a se inserir no circuito do capitalismo numa posio subalterna na diviso internacional do trabalho.3

    Produzir para exportar e vender a preos inferiores aos valores dos produtos no mercado europeu consistia num processo de valorizao constante da riqueza da Coroa, e de sua permanente busca de novas possibilidades de explorar os recursos da colnia, que haviam se tornado fundamentais, dada a sua posio desfavorvel frente Frana e Inglaterra, resultante do processo de endividamento acumulado.

    Nessa conjuntura desfavorvel ao desenvolvimento da colnia, porm igualmente difcil para Portugal, face s suas relaes complicadas com as potncias vizinhas, foi que se deu o primeiro momento de emergncia das condies que favoreceram o processo de independncia do pas. Foi o deslocamento da famlia real para o Brasil, fugindo da invaso francesa, que deu incio ao fortalecimento das foras econmicas e

    3 A diviso internacional do trabalho, que se estabeleceu a partir do sculo XIX. fez com que os pases da Amrica Latina se especializassem na produo de matrias-primas A produo passou a ser fe1ta em grande escala. com nveis de especializao semelhantes aos que tinham sido proporCionados pela Revoluo Industrial Europa, com uma diferena fundamental : o nmero de produtos passveis de serem produz1dos nos pases no industrializados era bastante pequeno e muito dependente dos recursos naturais desses pases. Caf no Brasil, cobre no Chile, estanho na Bolvia e assim por diante. (Hardrnan, Foot & Leonardi, Victor. Histria da indstria e do trabalho no Brasil. 1995. 43-44).

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    polticas da colnia. O ano de 1808, como marco desse novo perodo da histria brasileira, foi significativo para que se modificasse o comrcio, a produo agrcola e se iniciasse a autonomizao da economia da colnia, em relao ao jugo da coroa portuguesa.

    Parece paradoxal que a presena de D.Joo VI no territrio brasileiro, tenha acelerado a transformao do Brasil num "imprio constitucional independente, regido pelo filho do rei de Portugal". (Stein, 1979: 21 )

    A partir de novas possibilidades de desenvolvimento do comrcio, foram se tornando mais visveis os processos de acumulao de capital resultantes da ampliao da propriedade fundiria para o cultivo do algodo, do acar e do caf, bem como pela extraordinria rentabilidade proporcionada pelo trfico negreiro.

    Segundo Stein (1979:21-23), essas condies produziram impactos negativos, protelando as oportunidades de desenvolvimento da indstria no Brasil. Em sntese, poderiam ser enumerados alguns condicionantes principais: a) a agricultura de plantation baseada na mo de obra escrava que retardou o ingresso de trabalhadores livres, imigrantes, at 1888, quando se deu a abolio da escravatura; b) a economia de plantation favorecida pela valorizao dos produtos agrcolas no mercado externo monopolizou os recursos produtivos nacionais e gerou divisas para a importao de produtos manufaturados adquiridos a baixo custo, portanto, prejudicando a fiao e a tecelagem nacionais; c) a concentrao do capital de investimento nas mos da oligarquia agrria que estava associada ao comrcio de exportao e importao; d) a opo dos comerciantes, aps a abolio do trfico negreiro, em aplicar seu capital nos negcios que fossem conhecidos e seguros, como a fundao de bancos4 , a construo de empreendimentos ligados aos transportes (estradas de ferro , linhas de carruagem, navegao costeira); e) a forte presena e influncia poltica exercida pelos

    4 A histria dos bancos, na verdade, foi em nosso pas, em geral, uma srie de fracassos de pequenos bancos locais. Em 1836 foi criado um banco no Cear, em 1838, um outro no Rio; em 1846, em So Luis do Maranho; em 1847 na Bahia, Par e Pernambuco; en1 1851, novamente no Rio, sob os auspcios de Mau. Todos esses estabeleciromtos au xiliavam o comrcio, tendo alguns deles faculdade emissora. ( Hardman, Foot & Leooardi, Victor , 1995: 65 -66)

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    grandes proprietrios rurais e dos comerciantes sobre os ministrios do governo imperial.

    Nesse contexto, a emergncia da indstria como novo ramo de investimento lucrativo, tornava-se muito mais difcil, pois as tentativas realizadas no sculo XVIII, por exemplo, tinham sido mal sucedidas5 , pois a oligarquia, segmento dominante, em termos econmicos e polticos, durante o Imprio, era contrria ao desenvolvimento industrial num pas em que"(. . .) a riqueza real provinha dos frutos e produtos do solo, e no de /artesos ou artfices'. Alm disso, 1105 produtos do solo"consttuam a base do comrcio e da navegao do Brasil e de Portugal. " ( Stein, 1979:20).

    Havia, portanto, uma situao econmica que, at a dcada de 80, no sculo XIX, era pouco favorvel expanso de iniciativas relacionadas indstria emergente. O governo adotava uma poltica de sustentao da agricultura e do comrcio que era impeditiva ao fortalecimento dos industriais, os bancos no facilitavam o crdito para os mesmos, exceto com garantias muito especiais, e os comerciantes mobilizavam a parte mais influente da sociedade contra as aventuras desses "visionrios".

    Na realidade, manifestavam-se sinais de uma luta ideolgica no mbito do governo Imperial, que se expressava no impasse entre o liberalismo livre-cambista e a poltica de interveno estatal para o desenvolvimento do setor industrial nascente. Esse impasse resultava de uma competio estabelecida entre os representantes dos interesses do capital mercantil por um lado, e, por outro lado, daqueles que representavam o capital industrial.

    Apesar da predominncia da produo agrcola sobre a manufatura e, portanto, tambm do comrcio sobre a indstria, foi sendo desmistificado o processo de sustentao da riqueza nacional, na medida em que se tornou mais evidente a fragilidade do edifcio econmico do pas. Stein (1979:26), citando Soares, mostrou que

    ) Um decreto de 1785, iscnUJva exclusivamente a produo de tecidos ordinrios de algodo ' apropriados para o uso ... . dos negros e para enfardar ou ensacar mercadorias em geral. " (Stein, 1979 : 20 )

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    o desequilbrio da balana comercial, apesar do crescimento da produo e exportao do caf, no perodo de 1834 a 1861 , saltando de 90.909 toneladas para 210.909, indicava a necessidade de se desvincular a economia brasileira de tantos condicionantes externos, determinados pela exportao de produtos bsicos e importao de centenas de outras mercadorias que poderiam ser fabricadas no Brasil.

    A circulao de novas concepes, a partir da abertura dos portos brasileiros, depois da instalao da Coroa em territrio nacional, foi responsvel , em parte, por uma participao mais forte do algodo no apenas como matria-prima para exportao, mas como fundamento de uma indstria txtil que foi se instalando, apesar de tantos fatores desfavorveis j enumerados.

    '"Depois de 1808, muitos brasileiros libertaram-se dos estreitos horizontes intelectuais das leis romanas, dos tratados religiosos e clssicos e das academias poticas do sculo XVIII, convertendo-se s idias de Smifh, Ust, Carey, Mcculloch e Bastiat. Um dos subprodutos dessa imigra:Jo de idias estrangeiras foi a promulgao da tarifa protecionista de 1844 (Alves Branco) que estipulava taxas de 30% para a maior parte dos produtos manufaturados estrangeiros, incluindo os tecidos de algodo. Embora tenha sido promulgada ostensivamente em retaliao aos direitos de importao que a Inglaterra impusera ao acar brasileiro, essa tarifa deu aos protecionistas a oportunidade de expor novas teorias econmicas. A proteo que proporcionava foi transitria mas o princpio que corporificava encontrou terreno frtil nas dcadas subseqentes de instabilidade econmica provocada pelo fim do trfico de escravos em 1850 e as crises comerciais de 1857 e 1864. "( Stein, 1979: 26)

    O debate travado entre Tavares de Bastos, defensor do livre-cambismo e Borja de Castro, representante da seo da publicao industrial, da exposio de 1866, sintetiza a polmica que se reproduziu durante a segunda metade do sculo XIX, e parece, ainda se fazer presente no cenrio da economia brasileira, na atualidade, quando se discute a poltica de importao e exportao, para o equilbrio da balana comercial.

    Tavares Bastos afirmava que

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    "a despeito da vontade de alguns de 'precipitar' a indstria manufatureira nacional atravs de favores governamentais e outros estmulos oficiais, as fbricas brasileiras no passavam de um 'acidente' e a exposio demonstrara que a agricultura era 'a grande, a verdadeira indstria nacional'. De outro lado, Borja de Castro admitia que o Brasil ainda no possua todas as condies necessrias para se tomar uma nao industrial, porm assegurava que os artefatos exibidos demonstravam a aptido do pas para a indstria e revigoravam a esperana de que chegaria o dia 'em que a produo manufatureira em larga escala se desenvolveria nesse rico continente.' (Stein, 1979: 29) .

    A definio da tarifa de 1844, de algum modo facilitou a emergncia da manufatura em seu estgio inicial, favorecendo a instalao de fbricas na Bahia, no Rio de Janeiro, Minas Gerais e So Paulo. Em 1885, eram 48 unidades produtivas existentes, o que significava concretamente a transformao possvel da atividade de produo e comercializao do algodo at ento predominante, para a atividade de industrializao txtil.

    A evoluo desse quadro pode ser analisada a partir dos dados reproduzidos por Stein na Tabela 1 (p. 36)

    TABELA 1 Estimativa da Distribuio Geogrfica das Fbricas de Tecidos de Algodo Brasileiras, 1866, 1875, 1885 *

    Provncia 1866 1875 1885 Maranho 1 1 Pernambuco 1 1 Alagoas 1 1 1 Bahia 5 11 12 Rio(Cidade/Provn.) 2 5 11 So Paulo 6 9 Minas Gerais 1 5 13

    Total 9 30 48 * Como os dados esto incompletos, essas estatsticas apenas indicam a tendncia geral. Fonte ComiSSo da tarifa. pp.1 00, 342,

    Borja Castro, "Relatrio do segundo grupo", p 49, Inqurito Industrial, p. 15; Branner, Cotton 1n the Emp1re of Brazil, pp.4243; Cnsul Rhind, "Prices of an Art1cle", Report, C 9497-2 xcv1i (1899), 3.

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    Alguns elementos da conjuntura econmica dos anos setenta e oitenta, no sculo XIX, definiram mais fortemente a tendncia geral demonstrada na tabela acima.

    Segundo Stein (1979:36}, esses elementos foram principalmente a eroso do solo que comprometeu progressivamente a terra destinada s culturas agrcolas, a queda dos preos do caf no mercado internacional, a escassez de mo-de-obra e o colapso do boom do algodo, aps a recuperao da posio ocupada pelos Estados Unidos, com o trmino da guerra civil.

    De fato, o algodo havia definido durante alguns anos o quadro do crescimento das exportaes brasileiras, dado que os Estados Unidos estavam impedidos em conseqncia da Guerra da Secesso Americana, de disputar as melhores posies no mercado internacional. Entretanto, esse boom que havia destacado a cultura do algodo, tanto no sudeste, como no nordeste, foi tambm responsvel pelo seu quase desaparecimento, no perodo ps-boom algodoeiro.

    O quadro das exportaes de algodo, reproduzido por Stein (1979) na sua Tabela 4 (p. 58) mostra como se deu esse movimento de expanso e retrao.

    TABELA4 Exportaes de Algodo do Brasil, 1860-61 a 1875-76

    ANO LIBRAS ANO LIBRAS 1860-61 21.467.552 1868-69 90.475.509 1861-62 27.839.360 1869-70 82.113.598 1862-63 34.724.420 1870-71 93.194.298 1863-64 36.089.792 1871 -72 181.608.949 1864-65 55.222.976 1872-73 96.424.457 1865-66 92.449.368 1873-74 116.717.697 1866-67 82.243.392 1874-75 92.779.625 1867-68 102.592.339 1875-76 63.664.017

    . . . FONTE Branner, Cotton rn Emptre of BrazJI, p 48 . Ha dtscrepancta entre as estattstcas de Branner e as que foram publicadas pelo IBGE, Anurio estatstico Ano V- 1939/1940, p.1376. As de Branner foram reproduzidas aqUI, pois ele conferiu cuidadosamente as fontes.

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    Em 1873, como se deu o retorno das exportaes americanas, houve uma reao no mercado internacional, produzindo uma queda dos preos do algodo na bolsa de valores de Liverpool, provocando uma desvalorizao do algodo brasileiro, principalmente porque o seu cultivo era dispendioso e a sua qualidade era inferior ao produto de outros pases.

    Nesse contexto desfavorvel ao Brasil no mercado internacional, aumentaram os estoques de algodo a baixo custo, o que influenciou muito a expanso das manufaturas txteis, embora tenha sido um perodo relativamente curto, pois logo depois essas indstnas tambm sofnam as conseqncias do desabastecimento e da dificuldade de transporte do algodo dos centros produtores do nordeste at as fbricas do Rio, mesmo quando importavam algodo de So Paulo, por exemplo

    Na realidade, a queda do valor do algodo para a exportao, tornou-o um produto de "cultura marginal", "uma lavoura de pobre", frente produo do acar e do caf. Embora fosse muito rudimentar o processo de seu cultivo, as etapas do descaroamento e de seu transporte incentivaram a expanso dos negcios dos comerciantes, que instalavam as mquinas de descaroar, para realizar a venda do produto para os exportadores, ou para os fabricantes do Rio. Os comerciantes auferiam lucros muito mais significativos com o processo de beneficiamento do algodo do que o lavrador do norte e do nordeste.

    Stein (1979: 61) retrata essa condio vantajosa do intermedirio entre o cultivador e o exportador, explicando como se realizava o processo tcnico de beneficiamento do algodo, fazendo-se uso das prensas rsticas de madeira. "Sob a presso de um parafuso atarraxado manualmente, as prensas soltavam fardos de 75 quilos que eram ensacados, enrolados com cips e transportados por trem at o mercado mais prximo."

    O comerciante local vendia seu produto para os exportadores de Pernambuco e Fortaleza atravs dos corretores, que eram seus agentes. Outros faziam suas vendas

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    diretamente negociadas com os exportadores, de quem adquiriam outros produtos. Os fabricantes do Rio adquiriam dos corretores estabelecidos na cidade os seus estoques de algodo, e somente algumas fbricas faziam contato direto com os produtores de Pernambuco.

    "No final da dcada de oitenta, as fbricas txteis do centro-sul do Brasil estavam comeando a se transformar no principal ponto de apoio dos lavradores de algodo do norte, cujos ganhos permaneciam baixos. Enquanto as fbricas do sul aumentavam o consumo de algodo nacional em mais de 300% entre 1872 e 1893 (de 17.319.000 para 60.000.000 libras), a produo de algodo em rama cresceu apenas 61% (de 74.686.700 para 122.119.538). (Stein, 1979:61)

    Entre a primeira metade do sculo XIX e a sua segunda metade, foi se delineando a presena das indstrias txteis no mercado nacional, apesar de todas as dificuldades acima referidas, que ainda se ampliavam mais, se considerarmos os aspectos tcnicos relativos compra e instalao de mquinas importadas, escassa presena de mo-de-obra para trabalhar com esse equipamento e, portanto, o enfrentamento de relaes de trabalho nem sempre favorveis ao proprietrio da indstria, como tambm sempre muito difceis para os trabalhadores de um modo geral.

    Apesar de todas essas dimenses e circunstncias, foram se estabelecendo as fbricas de tecido em todas as regies do pas, como um segmento associado diretamente produo do algodo, e, portanto, tambm ao capital mercantil individual, transformando-se, posteriormente, em sociedades annimas, que tornaram-se muito numerosas na economia nacional.

    As primeiras fbricas de tecidos de algodo surgiram na Bahia. At 1837, funcionou a fbrica Conceio, de Domingos Jos Amorim, que para mant-la associou-se a Domingos Gomes Ferreira; em 1840, um indivduo instalou a fbrica Queimado, tendo vendido-a, em 1844, para Paulo Pereira Monteiro. Em Valena, em

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    1844, instalou-se a Fbrica Todos os Santos, fundada pelos comerciantes Antnio Pedroso de Albuquerque, Antnio Francisco de Lacerda e o norte-americano J. Guillmer, que se reuniram sob o ttulo de Lacerda & Cia. Em 1857, Joseph Revault, contratado como engenheiro responsvel pela instalao da Queimado, tornou-se scio-gerente da fbrica Modelo.

    Em 1873, o Baro de Piracicaba, ngelo Custdio Moraes e Lus Antnio Anhaia, fundaram a fbrica So Lus, em ltu - S.P. Tambm Anhaia fundou outra fbrica, em 1884, no Bairro Bom Retiro, em So Paulo.

    No comeo dos anos setenta, Antnio Felcio, Joaquim Felcio dos Santos, um sobrinho e outro comanditrio reuniram-se numa empresa intrafamiliar e instalaram a Fbrica Beribery, em Minas Gerais, na regio de Diamantina, sob a denominao Santos & Cia.

    Em 1850, a Fbrica Santo Aleixo foi instalada no Rio, sendo feito o seguinte registro por um engenheiro, conforme assinala Stein (1979:54), "funcionava num prdio simples, porm de construo elegante; sua maquinaria moderna e bem montada, movida a gua, opera regularmente ... .. seus cinqenta teares ( somente vinte e dois esto em uso agora) produzem entre 1.200 e 1.400 varas (1.320 e 1.540 metros) de tecidos, diariamente, e empregam 116 trabalhadores de ambos os sexos." Em 1878, um dos irmos Santos com mais dois scios, criou a Santos, Peixoto & Cia. que construiu a fbrica Pau Grande no Rio. Um empresrio cubano, Bernardo Caymari, estabelecido no Brasil, foi o responsvel pela criao da Petropolitana, entre 1875-1883, na cidade de Petrpolis. A Brazil Industrial tambm foi criada nos anos setenta, bem como a Amrica Fabril (1878) e a Progresso Industrial do Brazil, o que colocava a provncia do Rio numa situao de destaque pelo nmero de indstrias txteis em funcionamento, embora nem todas tivessem se mantido em boa condio por um perodo muito longo, dadas as dificuldades j enumeradas.

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    Foi tambm, na segunda metade do sculo XIX, mais exatamente no ltimo quartel, que foram criadas as indstrias txteis do Maranho, a exemplo do que vinha ocorrendo em outras provncias do Nordeste. So objeto da pesquisa que se empreendeu, as fbricas de tecido da cidade de Caxias - Maranho, que assumiram uma posio de vanguarda na economia dessa provncia.

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    2. MOVIMENTO DE CONSTITUIO DO CAPITAL COMERCIAL AO CAPITAL INDUSTRIAL, NO ESTADO DO MARANHO E NA CIDADE DE CAXIAS, NO FINAL DO SCULO XIX.

    2.1- As fbricas como objeto de mediao desse movimento: primeiras aproximaes sua histria.

    As fbricas de tecido da cidade de Caxias, criadas e instaladas no perodo de 1883, 1889,1891 e 18926, Companhia Industrial Caxiense, Companhia Unio Caxiense, Fbrica Sanhar e Companhia Manufatora Caxiense, respectivamente, constituram um parque industrial avanado no interior do Maranho, antes mesmo que se instalassem indstrias txteis na capital do estado, So Lus.

    Essa situao histrica datada e localizada numa regio distante dos centros mais desenvolvidos do nordeste, sudeste e sul, merece ser compreendida, superando-se os limites de uma concepo regionalista, conforme alerta Cano (1985), ao realizar o seu estudo sobre os desequilbrios regionais e a concentrao industrial.

    Apesar do referido autor ter delimitado seu estudo ao perodo de 1930 a 1970, faz uma crtica concepo de regionalismo que poderia considerar-se tambm adequada para outros perodos histricos, porque trata de uma indicao fundamental , do ponto de vista metodolgico. Segundo Cano, "persistem, no trato da questo regional equvocos e mitos que no s permeiam parte do trabalho acadmico voltado para o tema, como se prestam, s vezes propositadamente, a obscurecer o correto entendimento poltico da questo." (1985:27)

    O que se realizou no Maranho, em termos de industrializao txtil , como o desenvolvimento avanado de um setor moderno no contexto de uma economia marcadamente centrada na agricultura, no final do sculo XIX, provoca uma indagao,

    6 Houve anteriormente o registro da data de 1893, relativa ao surgimento da Companhia Unio Caxiense, entretanto, novas pesquisas em jornais, mostram que a data correta 1892.

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    j respondida em grande parte por Cardoso de Mello (1986), quando analisa a passagem da economia colonial economia exportadora capitalista, desvendando a relao entre fatores internos e externos que impulsionaram esse processo no Brasil.

    Tomando-se o raciocnio de Mello, ao desenvolver sua anlise sobre o capitalismo tardio, poder se perseguir a hiptese de que o estado do Maranho desenvolveu um parque manufatureiro sem que tivesse "bases materiais de acumulao capitalista" para consolidar esse setor industrial, mediante um processo continuado de implementao de medidas que garantissem a sua modernizao e transformao produtiva.

    De acordo com a lgica da anlise de Cardoso de Mello, fundamental adotar os seguintes pressupostos para organizar a anlise histrica sobre o desenvolvimento econmico do estado do Maranho e do parque manufatureiro que se instala, predominantemente, na cidade de Caxias. No seu estudo acerca da produo cafeeira, so destacados os seguintes aspectos: "1) investigar as origens do capital dinheiro que a ele se dirigiu; 2) examinar a existncia e a mobilizao dos recursos prdutvos; 3) considerar o nascimento e o "sentido" da demanda externa por caf, que, em ltima anlise, lhe confere o carter mercantil." ( 1986:5 3-54)

    No caso maranhense, em lugar do caf estava o algodo, cuja produo, mesmo tendo sido importante para se instalar e expandir a indstria txtil, foi insuficiente para que se tivesse a matria-prima necessria ao processo de crescimento da produo e da exportao dos tecidos, medida em que crescia a demanda de mercadorias para o consumo dos trabalhadores, como o caso dos panos, e tambm, de alimentos e calados, tanto para o mercado interno como para o mercado externo.

    O Brasil, tanto quanto os Estados Unidos, tornou-se grande produtor de algodo, no decorrer do sculo XIX, dada a crescente demanda de matria-prima da indstria txtil europia. Entretanto, a Guerra Civil Americana (Guerra de Secesso nos Estados Unidos, em Abril de 1861) produziu a queda das exportaes dos Estados Unidos, o

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    que favoreceu o crescimento da produo algodoeira de outras regies nos diferentes continentes, como Brasil, Egito, Turquia e ndia.

    "O acrscimo dos suprimentos de algodo da ndia, do Egito, da Turquia, como do Brasil, estavam ligados aos esforos realzados pelos ingleses, em vrias partes do mundo para incrementar a produo algodoeira no Brasil, de modo a enfrentar o problema criado pela queda das exportaes norte-americanas. Alis, a Inglaterra foi o nico pas da Europa que se interessou vivamente em desenvolver a produo algodoeira no Brasil. (Canabrava, 1951: 7)

    No quadro da produo brasileira, destacou-se o Maranho que, em 1872, muito contribuiu para o aumento das exportaes de algodo, porm a sua efetiva participao muito anterior a essa data, pois 11 a primeira remessa de algodo brasileiro para o exterior data ..... de 1760; provm do Maranho que este ano exporta 651 arrobas." (Mesquita, 1987: 48-50). Entretanto, ainda foi anterior a 1760, a primeira remessa de algodo, que ocorreu atravs da Companhia Geral do Comrcio do Maranho e Gro Par, em 1756.

    A economia algodoeira maranhense apresentava qualidade reconhecida no mercado interno e externo, de tal modo que ocupava lugar de destaque em termos da economia nacional, ao mesmo tempo, que o algodo se constitua como moeda nas transaes comerciais da economia local. 7

    expanso dessa cultura deve-se associar a ampliao dos latifndios, originrios do processo histrico de doaes das sesmarias, e do trabalho escravo, ambos elementos impulsionados e, tambm impulsionadores do acmulo de capital comercial.

    7 "Ale a primeira metade do sculo XVlll, os novelos de l subslltuam as moedas, quando, com a Guerra da IndEpendncia dos Estados Unidos,

    a principal foote fornecedora de algodo Inglaterra, a exportao de algodo maranhcnse cresceu, os novelos foram subStitudos por moedas, especialmente moedas de ouro, como meio circulante, resultantes do saldo lquido significativo no comrcio exterior " (Mesquita, I 987.55)

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    Mesquita, ao analisar o desenvolvimento do ciclo da produo algodoeira do Maranho, destaca que,

    "Quanto mais rentvel se encontrava a atividade agrcola, mais trabalho se incorporava no campo, mais se capitalizava a propriedade onde se realizava a lavoura de exportao. Valorizava-se a propriedade fundiria, tomando-a uma mercadoria cujo preo era uma funo da prpria rentabilidade, da renda nela capitalizada e do nvel geral do lucro." (1987:94)

    Alm da propriedade fundiria, o investimento feito no trabalho escravo era de fundamental importncia para garantir o monoplio comercial da regio, como bem avaliou a Companhia Geral do Comrcio do Gro-Par e do Maranho8 , que importou 12.500 escravos, de modo a garantir no apenas a cultura do algodo, mas tambm do caf, cravo, cacau e arroz. (Mesquita, 1987:54)

    Em 1822, segundo Tribuzi, "o total era de 84.629 cativos para 2.683 proprietrios rurais e possibilitava uma produo avaliada por Pereira Lago em 1.891:271$846, cujos principais itens eram: 3.391 toneladas de algodo em pluma e 6.000 toneladas de arroz, estimativa que consideramos subestimada e estimamos o valor em mais de 3. 000:000$000." ( 1981 : 14)

    Apesar do destaque que alcanou a produo algodoeira do Maranho9 , somente superada pelo volume exportado por Pernambuco no final do sculo XVI1110, Furtado (1980) avalia que o desenvolvimento da economia do Maranho nesse perodo era, de certa forma, mais dinamizado por uma falsa euforia, do que propriamente pelo acmulo de capital , que pudesse ocorrer nesse circuito da produo destinada

    8 Pombal empenhou-se em favorecer os colooos do Maranho que es:am adversrios dos Jesutas pela coniJ'adio que entre eles se estabeleceu na luta pela escravizao indgena. A capitalizao da regio, aiJ'avs da companhia de oomrcio, g;uantiu ao mesmo tempo. que se alterasse a fisiOnOmia m1ca da reg1o. pela importao em grande escala de mo de obra afncana" . FURT.

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    exportao, cuja lgica de transao se definia no mercado europeu e no no mbito da economia colonial.

    A partir do mesmo ponto de vista, Tribuzi admite que as razes do "boom" econmico colonial maranhense j traziam os elementos que produziriam a sua decadncia em curto espao de tempo. Na sua anlise sobre a formao econmica do Maranho, destaca cinco principais causas dessa oscilao no desenvolvimento maranhense:

    "-o crescimento da economia se fazia comandado 'de fora ' e 'para fora' (era dirigido pelo monoplio da Companhia do Comrcio do Gro-Par e Maranho e visava criar excedentes exportveis para o Reino de Portugal, onde a CGCGPM multiplicava seus lucros na reexportao;

    o sistema escravista impediu o surgimento de um mercado interno significativo -(a composio da populao em 1822 era de 85.000 pessoas livres e 90.000 escravos).

    a excluso de 213 da populao do~ direitos da gente livre e a alta concentrao da renda da populao livre, ( a vida econmica girava em torno de poucas centenas de famlias que monopolizavam a terra e os escravos), permitiam criar macios excedentes exportveis dos produtos de demanda externa forte e condicionava o modelo monocultor; do mesmo passo que transferia a quase totalidade da renda gerada para a metrpole e impedia a diversificao da economia e a criao de uma infra-estrutura social.

    entre os fatores de transferncia de renda metrpole, tinham peso tambm os fretes. O transporte de uma arroba de algodo (cujo preo no Maranho variou de 2$800 a 7$200 para a metrpole custava $800);

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    - as proibies metropolitanas impediam qualquer potencial de atividade econmica que no fosse a produo agrcola (ou agro-indstria rudimentar) e o comrcio varejista (o grossista era o monoplio da Companhia) com o que se manteve rudimentar o sistema produtivo;.

    - o sistema escravista propiciava adicional fluxo de exausto da renda gerada no Maranho de vez que eram os negros adquiridos obrigatoriamente da Companhia Portuguesa, como instrumentos de trabalho." ( 1981:15 -17)

    As anlises sobre a histria econmica do Maranho, produzidas por pesquisadores locais, como Tribuzi e Mesquita, enfatizam o redirecionamento da produo agrcola do Maranho para o cultivo da cana de acar, que, alis, foi iniciado muito antes da decadncia da produo algodeira.

    O Presidente da Provncia, Joaquim Franco de S, adotou medidas governamentais para estimular a expanso da indstria aucareira. Em 1847, estabeleceu a cobrana de sobretaxa para o acar importado de outras provncias; solicitou do Ministrio a concesso de um prmio de 30 contos de ris para o agricultor que produzisse acima de 1 000 arrobas e transportou de Caiena mudas de cana de qualidade superior, para distribuir aos produtores rurais, gratuitamente. Tambm incentivou a modernizao dos engenhos, atravs de campanhas na imprensa que mostravam a vantagem de substituir a trao animal por modernas maquinarias de engenho. (RIBEIRO, 1990: 42- 43)

    Esse deslocamento para a atividade de plantao de cana1\ em virtude da estagnao dos preos do algodo no mercado internacional, somente ligeiramente elevados no perodo em que se deu a Guerra da Secesso e a Guerra Brasil-Paraguai, definiu um ciclo aucareiro de curta durao, que saiu do total de 6.900.000 kilos de acar exportados em 1875, para 1.000.000 em 1917.

    11 Entre a dcada de 1&60 e 1&70. o nmo de engenhos a-esceu para 500, representando um aumento de 21.95% no total de engenhos dos anos sessenta. (Ribeiro, 1990:50)

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    Novamente, um grande investimento realizado pelos donos de engenho no sentido da modernizao de suas unidades agro-industriais, produziu uma crise financeira dos empresrios 12. J no era mais possvel contar com a mo-de-obra escrava, a partir de 1850, quando cessa o trfico negreiro por imposio da Inglaterra 13 e, portanto, no conseguiam produzir o suficiente para pagar as dvidas contradas para a compra dos equipamentos utilizados nos modernos engenhos 14.

    O Engenho Central de So Pedro pode ser um exemplo emblemtico do processo de modernizao que resultou em fracasso. Sua inaugurao ocorreu no dia 16 de agosto de 1884, tendo sido construdo e instalado com a presena de uma equipe de tcnicos ingleses da firma inglesa- Fawcet Preston & Co.- na qual foi adquirida toda a maquinaria do engenho. Logo aps alguns anos de funcionamento, em 1913, o empreendimento faliu. (Ribeiro, 1990:78)

    Os produtos da agricultura maranhense, como o algodo e depois o acar, tiveram que enfrentar os concorrentes no mercado internacional , com os quais no podiam competir, dada a imensa diferena da qualidade do produto exportado pela provncia. De um modo geral, a qualidade era inferior, devido inclusive condio tcnica e tecnolgica deficiente comparada de outros pases.

    De acordo com a anlise de Ribeiro,

    ao iniciar-se a segunda metade do sculo, a agricultura do Maranho continuava presa a processos rudimentares de produo, sem a adoo de mtodos e mplementos agrcolas mais modernos. O baixo nvel tecnolgico, tanto na fase agrcola quanto na de industrializao, refletia-se, assim, no s na quantidade-qualidade do produto, mas tambm na elevao dos custos de produo. Apenas uma pequena minoria, dentro do

    12 A receita provincial para o exerccio de 1863-1864 que fora de 745:505$824 rn .. para o exerccio de 1867-1868 atingiu apenas 658:000$000 ris. (Melo, 1868, p.24-5 , relatrio) u Do Bill Aberdeeo dispositivo pelo qual o Parlamento ingls ampliou os poderes da Marinha britnica de mtervir no oomrcio negreiro, resultaram as leis de 1850 ( Eusbio de Queiroz) e 1854 (Nabuoo de Arajo) que proibiram o trfioo de escravos 14 Segundo Viveiros, havia ainda um agravante que decorria do modo oomo havia se oon.slltu ido a classe dos senhores de engmho. Diz o historiador " O Senhor de engenho era uma cJsse nova. que aparecia no mew rural da Provncia. Enwndectda. adquma hb11os de opulncia. ficava um tanro perdulna". v1VEIROS (1954:v.2, p.205)

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    grupo de lavradores ligada produo agroexportadora, procurou investir em novas tecnologias. A maioria, em especial, composta de mdios e pequenos proprietrios, ficava margem do processo de modernizao em face da crise econmica." (Ribeiro, 1990:66)

    Alm desses fatores, acrescentava-se mais uma desvantagem que decorria do uso extensivo da terra, possibilitando o seu esgotamento e a devastao de reas cada vez maiores e inacessveis, onerando ainda mais a produo com o custo do transporte de regies to distantes dos rios e do litoral.

    A crise do setor agrcola no deixava alternativas aos empresrios comerciais e rurais do Maranho, que conseguiram salvar parte do capital , quando se deu a derrocada do processo de expanso das culturas do algodo e do acar. Eles voltaram suas expectativas para a indstria, que havia iniciado um ciclo de desenvolvimento, embora fosse ainda muito incipiente, principalmente, pela falta de uma poltica econmica do governo nacional que decidisse apoiar os empreendimentos industriais.

    As controvertidas medidas adotadas no fim do Imprio e incio da Repblica, relativas definio das taxas de cmbio e s tarifas alfandegrias, ora favoreciam a agricultura, ora pareciam inclinar-se ao atendimento das demandas do setor industrial emergente no Brasil. A mais forte reivindicao dos industriais era para que o Estado adotasse uma poltica protecionista, que favorecesse suas transaes no mercado interno e externo. Ocorria, entretanto, ao mesmo tempo, uma resistncia ferrenha dos liberais por um lado, e dos fisiocratas por outro, que por motivos distintos combatiam o protecionismo fiscal ao setor da indstria de artefatos recm-criada.15

    Luz (1975) retoma o histrico da oscilao dessas medidas, e ao comentar a tarifa decretada em 1879, faz um resgate que mostra o quanto se debatiam as foras

    1 S T cnt.ando oooci!Jar uma sne de intcn::sses antagnicos, a tarifa de 1879 nilo fot muno satisfatna em relao a varios desses intc:resses. mas acalmou os induslriais. Os adversrios do protecionismo, entrEUIIlo, no silcnaaram suas aiticas e movncnt.aram-se para obter- a anulao dos resuh.ados conseguidos na pall13 de 1&79 Em faoe dessa ameaa que se oonatt.izou, em meados de 18&0, quando fo nomeada nova comisso para rever a tarifa alfandegria, a indstria resolveu, afma~ ooogregar-se. (WZ, 197 5:56)

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    polticas e econmicas no final do sculo XIX, na tentativa de fortalecer setores da economia de forma isolada, como se fossem independentes entre si e, mais do que isso, como se tivessem uma autonomia em termos de suas transaes no mercado mundial.

    A tarifa de 1879 elevou os direitos adicionais sobre a importao, que estavam fixados em 50% em 1878, e que eram anteriormente equivalentes a 40%, segundo a tarifa Rio Branco. Porm, em 1880 estava constituda nova comisso para rever a pauta alfandegria, existindo uma tendncia para reduzir, mais uma vez, a tarifa de direitos adicionais sobre a importao, o que desfavorecia os empresrios da indstria.

    Nesse contexto, foi constituda uma Associao Industrial, reunindo vinte e uma firmas industriais, que anunciou, mediante vrias manifestaes pela imprensa, e discursos proferidos na Associao Comercial, que seu objetivo de defesa dos interesses da classe, tambm correspondia defesa dos interesses do pas, pois " .... . s na proteo da indstria nascente do pas, a exemplo do que tm feito outras naes, vejo o meio de criar-se o comrcio nacional, e melhorar o estado da fazenda pblica." ( Luz, 1975:57)

    Os problemas apontados pelos industriais eram, particularmente, os que decorriam da instabilidade da tarifa aduaneira. De fato, a organizao do setor industrial dependia das importaes e das exportaes e, justamente, esse processo era continuamente atingido pelos avanos e recuos de uma poltica de desenvolvimento da economia nacional.

    Ainda que tenha se constitudo a Associao Industrial e possam ter se destacado os seus lderes, como Antonio Felcio dos Santos, que foi seu presidente, em 1881, uma nova pauta executada em carter provisrio, " reduziu os direitos sobre as matrias-primas com o objetivo de desenvolver e contribuir para a prosperidade da indstria nacional, mas por outro lado diminuiu tambm os direitos sobre artigos

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    similares aos fabricados no pas, o que irr;tou consideravelmente os industriais." ( Luz, 1975:58)

    Na realidade, como um grande nmero de industriais era representante de fbricas, muitas delas ainda restritas a um processo artesanal de produo, tais como tecidos, chapus, velas, produtos qumicos, construes navais, fundies, etc ... , o debate que se desdobrava na Assemblia Legislativa, fazia crtica s medidas de proteo que se voltavam para meia dzia de fabricantes, que na realidade no tinham condio de atender s demandas de consumo de grande parte da populao.

    O embate que se realizava entre os protagonistas do capital mercantil por um lado, e do capital industrial por outro, no perodo da passagem da Monarquia para a Repblica, poderia indicar que no processo histrico de transio da economia predominantemente agro-exportadora, para a instalao de suas primeiras unidades produtivas do setor industrial, pudesse se dar uma ciso entre esses setores, como se estivessem funcionando de forma autnoma, em relao ao mercado mundial e div1so internacional do trabalho. Essa possibilidade de interpretao da situao histrica, certamente, poderia produzir certo grau de distoro acerca da realidade da economia nacional e internacional, cuja articulao foi fortemente construda desde os primrdios da colonizao do Brasil.

    Entretanto, esse tipo de pensamento foi predominante, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, quando se debatiam os representantes da ol igarquia agrria e os representantes do pensamento industrial de ento.

    Segundo os defensores da industrializao,

    "os livre-cambistas, contrrios aos salrios affos, 'apregoam que os pases novos devem dedicar-se apenas a desenvolver a agricultura, suprindo a deficincia de braos pela imigrao, e ao mesmo tempo estabelecem que por esta forma se gozar das vantagens do salrio baixo ... ' No entanto, eles esquecem que o

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    'nosso pas, que se apregoa ter sido e que deseja que continue a ser essencialmente agrcola, importa arroz, feijo, milho, cevada, batatas, cebolas, trigo, frutas, etc.'. E outra coisa, ' a verdade esta: ns no temos sido essencialmente agrcolas; temos sido essencialmente pobres, imprevidentes e ingnuos' . Afinal, nocivo o argumento do comrcio quando se mostra favorvel alta do cmbio, porque a medida ' agrava muito mais a subsistncia dos pobres consumidores' ; prefervel maiores medidas protecionistas ao artifcio cambial ruinoso para o Tesouro e que nenhum melhoramento traz economia nacional (Apresentao de Luis R. Vieira Souto ao Boletim do Centro Industrial do Brasil , 1. volume, 1904) IN : Carone (1977:8)

    Por outro lado, um dos argumentos mais difundidos pelos defensores da agricultura sustentava-se no fato de que a indstria se dividia em duas categorias: artificial - porque dependente da importao de matria-prima, e, natural - porque seu funcionamento estava diretamente relacionado ao consumo dos produtos nacionais. (Carone, 1977)

    Essa afirmao era rebatida pelos industriais que apresentavam a prpria Inglaterra, lder da industrializao mundial, como importadora de 80% da matria-prima que utilizava na sua produo.

    Nessas circunstncias histricas, os empresrios maranhenses tomaram a iniciativa de dar a largada ao processo de industrializao que, de seu ponto de vista, poderia possibi litar-lhes a sua recuperao financeira bastante crtica pelo declnio da produo e exportao de algodo e cana de acar.

    Utilizando-se o conceito de artificial noutro sentido, no como uso de matria-prima importada, mas como desenvolvimento de um setor da economia, sem sustentao de base monetria, como afirmava Murtinho, um dos representantes do pensamento nacionalista, analisado por Luz (1975)16, ta lvez coubesse perguntar se o

    16 Luz. ao analasar o processo de industrializao naciooal em seu liVTo - A luta pela industrializao do Brasil - resgata o conoetto de tndruia artificial e de indstria natural utilizado por Joaquim Murtinbo um dos tipiCOIS representantes de uma das correntes do pensamento oac10nalista

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    caso das manufaturas txteis caxienses, poderia ser considerado como um exemplo tpico de "indstria artificial" ?

    Para Viveiros, essa movimentao intensa de capitais que se deslocavam para o setor industrial inexistente naquela provncia, daria incio ao que denominou de "vertigem das fbricas", "loucura da poca - transformar o Maranho Agrcola em Maranho Industrial" (Viveiros, 1954, V.2, p. 558)17

    Esse movimento estimulou, segundo Tribuzi, "investimentos de 20 mil contos, atraiu 11 contos de poupana rural e traduziu-se no seguinte parque industrial: 1 O indstrias de fiao e tecidos, 1 de fiar algodo, 1 de tecido de Cnhamo, 1 de tecido de l, 1 de cermica, 4 de pilar arroz, 2 de pilar arroz e fazer sabo, 1 de sabo, 2 de acar e aguardente, 1 de meias, 1 de fsforo, 1 de chumbo e pregos, 1 de calados." (1981: 22-23)

    No contexto de criao dessas indstrias, esto localizadas as fbricas de tecido da cidade de Caxias, que em 1896, sofriam os impactos de uma economia decadente em toda a provncia, embora ainda registrasse certa movimentao financeira produzida pela presena das indstrias.

    Em Caxias, considerada a cidade mais importante depois de So Lus, estavam em funcionamento, na segunda metade do sculo XIX, 57 lojas, 16 quitandas, 2 hotis, 4 fbricas de charutos, 2 fbricas de cigarro, 2 de sabo, 5 funilarias, 2 lojas de calados, 5 ferrarias, 2 fbricas de descaroar algodo, 2 tanoarias, 2 padarias, 2 salgadeiras, 5 olarias maiores e 3 menores, 2 curtumes, com tratamento de peles para exportao, vrias alfaiatarias e ourivesarias. (Torres, 1998: 30)

    analisado pela autora em sua obra. Segundo Muninho, a indstria artificial, que requeria a proteo do Estado, se opWJ.ha aos princpios do htx.>ralismo, portanto, somente a indstria natural, poderia se desenvolver sozmha. ( 1975:84) 17 No D1no do Maranho datado de 01103/1895, o articulista IgnOUJs reputa\'a a montagem de novas fbricas no Maranho como uma verdadeira loucura e afumava: "Ora isto na quadra ad.ua~ com cmbio de 10 d .. sobre ser uma temeridade que pode trazer consigo a runa de todos, um verdadeiro erro econmico sen.o uma lou.cura. O que mais admira e a facilidade com que tem sido lanadas na praa este alluvio de companhias e como tem aparecido subscnptores para ellas! ...

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    Neste contexto da economia local da provncia do Maranho que, de forma artificialmente acelerada, expandia-se mediante o processo de implantao da indstria txtil , torna-se necessrio apresentar dados que possam fornecer um quadro mais preciso das condies histricas da cidade de Caxias, no final do sculo XIX, para que se explicitem as formas de articulao dos diversos setores de produo e como essa atividade localizada nesse municpio foi integrando-se ao circuito regional , nacional e internacional da produo, distribuio e comercializao de produtos manufaturados, mediante a venda, no mercado nacional, dos tecidos que passaram a ser produzidos nas fbricas da cidade, bem como pela importao de maquinrios e de tcnicos de outros pases como a Inglaterra e os Estados Unidos.

    2.2- Antecedentes da histria da cidade de Caxias no sculo XIX e sua influncia no desenvolvimento econmico da regio.

    Um breve resgate da histria de Caxias mostra que era, juntamente com So Lus e Alcntara, uma das trs comarcas criadas pelo Alvar de 31 de outubro de 1811 , que fazia realizar-se a Resoluo Rgia do Prncipe Regente D.Joo de agosto de 1811 . Foi esse mesmo Alvar que a elevou condio de vila da provncia do Maranho. O Alvar de 13 de maio em 1812 instalou o Tribunal da Relao do Distrito de So Lus, que ia do Rio Negro (Amazonas) ao Cear Grande.

    Em documento que parte da coleo de Leis de Nabuco, foram identificadas informaes importantes sobre os primrdios da cidade de Caxias, que merecem ser reproduzidas.Transcreve-se o mesmo com a finalidade de acrescentar o contedo histrico da constituio da Vila, em 27 de julho de 1811.

    Eu o Prncipe Regente fao saber aos que este alvar virem, que tendo-me sido presente em consulta do Conselho Ultramarino, os justfficados motivos pelos quais merecia ser criado em Vila o Julgado do Atraia/ das Aldeias Altas da Comarca e Cap;tania do Maranho a ser exercffada a jurisdio cvel, crime e dos rfos no seu territrio, por um Juiz letrado; o qual , em resoluo da mesma consulta, houve logo por bem nomear e sendo-me tambm presente, em consulta da Mesa do Desembargador do

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    Pao deste Estado do Brasil, que havendo eu nomeado outro Juiz de Fora para o referido lugar, houvesse por bem se expedissem os despachos necessrios para ter efeito a sobredita graa; e conformando-me com o parecer da mesma consulta, hei por bem fazer merc aos moradores do julgado das Aldeias Altas de o criar em Vila, com a denominao de Vila de Caxias das Aldeias Altas; e criar na mesma Vila um lugar de Juiz de Fora, do Cvel, Crime e dos rfos, para exercitar a jurisdio ordinria que ao mesmo cargo compete na forma das leis do Reino.

    Na sobredita Vila de Caxias das Aldeias Altas ser a Cmara composta de trs Vereadores e um Procurador, e cuja eleio se proceder, e eleio de dois Juzes Almotacs, os quais observaro os regimentos que lhe sao estabelecidos pelas ordenaes e leis do Reino. E a dita Vila gozar de todos os privilgios, prerrogativas, autoridade e franquezas que pelas minhas leis competem s outras Vilas; e os seus moradores concorrero com os das mais Vilas daquela Comarca e deste Estado, com os mesmos privilgios e isenes, sem diferena alguma, exceto naqueles que precisam de graa especial. E concludos que sejam os atos necessrios da criao e mais estabelecimentos, podero requerer, e se lhes passar a c

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    "Foi criada (quis dizer instalada) com as solenidades de costume em 24 de Janeiro de 1812, pelo Desembargador dos agravos do Rio de Janeiro e atual Ouvidor da cidade Jos da Mota de Azevedo, o qual estabeleceu igualmente o seu governo municipal ou cmara. " (Compndio histrico-poltico dos princpios da lavoura do Maranho, edio fac-similiada da Sudene, Rio, 1970, p.166)

    Os primeiros vereadores de Caxias, segundo Sousa Gaioso, foram: Mateus Mendes Bittencourt, natural das ilhas, que ficou com a Vara na ausncia do Juiz de Fora; Tenente de milcias Jernimo Jos Guimares, natural do reino; Francisco das Chagas Pereira de Brito, feito de barrete, por demisso do Dr. Vicente Pereira da Costa, ambos filhos da terra. O Procurador da Cmara foi o Tenente Miguel Ferreira de Gouveia Pimentel, que fora o ltimo Juiz ordinrio, ao tempo do Julgado, e ainda Jos Colao Brando, tesoureiro do Conselho e, finalmente, Caetano Padeiro, membro da nova Cmara.

    Os registros histricos sobre Caxias das Aldeias Altas so reproduzidos de trechos escritos por historiadores como Robert Southey e pelos naturalistas Spix e Martius. O primeiro, cuja obra Histria do Brasil, foi publicada em Londres, pela primeira vez, nos anos de 1810 a 1819, vol.lll, p. 409 (Edio Mec- Melhoramentos) afirmava sobre Caxias:

    "Aldeias Altas, lugar populoso de grande importncia comercial. Avultada quantia de arroz e algodo se cultiva aqui, mas eram conhecidos os habitantes por acrrimos jogadores, vcio fatal com que haviam arruinado muitos dos seus credores de So Lus. "

    Os naturalistas Spix e Martius que percorreram todo o territrio brasileiro, entraram em Caxias em 1819, e tambm escreveram suas impresses sobre a Vila :

    Caxias (Vila desde 1812), antigamente Arraial das Aldeias A/tas, uma das mais florescentes vilas do interior do Brasil. Monta 30.000 o nmero de habitantes do seu termo. Deve a sua

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    prosperidade cultura do algodo, explorada desde uns vinte anos, com afinco , em seu interior, e fomentada em toda a provncia pela Companhia de Comrcio do Maranho e Gro-Par, assim como atividade comercial de seus habitantes, entre os quais se encontram muitos europeus. Mais da metade do algodo produzido na provncia despachada daqui para a capital, e, nos ltimos anos, o nmero de fardos embarcados em Caxias, cada um do peso de 5 a 6 arrobas, subiu a 25.000 fardos e at 30.000, que avaliando baixo, mesmo no interior, vale uns 1. 650 ou 1980.000 florins. "

    A propsito das formas de comunicao, destacavam nos seus registros que apenas pelo curso do Rio ltapecur era possvel o trfego entre Caxias e So Lus, e assim que eles se deslocaram para a capital, a bordo de uma barca carregada de algodo, em 3 de junho de 1819. A arroba de algodo alcanou o preo de 1 0$000, em 1817, sendo, portanto, muito volumosos os lucros auferidos pelos exportadores daquele produto de Caxias das Aldeias Altas.

    Haviam se passado 60 anos do incio da sua povoao, segundo afirma o Frei Francisco dos Prazeres, ao escrever no seu livro (Poramduba Maranhense), que Caxias era a mais antiga, florescente e comerciante da provncia, tendo N.Sra. da Conceio como a padroeira da Matriz. (Revista de Geografia e Histria, p. 141 ). 18

    Esses dados de uma realidade histrica remota oferecem elementos que se associam histria da indstria txti l na cidade, na medida em que se destacam as condies materiais prsperas que estavam localizadas nessa Vila, que elevada categoria de cidade, em 05 de julho de 1836.

    Estavam dadas as condies necessrias para o incio da industrializao da cidade, na medida em que havia concentrao de mo-de-obra barata, matria-prima abundante e a deciso de fazendeiros e comerciantes da cidade de Caxias, liderados por Francisco Dias Carneiro, de se tornarem pioneiros no desenvolvimento da indstria

    18 COUTINHO, M. Caxias das Aldeias Altas- Subsdios para a sua histria. IHGM/Prefeitura Municipal de Caxias, 1980.

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    txtil, uma vez que os fazendeiros e exportadores de algodo de So Lus tinham optado por investir na criao da Companhia Aliana, "que tinha como objetivo receber, beneficiar, prensar, ensacar, armazenar e embarcar algodo chegado do interior, para exportao pelo porto da capital provincial_" (Caldeira, 1988:70)

    Com essa iniciativa, seus proprietrios visavam reduzir o monoplio das Prensas de So Lus: Prensa Costa e Prensa Castro Reis, no momento em que uma crise no setor da produo algodoeira provocado pela baixa dos preos externos e as dificuldades de exportao do artigo, colocavam em risco os seus negcios.

    Existia, assim, uma prioridade estabelecida pelos fazendeiros e exportadores de algodo que era fortalecer a sua produo e exportao e no exatamente a sua industrializao nessa conjuntura desfavorvel, como bem havia ficado demonstrado pela extino da Companhia Maranhense de Fiao e Tecidos, criada em 1870, e extinta em 1875, apesar dos esforos empreendidos por Joo Antonio Coqueiro19 e pelo tenente-coronel Joaquim Jos Alves Jnior.

    Embora, em 1873, tenham tido apoio do Presidente da Provncia, Dr. Silvino Elvdio Carneiro da Cunha para darem incio a esse empreendimento,20 o nmero de aes subscritas foi insuficiente para a integralizao do capital necessrio.

    Segundo registro da Comisso da Praa do Comrcio do Maranho (da qual se originou a Associao Comercial do Maranho, em 1878), havia falta de dinheiro, como afirmam em seu Relatrio do Ano de 1873, divulgado no Publicador Maranhense, 10/0111874, p.2:

    "Circunstncias excepcionais tm trazido nossa praa, nesses ltimos meses, pronunciada carncia do meio circulante, o que

    19 Dr.Joo Antomo Coque1ro, fazendeiro e comerciante importador-exportador, do mumcipio de Mono, era descendente de antiga e poderosa famlia de fazendeiros e comerciantes daquela localidade.Era diplomado em Cincias Fsicas e Matemtica na Universidade L1vre de Bruxelas, conforme consta da relao de alunos brasileiros matriculados naquela universidade. nos anos de 1800/1862 .(Caldeira, 1968:65) 20 o Presidente da Provncia baixou a Lei no 1037. de 24 de julho de 1873, concedendo-lhes garantia de JUros de 7% sobre o capital de trezentos contos de ris, para montarem na capital uma fbrica de tecidos de algodo e extrao do leo da semente dessa mesma planta. (Galdeira, 1988:66)

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    um tropeo para o andamento das transaes comerciais." (Caldeira, 1988:67 -68)

    A carncia do meio circulante era conseqncia do aumento dos impostos do governo central sobre as importaes realizadas pela Provncia e pela grande reduo das exportaes de algodo, ao mesmo tempo, que se mantinha estagnada a produo do acar. Uma outra evidncia dessa crise pode ser tomada pelo fato de que cresceram as vendas de escravos, 21 reduzindo ainda mais a capacidade de reinverso para ampliar-se a produtividade da produo agrcola.

    Na realidade, como analisa Martins,

    " ao dispor de seus escravos para a venda, o fazendeiro se desfazia no s daquilo que era a garantia para os bancos ou comerciantes, quando da tomada de recursos para o custeio de suas lavouras, mas, tambm, daquele que era a sua fora de trabalho. (1981 :26)

    Desde 1872, as exportaes de algodo haviam decrescido consideravelmente, confirmando a tendncia que j se evidenciara desde 1847, quando os preos do produto estavam em queda no mercado internacional e a qualidade do produto tornava-se decadente, embora o algodo maranhense ainda ocupasse o terceiro lugar no mercado da lnglaterra.(Mesquita, 1987:98)

    Havia falta de mo-de-obra e a soluo encontrada pelo governo da Provncia foi a introduo de 887 colonos estrangeiros, trazidos entre 1853 e 1856, com financiamento do tesouro provincial no valor de 68:927$804 ris, que foram distribudos em seis ncleos de colonizao, como demonstra Ribeiro (1990:98) : Ararapa ( 368 portugueses), Santa Teresa (140 aorianos), Petrpolis (168 portugueses), Maracaum (40 chineses), Pericaua (112 portugueses), Santa lsabel(59 portugueses).

    21 A populao escrava do Maranho era de 63.297 em 1873; 73.245 em 1874: 49.545 em 1884 e 33.446 em 1887. (Ribeiro. 1990:64)

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    Toda essa digresso, antes de se retomar a emergncia da indstria txtil caxiense, foi feita para mostrar em que quadro econmico da provncia e do pas, os seus empresrios estavam planejando fazer florescer uma iniciativa arrojada e que demandava um alto investimento de capital, como se fosse possvel imaginar a existncia de uma "ilha de prosperidade" na cidade de Caxias.

    De fato, a crise que se expandira, no ltimo quartel do sculo XIX, desencadeara um movimento mais favorvel indstria, do ponto de vista ideolgico, alimentando-se a expectativa de que o seu desenvolvimento sendo favorecido por medidas protecionistas, tivesse condio de restabelecer os nveis de acumulao de capital , que haviam se tornado crticos, no contexto da economia nacional, nesse perodo.

    Como afirma Luz (1975:66), ao analisar o carter dessa crise,

    "Formara-se uma atmosfera de insegurana, particularmente sensvel por voffa de 1880-1886 com a queda dos preos do caf e suas repercusses nas taxas cambiais. O ambiente econmico era muito propcio s manifestaes nacionalistas e favorvel ao desenvolvimento de tendncias protecionistas e inteNencionistas. Em face dessa situao, compreendiam-se as cautelas do comrcio importador, nos ffimos anos do Imprio. No abandonaria, entretanto, os seus intuitos e estaria sempre alerta para explorar qualquer movimento de opinio mais simptico a sua causa. Essas oportunidades no deixariam de lhe ser oferecidas, no futuro, pelas prprias contradies do nosso desenvolvimento industrial. O momento, porm, pertencia indstria. "

    Provavelmente, o ciclo de desenvolvimento da indstria txtil da cidade de Caxias tenha se iniciado pelo fato de terem sido os fazendeiros e comerciantes locais influenciados pela circulao de idias que estimulavam o investimento no setor da indstria e, mais do que isso, por estarem premidos, materialmente, pela falta de meio circulante, que precisava ser superada, atravs da centralizao de capitais talvez existentes e ainda no aplicados na cidade de Caxias.

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    3. CICLO DE DESENVOLVIMENTO DA INDSTRIA TXTIL CAXIENSE

    3.1 - Dados gerais sobre as quatro fbricas criadas no perodo de quase uma dcada - 1883 a 1892.

    A primeira fbrica de Caxias, Companhia Industrial Caxiense, foi criada em 1883, e situada entre o riacho Ponte e o rio ltapecuru. Ela foi a mais antiga do estado do Maranho, tendo sido responsvel pela sua implantao o Dr. Francisco Dias Carneiro,22 que com seu perfil empreendedor, de proprietrio de fazendas e advogado, formado na cidade de Recife, assumiu a iniciativa, que reuniu um capital inicial de 111 :000$000 e 250 operrios, trabalhando em 130 teares para produzir tecidos crus e tintos23.

    A segunda fbrica, Companhia Unio Caxiense, foi fundada em 1889, pelos Srs. Antonio Joaquim Ferreira Guimares, Dr. Francisco Dias Carneiro e Manoel Correia Baima do Lago. Para seu funcionamento foi acumulado um capital equivalente a 850 contos, com uma fora motriz superior primeira fbrica, pois dispunha de maquinrio de 400 HP e 220 teares. Essa fbrica empregou maior nmero de operrios, 350 pessoas, o que representava um amplo processo de incorporao da mo-de-obra local e dos arredores, principalmente, vinda do interior do municpio de Caxias. Sua capacidade de produo era de hum milho de metros de tecidos crus.

    Uma terceira fbrica instalada em 1891, a Sanhar, situada no lugar Tresidela, era de propriedade do Sr. Ezell Tavares e Cia. Contava com capital de 150 contos de ris, possua um motor de 48 cavalos e 26 teares, alcanando uma produo mdia de

    22 Nascido em 1837. no municpio de Pastos Boos, de imponante famlia de faz.endeiros, depois de diplomar-se, em 1861, foi para Caxas a fim de juntar-se a parentes matemos residentes nessa cidade, para colaborar na administrao de suas fazendas. Em pouco tempo a situao .frnanceira dos p:u-entes tmha se elevado e ele decidiu dar inicio aos seus p rprios negcios. Comprou fazendas em que culvou algodo com a fma lidade de expandir au vidades oomer-ciais de importao e exportao. Tendo acumulado grandes lucros, tomou -se lder pJtioo local e executou medidas para dmamizar a lavoura e o oomm:io local Uma dessas medidas foi a oonstruo da primeira ponte sobre o rio ltapecuru, para inter-ligar os dois lados da cidade, facilitando o trnsito de pes.~oas e mercadorias ehtre as dlUIS partes da cidade. 23 Esses nmer-os so significativos se oomparados oom os 'das fbricas de outros estados do nordeste e sudeste que se instalaram no mesmo periodo. Segundo, Oliveira, MTer-esa R. de ( 199 1: 255). Indstria txtil mineira do sculo xrx : " em 1885. o nmero mdio de teaJ"es das fbricas da Provncia do Rio de Janeiro era de 118 teares".

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    300.000 mil metros de pano. O preo de venda do metro era de 300 ris e 460 e a fbrica empregou 60 operrios, os quais ganhavam de 600 ris a 5$000 dirios.

    A quarta fbrica, Companhia Manufatora Caxiense, foi instalada em 1892. Esta tambm dispunha de fora motriz de 400 HP e 200 teares com 6.800 fusos em funcionamento, e tinha capital de 322.477$90. Foram empregados nesta fbrica 300 operrios, sendo 185 mulheres e 115 homens. ( ANEXO I - Reproduo de fotografias dos prdios das fbricas)

    3.2 - Companhia Industrial Caxiense: sua fundao, instalao e funcionamento entre 1883 e 1903.

    No sculo XIX, mais precisamente no seu ltimo quartel, a cidade de Caxias destacou-se no cenrio da economia maranhense, por ter sido pioneira na instalao da primeira fbrica de tecido do Maranho. A Companhia Industrial Caxiense, fundada no ano de 1883, significou naquele momento histrico um empreendimento de grande relevncia, para o desenvolvimento da cidade e da prpria provncia, muito embora tenha sido tambm motivo para que se estabelecesse um sentido de disputa e de concorrncia entre "os senhores de engenho e de indstria" que se localizavam em Caxias e em So Lus. 24

    Os jornais do perodo trazem o registro das reaes manifestadas pelos crculos dos grupos polticos e econmicos que de algum modo, ao mesmo tempo demonstravam satisfao, mas tambm um certo despeito por ter se iniciado essa atividade da indstria txtil em Caxias e no em So Lus.

    24 O dlema en.tre o incmtivo mdustrializao e ao mesmo tempo o atendimento aos interesses da lavoura influenciou a posio adotada pelos dirigentes nacionais, desde meados do sculo XIX, que ora se posi

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    Na edio do Dirio do Maranho, do dia 14 de setembro de 1883, publicado pela Tipografia Frias de So Lus, torna-se patente essa situao, quando o articulista escreveu o texto Fbrica de Fiar e Tecer Algodo e afirmava :

    "Est provado que a nossa praa das primeiras impresses e, se estas nto sto desde logo approveitadas, ou se no sto levadas de prompto a effeitos as idias abraadas com esse enthusiasmo, tantas vezes observado, pode-se assegurar, sem receio de contestato, que a cousa nto vingar.

    Ocorreu-nos estas palavras em relao epigraphe, que nos serve de thema, pois, bem a par do movimento havido, quando, ainda no h muito tempo, que deu-se o facto na administrao do dr. Cincinato Pinto da Silva, tratou-se mais uma vez de ser montada nesta capital uma fabrica de fiao, estranhamos e deveras notamos que tto depressa, e como que por encanto a idia arrefecesse e de tal forma que chegou a tomar-se um verdadeiro gelo, alimentado pela fria indifferena.

    Tamanho enthusiasmo; tanto interesse e audamento, nomeao de comisso, escolha de local apropriado, clculos e mais, tudo converteu-se em nada, tudo ficou sem soluo, tudo desapareceu, foi lanado ao esquecimento e votado ao glacial indifferentismo.

    Parece que tal glria vai caber cidade de Caxias, e/la que agora trata desse melhoramento, que vergonha no existir na Provncia.

    Caxias, esse emprio de commercio do interior da provncia, esse ponto principal de communicao com outros, h de ainda conseguir gozar o invejvel /ogar, que j occupou na provncia, pois a gerao actual pretende demonstrar que ao esforo, boa vontade e patriotismo no h difficu/dades. " (Dirio do Maranho, 1410911883, p.01-02l 5

    Embora no se tenha o registro do nome do articulista, pois grande parte das matrias do jornal - O Dirio do Maranho no traziam a assinatura dos seus autores, pode-se rntuir que ele deveria ser o porta-voz de um setor da sociedade "ludovicense", que de algum modo estava incomodado com a situao de destaque da cidade de Caxias, mas talvez o motivo principal dessa reao se devesse mesmo ao fato de que

    25 Seri usada a abrev1atum D.M. quando ~e fizer a refen'ncia ao jornal O Dirio do MaranhJo que se oonstituiu oomo fonte primria fundamental paru a pesqutS

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    aquela cidade teria, dali por diante, a condio de sobrepor-se em termos econmicos prpria capital , o que poderia significar, de algum modo, prejuzo financeiro para os comerciantes e empresrios de So Lus.

    Para que ocorresse a instalao da Companhia Industrial Caxiense, foi feito um planejamento de custos, publicado na mesma data de 14/09/1883, no mesmo artigo acima citado, de tal modo que se tornou de conhecimento pblico, o valor do investimento que estava se realizando na cidade de Caxias. Os empresrios responsveis pelo empreendimento pretendiam, segundo declarava o prprio articulista, "evitar que a provncia pagasse ao estrangeiro o seu prprio producto por um preo extraordinrio, facilitando tambm o trabalho s classes menos afortunadas."

    O clculo publicado sobre os custos previstos compreendia rendimentos e custeio de uma "fbrica de fiar e tecer algodo em fazendas grossas, com 30 cava/los de fora, 1000 fuzos e 50 teares no valor de 180:000$000. "( Dirio do Maranho, 14/09/1883, p. 01-02)26

    Compreende-se ser de grande importncia para a histria da Companhia Industrial Caxiense, que se possa conhecer os clculos originais que foram estimados para a sua implantao, num primeiro momento, embora naturalmente esses custos tenham se alterado, na medida em que se construa a mesma. Apresentamos a seguir um quadro que mostra esses dados detalhadamente.

    ::6 T J Coelho de Almeida citado P" LUZ.. aponta em seu Relatrio para " Assemblia Geral Legislativa que J eXJ!a.ia em 1817 uma produo mdustnal txtil oom a expanso da cultura algodo..---i.ra. Segundo Tom::s, eJOSUam "30 fbncas matS unportantes de teados, sendo que o capital total de 14 delas era 4 :683:000$000 e especialmmte a tbrica de tecidos de l e algodo RheingantZ oom um capital de 139:059$120, 20 teares 2 mqumas de fiar oom 1000 fusos, c emprcg.:mdo de 40 a 50 pessoas. (LUZ. 197540)

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    Discriminao dos Custeios Valores

    Custo do machinismo posto a bordo conforme o 78:360$ oramento

    Frete e seguro do mesmo at Caxias 9:000$ Casas para a fbrica, dependncias e um trapiche 35:000$ Montagem das machinas e obras necessarias 25:000$ Officina para concertos e tinturaria 10:000$ Eventuaes 10:000$ Dinheiro para as primeiras despesas 12:640$

    180:000$ Som ma

    Rendimento Bruto

    30 teares trabalhando em riscado nacional grosso durante 300

    Dias por anno, faz termo mdio 302.400 metros a 400 120:960$ reis o metro

    20 teares trabalhando em domstico nacional, durante 300 dias, faz termo mdio 277.200 metros a 300 reis 83:160$

    204:120$ Som ma

    Despesas da Fabrica

    As fazendas acima consomem de algodo 137:482 68:741$ killos a 500 rs

    Lenha para 300 dias a razo de mil achas por dia a 1:920$ 6$400

  • 42

    Azeite, tintas,etc ... 5:000$

    Ordenado de um gerente 6:000$

    Ordenado de um maquinista 1:500$

    Ordenado para um apontador 800$

    Pessoal

    1 tintureiro diria 3$000 2 contramestres a 2$500rs 5$000

    1 carp1na 2$500

    1 ferreiro 2$500

    4 ajudantes de contramestre a 1 $600 6$400 2 foguistas a 1 $500 3$000

    12 homens a 1 $200 14$400

    30 mulheres a 800rs 24$000

    20 crianas a 600rs 12$000

    300 dias a 72$800 21:840$

    Somma das despezas 105:801$

    Somma do rendimento bruto 204:120$

    Rendimento liquido 98:319$ Aplicao

    Seguro sobre 1 % sobre o capital da fabrica 1:800$

    Fundo de reserva 10% sobre o capital da fabrica 18:000$

    Dividendo aos acionistas 40% 76:000$

    Sobra para nova applicao 2:519$ 98:319$

  • 43

    Recorrendo ao Jornal Comrcio de Caxias (02/09/1883}, foram encontrados tambm dados sobre as estimativas de lucros previstos para o primeiro ano de funcionamento da fbrica (300 dias de trabalho). Os lucros brutos seriam de 120.960$000 contos, sendo que os lucros lquidos seriam de 98:319$, o que permitiria conforme o planejamento da diretoria a retirada de 72 contos de ris, para pagar aos acionistas dividendos de 40 mil ris por ao.

    Com esses clculos detalhados e divulgados atravs da imprensa, esperavam os diretores da Industrial Caxiense que fosse significativo o nmero de subscritores, de tal modo que todos os recursos necessrios fossem arrecadados nesse processo de venda das aes. Ocorreu, porm, que no perodo de setembro de 1883 a abril de 1884, portanto, durante oito meses foram arrecadados somente 111 contos, o que correspondia a 58% do capital da sociedade, cujo pagamento fora efetuado de modo regular, quase sem atraso, pelos subscritores que pagavam as prestaes correspondentes a 1. 11 O aes vendidas.

    Estava patente, assim, que embora o investimento pudesse ter sido caracterizado como muito atraente, dada a lucratividade potencial do processo de produo e comercializao dos tecidos, as possibilidades de aumento das vendas das aes estavam muito reduzidas em maio de 1884.27

    De um modo geral, as pessoas que haviam adquirido aes, decidiram no aumentar o seu investimento no negcio das fbricas, porque comeara a ocorrer uma certa onda de descrdito em relao iniciativa de Dias Carneiro, conforme registro feito em sua biografia. (Jacobina, 1938)

    27 Talvez repercutisse na provlcia do Maranho a tendencia que havia predominado em todo o ltimo quartel do sculo : liberalismo moderado que oscilava entre a indstria e a agriwttura. (Luz, 1975: 43)

  • 44

    Uma das razes para essa dificuldade na captao de recursos, talvez fosse conseqncia da deciso dos diretores da Industrial Caxiense de procurarem a adeso apenas dos habitantes da zona de Caxias. Tambm no Jornal Comrcio de Caxias, na sua edio de 15/05/1884, fica evidente a posio decidida pela diretoria, de no recorrer ao poder pblico no sentido de obter a sua participao no empreendimento fabri l.

    Em maro de 1884, mais precisamente, no dia 28, O Dirio do Maranho noticiou que no dia 16 havia se reunido a Sociedade Industrial Caxiense (Fiao e Tecidos), tendo presentes 58 subscritores, que representavam 792 aes. "Estando depositada em poder do Dr. Custdio Alves dos Santos a 1 oa. parcela do capital , foi instalada a Companhia, e feita a eleio deu este resultado :

    Dr. Enas de Arajo Torreo- Presidente

    Secretrios:

    1. Tenente-Coronel Jos Firmino L. de Carvalho

    2. Luiz Jos de Mello

    3. Raimundo N. de Arajo 4. Francisco A Rodrigues Franco

    Directores:

    Dr. Custdio Alves dos Santos

    Coronel Segisnando Aurlio de Moura

    Jos Ferreira Guimares

    Capito Manoel das C.P. de Britto

    Antonio B. Pinto Sobrinho

    Substitutos dos Directores

    1. Manoel Antonio de Carvalho

  • 2.T.Coronel Csar Francisco de Negreiros

    3.T.Coronel Jos Firmino Lopes de Carvalho

    Fiscaes

    Dr. Joaquim Lopes Lobo

    Dr. Francisco Dias Carneiro

    Jos Antonio Lopes Pastor

    45

    Aps a constituio da diretoria, ela passou a se reunir regularmente e a convocar os acionistas da Industrial Caxiense, para tratarem de assuntos como a reforma dos Est