O colonizador e a exploração sexual da mulher africana em "Ninguém matou Suhura" de Lilia Momplé
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7/24/2019 O colonizador e a explorao sexual da mulher africana em "Ningum matou Suhura" de Lilia Mompl
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Universidade de So Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
Departamento de Letras Clssicas e Vernculas
Disciplina: Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa II
Docente: Andrea Muraro
O colonizador e a explorao sexual da mulher
africana em Ningum matou Suhurade Lilia
Mompl
So Paulo, junho de 2013
Mirella de Carvalho
N USP: 7613181
Perodo: noturno
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Nascida em 1935, na provncia de Napula, em Moambique, a escritora
Lilia Mompl reconhecida em seu pas tanto pelas suas obras de denncia
social como pela sua atuao na Secretaria de Estado da Cultura e na
Associao de Escritores de Moambique, na qual foi, inclusive, presidente,
fato de suma importncia para que pudesse colocar as mulheres em destaque
nas publicaes da instituio.
Influenciada pelo poeta Jos Craveirinha, retrata em suas obras a
realidade vivida pelo povo moambicano durante a colonizao portuguesa e
durante o ps-independncia, quando o pas passou por violentas guerras
civis. Atravs da fico, fala sobre a brutalidade exercida pelos colonizadores e
a submisso na qual o negro, sem escolha, se coloca.
Publicado em 1988,Ningum matou Suhura o primeiro livro de Lilia
Mompl. constitudo por cinco contos que, apesar de independentes, falam
sobre o mesmo tema: o negro moambicano sob o jugo dos portugueses. Cada
um deles aborda um aspecto, e o conto Ningum matou Suhura, mesmo ttulo
do livro, trata da violncia sexual cometida pelos colonos contra a mulher
negra. Ambientado em 1970 no distrito de Meconta, relata a morte de Suhura,
jovem de quinze anos que vive com a av em condies miserveis.
A histria se divide em trs partes: I O dia do Senhor Administrador,
II O dia de Suhura e III O fim do dia. Na primeira parte narrada a rotina
do Administrador do distrito que, apesar de ter uma boa reputao e ter uma
famlia composta por sua esposa e seus cinco filhos, tem o costume de
recrutar, em segredo, moas negras para satisfaz-lo sexualmente. Na
segunda parte narrada a rotina de Suhura, uma das negras escolhidas pelo
administrador; e a terceira e ltima parte trata do encontro trgico entre os dois.
Ao descrever a vida do Senhor Administrador, a autora evidencia o tdio
do personagem diante da rotina; a repugnncia que sente pela esposa,
misturada a certa ternura, devido a sua participao positiva em seu
crescimento poltico; a raiva que tem diante do comportamento estranho de sua
filha mais velha, Manuela, que se mostra diferente de todos os outros quando
no faz distino entre brancos e negros. Assim, mostrado o quanto estehomem sente a necessidade de aventurar-se, porm, busca a pior das
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maneiras para se divertir. Essa apenas uma fuga de sua vida medocre, em
que se encontra a satisfao ao subjugar os mais fracos, os mais humildes,
mesmo que seja apenas botando-lhes medo com a sua presena.
Diferente dele, Suhura uma pessoa alegre, apesar de sua condiosocial: analfabeta, rf de pai e me e extremamente pobre. Sua rotina
dura, tem de buscar gua na fonte, apanhar mariscos para o almoo, alm de
ter que limpar a casa, enquanto sua av sai para vender mucates. Sua nica
diverso contemplar a paisagem praiana ao apanhar mariscos. Apesar de
mal ter conhecido o pai, que morreu cedo, e de ter sofrido muito com a morte
da me, Suhura se sente satisfeita com sua vida, e nada a preocupa.
Todavia, assim como tantas outras moas, ela escolhida pelo Senhor
Administrador para ser a prxima a satisfazer-lhe os desejos. Este a viu
durante seus passeios de riquex, e por causa de seu lindo sorriso, quis
possu-la. Deixou a cargo do sipaio Abdulrazaque (sipaio: nome dado aos
policiais de Moambique), seu fiel subordinado, a misso de arranjar tudo para
encontrar-se com a garota. Este conversou com a av da moa em tom
ameaador, no deixando outra sada para ela a no ser ceder sua neta ao
Administrador. Ela ainda tenta argumentar, mas sem sucesso. E com extremo
pesar, faz o pedido neta, que nega de incio, mas logo v que no tem
escolha.
O trgico encontro acontece no quarto arranjado na casa de Jlia S,
lugar onde o Administrador costuma mandar levar suas escolhidas. O clmax
do conto narrado de maneira explcita, detalhando toda a repulsa de Suhura
diante daquele homem que desejava possu-la a fora, e toda a ira do Senhor
Administrador que no estava acostumado a ser contrariado. Mesmo com toda
a resistncia da menina, ele a vence pela fora, e finalmente consegue domin-
la. Concludo tal ato, ele percebe que a menina est morta. Sem o mnimo de
compaixo ou remorso, ainda tenta adivinhar, por curiosidade, o que teria
causado a morte daquela moa to assustada: Teria violentado a rapariga de
tal modo que lhe provocasse uma hemorragia fatal? Ou, no meio da sua
estpida agitao, teria ela prpria batido com a nuca na cabeceira da cama?
Ou morrera de puro susto?.
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O conto termina com o sipaioameaando a av de Suhura: No grita,
velha. Ningum matou Suhura. Ningum matou Suhura. Compreende?!. E
com o silncio dela, a narradora observa: A av compreende muito bem..
neste momento que o ttulo dado ao conto se revela como uma ironia perversa,
pois, na verdade, algum matou Suhura sim, mas este um segredo que
jamais poder ser revelado.
Tal segredo que guardado atravs do poder ilimitado deste homem
que estupra a menina sem hesitar, com raiva, ainda mais quando percebe que
o olhar de Suhura lembra o inquietante olhar de Manuela, sua filha, a nica
que no segue os costumes da elite colonial, pois trata os negros da mesma
forma que trata os brancos, o que um problema para sua famlia, pois suamaneira de agir se torna uma ameaa ao poder que o branco exerce sobre os
negros. Este Administrador, que no tem, em momento algum, seu nome
citado no conto, a representao dos vrios administradores das colnias
africanas afora, caracterizados pela frieza e pela crueldade diante dos nativos.
Apesar de ser um conto ficcional, a violncia sexual e o consequente
assassinato da personagem principal, Suhura, a denncia do que ocorria
normalmente nos tempos de colonizao em Moambique. E sabemos que no
somente l, mas em qualquer pas que tenha sido colnia de explorao,
certo que esse tipo de violncia foi algo recorrente. Sabemos tambm que,
quando se fala em colnia de explorao, todos os nativos, independente do
gnero, so explorados brutalmente. Mas a mulher, devido sua sensualidade
que lhe intrnseca, e sua fragilidade em relao aos homens, no explorada
somente atravs de trabalhos forados, mas tambm atravs da violao de
seu corpo, sendo este um agravante quando se trata da explorao.
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BIBLIOGRAFIA:
ALS, Anselmo Peres. Memria Cultural e Imaginrio Ps-Colonial: O Lugar
de Lilia Mompl na Literatura Moambicana. Caligrama, Belo Horizonte, v. 16,
n. 1, p. 137-158, 2011..
Data do acesso: 18/06/2013.
ALS, Anselmo Peres. A ficcionalizao da histria moambicana nos contos
de Llia Mompl: Ningum matou Suhura: estrias que ilustram a histria.
Estudos Feministas, Florianpolis, 19(3): 392, setembro-
dezembro/2011.. Data do acesso: 18/06/2013.
MOMPL, Lilia. Ningum matou Suhura. Maputo: Diname, 2004.
OWEN, Hilary. Sexing the Lusotropics. Lilia Mompl and The Women in
White. In: MATA, Inocncia; PADILHA, Laura Cavalcante (Org.). A Mulher em
frica: Vozes de uma Margem Sempre Presente. Lisboa: Edies Colibri, 2007.
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