O colonizador e a exploração sexual da mulher africana em "Ninguém matou Suhura" de Lilia Momplé

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    Universidade de So Paulo

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    Departamento de Letras Clssicas e Vernculas

    Disciplina: Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa II

    Docente: Andrea Muraro

    O colonizador e a explorao sexual da mulher

    africana em Ningum matou Suhurade Lilia

    Mompl

    So Paulo, junho de 2013

    Mirella de Carvalho

    N USP: 7613181

    Perodo: noturno

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    Nascida em 1935, na provncia de Napula, em Moambique, a escritora

    Lilia Mompl reconhecida em seu pas tanto pelas suas obras de denncia

    social como pela sua atuao na Secretaria de Estado da Cultura e na

    Associao de Escritores de Moambique, na qual foi, inclusive, presidente,

    fato de suma importncia para que pudesse colocar as mulheres em destaque

    nas publicaes da instituio.

    Influenciada pelo poeta Jos Craveirinha, retrata em suas obras a

    realidade vivida pelo povo moambicano durante a colonizao portuguesa e

    durante o ps-independncia, quando o pas passou por violentas guerras

    civis. Atravs da fico, fala sobre a brutalidade exercida pelos colonizadores e

    a submisso na qual o negro, sem escolha, se coloca.

    Publicado em 1988,Ningum matou Suhura o primeiro livro de Lilia

    Mompl. constitudo por cinco contos que, apesar de independentes, falam

    sobre o mesmo tema: o negro moambicano sob o jugo dos portugueses. Cada

    um deles aborda um aspecto, e o conto Ningum matou Suhura, mesmo ttulo

    do livro, trata da violncia sexual cometida pelos colonos contra a mulher

    negra. Ambientado em 1970 no distrito de Meconta, relata a morte de Suhura,

    jovem de quinze anos que vive com a av em condies miserveis.

    A histria se divide em trs partes: I O dia do Senhor Administrador,

    II O dia de Suhura e III O fim do dia. Na primeira parte narrada a rotina

    do Administrador do distrito que, apesar de ter uma boa reputao e ter uma

    famlia composta por sua esposa e seus cinco filhos, tem o costume de

    recrutar, em segredo, moas negras para satisfaz-lo sexualmente. Na

    segunda parte narrada a rotina de Suhura, uma das negras escolhidas pelo

    administrador; e a terceira e ltima parte trata do encontro trgico entre os dois.

    Ao descrever a vida do Senhor Administrador, a autora evidencia o tdio

    do personagem diante da rotina; a repugnncia que sente pela esposa,

    misturada a certa ternura, devido a sua participao positiva em seu

    crescimento poltico; a raiva que tem diante do comportamento estranho de sua

    filha mais velha, Manuela, que se mostra diferente de todos os outros quando

    no faz distino entre brancos e negros. Assim, mostrado o quanto estehomem sente a necessidade de aventurar-se, porm, busca a pior das

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    maneiras para se divertir. Essa apenas uma fuga de sua vida medocre, em

    que se encontra a satisfao ao subjugar os mais fracos, os mais humildes,

    mesmo que seja apenas botando-lhes medo com a sua presena.

    Diferente dele, Suhura uma pessoa alegre, apesar de sua condiosocial: analfabeta, rf de pai e me e extremamente pobre. Sua rotina

    dura, tem de buscar gua na fonte, apanhar mariscos para o almoo, alm de

    ter que limpar a casa, enquanto sua av sai para vender mucates. Sua nica

    diverso contemplar a paisagem praiana ao apanhar mariscos. Apesar de

    mal ter conhecido o pai, que morreu cedo, e de ter sofrido muito com a morte

    da me, Suhura se sente satisfeita com sua vida, e nada a preocupa.

    Todavia, assim como tantas outras moas, ela escolhida pelo Senhor

    Administrador para ser a prxima a satisfazer-lhe os desejos. Este a viu

    durante seus passeios de riquex, e por causa de seu lindo sorriso, quis

    possu-la. Deixou a cargo do sipaio Abdulrazaque (sipaio: nome dado aos

    policiais de Moambique), seu fiel subordinado, a misso de arranjar tudo para

    encontrar-se com a garota. Este conversou com a av da moa em tom

    ameaador, no deixando outra sada para ela a no ser ceder sua neta ao

    Administrador. Ela ainda tenta argumentar, mas sem sucesso. E com extremo

    pesar, faz o pedido neta, que nega de incio, mas logo v que no tem

    escolha.

    O trgico encontro acontece no quarto arranjado na casa de Jlia S,

    lugar onde o Administrador costuma mandar levar suas escolhidas. O clmax

    do conto narrado de maneira explcita, detalhando toda a repulsa de Suhura

    diante daquele homem que desejava possu-la a fora, e toda a ira do Senhor

    Administrador que no estava acostumado a ser contrariado. Mesmo com toda

    a resistncia da menina, ele a vence pela fora, e finalmente consegue domin-

    la. Concludo tal ato, ele percebe que a menina est morta. Sem o mnimo de

    compaixo ou remorso, ainda tenta adivinhar, por curiosidade, o que teria

    causado a morte daquela moa to assustada: Teria violentado a rapariga de

    tal modo que lhe provocasse uma hemorragia fatal? Ou, no meio da sua

    estpida agitao, teria ela prpria batido com a nuca na cabeceira da cama?

    Ou morrera de puro susto?.

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    O conto termina com o sipaioameaando a av de Suhura: No grita,

    velha. Ningum matou Suhura. Ningum matou Suhura. Compreende?!. E

    com o silncio dela, a narradora observa: A av compreende muito bem..

    neste momento que o ttulo dado ao conto se revela como uma ironia perversa,

    pois, na verdade, algum matou Suhura sim, mas este um segredo que

    jamais poder ser revelado.

    Tal segredo que guardado atravs do poder ilimitado deste homem

    que estupra a menina sem hesitar, com raiva, ainda mais quando percebe que

    o olhar de Suhura lembra o inquietante olhar de Manuela, sua filha, a nica

    que no segue os costumes da elite colonial, pois trata os negros da mesma

    forma que trata os brancos, o que um problema para sua famlia, pois suamaneira de agir se torna uma ameaa ao poder que o branco exerce sobre os

    negros. Este Administrador, que no tem, em momento algum, seu nome

    citado no conto, a representao dos vrios administradores das colnias

    africanas afora, caracterizados pela frieza e pela crueldade diante dos nativos.

    Apesar de ser um conto ficcional, a violncia sexual e o consequente

    assassinato da personagem principal, Suhura, a denncia do que ocorria

    normalmente nos tempos de colonizao em Moambique. E sabemos que no

    somente l, mas em qualquer pas que tenha sido colnia de explorao,

    certo que esse tipo de violncia foi algo recorrente. Sabemos tambm que,

    quando se fala em colnia de explorao, todos os nativos, independente do

    gnero, so explorados brutalmente. Mas a mulher, devido sua sensualidade

    que lhe intrnseca, e sua fragilidade em relao aos homens, no explorada

    somente atravs de trabalhos forados, mas tambm atravs da violao de

    seu corpo, sendo este um agravante quando se trata da explorao.

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    BIBLIOGRAFIA:

    ALS, Anselmo Peres. Memria Cultural e Imaginrio Ps-Colonial: O Lugar

    de Lilia Mompl na Literatura Moambicana. Caligrama, Belo Horizonte, v. 16,

    n. 1, p. 137-158, 2011..

    Data do acesso: 18/06/2013.

    ALS, Anselmo Peres. A ficcionalizao da histria moambicana nos contos

    de Llia Mompl: Ningum matou Suhura: estrias que ilustram a histria.

    Estudos Feministas, Florianpolis, 19(3): 392, setembro-

    dezembro/2011.. Data do acesso: 18/06/2013.

    MOMPL, Lilia. Ningum matou Suhura. Maputo: Diname, 2004.

    OWEN, Hilary. Sexing the Lusotropics. Lilia Mompl and The Women in

    White. In: MATA, Inocncia; PADILHA, Laura Cavalcante (Org.). A Mulher em

    frica: Vozes de uma Margem Sempre Presente. Lisboa: Edies Colibri, 2007.

    http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/article/view/233http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2011000300018&script=sci_arttexthttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2011000300018&script=sci_arttexthttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2011000300018&script=sci_arttexthttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2011000300018&script=sci_arttexthttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2011000300018&script=sci_arttexthttp://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/article/view/233