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1 Apoio SÃO PAULO Novembro de 2013 SEDE NACIONAL Rua Dona Brígida 299 - Vila Marina São Paulo/ SP Fone: (+ 55 11) 3105-0884 / Fax: (+ 55 11) 3107-0538 [email protected] www.os.org.br O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma do dendê no Estado do Pará com foco nas empresas Agropalma, Biovale/Biopalma, Petrobras Combustíveis

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Apoio

SÃO PAULO Novembro de 2013

SEDE NACIONAL Rua Dona Brígida 299 - Vila Marina – São Paulo/ SP Fone: (+ 55 11) 3105-0884 / Fax: (+ 55 11) 3107-0538 [email protected] www.os.org.br

O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma do dendê no Estado do Pará com foco nas empresas Agropalma, Biovale/Biopalma, Petrobras

Combustíveis

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Instituto Observatório Social

DIRETORIA EXECUTIVA – CUT

Roni Anderson Barbosa (Presidente)

Siderlei Silva de Oliveira (Diretor Administrativo-Financeiro)

Quintino Marques Severo

João Antônio Felício

DIRETORIA EXECUTIVA – CEDEC

Maria Inês Barreto

DIRETORIA EXECUTIVA – UNITRABALHO

Carlos Roberto Horta

DIRETORIA EXECUTIVA – DIEESE

João Vicente Silva Cayres

CONSELHO DIRETOR – CUT

Rosane da Silva

Roni Anderson Barbosa

Maria Aparecida do Amaral Godoi de

Faria

Quintino Marques Severo

Artur Henrique da Silva Santos

Siderlei Silva de Oliveira

João Antônio Felício

Valeir Ertle

CONSELHO DIRETOR – DIEESE

Maria Luzia Feltes

João Vicente Silva Cayres

CONSELHO DIRETOR – UNITRABALHO

Francisco José Carvalho Mazzeu

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Silvia Araújo

CONSELHO DIRETOR - CEDEC

TulloVigevani

Maria Inês Barreto

CONSELHO FISCAL EFETIVO

José Celestino Lourenço

Aparecido Donizeti da Silva

Antônio Sabóia Barros Junior

CONSELHO FISCAL SUPLÊNCIA

Alci Matos Araujo

Jandyra Massue Uehara Araujo

Eduardo Alves Pacheco

COORDENAÇÃO TÉCNICA

Coordenadora de Pesquisa: Lilian Arruda

Coordenadora Institucional: Sheila Fernandes

COORDENAÇÃO DA PESQUISA

Maria Lúcia Vilmar

EQUIPE DA PESQUISA

Juliana Sousa

Lilian Arruda

Maria Lúcia Vilmar

Rai Rodrigues

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Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 5

Metodologia ........................................................................................................................................ 6

1.PANORAMA DO SETOR ........................................................................................................................ 9

1.1 O Biodiesel de Dendê (Óleo de Palma) no Brasil .......................................................................... 9

1.2 O Dendê no Brasil ........................................................................................................................ 16

PERFIS DAS EMPRESAS .......................................................................................................................... 20

2.1 AGROPALMA ............................................................................................................................... 20

2.2 BIOPALMA ................................................................................................................................... 25

2.3 PETROBRAS BIOCOMBUSTÍVEL ................................................................................................... 30

3 A AGRICULTURA FAMILIAR ............................................................................................................ 36

3.1 AGRICULTORES FAMILIARES – resultados da pesquisa de campo .............................................. 39

4. TRABALHADORES ASSALARIADOS RURAIS .................................................................................... 48

4.1 Oficina sindical com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Concórdia do

Pará. .................................................................................................................................................. 48

4.2 Assalariados Rurais – Condições de Trabalho ............................................................................. 53

5. Conflitos agrários e Impactos ambientais ..................................................................................... 67

Considerações finais .............................................................................................................................. 74

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INTRODUÇÃO

Este documento apresenta os resultados da pesquisa sobre o comportamento

sócio trabalhista de três empresas que fazem o processamento do óleo da palma do dendê:

Agropalma, Biovale e Petrobras Biocombustíveis que atuam no Estado do Pará.

Realizada pelo Instituto Observatório Social (IOS) o objetivo da pesquisa é avaliar as

condições de trabalho de trabalhadores assalariados rurais diretos e terceirizados e também

agricultores familiares que prestam serviços para tais empresas.

De modo específico, a pesquisa objetiva produzir informações de caráter técnico-

científico sobre o comportamento das empresas, no marco da identificação de déficits de

trabalho decente, conforme estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e,

também, promover a divulgação e debate de seus resultados entre os sindicatos de

trabalhadores do setor da dendeicultura.

Cabe lembrar que a demanda pela pesquisa é do Centro de Solidariedade da AFL-CIO,

entidade de cooperação da central sindical estadunidense.

O relatório é dividido em cinco partes: na primeira parte foi elaborado um panorama

do setor de produção do óleo da palma do dendê tendo como foco a produção do biodiesel; na

segunda parte foram feitos os perfis das três empresas selecionadas para o estudo, na terceira

parte é dedicada às condições e ao cotidiano de trabalho dos agricultores familiares, na quarta

parte foi feita uma análise das condições de trabalho dos assalariados rurais diretos e

terceirizados a partir de oficina sindical realizada com o Sindicato de Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais de Concórdia do Pará e também a partir de relatos do próprios

trabalhadores. Na quinta parte são levantadas questões sobre conflitos agrários e impactos

ambientais envolvendo a cultura do dendê.

Cabe lembrar que este estudo não deve ser entendido como um retrato geral do

comportamento sócio-trabalhista das empresas pesquisadas, mas sim, como uma contribuição

inicial ao compartilhamento de informações e às discussões sindicais sobre o tema, tendo

como ponto de partida os resultados apresentadas a partir das informações coletadas.

Apresentamos o nosso agradecimento aos homens e mulheres que colaboraram para a

realização deste trabalho, seja pela concessão de entrevistas, disponibilização de informações

ou apoio logístico para o trabalho de campo. Dirigentes sindicais, assessorias políticas e de

áreas técnicas das seguintes instituições: FETAGRI-PA, CUT-PA, Sindicato dos

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Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Acará – PA, Sindicato de Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais de Concórdia do Pará e também à Secretaria do Meio Ambiente da

CUT.

Agradecemos também aos representantes da Petrobras Biodiesel (Sr. Hélio Seibel), da

Biopalma (Sr. Melquíades Santos) e Agropalma (Sr. Túlio Dias) que receberam as

pesquisadoras do Observatório Social e do Centro de Solidariedade.

Metodologia

O Instituto Observatório Social (IOS) tem adotado a Declaração de Princípios e

Direitos Fundamentais no Trabalho (liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito

de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório,

abolição efetiva de trabalho infantil, e a eliminação da discriminação no de emprego e na

ocupação) e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como referência

metodológica.

A OIT definiu como seu objetivo central a promoção de um trabalho decente para

todos os homens e mulheres em qualquer parte do mundo, combinando quatro pilares

estratégicos: a promoção de emprego com proteção social, respeito aos Direitos

Fundamentais do Trabalho (DFTs) e com diálogo social. O conceito de Trabalho Decente é

definido como "oportunidades a que mulheres e homens possam obter um trabalho digno e

produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana".1

A partir de projeto desenvolvido em 2011-2012 com a Central Única dos

Trabalhadores (CUT), a Secretaria Nacional de Formação (SNF) e Secretaria de Relações do

Trabalho (SRT) e o apoio da OIT, o IOS ampliou o escopo de abordagem em seus estudos e

pesquisas adotando o conceito de trabalho decente. O desafio de adaptar indicadores e incluir

dimensões, até então ausentes na referência de análise, contou com a participação e

contribuição do Escritório de Atividades para os Trabalhadores (ACTRAV) que faz parte da

OIT, além da SNF e SRT e, posteriormente, com a colaboração de dirigentes sindicais

presentes nos módulos de formação do referido projeto.2

1 ILO, Decent Work: Report of the Director General, International Labour Conference, 87th Session.

2 O projeto mencionado marcou a criação e o início da aplicação de indicadores de trabalho decente em

pesquisas do IOS e abordou empiricamente os setores de construção civil, hotelaria, têxtil, calçados e trabalho

doméstico.

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Desde então, o IOS utiliza em seus estudos e pesquisas esse marco metodológico

considerando nos temas indicados as respectivas Convenções e Recomendações da OIT, O

trabalho foi desenvolvido por meio de informações secundárias e de entrevistas que

priorizaram o público de (i) trabalhadores (as) rurais e agricultores familiares da cultura do

dendê mobilizados (as) pelas respectivas entidades sindicais que os (as) representam e que

atuam nas localidades selecionadas; (ii) sindicalistas e (iii) representante das empresas.

A metodologia utilizada, portanto, priorizou, além das fontes primárias (entrevistas

individuais e oficinas com trabalhadores; representantes sindicais e da empresa), fontes

secundárias diversas, tais como material de divulgação das empresas ou de entidades de classe

do setor pesquisado, órgãos governamentais, imprensa especializada, dentre outros.

O levantamento de indicativos preliminares de problemas relativos ao comportamento

sociotrabalhista da empresa foi realizado a partir da visão de trabalhadores e dirigentes

sindicais, tomando por base as duas unidades selecionadas. Por se tratar de uma abordagem

preliminar e exploratória, nessas entrevistas foram priorizadas algumas das questões que

compõem o temário do trabalho decente, tomando por base aspectos do marco metodológico

adotado pelo IOS.

A pesquisa de campo foi realizada ao longo dos meses de setembro e outubro

de 2013 e contou com a participação dos seguintes atores sociais envolvidos direta e

indiretamente na cadeia de processos do cultivo de dendê no Pará:

1. Agricultores familiares: 4 famílias agricultoras, 3 delas residentes em assentamentos

no Acará e uma em assentamento em Concórdia do Pará;

2. Assalariados rurais (trabalhadores diretos): 20 trabalhadores, dentre os quais 10

atuam na Agropalma e os outros 10 na Biopalma/Vale;

3. Trabalhadores terceirizados: um ex-funcionário de uma empresa terceirizada, a

Diniz, prestadora de serviços para a Biopalma/Vale, residente em assentamento no

Acará, e mais 5 contratados das empresas Norte Palma e FO, prestadoras de serviço

para a Belém Bioenergia/Petrobrás;

4. Oficina sindical: 10 dirigentes entrevistados, dos quais 6 constituem a direção do

Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Concórdia do Pará, além de

Antônio Pedro (Secretário-Geral da FETAGRI Guajarina); Jurema Maria do Amparo

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(dirigente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Acará - PA e

agricultora familiar); Raimundo Lucas (presidente do Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais de Acará - PA e agricultor familiar) e Waldir de Souza

Nascimento (Secretário de Organização e Política Sindical da CUT-PA, funcionário da

Companhia de Saneamento do Estado do Pará - COSANPA).

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1.PANORAMA DO SETOR

1.1 O Biodiesel de Dendê (Óleo de Palma) no Brasil

A procura pelo desenvolvimento de fontes de energia renováveis como

alternativas possíveis ao uso de combustíveis fósseis para suprir a elevada demanda por

energia no mundo industrializado e reduzir os impactos ambientais tem estimulado a procura

por óleos de origem vegetal, denominados por biodiesel. Diferentemente dos combustíveis

fósseis, formados pela decomposição de matéria orgânica (como carvão, petróleo e gás

natural), o biodiesel constitui uma alternativa biodegradável de grande potencial, haja vista

sua obtenção a partir de fontes renováveis de biomassa. É considerado um combustível

“ecologicamente correto”, possibilitando significativa redução de emissão de poluentes tais

como o monóxido de carbono, o enxofre e os hidrocarbonetos não queimados, além de

auxiliar no combate ao efeito estufa3.

Nesse contexto, dada a diversidade de oleaginosas existentes no país e o

resultado positivo sobre a viabilidade da utilização de biodiesel como fonte alternativa de

energia, em 2004, o governo brasileiro decidiu criar o Programa Nacional de Produção e

Uso do Biodiesel (PNPB) como ação estratégica e prioritária para o país, comprometendo-se

a organizar a cadeia produtiva do novo combustível, definir as linhas de financiamento,

estruturar a base tecnológica e editar o marco regulatório. Para o biênio 2004/2005 foram

destinados R$ 16 milhões a serem aplicados tanto em desenvolvimento de pesquisas sobre o

biodiesel como em processos de produção industrial; recursos estes provenientes dos fundos

setoriais geridos pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), mediante convênios com 23

estados4. O PNPB tem por objetivo:

(...) a implementação de forma sustentável, tanto técnica como

economicamente, a produção e o uso do biodiesel, com enfoque na

inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de

emprego e renda. (Agência Embrapa)

3 Fonte: Embrapa, 2008: pp. 11 e 14. 4 Fonte: MME, 2004: p. 5.

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O marco regulatório do biodiesel estabeleceu os percentuais de mistura do

biodiesel ao diesel de petróleo (inicialmente, 2% -B2, e a partir deste ano, 5% -B5, e há quem

diga que em breve deve chegar a 7% -B7), a rampa de mistura, a forma de utilização e o

regime tributário, com diferenciação por região de plantio, por oleaginosa e por categoria de

produção (agronegócio e agricultura familiar), além de criar o selo Combustível Social e

isentar a cobrança de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). E a regulamentação feita

pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), responsável pela regulação e fiscalização do novo

produto, criou a figura do produtor de biodiesel, estabeleceu as especificações do combustível

e estrutura a cadeia de comercialização. As regras para o biodiesel permitem a produção a

partir de diferentes oleaginosas e rotas tecnológicas, com a participação do agronegócio e da

agricultura familiar.5

Desde então, a produção de biodiesel no Brasil aumentou consideravelmente,

passando de 70 milhões de litros em 2006 para 2,74 bilhões de litros, em 2012. O governo

federal estima que, mesmo que a porcentagem de biodiesel no diesel brasileiro continue em

5% (B5), será necessário ampliar a produção em mais de 50% até 2020. E, ainda, pretende

aumentar a porcentagem para 10% (B10).6 Em 2012, o Brasil foi o terceiro maior país

produtor de biodiesel no mundo, atrás dos EUA e da Argentina, conforme mostra o gráfico

abaixo:

5 Disponível em: http://www.mme.gov.br/programas/biodiesel/menu/programa/marco_regulatorio.html. Acesso

em 10/08/2013 6 Fonte: Governo Federal. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/11/06/aumento-na-

producao-de-biodiesel-exigira-novas-materias-primas.

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Fonte: Statista Disponível em: http://de.statista.com/statistik/daten/studie/172713/umfrage/biodieselproduktion-nach-

ausgewaehlten-laendern-weltweit/.

No Brasil há dezenas de espécies vegetais que podem ser utilizadas: mamona,

dendê, girassol, canola, gergelim, soja, dentre outras. Substitui total ou parcialmente o óleo

diesel de petróleo em motores automotivos (de caminhões, tratores, camionetas, automóveis,

etc.) ou estacionários (geradores de eletricidade, calor, etc.) podendo ser usado puro ou

misturado ao diesel em diversas proporções7, conforme mencionado anteriormente.

7 Fonte: MDA, 2011: p. 5.

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Figura 1: Oleaginosas: matérias-primas para obtenção de biodiesel por região

brasileira

A principal fonte para a produção de biodiesel no Brasil é a soja, responsável

por cerca de 80% das matérias primas utilizadas em 2012. Em segundo lugar é o sebo bovino

com cerca de 14%. A participação do dendê ainda é bastante incipiente.

O processo de produção industrial de biodiesel é composto das seguintes

etapas: preparação da matéria-prima, reação de transesterificação, separação de fases,

recuperação e desidratação do álcool, destilação da glicerina e purificação do biodiesel.

Diferentemente do que ocorreu com o etanol, cuja política pública foi

formulada em reação à crise do petróleo de 1973, o biodiesel despontou com a perspectiva da

inclusão social, por meio da agricultura familiar e do foco no desenvolvimento regional,

“como uma grande oportunidade de inserção das mais de quatro milhões de famílias de

agricultores e de assentados da reforma agrária na cadeia de produção do biodiesel no

Brasil”8.

As práticas de inclusão social e desenvolvimento regional são estimuladas

através da redução da alíquota do Programa de Integração Social (PIS)/Programa de

Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) e Contribuição para o Financiamento

da Seguridade Social (COFINS) para produtores de biodiesel. Além disso, o programa

estabelece que o produtor de biodiesel poderá obter melhores condições de financiamento

junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas

instituições financeiras credenciadas. Tais benefícios são concedidos aos produtores de

8 MDA, 2011: p. 6

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biodiesel que possuam o Selo Combustível Social, fornecido pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA). Ou seja, aos produtores que:

(...) promovam a inclusão social e o desenvolvimento regional por

meio da geração de emprego e de renda para os agricultores familiares

enquadrados nos critérios do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF).9 ()

Em contrapartida, o produtor deverá assumir algumas obrigações (Portaria no

60 de 06 de setembro de 2012), destacando-se:

adquirir um percentual mínimo de matéria-prima dos agricultores familiares no ano de

produção de biodiesel. De acordo com a Instrução Normativa nº 02, de 30/9/2005, os

percentuais são: 50% na região Nordeste e no Semiárido; 30% nas regiões Sul e

Sudeste e 10% nas regiões Norte e Centro-Oeste10.

celebrar previamente contratos de compra e venda de matérias-primas com os

agricultores familiares ou com suas cooperativas e com anuência de entidade

representativa da agricultura familiar daquele município e/ou estado;

assegurar capacitação e assistência técnica a esses agricultores familiares contratados;

entre outras.

De acordo com o PNPB, os contratos devem ser celebrados com agricultores

familiares ou suas cooperativas agropecuárias e negociados com pelo menos uma entidade

representativa dos agricultores familiares (sindicatos, federações e outras instituições

credenciadas pelo MDA), definindo prazos, valores de compra, critérios de reajuste de preços

e as condições de entrega da matéria-prima. O selo também poderá ser utilizado com a

finalidade de promoção comercial do produtor em leilões promovidos pela Agência Nacional

do Petróleo (ANP), responsável pela regulação e fiscalização do novo produto.

Em relação ao percentual das reduções tributárias, foi estabelecida a redução de

32% para o biodiesel produzido a partir dendê e da mamona – culturas intensivas em mão de

obra – produzidos nas regiões Norte e Nordeste e no Semiárido; 68% para o biodiesel

produzido com matérias-primas da agricultura familiar em qualquer região do país e 100%

para o biodiesel de dendê e mamona produzidos pela agricultura familiar das regiões Norte,

Nordeste e Semiárido (Decretos nº 5.297 e nº 5.298).11

9 IPEA, 2011: p. 8. 10 Fonte: IPEA, 2011: pp. 8-9. 11 Fonte: IPEA, 2011: pp. 8-9.

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A região Norte do Brasil possuía apenas um polo organizado de produção de

biodiesel a partir do óleo de dendê, localizado no estado do Pará, quando foi lançado, em

2010, foi criado o Programa Nacional de Produção Sustentável de Óleo de Palma

(PSOP), no município de Tomé-Açu (PA). À época, a produção do dendê era pouco

expressiva – apenas 16,5 mil toneladas, fomentado por uma unidade produtora de biodiesel na

região - e envolvia menos agricultura familiar do que o previsto no PNPB. O PSOP tem como

objetivo “disciplinar a expansão da produção de óleo de palma no Brasil e ofertar

instrumentos para garantir uma produção em bases ambientais e sociais sustentáveis” e

prevê como diretrizes:

1. a preservação da floresta e da vegetação nativas;

2. a expansão da produção integrada com a agricultura familiar e,

3. pontua, como territórios prioritários: áreas degradadas na Amazônia Legal e

reconversão de áreas utilizadas para cana-de-açúcar.

As áreas aptas do ponto de vista do solo e clima para o cultivo da palma foram

delimitadas por decreto pelo Zoneamento Agroecológico do Óleo de Palma, em regiões

antropizadas12 sem restrições ambientais e abrangem 31,8 milhões de hectares – sendo 29

milhões na Amazônia Legal e 2,8 milhões no Sudeste e Nordeste. A produção mundial ocupa,

atualmente, 12 milhões de hectares13. Como instrumentos para o financiamento da produção,

o programa estabelece três linhas de crédito no âmbito do BNDES: PRONAF-Eco (Programa

de Fortalecimento da Agricultura Familiar-Eco); PROPFLORA (Programa de Plantio

Comercial e Recuperação de Florestas) e PRODUSA (Programa de Estímulo à Produção

Agropecuária Sustentável), conforme tabela abaixo:

12 Transformação que o ser humano exerce sobre o meio ambiente. 13 Fonte: DROUVOT & DROUVOT, 2012: p. 1.

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Tabela 2: Instrumentos para Financiamento da Produção de Palma de Óleo (2010):

PRONAF – Eco PROPFLORA PRODUSA

Público Agricultores familiares Produtores rurais e

cooperativas

Produtores rurais e

cooperativas

Finalidade Investimento, custeio e

remuneração da mão de

obra familiar

Investimento e custeio

associado ao

investimento

Investimento e custeio

associado ao

investimento

Limite do

financiamento

R$ 6.500,00 por hectare,

limitado a R$ 65 mil por

beneficiário

Até R$ 300 mil Até R$ 400 mil para

projetos em áreas

degradadas

Juros Taxa efetiva de 2% ao ano 6,75% ao ano 5,75% ao ano para

projetos em áreas

degradadas

Prazo para

pagamento

Até 14 anos Até 12 anos Até 12 anos

Carência Até 6 anos Até 6 anos Até 6 anos

Fonte: Governo Federal. Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma no Brasil.

Portanto, além de visar o fornecimento interno de energia alternativa a partir da

produção de biodiesel da palma de dendê, a diversificação da matriz energética brasileira

pretende que o país se torne um potencial exportador de biodiesel, já utilizado

comercialmente nos Estados Unidos e em países da União Europeia, dos quais se destaca a

Alemanha, maior consumidor mundial14. Em 2010, um artigo publicado em uma revista

econômica brasileira de grande circulação pontuou o expressivo crescimento da demanda

mundial por óleo de palma, que correspondia a mais de um terço do total de óleo vegetal

consumido em todo o mundo. Em 2009, a produção nacional foi de 235 mil toneladas,

enquanto que o consumo mundial foi de 445 mil toneladas15. Atualmente, o Brasil produz a

metade do que consome de óleo de palma16.

14 Fonte: MME, 2004: p. 5. 15 Idem, p. 375. 16 Fonte: Valor. Biocombustíveis de algas ainda distantes do mercado no Brasil (13/6/2013). Disponível em:

<http://www.valor.com.br/agro/3159650/biocombustiveis-de-algas-ainda-distantes-do-mercado-no-brasil>.

Acesso em: 02/9/2013.

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1.2 O Dendê no Brasil

As primeiras instalações industriais de dendê no Brasil datam do início da

década de 1960, a princípio na Bahia e logo após no Pará e Amazonas17. Alguns estudos

(Barcelos, 1993; Barcelos et al., 1995) apontam que a Amazônia brasileira possui o maior

potencial para plantio de dendê no mundo, com uma área estimada de 70 milhões de hectares.

Grande parte desta área é de florestas degradadas e, segundo o Código Florestal brasileiro18,

podem ser utilizadas pela agricultura familiar para o plantio da palma. O que possibilita a

produção anual de 350 milhões de metros cúbicos de óleo e a possibilidade de ocupação e

desenvolvimento socioeconômico para sete milhões de famílias diretamente envolvidas com a

cultura.19

O dendezeiro (Elaeis guineensis L.), como é conhecido no Brasil, é uma planta

originária da costa oriental da África e foi introduzida no país, onde encontrou condições

climáticas e solo ideais para seu desenvolvimento, por povos africanos trazidos para trabalhar

como escravos. Em 2008, o Brasil representava o terceiro maior produtor de óleo de dendê da

América Latina, depois da Colômbia e Equador. Entre as oleaginosas, a cultura do dendê é a

que apresenta maior produtividade, com rendimento de 4 a 6 toneladas de óleo/hectare. A

produção do óleo de dendê requer o mínimo de três anos para colheita, exige que a extração

do óleo ocorra dentro de 24 horas após ser colhido e a mecanização da colheita é bastante

difícil20. Segundo a Embrapa, o dendê é uma planta perene, porém ideal para uma perfeita

cobertura do solo e constituição do ambiente florestal e com baixo impacto negativo ao meio

ambiente. Sua cultura exige utilização intensiva de mão de obra, permitindo a interiorização e

a fixação do homem no campo, garantindo um trabalho rentável para o agricultor familiar por

vinte e cinco anos.

Como produtos primários do fruto de dendezeiro são extraídos dois tipos de

óleo e a torta, que pode ser destinada à produção de ração animal ou de fertilizante. O óleo de

dendê ou de palma extraído da polpa do fruto (mesocarpo) e o óleo de palmiste extraído da

amêndoa (endoesperma). A torta resulta do processo de extração do óleo da amêndoa e

contém de 17% a 19% de proteína.21 No processamento dos frutos de dendê são produzidos

17 Fonte: DROUVOT & DROUVOT, 2011: p. 373. 18 Fonte: MDIC, 2006: p. 57. 19 MDIC, 2006: pp. 73 e 74. 20 Fonte: SUFRAMA apud Embrapa, 2008: pp. 18-19. 21 RODRIGUES et al. apud Embrapa, 2008: p. 19.

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resíduos sólidos que podem gerar energia térmica ou elétrica para a própria unidade industrial

ou para o uso nas comunidades rurais.

Alguns estudos apontam as vantagens e desvantagens da produção do óleo de

palma no Brasil22:

Vantagens:

1. Rendimentos elevados: cerca de cinco toneladas de óleo por hectare plantado

podem ser esperadas de palmeiras maduras – resultado até dez vezes superior ao

obtido a partir de outras oleaginosas;

2. Balanço energético favorável da produção – relação entre a energia produzida e a

energia consumida – e as árvores são comercialmente produtivas por 25 anos;

3. As árvores adaptam-se bem aos trópicos úmidos, apresentam elevada capacidade

de sequestro de carbono e de produção de matéria orgânica, compensando efeitos

das emissões de gases causadores do efeito estufa e reduzindo a erosão do solo;

4. O cultivo é intensivo em mão de obra, favorecendo a criação de empregos e

geração de renda.

Desvantagens:

1. A extração do óleo deve ocorrer dentro de 24 horas após a colheita dos frutos

(ultrapassando este prazo ele se torna rançoso), o que requer a localização das

unidades de processamento nas proximidades das plantações;

2. Plantações de pequena escala precisam estar localizadas próximas umas das outras

a fim de serem economicamente viáveis, facilitando a logística de transporte e

assegurando o abastecimento suficiente de frutos para as unidades de extração;

3. Possibilidade de acentuar a concentração da terra no país e ocasionar o

decréscimo da produção de culturas alimentares, o que poderia comprometer a

segurança alimentar e intensificar a vulnerabilidade das comunidades locais.

Apesar das iniciativas existentes há mais de três décadas no Brasil para a

produção do óleo de palma na indústria alimentícia (possibilitando alimentos livres de

gorduras trans e ricos em vitaminas A e E, como chocolates, sorvetes, biscoitos, margarinas,

entre outros) e de cosméticos (xampu, sabonete, creme de barbear, etc.), a produção nacional

22 Fonte: NUGOBIO. “Estudo analisa produção de biodiesel de dendê na Amazônia” (18/10/2010). Disponível

em: <http://nugobio.blogspot.com.br/2010_10_01_archive.html>. Acesso em: 20/8/2013.

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de biodiesel de dendê no país ainda é bastante incipiente. O estado do Pará destaca-se como o

maior produtor de óleo de palma do país (cerca de 80% da produção nacional), mas o

biodiesel de dendê representava, em 2009, menos de 0,06% da produção nacional de biodiesel

e 1,58% na região Norte, segundo a ANP23.

A soja ainda é a matéria-prima mais utilizada para a produção de biodiesel no

Brasil com 85% do volume total, embora a produção de óleo de palma por hectare (cerca de

cinco toneladas de óleo) seja dez vezes superior à da soja.24.

Veja na tabela a seguir quais foram os principais países produtores de óleo de

palma em 2008:

Tabela 4: Os principais países produtores de óleo de palma em 2008 (em milhões de toneladas)

Colocação País Produção

(em toneladas)

1 Malásia 13.610.000

2 Indonésia 11.400.000

3 Nigéria 910.000

4 Tailândia 680.000

5 Colômbia 600.000

6 Papua Nova-Guiné 350.000

7 Costa de Marfim 276.000

8 Equador 250.000

9 China 225.000

10 República Democrática do Congo 175.000

11 Camarões 160.000

12 Costa Rica 131.460

13 Brasil 130.000 Fonte: Blomberg, Valor Data, USDA apud DROUVOT & DROUVOT 2011: p. 374.

1.2 A Produção de Dendê no Pará

No Brasil atualmente apenas os estados do Pará, Bahia e Amazonas produzem

a oleaginosa. Em 2011, a participação do Brasil na produção mundial de óleo de palma era de

apenas 0,5% do volume total, sendo que o estado do Pará é o maior produtor de dendê do

país, responsável por 90% de toda a produção nacional: cerca de 770 mil toneladas de óleo de

palma por ano.

Abaixo, as principais empresas que atuam no negócio no Pará:

23 Fonte: ANDRADE; MICCOLIS, 2009: p. 32. 24 Fonte: DROUVOT & DROUVOT, 2011: p. 374.

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Tabela 8: Produção de dendê no Pará (2013)

Empresa Municípios Área

plantada

(ha)

Capacidade

instalada

(t)

Projetos de

expansão (ha)

Agropalma Acará, Moju e Tailândia 45.000 201 50.000

Biopalma Abaetetuba, Acará, Concórdia

do Pará, Moju, Tomé-Açu e São

Domingos do Capim

42.000 40 80.000

Yossan Santa Isabel do Pará 16.000 20.000

Denpasa Santa Bárbara do Pará 6.000 12 10.000

Marborges Moju 5.000 20 10.000

Dentauá Concórdia do Pará, Santo Antônio

do Tauá

4.000 - 6.000

Petrobras/Galp Moju, Tailândia, Tomé-Açu,

Acará, Concórdia do Pará,

Bujaru e Abaetetuba

4.000 - 75.000

ADM São Domingos do Capim 3.000 - 50.000

Palmasa Igarapé-Açu 3.000 28 8.000

Outros 12.000 - 20.000

Total 140.000 340 329.000

Fonte: Sagri e Repórter Brasil, 2013: p. 5.

No total, as empresas abrangem 140 mil hectares de área plantada e, até 2020,

há perspectivas de expansão para 329 mil hectares, ou seja, ampliação de 135% da área

atualmente ocupada com o cultivo do dendê. De acordo com dados da Secretaria de

Agricultura do Estado do Pará (Sagri), as áreas próprias do setor empresarial somadas às

ocupadas com o dendê em terras da agricultura familiar na região contabilizam

aproximadamente 166 mil hectares ocupados pela cultura25. A seguir, algumas informações

sobre as três empresas selecionadas para esse estudo: Agropalma, Biovale e Petrobras

Biocombustível.

25 Fonte: Repórter Brasil. Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira. Elementos para uma análise dos impactos

sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará, 2013: p. 5.

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PERFIS DAS EMPRESAS

2.1 AGROPALMA

O Grupo Agropalma iniciou suas atividades em 1982, no município de Tailândia (PA),

e tem capital 100% nacional. Atualmente, é o maior produtor de óleo de palma da América

Latina e atua em toda a cadeia produtiva, da produção de mudas ao óleo refinado, gorduras

vegetais e margarinas.26 Importante ressaltar, no entanto, que a Agropalma não produz

biodiesel a partir do óleo de palma.

Em 1982, a empresa então denominada Companhia Real Agroindustrial S.A (CRAI),

constituiu-se para desenvolver um projeto de cultivo de palma e extração de óleo de palma e

óleo de palmiste, em uma área de cinco mil hectares, localizada no município de Tailândia.

Em 1989, a CRAI adquiriu a Agropalma e, posteriormente, a AGROPAR (Companhia

Agroindustrial do Pará) e a Amapalma (Amapalma S/A)27.

No segundo semestre de 1997, o Grupo inaugurou, em Belém, a Companhia

Refinadora da Amazônia (CRA) e, com isso, a empresa diversificou sua linha de produtos

com a oferta de óleos de palma e palmiste refinados, assim como oleína e estearina de palma

refinados28. Em 2000, o Grupo adquiriu a empresa Coacará, que passou a se chamar

Companhia Palmares da Amazônia (CPA), também produtora de óleo de palma e palmiste29.

Em 2002, foi inaugurada uma filial da CRA, a Unidade de Acondicionamento de Gordura, na

mesma área da refinaria. Esta unidade tem uma produção voltada para o mercado fracionado

de margarinas, gorduras e cremes vegetais industriais (Agropalma)30. Portanto, o Grupo

Agropalma passou a ser constituído pelas cinco agroindústrias (CRAI, Agropalma,

AGROPAR, Amapalma e CPA) e a Cia Refinadora da Amazônia31.

26 http://www.agropalma.com.br/agropalma.asp. 27 http://www.agropalma.com.br/historia.asp 28 Idem. 29 Idem. 30Idem. 31 Idem.

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Em 2005, foi inaugurada, em Belém, uma planta piloto de esterificação de ácidos

graxos, que são os resíduos do processo de refino. Até 2010, esta unidade produzia biodiesel,

mas, atualmente, está produzindo ésteres especiais e outros compostos para a indústria

química.

Finalmente, em 2007, o Grupo Agropalma promoveu uma reorganização societária,

com a qual passou a ser constituído por apenas duas empresas: a Agropalma S.A. e a

Companhia Refinadora da Amazônia, que absorveram as atividades das demais e empregam

4200 trabalhadores diretos. O óleo bruto é produzido nas unidades de Tailândia e Acará, é

levado em balsa até Belém (PA) onde é refinado e também transformado em margarinas e

gorduras. A refinaria foi inaugurada em 1997 e tem capacidade de produção de 320 ton/dia.

Na refinaria de Tailândia (PA) são produzidas 6 mil toneladas de gordura vegetal por ano32.

Em 2012, o faturamento da empresa foi de R$ 670 milhões.

A Agropalma ocupa uma área de 107 mil hectares de terras, sendo 39 mil hectares de

palmeiras já plantadas, 1.600 km de estradas próprias, cinco indústrias de extração de óleo

bruto, um terminal de exportação, uma indústria de refino de óleo de palma e óleo de

palmiste, uma indústria de produção e acondicionamento de gorduras vegetais, creme vegetal

e margarina, quatro laboratórios de controle da qualidade, geração própria de energia elétrica

para o processo industrial e, quatro estações para tratamento de água.

As linhas de produto da Agropalma são as seguintes:

- Food Service: a Agropalma abastece esse mercado com gorduras para aspersão, frituras e

sorvetes. Segundo a empresa este segmento tem expandido 2% ao ano no Brasil;

- Orgânicos: os produtos oferecidos pela Agropalma neste seguimento são o Óleo de Palma

Orgânico, Oleína de Palma Orgânica e Óleo de Palmiste Orgânico;

- Panificação: a Agropalma fornece à indústria de panificação gorduras de palma e três

variedade de produtos

- Industrial: O óleo de palma é matéria-prima para as indústrias oleoquímica e saboeira, a

Agropalma fornece insumos como: Gordura de Palma para Biscoitos, Frituras e Sabonetes,

Óleo de Palmiste Refinado, Óleo de Palma Refinado e Oleínas de Palma Refinadas.

32 http://www.valor.com.br/agro/3240790/agropalma-aposta-no-mercado-de-gorduras#ixzz2fRh1HYlZ. Acesso

em 20/09/2013.

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A empresa pretende expandir a sua produção e está construindo a uma nova unidade

de refino em Limeira (SP). A refinaria paulista deve iniciar suas atividades em 2015 e

produzir cerca de 450 toneladas/dia de óleos e gorduras33. Em outubro de 2012 anunciou

investimentos de R$ 300 milhões para construir, além da unidade de Limeira, uma sexta usina

de extração no Pará. O investimento, com aporte de R$ 38 milhões do BNDES, tem o intuito

de elevar a produção de 200 toneladas de cachos processados por hora para 260 toneladas por

hora. Desse volume, sairão cerca de 165 mil toneladas de óleo de palma e 16 mil toneladas do

chamado óleo de palmiste. Metade da produção atenderá o mercado interno e a outra metade

será exportada34.

Em janeiro de 2012, para conquistar o mercado europeu, a Agropalma embarcou o

primeiro lote de óleo de palma (dendê) e palmiste com a certificação da Mesa Redonda do

Óleo de Palma Sustentável (RPSO (Roundtable on Sustanaible Palm Oil), sigla em inglês,

verificar informações no item certificações). Para atender esse nicho do mercado, a

Agropalma investiu em certificações ambientais, cada tonelada certificada recebe um prêmio

médio sobre o preço de US$ 15 por tonelada para o óleo de palma e de US$ 45 para o óleo de

palmiste35.

A expectativa do setor é de que a produção certificada crescerá consideravelmente a

partir de 2015, ano em que as grandes empresas do setor do consumo de óleo de palma -

Univeler, Cargill, Nestlé, Carrefour, Tesco, Wal-Mart, Henkel - adotarão compromisso

público de adquirir matérias-primas certificadas. Países como Holanda e Bélgica também

devem importar apenas óleo de palma certificado a partir de 2015. Com isso, a Agropalma

espera atingir um mercado de 12 a 15 milhões de toneladas anuais, três vezes maior que o

mercado alcançado em janeiro de 201236.

Além da certificação RSPO, a Agropalma lançou uma gordura vegetal, que será

vendida sob a marca Doratta Fry, levará na embalagem o selo "Fritura Limpa", conceito que

33 http://www.valor.com.br/empresas/2994952/agropalma-construira-refinaria-em-limeira. Acesso em

20/09/2013 34http://www.valor.com.br/empresas/2881252/agropalma-vai-investir-pesado-para-expandir-suas-

operacoes#ixzz2fj843p96. Acesso em 23/09/2013.

35 Idem. 36 http://www.valor.com.br/empresas/2511146/agropalma-embarca-lote-de-oleo-sustentavel. Acesso em

23/09/2013.

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23

reúne certificações nacionais e internacionais e que garante a ausência de solventes e

químicos no processo fabril37.

A Agropalma declara publicamente suas políticas ambientais, mostrando a

preocupação da empresa com o tema. Em relação ao plantio da palma, a empresa declara que

desde novembro de 2005, a área pretendida para um novo plantio não está ou esteve coberta

por vegetação nativa, mesmo que florestas secundárias, ou seja, não se enquadra em nenhum

tipo de área de Alto Valor para Conservação (ACV) ambiental ou social e, ainda que, desde

2006, a área pretendida para um novo plantio não possui solos orgânicos turfosos ou

quaisquer outros tipos de solos considerados inadequados para a cultura da palma.

De acordo com o Grupo Agropalma, do total da área que a empresa ocupa, 64 mil

hectares são áreas de reservas florestais, onde são proibidas a caça e a pesca. A proteção das

reservas é feita por meio do Programa de Proteção das Reservas Florestais, que possui uma

equipe de quarenta pessoas dedicadas exclusivamente a fazer a vigilância das fronteiras e a

fiscalização das áreas de floresta, coibindo assim a atuação de caçadores, extratores de

material vegetal e madeireiros. O monitoramento dessas áreas é feito através do Programa de

Levantamento e Monitoramento da Biodiversidade, iniciado em 2004, em parceria com a

Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, o programa está sendo realizado em parceria

com a ONG Conservação Internacional do Brasil.

Em 2001, o Grupo adotou uma política de desmatamento zero e preservação florestal,

quando foi realizado o último desmatamento em suas terras, uma área de aproximadamente

690 hectares, segundo a empresa, devidamente licenciado e autorizado pelo órgão ambiental.

Também declara que adota a política de banir os desmatamentos e estabelecer novas

plantações somente em áreas já degradadas pela atividade humana, e que optou por não

realizar a exploração de madeira nas áreas de reserva florestal, visando contribuir para a

manutenção da estrutura florestal e das populações de espécies animais e vegetais que dela

dependem.

Além disso, a partir de 2011, a Agropalma adotou uma política de redução de consumo

de água em sua produção, um investimento de R$ 20 milhões. A meta é que, em 2014, o

consumo de água limpa seja reduzido em 25%38.

37 https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/8/21/agropalma-aposta-no-mercado-

de-gorduras/ 38 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2509201101.htm. Acesso em 23/09/2013.

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A Agropalma possui diversas certificações, de gestão, qualidade, meio ambiente,

responsabilidade social, destacando-se o de produção orgânica, obtido em 2002, para 4.153

hectares de plantações na fazenda CPA39. Esse procedimento garantiu ao Grupo Agropalma o

recebimento do Selo Orgânico, certificado emitido pelo "Instituto Biodinâmico (IBD)",

entidade credenciada pela "IFOAM – International Federation of Organic Agriculture

Movements", instituição internacional que regulamenta a agricultura orgânica. E, em 2008 o

Grupo adquiriu o selo EcoSocial para sua linha de produtos orgânicos que determina que o

valor extra, pago pelos clientes por produtos certificados sejam aplicados em projetos e ações

socioambientais previamente aprovados pela entidade certificadora, no caso, o Instituto

Biodinâmico (IBD). O selo atesta, também, que os produtos são comercializados dentro dos

princípios do Comércio Justo.

Merece destaque, também, o fato de que desde 1998, os produtos do Grupo

Agropalma recebem o certificado Kosher por atender aos requisitos da comunidade judaica,

mas podem, também, ser adquiridos por mulçumanos, adventistas, vegetarianos, pessoas com

alergias a certos alimentos, entre outros.

Em agosto de 2011, o Grupo Agropalma recebeu a certificação da RSPO (Mesa

Redonda para o Óleo de Palma Sustentável). O princípios e critérios da RPSO foram

debatidos pelo Palm OilInnovation Group (POIG) lançado em junho de 2013. Fazem parte do

grupo as ONGs Greenpeace, WWF, RAN - RainforestAction Network, FPP - Forest People

Program e as empresas Agropalma (Brasil), Daabon (Colômbia), New Britain Palm Oil

(Papua e Nova Guiné) e Golden AgriResources (Indonésia).

O Grupo Agropalma possui certificados que atendem os mercados brasileiro,

americano, suíço (europeu), japonês e coreano.

A Agropalma diz adotar uma política de transparência ao disponibilizar para o público

todos os documentos administrativos, exceto aqueles que estejam protegidos por

confidencialidade comercial, ou quando a divulgação das informações puder resultar em

consequências negativas para o meio ambiente ou para a sociedade.

Com relação a agricultura familiar, um dos temas deste trabalho, a Agropalma afirma

que de acordo com o PSOP, o cultivo da palma conta com 185 famílias de pequenos

agricultores que possuem plantações de 6 a 10 hectares da oleaginosa. Pelo programa, os

governos são responsáveis por fornecer a terra e a infra-estrutura de estradas, o banco é

responsável por fornecer o financiamento, a empresa fornece as mudas, fertilizantes,

39 Companhia Palmares da Amazônia, adquirida pela Agropalma em 2000.

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25

ferramentas e equipamentos de proteção a preço de custo, bem como assistência técnica. Os

produtores são responsáveis por fazer a gestão adequada das plantações e produzirem os

cachos de palma. A empresa garante a compra de toda a produção pelo preço de marcado e os

contratos que regem a parceria possuem validade de 25 anos. Os agricultores familiares

ganham, em média, R$ 1.910,00 por mês40.

Em julho de 2013 a Agropalma excluiu de sua lista de fornecedores o fornecedor

Altino Coelho Miranda pelo fato de o fornecedor ter sido incluído no cadastro de empresas e

pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo (lista suja), publicada pelo Ministério do

Trabalho e Emprego41.

Antes disso, em fevereiro de 2013, a Agropalma havia sido condenada pela 8ª Turma

do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a indenizar R$ 11,7 mil uma trabalhadora rural por

danos morais ao submetê-la a condições de trabalho degradante. De acordo com a

trabalhadora, ela era submetida a condições degradantes no local de trabalho, afirmou haver

precariedade de higiene e falta de instalações sanitárias adequadas, de forma que era obrigada

a realizar suas necessidades fisiológicas no mato, estando sujeita a ser observada pelos demais

trabalhadores. Também informou que não lhe eram fornecidos os devidos equipamentos de

proteção individual e água potável, além de não haver abrigo contra intempéries nem local

adequado para fazer refeições. Por isso, pleiteou indenização por danos morais no valor de 50

salários mínimos 42.

2.2 BIOPALMA

A Biopalma da Amazônia foi criada em 2007 pela empresa MSP. Em 2009, foi criado

o consórcio Vale (41%) e MSP (59%), mas, em 2011, a Vale aumentou a sua participação

para 70%, passando a controlar a Biopalma, definir suas diretrizes e todas as suas políticas,

inclusive aquelas relacionadas às questões trabalhistas. Os trabalhadores assalariados são

contratados pela Biopalma. Importante esclarecer que o consórcio Biopalma/Vale se limita

apenas a produção do óleo de dendê, ou seja, o biodiesel é produzido apenas pela Vale para o

seu auto-consumo; pretende abastecer 216 locomotivas que transportam minério de ferro até

40 Fonte: DROUVOT & DROUVOT, 2011: p. 379. 41 http://www.valor.com.br/agro/3181104/agropalma-anuncia-exclusao-de-fornecedor. Acesso em 23/09/2013. 42 http://reporterbrasil.org.br/2013/02/agropalma-e-condenada-por-condicoes-degradantes-de-trabalho/. Acesso

em: 23/09/2013

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26

São Luís, percorrendo 890 km, com o denominado B20 (80% de diesel comum com adição de

20% de biodiesel)43.

Em 2012, a Biopalma instalou a primeira usina extratora de óleo, em Mojú. A

produção estimada é de 400 mil a 500 mil toneladas de biodiesel de dendê em 2013 a 201444.

O investimento é de US$ 500 milhões e espera-se envolver cerca de 2 mil famílias de

agricultores familiares. Em 2014, deverá ser inaugurada a segunda usina extratora, no

município de Acará, onde também deverá ser instalada uma usina de biodiesel da Vale, em

2015. Para essa parte do projeto, a Biopalma já estabeleceu um programa de formação de 160

a 200 jovens.

O processo produtivo inicial (pré-viveiro, viveiro, plantio, manutenção do plantio e

colheita) é feito pelo assalariado rural que é contratado na função de rural palmar. Em

seguida, o fruto é levado para a unidade extratora (esmagadora) e produzido o óleo de palma

que é vendido no mercado. Até o final de 2013, conforme o acordo assinado entre a empresa e

o Ministério do Trabalho (Termo de Ajustamento de Conduta-TAC)45, todo esse processo

será feito sem a utilização de trabalho terceirizado. A empresa pretende fechar este ano com 5

mil empregados próprios na atividade agrícola (quase 90% da empresa) e 6 mil no ano

próximo ano. O TAC foi assinado devido à identificação de problemas existentes na empresa

relacionados, principalmente, à precarização, ao absenteísmo e ilegalidade da sua mão de

obra. A diretoria agrícola da Biopalma responsabilizou as empreiteiras pela precarização das

relações de trabalho (falta de pagamento e consequente absenteísmo) e declarou que apenas

serão firmados contratos com empresas que atuam na área de alimentação, conservação,

limpeza e transporte, atividades que não estão atreladas à sua atividade fim.

A Biopalma adota a política da Vale, contratando mão de obra regional e,

principalmente, local, “nós não contratamos nem incentivamos trazer trabalhador do

Maranhão”. Os salários dos empregados nessa atividade, segundo a diretoria agrícola, não se

comparam aos dos trabalhadores da mineração, mas são bastante adequados ao mercado. Já o

plano de saúde é o mesmo da Vale e, também, recebem um cartão alimentação no valor de R$

200,00. A mão de obra feminina é utilizada, principalmente, na colheita dos frutos soltos e na

indústria, onde as mulheres representam 13,5% dos 300 empregados nesse setor.

43 Fonte: DROUVOT & DROUVOT, 2011: p. 380. 44 Fonte: Biodiesel BR. “Vale produzirá biodiesel no Pará a partir de 2013” (27/4/2011). Disponível em:

<http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/vale-produzira-biodiesel-para-2013-270411.htm>. Acesso em:

21/8/2013. 45 De acordo com o TAC, a empresa teria o prazo de dezessete meses para encerrar todos os contratos com

terceirizados, contando a partir de 07/03/2012.

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27

A produção de óleo de palma começou em 2012, portanto, a empresa já está colhendo,

produzindo e vendendo. A colheita está ocorrendo em Mojú (onde começou), Concórdia e

Tomé-Açu. O plantio em Acará será para a produção na nova usina que será instalada no

próximo ano. A empresa possui quatro polos de produção (Mojú, Tomé-Açu, Acará e

Concórdia) e um escritório central em Belém. O polo mais avançado é o de Mojú, onde não

há mais plantação, apenas colheita, e os outros três encerrarão a fase de plantio até o final de

2013. Os diretores afirmam que até o final de 2014 não haverá mais plantio, considerando que

a empresa terá atingido a meta estabelecida para o plantio da palma em áreas próprias, ou

seja, de 60 mil hectares. Além das áreas próprias, a empresa pretende obter a matéria-prima

necessária para a produção do óleo de agricultores familiares que deverão ocupar 20 mil

hectares de terra e com os quais serão estabelecidos contratos de fornecimento, a preço de

mercado. No total, a área de cultivo definida no projeto é de 80 mil hectares. Os projetos com

os agricultores familiares são acompanhados por um Grupo de Trabalho da empresa.

Os diretores entrevistados apontaram alguns problemas para a implantação de projetos

com agricultura familiar46. Um deles diz respeito à idade do agricultor que pretende captar

recursos nos bancos, no caso, Banco da Amazônia (BASA), Banco do Brasil (BB) e Banco do

Estado do Pará (BANPARA). Por ser a maioria entre 50 e 60 anos de idade e em se tratando

de uma cultura de longo prazo, as duas coisas parecem incompatíveis, “porque já vai ter que

ter sucessão, alguém que vai tocar o empreendimento, por mais que ele possa ter

longevidade, mas ele pode ir a óbito e isso pode ser um negócio”47. Outro problema está

relacionado ao tamanho do lote, o agricultor tem que ter 10 hectares para o cultivo da palma,

mas a empresa pede que ele tenha de 20 a 30 hectares para que ele possa plantar outras

culturas.

A empresa desenvolve um trabalho de apoio junto aos agricultores familiares

orientando-os sobre organização, documentação, preço, qualidade, logística de entrega,

excedente, etc. e, também, um trabalho de sensibilização e aproximação com os sindicatos e

associações locais. Os entrevistados declararam que a empresa reconhece os sindicatos como

legítimos representantes dos agricultores rurais e que ela procura interagir com eles até pela

dificuldade que tem de se conseguir a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento

que pode ser obtido em Empresas Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural e

sindicatos rurais, que permite a sua legalização. A interlocução com os agricultores familiares

é feita via FETAGRI e com os trabalhadores assalariados é via FETAGRI e sindicato local. A

46 Entrevista realizada em 17/10/2013. Belém do Pará. 47 Idem.

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28

negociação coletiva é feita com o grupo (Federação e sindicatos) e as questões do dia a dia

são feitas no local, mas não ficou claro se com a participação do sindicato.

Segundo informações da empresa, em 2010 havia 24 famílias de agricultores

familiares, basicamente na região de Mojú, em 2011 entraram 100 famílias, em 2012, 130

famílias e, em 2013 esperam alcançar 500 famílias e esperam alcançar as 2000 famílias com

20 hectares de terra até o final de 2015.

Com relação às dificuldades encontradas pelos agricultores familiares, os entrevistados

mencionaram a dificuldade de gestão da produção e de racionalização do tempo e trabalho. Os

que administram melhor são aqueles que empregam a mão de obra da família e os que estão

compartilhando o trabalho entre famílias (estratégias de mutirão, de troca de diária.).

Um dos diretores citou um estudo realizado pela Flora Amazônia que identificou a

questão da educação como um grande problema na região: de 100 famílias, 50% são

analfabetos funcionais. Consequentemente, a inserção desse trabalhador que vem do campo,

em uma área mais técnica é complicada. “Ele precisa saber o que é um produto

geneticamente desenvolvido, precisa saber que vai ter acesso ao banco, que vai contrair uma

dívida (...), então a grande dificuldade que a gente é de transformar o pequeno agricultor em

um pequeno empresário...”48 Ele considera que não é fácil a inserção social via produção de

palma e diz que até o momento apenas 124 famílias estão produzindo, o que representa um

percentual muito pequeno considerando a produção total da Biopalma.

A agricultura familiar também está atrelada ao conceito de logística para captação e

coleta do produto. A empresa possui pontos de captação que estão em conexão com a entrega

para a esmagadora para que não se torne economicamente inviável, já que o fruto é

extremamente perecível. Existe um mapa geográfico para captação em sinergia com a

logística: “a gente vai na propriedade dele, pesa na hora e leva. São 273 toneladas

mensais”49 (total de todas as famílias que estão produzindo). Com relação à assistência

técnica fornecida pela empresa, a cada 27 dias o agricultor familiar recebe a visita de um

técnico a fim de verificar se ele está seguindo o protocolo de adubação, se está fazendo os

procedimentos corretos (ronda fitossanitária, uso de EPI, se não este utilizando trabalho

infantil, etc) e se está seguindo a política da empresa, inclusive no que diz respeito à não

utilização de produtos químicos e herbicidas.

Os representantes da Biopalma ainda não conseguem avaliar se o cultivo da palma está

melhorando a renda do agricultor.

48 Idem. 49 Idem

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29

A Biopalma não possui o selo Combustível Social porque não produz biodiesel; a

empresa considera que essa seria uma atribuição da Vale, produtora do combustível. Seus

representantes asseguram que não houve desmatamento para o cultivo da palma, que tem os

mais avançados materiais genéticos, práticas de manejo adequado para maior produtividade e

menor impacto ambiental, tem as melhores soluções de mecanização das atividades agrícolas,

e aposta no fortalecimento do modelo socioeconômico que tem impacto positivo na qualidade

de vida da população da região.

Page 30: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

30

2.3 PETROBRAS BIOCOMBUSTÍVEL

A Petrobras Biocombustível, subsidiária da Petrobras, é responsável pelo

desenvolvimento de projetos de produção e gestão de etanol e biodiesel. A empresa surgiu em

2008, após a criação do PNPB (Programa Nacional de Produção de Biodiesel), uma das

primeiras medidas do primeiro governo Luiz Ignácio Lula da Silva na área de política

energética que visava introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira de forma

sustentável. Ou seja, havia uma forte preocupação por parte do governo federal de evitar

acontecer com o biodiesel o mesmo que aconteceu com o etanol, um agronegócio sem

participação da agricultura familiar. O Selo Combustível Sustentável, concedido pelo

Ministério do Desenvolvimento Agrário foi criado com o objetivo de incentivar os produtores

de biodiesel a adquirir matérias primas provenientes de agricultores familiares em troca de

incentivos e outras facilidades para as empresas. A Petrobrás Biocombustível tem hoje entre

seus fornecedores mais de 55 mil agricultores familiares, no Nordeste e em Minas Gerais. A

meta é atingir 80 mil contratos.

Na área de etanol atua em parceria com outras empresas coligadas: a Guarani –

parceria com a Tereos Internacional, a Total Agroindústria Canavieira e a Nova Fronteira

Bioenergia – esta em parceria com a São Martinho. Com a primeira empresa coligada, a

Petrobras Biocombustível possui oito usinas, sendo sete em São Paulo e uma em

Moçambique. Com as outras duas, possui duas usinas, uma em Minas Gerais e uma em Goiás.

Juntas, as dez usinas têm capacidade para moer 26,1 milhões de toneladas de cana anuais,

produzir 1,3 milhão de m3 de etanol e 2,1 milhões de m3 de açúcar. E, ainda, exportar 1.172

GWh de energia elétrica excedente. A meta para 2013 é a produção de 1,9 bilhões de litros

voltada para o mercado externo e 1,8 bilhões de litros para o mercado interno.

No segmento de biodiesel, a empresa possui três usinas próprias de biocombustível -

Candeias (BA), Quixadá (CE) e Montes Claros (MG) - e duas em parceria com a BSPAR, nos

municípios de Marialva (PR) e Passo Fundo (RS) que compõem a coligada BSBIOS Indústria

e Comércio de Biodiesel Sul Brasil S.A. Em 2012, a Petrobras Biocombustível concluiu a

aquisição de 50% das ações da BSBIOS. Estas usinas possuem o Selo Combustível Social

cuja obtenção e manutenção depende da aquisição de grãos de pequenos agricultores pelas

empresas como, também, a prestação de assistência técnica agrícola.

Page 31: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

31

Em 2012, a produção entregue de biodiesel nas usinas próprias foi de 299.853m3 e nas

usinas em parceria foi de 121.443m3. E a previsão para 2013 é produzir 640 milhões de litros

de biodiesel no Brasil, a partir de plantas oleaginosas cultivadas no país tais como mamona,

palma, soja, girassol e canola e, também, de gordura animal e de resíduo de óleos de fritura.

Desde 2010, o diesel comercializado no Brasil contém uma mistura de 5% de biodiesel. De

acordo com o plano de investimentos da empresa para o período 2012-2016, 11% do valor

total a ser investido neste setor – ou seja, US$ 0,28 bilhões de um total de US$ 2,5 bi - serão

destinados para a produção de biodiesel.

Em 2012, a Petrobras Biocombustível atingiu a receita líquida de R$ 2,44 bilhões,

49% a mais em relação a 2011. A EBITDA foi positiva em R$ 93,8 milhões, mas o resultado

líquido foi negativo em R$ 217 milhões devido aos elevados custos de investimentos nesse

período e as margens menores do setor de biocombustível, em especial do etanol. (Petrobrás

Biocombustível S.A - Relatório Administrativo e Balanço de 2012). A empresa continua

realizando investimentos no setor com o objetivo de alcançar uma produção recorde ainda em

2013. Em outubro de 2012, fez um aporte de R$ 212,5 milhões na Guarani S.A, passando a

deter 35,76% das ações da empresa, resultado de um acordo com a Tereos Internacional S.A

assinado em 2010, quando foi firmada a parceria que prevê a aquisição de 45,7% da Guarani,

com aportes de até R$ 1,6 bilhão ao longo de cinco anos. Nas demais coligadas, a Petrobras

Biocombustível tem uma participação de 43,58% no capital social da Total Agroindústria

Canavieira S.A e 49% no capital da Nova Fronteira Bioenergia S.A.

Além do biodiesel, a Petrobras Biocombustível desenvolve subprodutos a partir do

cultivo das oleaginosas tais como, a torta de mamona, utilizada como fertilizante orgânico em

várias culturas; o farelo de girassol e o farelo de soja, utilizados na formulação de rações para

animais; o óleo de girassol, utilizado pela indústria alimentícia; o óleo de mamona, utilizado

pelo setor de alimentação humana, farmacêutico, tintas e vernizes e, ainda, outros produtos

como ácido graxo, borra de refino e glicerina.

Projetos da Petrobras Biocombustível no Estado do Pará

Em 2010, o governo federal criou, juntamente com o governo do estado do Pará, o

Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo no Brasil, com o objetivo de disciplinar

a expansão do cultivo de palma de óleo no país. Um mapeamento realizado por vários

técnicos especialistas sobre a plantação da palma no país permitiu incluir no programa a

proibição da utilização de 86,4% das áreas aptas para o plantio da palma e de 96,3% da área

Page 32: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

32

total do território brasileiro. Grande parte da palma encontra-se no estado do Pará devido ao

clima tropical favorável ao plantio. A palma surge como alternativa econômica para a região

após o ciclo da pimenta e da madeira. Mas, segundo o entrevistado da Petrobras, “tem que

tomar cuidado com a palma para não ser a mesma coisa e que possa dar efetivamente um

retorno social”50.

Neste contexto, a Petrobrás Biocombustível iniciou dois projetos no estado do Pará

que visam a produção de óleo vegetal a partir da palma. O Projeto Biodiesel Pará com

investimento de R$ 330 milhões para a implantação de uma usina própria no estado, cuja

meta é produzir 120 milhões de litros de biodiesel/ano. Na região do projeto foram

cadastradas 3.338 famílias de agricultores e, em 2010, foram adquiridas 1,1 milhão de

sementes. Previa o suprimento da usina com 50% de matéria-prima produzida por agricultores

familiares e outros 50% de produtores rurais ou arrendamento. Ou seja, um volume

considerado razoável, tendo em vista a quantidade plantada na região. O agricultor familiar

tem que possuir ao menos dez hectares de terra para participar do programa.

O outro é o Projeto Belém, uma parceria com a empresa portuguesa Galp Energia1,

que envolve a construção de uma planta de green diesel em Portugal. O investimento deste

projeto é de R$ 1.017 milhões e a meta é produzir 250 mil toneladas de biodiesel/ano. O

modelo de suprimento prevê o plantio de palma em áreas desmatadas, de acordo com o que

estabelece o Programa de Produção Sustentável da Palma de Óleo. O programa estabelece

limitações geográficas e de manejo para o cultivo do dendê. A previsão para os dois projetos é

de gerar, ao todo, sete mil empregos diretos, sendo 5.250 no setor agrícola e 1.750 na área

industrial e de logística. E, ainda, envolver 2.250 agricultores familiares no plantio da palma.

O projeto da usina própria encontra-se em fase de revisão e redimensionamento devido

a problemas identificados desde o início da sua execução. O representante da Petrobras

Biocombustível apontou três principais problemas. Primeiro, a questão da logística do projeto.

Segundo o entrevistado, caso a colheita do fruto demore mais de 24 horas, o fruto começa a

acidificar e consequentemente a qualidade do biodiesel fica comprometida. Portanto, a

estrutura logística tem que ser muito bem montada, próxima da usina, até por uma questão de

economia de combustível. As plantações têm que estar concentradas em torno da usina, e a

esmagadora e a produção tem que estar próximas. Outro problema mencionado foi a

precariedade das estruturas viárias na região que em alguns períodos tornam-se intransitáveis.

E o terceiro maior problema é a questão da documentação dos agricultores (certidão negativa,

50 Entrevista realizada em 02/09/2013. Rio de Janeiro.

Page 33: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

33

registro da terra, etc). “quando a empresa começa a fazer a triagem, pede a documentação da

terra... elimina mais da metade”51. Também tem as questões ambientais, ou seja, saber se a

terra está em condições de uso. Técnicos do governo avaliam serem necessários 10 hectares

de terra para que o plantio de dendê seja economicamente viável. Mais do que isso

dificilmente vai gerar renda para o agricultor. Mas para ele plantar 10 hectares de terra terá

que ter mais 10 hectares tendo em vista o zoneamento agrícola aprovado pelo Conama

estabelecendo 50% de reserva e 50% de uso. Ou seja, tem que ter 20 hectares. E a ideia do

projeto é que o agricultor não abandone as culturas tradicionais, como a mandioca, sendo

necessário mais 2,5 hectares para outras culturas, perfazendo um total de 26 a 30 hectares de

terra. Caso ele não possua essa quantidade de terra, está fora do programa.

Além disso, como o programa prevê o financiamento, a situação bancária do agricultor

tem que ser investigada. E o que se observa é que muitos são ainda devedores desde o ciclo da

pimenta no estado. Sem o financiamento fica difícil para o agricultor se manter nos três anos

anteriores à colheita do dendê. Ele recebe um valor pequeno que vai ser abatido após a

colheita.

Da triagem feita na região do projeto sobram apenas poucos agricultores que muitas

vezes estão espalhados pela região, inviabilizando o projeto. Na opinião do entrevistado, “a

Petrobras definiu uma meta ousada de 50% da matéria prima vindo dos agricultores

familiares, quando o Selo determina apenas 15%”52. O fato é que a questão fundiária no Pará

é bastante complicada, 70% a 80% das terras não tem documentação adequada, grande parte

dos agricultores é devedora dos bancos.

Portanto, tendo em vista as dificuldades encontradas, a Petrobras Biocombustível

ainda não está produzindo biocombustível a partir da palma no estado do Pará. O projeto está

sendo repensado não apenas a parte industrial referente a usina (localização, modelo de

usina,etc) como, também, a parte agrícola.

Já o Projeto Belém foi implantado há três anos e está em andamento com cerca de 20

mil hectares de palma plantados para a produção de óleo vegetal, devendo chegar a 30 mil

hectares em 2013. E os projetos das esmagadoras e da usina de Green diesel em Portugal

estão em fase de detalhamento.

Em 2009, a Petrobras assinou, em Tailândia (PA), contratos de arrendamento de 6 mil

hectares de terra para o cultivo de um milhão de mudas de palma, referentes à primeira etapa

do Projeto Belém. As sementes são importadas da Costa Rica, do Equador e do Peru, países

51 Idem. 52 Idem.

Page 34: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

34

que já desenvolveram variedades da semente. O processo envolve o cultivo das sementes em

viveiros, por um período de pouco mais de um ano, até atingir um tamanho adequado para o

plantio no campo. Depois, mais uns três anos para começar a colher sendo o auge da produção

no 5º ou 6º ano. Durante vinte anos é possível produzir o dendê, até que chega o momento da

derrubada da antiga plantação para iniciar uma nova. O Projeto Belém iniciou o plantio das

mudas em janeiro de 2011 e o início da colheita deverá ser a partir de 2015.

Na segunda etapa a empresa pretende arrendar mais 6 mil hectares e gerar, ao todo,

cinco mil empregos diretos envolvendo agricultores familiares, médios e grandes produtores,

técnicos agrícolas e ambientais, engenheiros agrônomos e ambientais. Também consta do

projeto a instalação de quatro complexos industriais de extração de óleo de palma, com

unidades de cogeração de energia, instalações de tancagem para exportação e uma usina de

produção de green diesel no distrito de Sines, ao sul de Portugal. O projeto abrange os

municípios de Tailândia, Tomé-Açu, Moju, Acará, Concórdia do Pará, Bujaru e Abaetetuba.

Com este projeto, a Petrobras marca a sua entrada no mercado europeu de biocombustíveis. O

investimento total estimado é de R$ 1.017 milhões, sendo R$ 554 milhões no Brasil para

produção de 300 mil toneladas de óleo de palma por ano e R$ 463 milhões em Portugal para a

implantação de uma unidade industrial de biodiesel, com previsão de entrada em operação em

201553.

Segundo o entrevistado, a forma adotada em relação a terra é, principalmente, o

arrendamento, além de alguns contratos de compra de cachos de dendê. Produtores que

optaram pelo não arrendamento tomam conta da própria plantação e a empresa firma um

contrato de alternativa de compra do cacho. Neste projeto a meta é trabalhar com 10% de

agricultor familiar. Ainda segundo o responsável da Petrobras, a empresa no Pará não possui

o Selo Combustível porque ela vai produzir óleo vegetal para vender para Portugal onde será

processado, portanto, a questão do selo não se coloca.

Enfim, apesar da grande quantidade de palma plantada no estado do Pará, o

entrevistado considera que os projetos que visam uma produção sustentável – social,

econômica e ambiental – na região encontram problemas (precariedade fundiária, situação dos

agricultores familiares, logística) que demandam mais tempo para serem solucionados. A

começar pelo próprio agricultor que passa três a quatro anos sem produção, fica vinte e cinco

anos com um negócio e, na verdade, ele não sabe o que vai acontecer daqui a quinze anos.

53 Fonte: Petrobras. “Petrobras lança projetos de biodiesel no Pará, com presença do presidente Lula” (6/5/2010).

Disponível em: <http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2010/05/06/biodiesel-no-para-em-parceria-com-a-

portuguesa-galp/>. Acesso em: 21/8/2013.

Page 35: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

35

“Eu diria que é uma aposta grande em matéria de alternativa de matéria prima, mas ainda

tem muito chão...” 54

A população do polo paraense de cultura do dendê é constituída de trabalhadores

assalariados rurais, ribeirinhos, quilombolas e agricultores familiares, para os quais a terra

representa um “núcleo estruturante das comunidades” (Repórter Brasil, 2013: p. 6). No

entanto, para efeito desse estudo, a seguir serão apresentadas apenas as relações de trabalho

encontradas nas três empresas pesquisadas. Ou seja, agricultores familiares, sem vínculo

empregatício (sem carteira assinada) que mantêm contratos com as empresas para a produção

do dendê; e os assalariados rurais que são trabalhadores diretos das empresas produtoras ou

das terceirizadas. Apresentaremos a situação da agricultura familiar no país, com ênfase no

que ocorre no estado do Pará em relação ao cultivo da palma de dendê, relacionando-o com o

PNPB e, em seguida, a visão dos trabalhadores entrevistados para essa pesquisa sobre o

cultivo da palma e as condições de trabalho nesta atividade.

54 Idem.

Page 36: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

36

3 A AGRICULTURA FAMILIAR

A utilização da agricultura familiar no plantio da palma no estado do Pará vem

crescendo nos últimos anos, tendo em vista as políticas governamentais de incentivo aos

produtores do óleo de palma, com foco na inclusão social e no desenvolvimento regional. Em

2010, as áreas utilizadas para o cultivo de dendê por agricultores familiares eram de

aproximadamente 20,2 mil hectares. Em 2012, segundo dados do Banco da Amazônia

(BASA), responsável pelo repasse dos financiamentos do PRONAF-Eco Dendê, foram

firmados 581 novos contratos de parceria, com uma ocupação de mais 5.810 hectares de

terras, tal como mostra a tabela 8 a seguir:

Tabela 8: Agricultores familiares integrados na cultura do dendê em 2012

Municípios Nº de famílias Área (ha)

Acará 42 420

Aurora do Pará 3 30

Baião 1 10

Bujaru 1 10

Cameta 3 30

Castanhal 1 10

Concórdia do Pará 16 160

Garrafão do Norte 20 200

Igarapé-Açu 3 30

Irituia 11 110

Mocajuba 1 10

Moju 115 1.150

São Domingos do Capim 143 1.430

Tailândia 95 950

Tomé-Açu 126 1.260

Total 581 5.810

Fonte: Basa apud Repórter Brasil, 2013: p. 6.

E para a safra de 2012/2013, o BASA previa o financiamento de mais 1.610

contratos entre empresas e agricultores familiares, incorporando outros 15,3 mil hectares à

dendeicultura na região, conforme mostra a tabela 9 abaixo:

Page 37: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

37

Tabela 9: Planejamento para aplicação do PRONAF-Eco Dendê na safra 2012/2013

Empresa Municípios Nº de

famílias

Área

(ha)

Valores

(em Reais)

Biopalma Vale Abaetetuba, Moju 200 2.000 16 mi

Agropalma Moju 15 150 1,2 mi

Petrobras Igarapé-Miri, Baião e

Mocajuba

300 3.000 20 mi

ADM do Brasil S. Domingos do Capim 1 160 1.200 12,8 mi

ADM do Brasil S. Domingos do Capim 2 160 1.200 12,8 mi

Belém Bioenergia Tailândia 200 2.000 16 mi

Belém Bioenergia Tomé-Açu 100 1.000 8 mi

Biopalma Vale Tomé-Açu, Concórdia 300 3.000 24 mi

Marborges

Garrafão do Norte 60 600 4,8 mi

Capitão Poço 75 750 6 mi

Nova Esperança do Piriá 40 400 3,2 mi

Total 1.610 15.300 124,8 mi

Fonte: Basa apud Repórter Brasil, 2013: p. 6.

Apesar das iniciativas do governo federal, concedendo incentivos para os

produtores de biodiesel que adquirissem matéria-prima proveniente de agricultores familiares,

o objetivo de inclusão social com melhoria na renda desses trabalhadores rurais não parece ter

sido alcançado até o momento, ao menos no nível desejado pelo PNPB.

Como já foi citado neste relatório, percentuais mínimos de aquisição de

matérias-primas junto ao agricultor familiar ficaram estabelecidos em 10% para as regiões

Norte e Centro-Oeste, 30% para as regiões Sul e Sudeste e, 50% para os produtores da região

Nordeste e Semiárido (Art 3º, Instrução Normativa n. 02, de 30 de setembro de 2005). Em

2009, um novo decreto do MDA alterou os percentuais para: 30% para as regiões Nordeste,

Semiárido, Sul e Sudeste e 15% para o Centro-Oeste e Norte. Além disso, os produtores

deveriam firmar contratos com os agricultores familiares estabelecendo as condições e os

prazos de entrega da matéria prima e respectivos preços. E, também, deveriam conceder

assistência técnica às unidades de produção familiar. (monografia Marcio Alvarenga).

Em contrapartida, as empresas que atendessem a esses critérios e que, portanto,

seriam portadoras do Selo Combustível Social, poderiam pleitear melhores condições de

financiamento junto aos bancos financiadores, além de outras facilidades.

Com relação ao potencial de criação de empregos provenientes da produção de

oleaginosas, este depende fundamentalmente da estrutura organizacional característica de

cada propriedade. Nas propriedades em que prevalece o modelo de agricultura familiar, a

Page 38: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

38

capacidade de inserção socioeconômica tende a ser maior do que naquelas em que prevalece o

modelo de empresa rural. Na agricultura empresarial, dependendo da cultura e da tecnologia

utilizada, estima-se que sejam necessários cerca de 100 hectares para empregar um

trabalhador, enquanto na agricultura familiar, apenas 10 hectares.55 ().

De acordo com o PNPB, a mamona seria o principal veículo de inclusão social

no semi-árido brasileiro. Entretanto, o estudo que antecedeu ao programa não levou em

consideração o fato de que o seu cultivo familiar apresentava um modelo de produção ainda

bastante rudimentar, podendo comprometer as metas de inclusão social estabelecidas pelo

programa. Na verdade, a cultura mamoneira até então não tinha se firmado no Brasil, com

resultados insignificantes em relação à área plantada, produtividade e produção. Por exemplo,

para atender a demanda de 800 milhões de litros de biodiesel, volume significativo resultante

da obrigatoriedade do uso de B2 na época da criação do PNPB, teriam que ser produzidas 348

mil toneladas de mamona, mas o Brasil não conseguiu produzir nem a terça parte dessa

demanda que continua aumentando.56

A análise de Alvarenga sobre a produção de biodiesel em diferentes regiões do

Brasil mostra que na região Norte, foco deste estudo, a agricultura familiar também encontra

dificuldades de inserção na cadeia de produção do biodiesel. Em 2010, apenas 0,2% dos

estabelecimentos familiares estavam participando do PNPB, respondendo somente por 0,3%

do valor adquirido junto à agricultura familiar57. No caso do dendê, em 2010, a participação

relativa da oleaginosa no valor total da produção familiar de matérias primas não ultrapassou

os 0,32%, dando continuidade a uma tendência de queda em anos anteriores. Ou seja, segundo

o autor, assim como no caso da mamona, estes números revelam a existência de um padrão da

agricultura familiar na região com sérias dificuldades estruturais para obter os excedentes

necessários ao atendimento das demandas do plano. No entanto, analisando as aquisições

junto a agricultura familiar em todo o país, os estudos de Alvarenga apontam que houve uma

expansão, em termos absolutos, nos últimos anos, em grande parte devido às mudanças

ocorridas na legislação do biodiesel a partir de 2009. Em 2010, o valor das aquisições é quase

dez vezes maior do que o apresentado em 2008. E a contribuição da agricultura familiar

alcançou cerca de 26% do total de matérias-primas adquiridas para a produção de biodiesel.

Tal êxito se deve em grande medida à cultura da soja seguida do sebo bovino.

55 GTI, 2003, p. 9, in Marcio Alvarenga, p.18. 56 Marcio Alvarenga, p.30. 57 PNPB: Inclusão Social e Desenvolvimento territorial, 2011.

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39

Se por um lado, as novas medidas contribuíram para que não houvesse uma

crise de desabastecimento de biodiesel, por outro, reforçaram os mecanismos de concentração

de renda rural. Isso porque, em 2010, a região Sul foi responsável por 68% do valor total

adquirido junto a agricultura familiar, o Centro-Oeste, 23%, a região Nordeste, 5%, a região

Sudeste, 4% e a região Norte, apenas 0,3%58. Conforme já mencionado anteriormente, o

estado do Pará é maior produtor de palma de dendê do país, porém, tem uma participação

ínfima na produção de biodiesel. Das empresas pesquisadas, apenas a Biopalma produz o

combustível para alimentar a sua frota.

3.1 AGRICULTORES FAMILIARES – resultados da

pesquisa de campo

No polo de Concórdia59, a Biopalma possui cerca de onze fazendas totalizando

60 mil hectares de terra para o cultivo do dendê. Um dos entrevistados mora na comunidade

de Nossa Senhora de Nazaré, em Ipitinga, lugar onde nasceu e vive com a esposa e três filhos

que estão estudando. Possui um terreno no assentamento de agricultores familiares, em

Ipitinga, onde está há oito anos, e é uma área de regularização fundiária. O agricultor revelou

que ele e alguns vizinhos foram “convidados” pela Biopalma para trabalhar, mas apenas ele

possuía uma quantidade de terra tal como é exigida para o cultivo da palma (10 hectares).

Firmou um contrato de 15 anos com a Biopalma e já está há um ano na atividade. Pelo

contrato, até o 6º ano a colheita pertence ao agricultor; depois, a empresa adquire toda a

produção. Seu interesse pelo projeto do biodiesel de dendê surgiu após ouvir um discurso do

ex-presidente Lula sobre o PNPB, no rádio. Avalia positivamente os projetos implantados no

governo Lula, dizendo que a pobreza diminuiu muito no país e que todos da comunidade são

beneficiários do [Programa] Bolsa Família. Mas reclamou que o valor pago pelo programa

sofreu uma redução de R$ 100,00 (passou de R$ 230,00 para R$ 130,00), nos dois últimos

meses. Com relação ao selo Combustível Social, o agricultor disse que “falaram, mas não me

lembro”.

58 Marcio Alvarenga, p. 37. 59 Os Polos de Produção de Biodiesel, metodologia de organização da base produtiva, criada em 2006, pelo

MDA, são espaços geográficos compostos por diversos municípios, com a presença de agricultores familiares,

produtores ou potenciais produtores de matérias primas para fins de produção de biodiesel nos termos do PNPB

(PNPB).

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40

Afirmou ter contraído uma dívida junto ao BASA através do PRONAF no

valor de R$ 74.000,00 e que trabalha apenas para pagá-la. O recurso foi utilizado na limpeza

da área e na aquisição de mudas, já que segundo ele, “a empresa não contribui com nada”. As

parcelas do financiamento bancário são disponibilizadas a cada três meses, mas, para liberá-

las é preciso um laudo sobre o cultivo elaborado pelo fiscal da empresa e enviado para o

banco. Na visão do entrevistado, “se depender disso, o cara morre de fome”. E, ainda, pagou

R$160,00 à SEMA (Secretaria de Meio Ambiente) de Tomé Açu pelo licenciamento

ambiental, mas nenhum técnico do órgão compareceu a suas terras para fiscalização.

Para ajudá-lo no cultivo, contratou dois diaristas, na própria comunidade, para

trabalharem na adubação e rebaixo, a R$ 25,00 por dia cada um: “cansei de pegar do meu

dinheiro para pagar diarista” arcando, inclusive, com os custos dos EPIs (Equipamentos de

Proteção Individual). Embora tenha recebido as orientações, ele não utiliza os EPIs alegando

ser um gasto que não pretende realizar. Segundo ele, as folhas do dendê possuem muitos

espinhos e a empresa forneceu apenas duas luvas no início do projeto e alertou sobre a

necessidade de usar caneleiras. Empenhou-se por mais de dois meses na limpeza do terreno,

tarefa da qual já se ocupou por três vezes, e ainda pagou pelo aluguel de uma máquina. Ele

ainda não sabe como será realizada a entrega do dendê à empresa – se um caminhão da

empresa irá buscar na propriedade dele ou se ele mesmo terá de encaminhá-la, o que irá

requerer que ele adquira um caminhão ou contrate e pague por mais esse serviço.

O agricultor declarou que, até o momento, não percebeu qualquer benefício

vindo do cultivo da oleaginosa e que a dedicação ao dendê forçou-o a abandonar a roça de

mandioca. Comentou que irá plantar uma árvore frutífera, cupuaçu ou açaí, ou mesmo

pimenta, afinal “10 hectares pra plantar só dendê?”. Mas a insatisfação demonstrada pelo

agricultor parece estar relacionada ao retorno financeiro do investimento, e, por isso, diz que

não aconselha outros agricultores da comunidade o cultivo do dendê: “se der errado, é só pra

mim e minha família”. Já como relação de trabalho, ele revelou estar bastante satisfeito com a

sua condição de agricultor familiar pela relativa independência que essa relação permite, pela

liberdade para organizar os seus dias e horários de trabalho, ou como ele diz “ninguém me

governa”. Comparou a sua situação com a dos assalariados rurais, dizendo que estes “são

explorados e humilhados” e que quem falta ao trabalho por três dias é penalizado com a perda

do cartão alimentação. Admite que a situação financeira deles (assalariados) tenha melhorado,

mas, considera que houve uma piora na qualidade de vida desses trabalhadores, “inclusive

quanto à espiritualidade e frequência ao culto na Igreja, o que é um compromisso para ele,

que também é o coordenador da comunidade e trabalhou inclusive na construção do poço

Page 41: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

41

artesiano”. Disse que existem cerca de 30 a 40 dos moradores da comunidade trabalhando

como assalariados rurais para a empresa, tendo iniciado como trabalhadores terceirizados.

Eles saem às 4h30 da comunidade e chegam ao plantio às 6 horas quando iniciam o trabalho.

De acordo com um dos dirigentes sindicais entrevistados, na Biopalma são terceirizados os

trabalhadores nos serviços de alimentação e limpeza da área de plantio. A manutenção do

cultivo e a colheita são desempenhadas por trabalhadores diretos, contratados pela Biopalma.

Completou que a rotatividade dos trabalhadores assalariados oscila entre seis meses e dois

anos.

Apesar de não ter obtido ganhos financeiros com o cultivo do dendê, ele ainda

tem a expectativa de obter bons resultados em médio prazo, ou seja, uma renda de R$

3.000,00 por mês quando a produção estiver no pico, rendendo 100 toneladas ao ano, e disse

que “a partir de 2015 o dendê terá de se auto-sustentar, acaba o financiamento”.

Quanto aos impactos da atividade na região, o entrevistado soube que na época

do processo de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) visando o licenciamento

ambiental, não houve consulta à população nem audiência pública. Na opinião do agricultor,

as comunidades locais são afetadas negativamente restringindo, por exemplo, acessos por

terra a escolas e hospitais. Ouviu relatos de elevação recente dos índices de violência,

estupros e jovens que têm evadido das escolas, deixando as roças, a fim de trabalhar como

assalariados para as empresas. O trabalho na produção do dendê tem sido o primeiro emprego

para muitos jovens60 mas a jornada de trabalho e o ritmo intenso do cultivo têm impedido que

continuem estudando. Disse ainda que de um modo geral, é frequente o uso de agrotóxico na

plantação e que, por causa disso, a comunidade não consome mais água do igarapé devido ao

contato com a água que se acumula com as chuvas. Utiliza apenas a água do poço. Ele se

considera bem informado por técnicos da empresa acerca dos agrotóxicos e sua utilização,

que visitam mensalmente a propriedade do agricultor, verificando a produção e o uso de

adubos.

O entrevistado não é associado ao sindicato de trabalhadores rurais61 e

completou: “às vezes falto até com o [pagamento do] dízimo [da Igreja]”. Ainda não leu o

contrato assinado com a empresa, mas recorda-se da promessa de que a empresa instalaria

uma escola técnica para a comunidade e ofereceria plano de saúde, o que ainda está por

cumprir. Mas queixou-se, também, da ausência do poder público e de políticas públicas

voltadas para o atendimento dos moradores da região – serviços básicos, tais como dentista.

60 Fonte: Antônio Pedro (Secretário-Geral da FETAGRI Guajarina). 61 Referindo-se ao pagamento da taxa mensal paga ao sindicato.

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42

Em sua opinião, “os vereadores só vêm aqui pra pedir voto. Nossa comunidade é desprezada

politicamente”.

Atualmente a esmagadora da Biopalma está localizada em Moju. A produção

(cachos de dendê) é levada do Acará em containers, por caminhões, e o beneficiamento é

realizado apenas pela Agropalma.

Outro agricultor familiar entrevistado, também no Acará, informou que

existem 10 ou 11 agricultores familiares envolvidos no cultivo da palma no assentamento

onde mora. É fornecedor da Biopalma e iniciou a plantação na sua propriedade em 2011. A

empresa estabeleceu contato com os agricultores, enviando engenheiros para verificar, em

cada localidade, as possibilidades de êxito das plantações de dendê. O entrevistado afirmou

que ingressou no negócio ciente de que o início seria difícil, mas acredita que “do quinto ano

em diante [a situação] melhore”, quando a colheita estiver no pico. Ainda não analisou o

contrato com a empresa, assinado pela esposa, já recebeu a última parcela do financiamento,

mas não soube informar se possui alguma via dos laudos periódicos, encaminhados pela

empresa ao banco financiador, para a liberação das parcelas.

Os técnicos da empresa frequentemente fazem a vistoria em sua propriedade a

fim de verificar as condições do dendezal. Já teve que contratar três ou quatro trabalhadores,

pagos por empreitada ou meta, para realizar a colheita sendo que, da última vez, foi auxiliado

por um mutirão da igreja. Declarou que o plantio, se realizado em área de pasto, apresenta

menores custos do que quando há necessidade de queimada da capoeira (vegetação secundária

que cresce espontaneamente numa área desmatada)62.

Embora o adubo seja fornecido pela empresa, os custos estão incluídos no

valor financiado: cerca de 40% do financiamento é utilizado para o pagamento do adubo. Para

o correto manuseio, visto que se trata de um produto químico com teor tóxico, os agricultores

recebem treinamento por técnicos da empresa. Mas em relação ao uso dos equipamentos de

proteção, o agricultor afirmou que ainda não recebeu orientação – usa, no momento, apenas

chapéu e botas, mas deverá comprar as luvas para se proteger contra os espinhos do

dendezeiro. O projeto, segundo esclareceu, prevê uma verba para esta compra.

Em breve ele terá sua colheita e a empresa irá recolhê-la na sua porta, o que se

repetirá por dois anos, a partir dos quais ele mesmo deverá transportá-la. Espera que a sua

produção atinja 270 toneladas por ano e calcula que terá despesa de R$12.000,00 anuais com

adubo, ampliando-se do decorrer do tempo. Contou que nunca sofreu acidente de trabalho,

62 Fonte: Revista Pesquisa Fapesp (2002). Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2002/06/01/terra-sem-

fogo/. Acesso em: 18/10/2013.

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43

mas sente dores de cabeça pela exposição ao sol. O cultivo de roça teve de ser reduzido em

função do cultivo do dendê, que “dá muito trabalho”.

Esclareceu que a maioria dos moradores do assentamento está empregada

como assalariada na Biopalma. Os agricultores familiares, de uma maneira geral, não

usufruem de boas condições de trabalho e raríssimos são aqueles que possuem um trator.

Acha que a empresa deveria fornecer um trator ou que deveria existir uma linha de crédito

própria para a aquisição do equipamento. Ele mesmo se questiona como fará para carregar a

mercadoria; atualmente se utiliza o carro de boi e leva de dois a três dias para chegar ao

destino. Esta é sua maior crítica ao programa de biodiesel de dendê.

Na propriedade de outro agricultor familiar com contrato com a Biopalma, o

entrevistado confirmou ter sido “convidado” pela empresa a aderir ao programa de produção

do biodiesel de dendê. Com 65 anos de idade, foi um dos primeiros moradores da região,

nascido às voltas do igarapé, mora com a esposa numa casa de alvenaria e ambos são

aposentados.

Iniciou o cultivo do dendê há menos de três anos e já está na quarta colheita,

com mais de 410 quilos - 200 quilos a mais em relação a primeira colheita. Ocasionalmente,

duas ou três pessoas trabalham no cultivo de sua propriedade, quando é necessário adubar o

dendezal ou realizar alguma atividade específica, como a “coroa” (limpeza da área que

circunda o pé plantado). A manutenção do cultivo no dia-a-dia é feita somente por ele, que sai

às sete horas da manhã e retorna entre onze horas e meio dia, fazendo o percurso com uma

motocicleta.

Na época da colheita, paga uma diária de R$35,00 a R$40,00 para um vizinho

da comunidade cortar os cachos de dendê e, em seguida, ele recolher. Esse trabalho dura em

média dois dias, mas prevê que em breve, com o crescimento dos cachos, o trabalho será

intensificado. A produção é recolhida pela empresa em sua propriedade: um funcionário pesa

os cachos colhidos e entrega a ele uma nota com a pesagem. A Biopalma comprometeu-se

com a retirada e transporte das mercadorias até o final do prazo de pagamento das parcelas do

financiamento contraído pelo agricultor. Nesse caso, o pagamento deverá ter início em 2017.

O contrato com a empresa, segundo informações do técnico da empresa para o

agricultor, prevê o fornecimento das mudas e do adubo que será fornecido até o próximo ano,

quando deverá ser liberado outro montante para a compra de mais adubo e limpeza do terreno.

O entrevistado declarou, ainda, que antes de sair o financiamento pelo BASA, a Biopalma lhe

concedeu um empréstimo através de um banco para que ele já iniciasse o plantio – seria um

salário mínimo mensal pago a cada três meses, desde 2011, a última parcela será recebida no

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final do ano. O agricultor não é alfabetizado, por isso pediu a uma pessoa que lesse o contrato

para ele.

Ele teve orientação da empresa sobre técnicas corretas de cultivo. Depois disso,

a sua propriedade é vistoriada por técnicos da Biopalma cujo laudo é enviado para o banco

decidir sobre a liberação do financiamento.

O agricultor já cultivou pimenta - mas não cultiva mais - e atualmente planta

mandioca para consumo próprio, embora já tenha produzido para comercialização, e também

cria gado em sua propriedade. A produção de farinha foi reduzida com o cultivo do dendê

“porque é muito trabalho, [o dendê] dá muito trabalho”, mas ele planeja retomar a produção

para venda. De acordo com o agricultor, a empresa o orientou para que não interrompesse o

cultivo da roça, pois não há incompatibilidade com o cultivo do dendê.

Embora seja recente, o entrevistado orgulha-se do seu plantio, já está bastante

desenvolvido, e o gerente geral da empresa observou a rapidez com que os frutos

amadureceram – o tempo previsto para o início da colheita é de três anos, mas no caso, ainda

no segundo ano, os cachos já estão prontos para serem colhidos. No assentamento onde vive

também atuam no cultivo do dendê outros sete agricultores familiares.

Afirmou que ainda não foi informado pela empresa a respeito dos valores

monetários que deverão ser depositados em sua conta no banco, nem dos prazos para

recebimento, ou seja, não soube precisar quando irá receber por alguma das quatro colheitas

entregues, referentes a dois meses – calcula que receberá entre R$0,25 e R$0,30 por quilo de

dendê colhido. A definição do preço depende da cotação da commodity no mercado

internacional. Destacou que na próxima visita dos técnicos irá se informar melhor.

Quanto à renda obtida com o cultivo do dendê, o agricultor entrevistado

declarou que não é suficiente para o sustento da sua família: “o problema é que a gente gasta

muito roçando”. Os custos são elevados e o retorno está demorando. Acrescentou que a

equipe da empresa que o convidou para cultivar o dendê lhe disse que a partir do terceiro ano

do cultivo seria possível obter uma renda mensal de até R$2.000,00. Mas, apesar de estar

confiante quanto a isso, não acredita que esse valor será seu lucro líquido na medida em que

terá que cobrir algumas despesas do próprio cultivo. A sua expectativa é de que consiga ao

menos R$1.000,00 como lucro líquido. Ainda assim, comparativamente a outras culturas

(como a mandioca ou a pimenta) das quais se ocupava recentemente, ele acredita ser mais

vantajosa a produção do dendê.

No assentamento onde mora, já teve criação de gado, e contou que nos anos

1980, à época com 14 cabeças de gado, o pasto foi invadido e incendiado por um fazendeiro

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que queria se apropriar de uma grande área da região, justificando que a terra era do Estado.

Houve conflitos e homicídios – a história “daria um livro”, disse ele.

Os dirigentes sindicais, presentes na entrevista, lembraram os conflitos

históricos entre os poderosos fazendeiros do interior do Pará e os grupos de resistência

(envolvendo mais de 50 mil famílias). Comentaram o assassinato do presidente do Sindicato

dos Trabalhadores de Tomé-Açu, Benedito Alves Bezerra, o Benezinho, que lutava contra os

latifundiários e denunciava as perseguições contra posseiros, na região dos vales dos rios

Acará, Capim e Guamá, na década de 1980, considerada a mais violenta região da tríplice

fronteira do Pará, Maranhão e norte de Goiás – atualmente estado do Tocantins. Benezinho,

pai de sete filhos, foi assassinado em 5 de julho de 1984, às 14 horas, por três pistoleiros a

mando do fazendeiro Acrino Breda, por Cr$2.000.000,00, que se afirmava proprietário de

uma grande área de terra, incluindo a fazenda Colatina, onde viviam 70 posseiros instalados

há 20 anos. Os pistoleiros foram linchados pelo povo, que se concentrou em frente à

delegacia: um deles foi morto ao chegar à delegacia, acompanhado pelo delegado, e os outros

dois foram mortos horas depois. Os policiais deixaram o prédio, que foi incendiado, enquanto

algumas pessoas gritavam à porta: “Tomé-Açu não tem lei. As autoridades querem é

dinheiro”, outras: “O povo fez justiça com as próprias mãos” e uma liderança popular

entrevistada afirmava: “Eu culpo as autoridades competentes desse município, porque nunca

fizeram justiça; a tragédia que aconteceu aqui hoje, toda, eu coloco nas costas do INCRA”.

O mandante do crime nunca foi preso.63

Na casa do agricultor também estava presente um vizinho, de 22 anos, que

trabalhou por um ano na Biopalma como terceirizado, pela contratada DINIZ. Pai de dois

filhos, ele interrompeu os estudos na sexta série do ensino fundamental. Trabalhava no

plantio, às vezes na aplicação de veneno, mas não realizava uma atividade específica. Saía às

4 horas da manhã de casa, em um ônibus da terceirizada, para iniciar o trabalho às 6 horas. O

salário variava de acordo com a produção.

O trabalho era realizado sem os EPIs necessários. Disse que acidentes de

trabalho ocorriam e que os trabalhadores sentiam-se mal ao aplicar o veneno, mas não

recebiam qualquer atendimento, apenas interrompiam a aplicação e permaneciam aguardando

o horário do retorno. Segundo ele, os fiscais raramente comunicam às chefias esse tipo de

ocorrência, pois são orientados a não permitir interrupções na rotina de trabalho. Há situações

63 Fontes: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Videoteca Virtual Gregório Bezerra. Quem

Matou Benezinho? Documentário (1984). Disponível em:

http://www.armazemmemoria.com.br/cdroms/videotecas/mst/index.htm.

ALMEIDA, Rogério Henrique. “Territorialização do Campesinato no Sudeste do Pará”. UFPA, 2006.

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de ameaças e agressões físicas a trabalhadores que eventualmente, mesmo se por motivo de

saúde, venham a paralisar a dinâmica de produção.

Desde que encerrou o contrato com a empresa terceirizada, a sua carteira de

trabalho e a de outros colegas ainda não foram devolvidas, contrariando determinação

expressa pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)64. E, também, outros documentos que

comprovam o seu vínculo trabalhista como contracheques, por exemplo, foram retirados da

casa dele por um advogado, representante da empresa. Os entrevistados comentaram que a

empresa DINIZ abriu falência no município, mas está em funcionamento em outra cidade,

com outro nome. De qualquer maneira, neste caso, a Biopalma, é judicialmente responsável

pelo ocorrido – empresas terceirizadas são comumente contratadas por empreitadas e depois

dispensadas para, posteriormente, serem novamente contratadas.

No município de Concórdia do Pará, foi entrevistado um casal de agricultores

familiares que estão no plantio do dendê desde 2010. Vendem a produção para a Biopalma,

obtiveram a primeira colheita em agosto de 2012 e, desde então, a cada 15 dias colhem

novamente. A última colheita, em setembro de 2013, rendeu mais de 3 toneladas de dendê em

10 hectares plantados. Segundo eles, a safra tem crescido significativamente, já que no mês

anterior haviam colhido pouco mais de 1,3 toneladas.

A agricultora entende que o preço do dendê varia conforme a cotação da

commodity no mercado internacional (oscilando geralmente entre R$0,23 e R$0,27 o quilo),

mas disse que nunca foi informada sobre a cotação do mercado no dia do seu pagamento.

Segundo ela, o montante é simplesmente depositado na sua conta, a cada dois meses, embora

a colheita seja retirada quinzenalmente.

Eles receberam a última parcela do financiamento, paga a cada três meses, em

março de 2013. De um total de R$57.000,00, tendo recebido a primeira parcela em março de

2010, a agricultora calcula que tiveram um gasto de mais de R$8.000,00 em adubo.

Começarão a pagar o empréstimo ao banco em 2016.

O casal, que possui 12 filhos, também cultiva feijão, macaxeira, batata,

pimenta do reino, cria gado e frangos – na propriedade também possuem uma casa de farinha:

“Tem de fazer o cultivo da roça. E se der doença no dendê?”. Já trabalharam com banana,

coco e farinha, mas disseram que era difícil de vender. Em contrapartida, o dendê “tem

mercado e não tem despesa pra levar. A gente entrega na porta”. Jandira não soube precisar,

64 O artigo 53 da CLT prevê o pagamento de multa pela empresa que receber a Carteira de Trabalho e

Previdência Social para anotar e a retiver por mais de 48 horas. (Decreto-lei nº 229, de 28/2/1967).

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contudo, até quando a empresa irá a sua propriedade buscar a mercadoria e a partir de quando

ela será a responsável por conduzir a mercadoria produzida.

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4. TRABALHADORES ASSALARIADOS RURAIS

4.1 Oficina sindical com o Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais de Concórdia do Pará.

Na oficina, estavam presentes seis dirigentes sindicais, dos quais três são

mulheres. Disseram que no município de Concórdia do Pará duas empresas estão operando na

produção do óleo de dendê, a Biopalma e a Dendê do Tauá (a Dentauá).

Para a Biopalma trabalham, em média, 2 mil funcionários no Polo de

Concórdia. A categoria representada pelo sindicato é de assalariados rurais e terceirizados,

mas disseram, também, que os 25 a 30 agricultores familiares com contratos com a Biopalma

são indiretamente acompanhados pelo sindicato. Os terceirizados são 250 trabalhadores da

empresa prestadora de serviço que realizam atividades no campo, como adubação, química

(aplicação de pesticidas) e rebaixo (limpeza da área e manutenção do plantio).

Os dirigentes abordaram a relação entre os fiscais de campo das empresas e os

trabalhadores, afirmando que há reclamações destes contra alguns fiscais “alguns são

coerentes, trabalham sem passar por cima dos trabalhadores, mas outros encarregados

procuram se promover na empresa”, mesmo que usando de abusos de poder. Mencionaram o

caso de um trabalhador que se tornou diretor sindical e, ao questionar alguns procedimentos

adotados pela empresa, “descobriram que ele era diretor e ele começou a ser retaliado”, num

dos exemplos de práticas anti-sindicais.

Os fiscais que atuam no campo são responsáveis por 15 a 20 trabalhadores e o

coordenador de área (supervisor), responsável por 30 a 40 trabalhadores. Existem fiscais que

pressionam “mesmo” para cumprir a meta. Às vezes não é possível atingir a meta (70 pés por

dia para cada trabalhador, com o mato já cobrindo os pés do dendê), e o fiscal questiona o

trabalhador “porque não bateu a meta e se, o trabalhador reclamar, colocam ele de gancho”,

ou seja, em suspensão. Se o trabalhador estiver doente, às vezes é conduzido ao médico e às

vezes volta para casa; se não levam o atestado médico, alguns são penalizados por falta. Mas

há situações em que o trabalhador conversa com o fiscal, fala que precisa resolver algum

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assunto ou precisa ir ao médico e o fiscal pode liberar. Portanto, o êxito das negociações

depende do fiscal e da relação interpessoal entre o trabalhador e o fiscal.

A comunicação entre os trabalhadores e os fiscais é bem difícil, tendo em vista

que o perímetro sob a responsabilidade de cada fiscal é bastante amplo. Em caso de algum

acidente de trabalho, por exemplo, há demora em chegar o socorro. A Biopalma, nesse

sentido, acenou com a proposta de que os trabalhadores recebam um apito para se

comunicarem com o fiscal da área, mas a iniciativa, por ora, é apenas uma ideia. Entre os

fiscais, a comunicação é realizada com o uso de rádios. Ainda quanto à questão da saúde dos

trabalhadores, houve denúncias de que a empresa tem orientado o uso de soro caseiro no

intuito de combater a desidratação e as câimbras, que com frequência acometem os

trabalhadores de campo.

A respeito da relação entre a Biopalma e o sindicato, mencionaram que há uma

cláusula no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que prevê o acesso do sindicato ao local de

trabalho. Por exigência do gerente da Biopalma, a visita deve ser agendada previamente, mas

mesmo assim, segundo destacaram, na entrada há problemas com o pessoal da guarita

(terceirizado) devido à substituição dos seguranças a cada quinze dias. Resulta que os

seguranças não os conhecem e precisam solicitar a autorização no administrativo da empresa.

Quanto aos salários, informaram que o assalariado rural recebe remuneração

mais elevada se comparado ao salário auferido pelos terceirizados. Segundo o ACT, o salário

base dos trabalhadores diretos é de R$745,00 (mais hora in itinere, alimentação, café da

manhã e vale alimentação, em torno de R$200,00), enquanto os trabalhadores terceirizados

recebem apenas o salário mínimo – com os descontos, por exemplo, pela refeição servida no

local de trabalho, ao custo de R$5,00 por dia, chegam a receber entre R$400,00 e R$500,00

mensais. As horas in itinere são parcialmente remuneradas, no valor de R$62,00 segundo

estabelecido no ACT, valor este que para o sindicato estaria defasado, pois equivalente a um

deslocamento médio de 30 minutos a uma hora, referente àquele momento da primeira

negociação coletiva em 2011.

Logo que a empresa se instalou, boa parte dos trabalhadores era terceirizada e

havia cerca de 150 trabalhadores diretos, atualmente a maioria dos trabalhadores são direitos

– foram primarizados cerca de 90% de funcionários terceirizados.

A jornada de trabalho é realizada das 6 horas às 15 horas e o percurso das

frentes de trabalho até os refeitórios, à beira da estrada, onde é servido o almoço, pode levar

até 30 minutos para aqueles que desempenham suas atividades nas regiões mais afastadas.

Isto é, conforme salientaram, em muitas ocasiões resta pouco tempo para que o trabalhador

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possa, de fato, se alimentar e, além disso, nem todas as fazendas possuem refeitório, que ainda

não possui dimensões suficientes para atender a todos os trabalhadores em campo.

A maioria dos trabalhadores reclama muito da qualidade da refeição servida. O

assunto já foi discutido com a diretoria da empresa fornecedora, que alega a dificuldade de

cozinhar para mil a duas mil pessoas, que “é outra dinâmica de cozinhar, tem a ver a questão

do sabor e a nutricional, os requisitos nutricionais”. Disseram que existem dois refeitórios

separados, com alimentação diferenciada, embora servida pela mesma empresa fornecedora,

um, para o pessoal de campo e outro, para o pessoal administrativo: “é uma questão de

preconceito contra a categoria”. Os banheiros disponíveis, quando existem, são as

instalações químicas, apenas para as mulheres, “os homens têm que fazer suas necessidades

no mato”.

Por se tratar de um trabalho muito pesado, os dirigentes destacaram a

dificuldade de permanência dos trabalhadores por mais de cinco anos no serviço. Acham que

os trabalhadores deveriam poder se afastar da atividade por um tempo para descanso, com a

garantia do salário. Comentaram, a título de exemplo, que em negociações urbanas existem

cláusulas de licença-prêmio, para servidores públicos, segundo as quais a cada cinco ou dez

anos o trabalhador tem direito de um a três mês meses de afastamento, com assegurado

salário: “Nós poderíamos entrar num acordo que, após determinado tempo, o trabalhador

pudesse se afastar por um mês com o salário garantido, para recuperar as energias; nós

poderíamos fazer esta proposta”.

Sobre o registro na carteira de trabalho, os entrevistados comentaram que os

trabalhadores de campo são registrados pela Biopalma como rural palmar, também

denominado volante. Trabalham em várias atividades (multifuncionalidade) como rebaixo,

poda, colheita e adubação. Outras funções específicas como, tratorista, químico, fitossanitária

(que cuida do controle de pragas), etc, são realizadas por profissionais de nível técnico.

Quanto aos contratos de trabalho, os dirigentes sindicais afirmaram não ter acesso ao

documento e desconhecem, portanto, os termos em que ele é firmado.

O uso dos equipamentos de proteção individual (EPI) é regulamentado – “a

empresa [Biopalma] presa muito [quanto a] a questão de usar EPI; se não tiver, não

trabalha” –, mas a qualidade dos uniformes e equipamentos (óculos, chapéu, luvas, etc.) dos

trabalhadores terceiros é pior do que a dos trabalhadores diretos. Todas as empresas, inclusive

as terceirizadas, têm CIPA: “não funciona, mas tem”. Na função que envolve o uso de

agrotóxicos na plantação, o funcionário deve estar equipado com todas as roupas adequadas

para a proteção completa do corpo, os EPIs próprios à função, como capas e máscaras. No

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entanto, disseram que no processo de borrifação, os trabalhadores volantes (ou rural palmar)

que lidam diretamente com o cultivo permanecem expostos, sem a proteção necessária. Além

disso, os trabalhadores de campo não são submetidos a exames de saúde periódicos.

Caso o trabalhador apresente mais de dois atestados médicos, é penalizado pela

empresa com a suspensão do vale-alimentação. Esse assunto, presente em cláusula do acordo

coletivo, será discutido, de acordo com os dirigentes entrevistados, na próxima negociação

com a empresa. O recebimento do salário para os trabalhadores novatos, até o terceiro mês de

contratação, é outro problema, pois enquanto não chega o cartão, o recebimento precisa ser

feito diretamente na agência bancária da cidade, no horário de serviço – são cidades no

interior do Pará, com poucas agências disponíveis e estrutura deficitária.

Outra questão relevante abordada pelos dirigentes refere-se aos benefícios

previdenciários, a aposentadoria e a possibilidade de um regime especial de aposentadoria65,

condicionados ao devido preenchimento de relatório elaborado pelo setor de Saúde e

Segurança do Trabalhador da empresa, a partir do controle das condições de trabalho às quais

os trabalhadores estão expostos, e comunicado ao Ministério da Previdência Social.

Sobre a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a direção da

empresa indica seus representantes e os trabalhadores elegem seus membros, paritariamente,

conforme prevê a legislação brasileira. Consideram que não há transparência no processo de

eleição, no caso da Biopalma: “eles mandam um ônibus e nós nem sabemos se a pessoa que

está votando é empregada, nós somos convidados a acompanhar o processo apenas no dia da

eleição”.

A respeito dos termos do contrato assinados entre empresas (Agropalma,

Petrobras e Bioenergia) e agricultores familiares da região de Concórdia do Pará, dirigentes

revelaram tomar conhecimento apenas recentemente, de modo extraoficial: “Descobrimos

que era tudo por conta do agricultor, desde o financiamento até o fim do contrato, tudo era

sua obrigação e a empresa não tinha que fazer nada. Nós começamos a questionar e pedimos

que a empresa fornecesse as mudas para os agricultores. (...) Depois de bater e bater a

empresa começou a afastar o sindicato, querer tirar o sindicato da jogada. (...) Eles

começaram a ir direto aos agricultores e a falar que o sindicato estava contra, que não

queria os contratos, ‘que não queria o progresso’ (...)”. No entanto, os sindicalistas

65 Aposentadoria especial é um “Benefício concedido ao segurado que tenha trabalhado em condições

prejudiciais à saúde ou à integridade física. Para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador deverá

comprovar, além do tempo de trabalho, efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou

associação de agentes prejudiciais pelo período exigido para a concessão do benefício (15, 20 ou 25 anos).”

Fonte: Ministério da Previdência Social. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/ouvidoria-geral-da-

previdencia-social/perguntas-frequentes/regime-geral-rgps/. Acesso em: 07/11/2013.

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afirmaram estar acompanhando e orientando os agricultores familiares, por conhecê-los

pessoalmente, e avaliam que, dos cerca de 30 projetos atuais, aproximadamente 20% deles

estão caminhando bem, enquanto outros estão com problemas relacionados à questão da

monocultura. A possibilidade da cultura consorciada está sendo estimulada, com a presença

dos técnicos da EMBRAPA e dirigentes da FETAGRI, bem como dos sindicatos locais,

empenhados nesse sentido.

Sobre ações trabalhistas contra as empresas, movidas por trabalhadores

envolvidos no processo de cultivo do dendê, os dirigentes sindicais pontuaram que há alguns

casos e os sindicatos têm sido comunicados – citaram a retenção de carteiras de trabalho e o

não recolhimento dos encargos trabalhistas. Porém, enfatizaram que existem inúmeros outros

casos em que os trabalhadores sequer comunicam ao sindicato as violações de seus direitos.

Comentaram o caso de um trabalhador que, em processo de homologação, na rescisão do

contrato recebeu o pagamento de R$22,00 por 30 dias trabalhados. “Nós o orientamos a

procurar um contador e verificar o porquê do recebimento do valor equivalente a apenas um

dia trabalhado e, se mesmo assim não conseguisse resolver, procurar o Ministério do

Trabalho” – tendo em vista que o sindicato ainda não oferece assistência jurídica e

encaminha diretamente as reclamações ao MTE.

Há a expectativa de que a RS deixe de atuar como prestadora de serviços para a

Biopalma até maio de 2014, o que deixará aproximadamente 300 trabalhadores necessitando

de orientação jurídica. Outra situação problemática refere-se ao não recebimento, por cerca de

300 trabalhadores, das verbas rescisórias relativas ao contrato de trabalho com uma empresa

terceirizada pela Biopalma, a Nazaré. Esta empresa declarou sua falência e a Biopalma

“contratou” diretamente 90% destes trabalhadores. “Achamos que se a terceirizada não

pagou é obrigação da empresa-mãe (Biopalma) pagar os direitos e estamos tentando fazer

um acordo para que a empresa pague”. Os sindicalistas estão fazendo um levantamento de

quantos e quais são os trabalhadores nesta condição e irão encaminhar um documento à

Biopalma, solicitando o devido pagamento. Um obstáculo, contudo, consiste no medo de

represálias aos trabalhadores empregados, por parte da empresa.

Também houve a denúncia de que trabalhadores teriam sido ameaçados por

representantes da Biopalma, coagidos a não abrirem processo na justiça trabalhista, sob pena

de jamais voltarem a ser contratados na cidade local ou em qualquer outro município. Aliás, o

trabalhador que tenha movido processo na justiça trabalhista contra qualquer uma das

empresas no cultivo do dendê, são descartados imediatamente ao se candidatarem a uma nova

vaga de emprego em outra empresa. A elevada rotatividade também foi comentada, tendo em

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vista a pouca permanência dos trabalhadores na empresa, de seis meses a um ano. Todas as

rescisões contratuais decorrentes, no entanto, estão sendo realizadas sem a anuência do

sindicato em Concórdia do Pará, que não possui a carta sindical e, portanto, não participa das

homologações, encaminhando a responsabilidade à FETAGRI como órgão representativo de

classe.

4.2 Assalariados Rurais – Condições de Trabalho

Como vimos anteriormente, além da agricultura familiar, a atividade de cultivo

da palma de dendê é desenvolvida, também, por trabalhadores contratados diretamente pelas

empresas e por terceirizados. Tendo em vista o tipo de contrato que estabelecem com as

empresas - com carteira assinada, portanto, submetidos a legislação trabalhista - consideramos

importante analisar as condições de trabalho dos assalariados rurais, envolvidos nessa

atividade - ou rural palmar, conforme são enquadrados - com foco nos temas do trabalho

decente.

a. Oportunidades de emprego

Os/as trabalhadores/as assalariados rurais que trabalham em projetos da palma

de dendê são enquadrados na função de rural palmar. Dos 25 trabalhadores ouvidos, 10 são da

empresa Agropalma, 10 da empresa Biopalma/Biovale e 05 das empreiteiras (Norte Palma e

FO) que prestam serviço para a Belém Bio Energia/Petrobrás. Destes, 20 homens e 05

mulheres, ficando a faixa etária dos entrevistados entre 18 a 45 anos.

Em relação à escolaridade, do total de entrevistados/as, poucos tem o segundo

grau (ensino médio) (1 afirmou ter concluído o segundo grau e 2 estão cursando), sendo que

os demais trabalhadores tem o ensino fundamental incompleto (de 4ª a 7ª série). O “trabalho

exaustivo” foi citado por trabalhadores como justificativa para não continuarem os estudos. “a

gente chega do campo muito cansado e temos que dormir cedo para acordar de madrugada,

então, não dá para ir pra escola, não dá para estudar, não temos condição física”, ressaltou

um trabalhador. A baixa escolaridade dos trabalhadores assalariados é uma realidade que

preocupa as entidades sindicais. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de

Tailândia está discutindo uma parceria com a Universidade Federal do Pará, para um projeto

acelerado de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A empresa Agropalma também incentiva a

elevação da escolarização dos trabalhadores, premiando a quem quer estudar.

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O número de trabalhadores do sexo masculino nas empresas pesquisadas, que

atuam na área agrícola (campo) fica em torno de mais de 80%, ficando o sexo feminino com

uma representação de no máximo 20%. A empresa Biopalma tem 13,5%66 da mão de obra

feminina, (do total de 5000 trabalhadores), nas atividades agrícolas (viveiros de mudas e

coleta de frutos soltos) e na indústria (onde é feito a extração do óleo). Na Agropalma, a mão

de obra feminina é empregada no campo (como coletoras de frutos), no setor de RH, tendo

ainda a primeira mulher operadora de trator. Das atividades agrícolas exercidas por esses

trabalhadores(as), destacam-se: plantio, manutenção, carreamento dos frutos, coleta de frutos soltos,

até a colheita.

Dos(as) trabalhadores(as) entrevistados(as), os assalariados das empresas

Biopalma e Agropalma, tem em média 04 meses a 06 anos de tempo de serviço, sendo

muitos oriundos de empresas terceirizadas. Já os trabalhadores ouvidos, que prestam serviço

para a Belém Bio Energia/Petrobrás, todos são terceirizados, contratados pelas empresas

Norte Palma e FO, com tempo de serviço entre 4 meses a 1 ano.

Segundo informações das empresas, de dirigentes sindicais e dos trabalhadores,

mais de 60% dos trabalhadores assalariados, são oriundos da região e/ou municípios onde

estão instaladas as empresas (ou os polos, como no caso da Biopalma e Petrobrás), com um

percentual menor (em torno de 35%), de outros municípios do Pará ou outros estados (Piauí,

Maranhão, entre outros). A maioria reside nos municípios onde estão localizados os projetos

de dendê, sendo que àqueles/as que são de outros estados ou de municípios mais distantes

(como Santarém), moram em abrigos fornecidos pela empresa, como no caso da Agropalma.

Na Cláusula 12ª do ACT/2011-2012 firmado entre a Biopalma e a FETAGRI, referente á

moradia, “fica assegurado alojamento gratuito para os empregados que residem sem família

nas localidades abrangidas por este Acordo Coletivo de Trabalho”.

Os trabalhadores entrevistados, assim como os dirigentes ouvidos, afirmaram

ainda existir trabalho terceirizado. Nas empresas Biopalma e Agropalma, segundo

informações de gestores, são mantidos contratos com empresas terceirizadas na prestação de

serviço de alimentação, alimentação, transporte e segurança. Em março de 2013 a Biopalma

da Amazônia firmou um termo de ajuste de conduta (TAC)67 com Ministério Público do

Trabalho (MPT), o qual prevê a absorção de toda mão de obra terceirizada pela respectiva

66 Dados fornecidos por diretores da Biopalma/Biovale, durante entrevista realizada no dia 17/10/13, no escritório da

empresa, em Belém/PA. 67 Informações acessadas no:

http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/noticias/conteudo_noticia/!ut/p/c4/04_SB8K8xLLM9MSSzP

y8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwN_E3cjA88QU1, em 07/11/13

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55

empresa, e que não seja estabelecido novos contratos com terceirizadas ligados diretamente às

suas atividades-fim. Foi estabelecido um prazo de transição 17 meses para a empresa

implantar, em definitivo, as medidas.

Segundo o secretário de assalariados rurais do STTR de Tailândia, existe na

região em torno de 2.200 (dois mil e duzentos) trabalhadores assalariados, de empresas

terceirizadas68, que prestam serviço para a Belém Bio Energia/Petrobrás. Além da alta

rotatividade, no verão (onde a produção é maior, período de pouca chuva), trabalham por

meta. Segundo trabalhadores e dirigentes sindicais, há muitas diferenças nas condições de

trabalho entre os trabalhadores (as) diretos e os terceirizados, “sendo garantido pouco ou quase

nenhum benefício aos trabalhadores”, enfatizou o presidente do sindicato de assalariados

rurais do Mojú, principalmente em relação a benefícios sociais.

Dos entrevistados, quase todos os trabalhadores da Biopalma e Agropalma

disseram que antes de terem sido contratados pelas respectivas empresas, foram funcionários

de empreiteiras/ terceirizadas. Já os que prestam serviço para a Belém Bio Energia, na

atividade agrícola, todos ainda são de empresas terceirizadas, segundo informações de

dirigentes sindicais e trabalhadores. Apenas um dos entrevistados afirmou ter sido admitido

pela empresa mais de uma vez, “depois de um tempo, peço demissão, vou ver a família no

Maranhão, depois retorno; como sempre tem vaga na empresa, consigo novamente

emprego”, relatou o trabalhador.

b. Jornada de trabalho

A jornada de trabalho dos assalariados rurais (diretos e terceirizados) no campo

é de 44 horas semanais, 8 horas/dia, de segunda a sexta e 4 horas no sábado, com intervalo de

01 hora para o almoço. Porém, há diferenciação por empresa, quanto aos horários de trabalho,

como, por exemplo:

BIOPALMA: trabalham de segunda a sexta de 06h00 as 15h45 (almoço, 11h00 às

12h00), no sábado de 06h00 as 10h00 (no campo).

AGROPALMA: 06h10 as 15h00, segunda a sexta e 6h10 às 11h00 no sábado (antes

trabalhavam de 6h20 até às 14h50, de segunda a sábado). Porém, os trabalhadores

68 Foram mencionadas pelo secretário de assalariados rurais do sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais - STTR de

Tailândia, sete (07) empresas como: Gersa, DJ Gama, DSTefans, Alves Leite Serviços, Souza Queiróz, Terra

Planejamento, GN Empreendimentos.

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56

entrevistados dizem que para eles não mudou nada, pois “diminuiu uma hora no

sábado, mas, aumentou meia hora a mais durante a semana”.

TERCEIRIZADAS/BELÉM BIO ENERGIA: Nas fazendas (como são chamadas as

áreas de plantio de dendê da Belém Bio Energia), o horário de trabalho funciona de

06h30 às 15h30 (almoço, 11h30 às12h30).

O transporte é disponibilizado pelas empresas (previstos nos ACT’s), que

apanha os trabalhadores em rotas e/ou pontos específicos, tendo a responsabilidade de garantir

um transporte seguro e de qualidade, conforme descrito na Cláusula 15ª, Parágrafo primeiro

(ACT Biopalma e FETAGRI, 2011-2012): “a concessão de transporte pela empresa

representa uma oferta de transporte seguro e confortável para que os empregados possam ir

aos locais de trabalho e deles retornar”, porém, não caracterizando horas in itinere.

Em relação à jornada de trabalho os trabalhadores disseram, ainda, “haver

discriminação entre quem trabalha no campo e quem trabalha na base (escritório) porque

estes últimos só trabalham até sexta-feira”.

Quanto ao horário de almoço/descanso, os trabalhadores da Biopalma

ressaltaram que gastam mais de 30 minutos para se deslocarem até os abrigos onde fazem as

refeições/almoço, não dando tempo para descanso, “quando terminamos de almoçar já é hora

de retornar ao local de trabalho”, destacou um dos entrevistados, com concordância dos

demais.

d. Salários adequados e trabalho produtivo

Em relação às faixas salariais, dos trabalhadores assalariados, os resultados

encontrados junto aos trabalhadores, empresa e dirigentes sindicais foram:

Na Biopalma, o salário base é de R$ 745,00 (mencionado por trabalhadores

entrevistados). O piso salarial é de R$ 675,00 (a partir de 01/02/2012, Cláusula 3ª ACT). Não

tem hora extra, mas, sim, excedente de produção (VER ACT). Ganham R$ 24,50/dia, na

carteira (se fizer todas as parcelas, cumprir a meta diária). Os benefícios sociais, mencionados

pelos trabalhadores entrevistados e por alguns dirigentes são: vale alimentação (Visa Vale) no

valor de R$ 200,00, plano de saúde. O direito ao vale alimentação é condicionado a um

número de faltas sem justificativas (3 faltas leva a suspensão do cartão). Um trabalhador

relatou que faltou por motivo de doença (dois dias) e, como o cartão do banco não havia sido

entregue, precisou ir na boca do caixa para receber o salário, tendo que faltar serviço.

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57

Resultado: teve seu cartão alimentação suspenso (por ter 3 faltas, mesmo levando atestado

médico dos dois dias em que esteve doente).

Os trabalhadores da Biopalma disseram não haver uma meta de produção fixa,

“quanto mais tempo o trabalhador vai ficando na empresa, a meta é aumentada, sendo uma

forma de pressionar o trabalhador a pedir demissão”. Segundo os entrevistados, no rebaixo,

a meta é de 180 plantas/dia, tendo que fazer 12 linhas/dia (cerca de 30 ha/dia). A meta da

empresa (na carteira) é de 300 cachos/dia (equivale a duas linhas/parcelas por dia, que tem

entre 60/80 palmeiras). Os trabalhadores dizem que “é impossível cumprir essa meta diária”.

Na colheita uma média de 5 a 8 pessoas trabalham nas parcelas (média de 30 ha). No período

de experiência (90 dias) o trabalhador passa os três meses no rebaixo, adubação, química,

poda, colheita e carreamento (por todo o processo produtivo da atividade agrícola).

Na Agropalma o salário base é de R$ 695,00 (na carteira), com o excedente da

produção tiram em torno de R$ 300,00/400,00 (média) por mês, chegando a receber de R$

900,00 a 1.000,00/mês (máximo), no período da safra (meses de outubro a dezembro). A meta

na carteira, para as coletoras de frutos, é de 03 sacos de frutos (de 80 kg cada), o que passar

desse total é considerado excedente da produção - no caso das coletoras, tem que andar 8 ruas

(com uma média de 70/80 palmeiras cada) para conseguirem encher um balde de frutos, mas

há variação de plantio; na entressafra cai bastante esse excedente, tiram pouco mais que o

salário base. Segundo os entrevistados, se o trabalhador não atingir a tarefa diária, no final do

mês ele recebe o salário (base) com desconto. Se a pessoa se acidentar, e ficar sem condição

de trabalhar, cumprir sua meta/tarefa diária, ela recebe só o salário base ao final do mês.

O salário base dos trabalhadores das empresas terceirizadas (empresa Norte

Palma e FO), que prestam serviço para a Belém Bio Energia/PETROBRAS é de R$ 678,00

(sem incluir a produção excedente). Segundo os entrevistados a meta diária é fazer 450

plantas. O trabalho no viveiro de mudas é feito por mulheres, em dupla, onde uma capina

(com enxada) e a outra vai enchendo um saco de 20 kg de terra, com a pá (enchem cerca de

290 sacos/dia). “Passei três meses nessa área, onde no primeiro dia eu enchi 916 sacos. A

meta da carteira era 450 sacos/dia, mas, ninguém consegue bater a meta. Conseguia fazer no

máximo 300, nunca consegui bater a meta, ninguém consegue”, ressaltou uma trabalhadora.

A alimentação dos(as) trabalhadores(as) das três empresas é fornecida por

empresas terceirizadas69. A qualidade da alimentação foi um ponto bastante destacado nas

falas dos(as) trabalhadores(as). Segundo os trabalhadores entrevistados, a alimentação não é

69 GR foi a empresa terceirizada (mencionada) que fornece a comida para os trabalhadores da Agropalma. Para os

trabalhadores da Belém Bio Energia quem fornece são as próprias terceirizadas que os contrataram (FO e Norte Palma).

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de boa qualidade, “às vezes a comida vem crua, nem porco comeria”, comentou um

entrevistado.

Para os trabalhadores da Biopalma e das terceirizadas, a qualidade da

alimentação ainda é ruim, tendo sido relatados casos de comida quase crua, “pior do que

comida servida para porcos”, disseram alguns trabalhadores. Em alguns casos, após várias

reclamações feitas por trabalhadores, “a alimentação melhorou, vem em uma marmita

térmica”, disse um dos trabalhadores da FO (terceirizada da BBE/Petrobrás). No caso da

Agropalma, os trabalhadores disseram que houve melhora na comida fornecida, sendo

ressaltado que “antes era ruim, mas depois de várias reclamações dos trabalhadores e

reivindicações de melhoria, com o apoio do sindicato, houve uma melhora”.

Na Agropalma, há um desconto para alimentação (opcional). O trabalhador

que optar por almoçar e jantar, é descontado R$ 134,00/mês do seu salário. Para quem faz

apenas uma refeição o desconto é de R$ 90,00/mês – a maioria dos trabalhadores que moram

nos alojamentos da empresa, opta pelo desconto. Já, quem não concorda com o desconto trás

sua refeição de casa. A empresa fornece aos trabalhadores do campo, café com leite e pão

(logo que chegam), sem haver desconto no salário. Não há nenhum lanche, nem um pequeno

intervalo. Os trabalhadores entrevistado dizem que “se tivesse isso um pequeno intervalo e

lanche fornecido pela empresa, entre o café da manhã e o almoço, ajudaria muito”, pois

durante este período se alimentam apenas de água70, enfatizando que, em decorrência de

ficarem expostos ao sol e/ou ao alto calor, durante a realização de suas atividades, “bebem

tudo [4,5 litros] e sentem falta de mais água”.

Das empresas terceirizadas que prestam serviço para a Belém Bio Energia, a

Norte Palma desconta R$ R$ 84,00/mês de cada trabalhador (desconto não é opcional), para

alimentação. O desconto (opcional) no salário do trabalhador para alimentação, feito pela FO,

é de R$ 100,00/mês. Nos dois casos, as empresas que fornecem comida são das próprias

terceirizadas, segundo informações dos trabalhadores entrevistados.

e. Estabilidade e garantia no trabalho

Dos trabalhadores entrevistados da Biopalma, todos tem carteira assinada, na

função de rural palmar (isso permite que o trabalhador seja remanejado para diversas

atividades de campo, conforme necessidades da empresa). Segundo relato de trabalhadores,

“nos três primeiros meses de trabalho, a carteira é assinada como período de experiência.

70 Os(as) trabalhadores(as) da Biopalma, Agropalma e das empresas terceirizadas que prestam serviço para a Belém Bio

Energia, recebem uma garrafa térmica de 4,5 litros, para transportarem água, que é levada da casa deles.

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59

Quando termina a experiência a empresa troca o serviço/atividade, indo o trabalhador para

outro período de experiência, ou seja, o trabalhador nunca sai do período de experiência”,

destacou um entrevistado.

Segundo trabalhadores e dirigentes entrevistados, a rotatividade de

trabalhadores assalariados é muito grande, devido o trabalho exaustivo. “Muitos não

aguentam o ritmo de trabalho e pedem demissão”, enfatizou um trabalhador entrevistado.

Disseram ainda que há desvio e/ou acúmulo de função, nas atividades desenvolvidas no

campo.

Os trabalhadores terceirizados que prestam serviço para a Belém Bio

Energia/Petrobrás, também são contratados como rural palmar, onde exercem as várias

atividades desde a manutenção da área até a aplicação de produtos químicos (o trabalhador

passa por um treinamento na fazenda, de 48 horas, onde são dadas orientações de como

aplicar herbicidas, os riscos, etc).

Muitos trabalhadores, tanto da Biopalma como da Agropalma, já foram

funcionários de empresas/empreiteiras que prestavam serviço para as respectivas empresas.

A Agropalma e Biopalma, segundo informações de diretores das respectivas

empresas e, de dirigentes sindicais, mantém contratos com empresas terceirizadas apenas nos

serviços de alimentação, transporte, segurança (nas atividades meio), em conformidade com

ajustes firmados junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), onde foi definido prazos

para as empresas citadas, finalizarem os contratos com as empreiteiras (nas atividades-fim).

f. Equilíbrio entre trabalho, vida familiar e lazer

Os trabalhadores(as), assalariados rurais, que trabalham no campo só tem folga

aos domingos ou feriados, sendo este o único tempo disponível para família ou para

atividades na comunidade, sendo justificado que o horário destinado ao trabalhão “é muito

cruel, porque saímos pela madrugada e, retornamos no final do dia muito cansados,

dormimos pouco, quase não vemos mais a família, filhos, etc”, ressaltou um trabalhador,

sentimento que foi expressado também por uma trabalhadora “a gente passa mais tempo

dentro do mato do que com nossas famílias”, enfatizou uma trabalhadora.

Em relação ao tempo médio de deslocamento, do local de moradia até os locais

e trabalho (campo), os/as trabalhadores/as gastam em média entre 3 a 4 horas por dia.

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60

BIOPALMA: O trabalhador sai de casa por volta de 03h00/04h00 da madrugada, para

pegar o ônibus (no porto do Acará) as 05h00. Retornam do campo por volta das

16/17h00. Afirmaram gastar em média 3 a 4 horas/dia no deslocamento para o trabalho

(ida/volta). As horas in tineres “corresponde ao tempo gasto no deslocamento (ida e

volta) entre o portão de entrada da EMPRESA até o local de assinatura do ponto

diário” (Parágrafo Terceiro/ACT 2011-2012). Os trabalhadores ganham 30 (trinta)

minutos diários como hora normal acrescido de 50% (cinquenta por cento) sobre o

salário base a título de transação de horas in itinere. Segundo os trabalhadores, ganham

em torno de R$ 2,00/dia.

AGROPALMA: O trabalhador pega o ônibus por volta de 04h00/04h30 da

madrugada, para estar no campo às 06h10. Retornam para casa entre 16h00/17h00.

Pelas horas in itinere recebem R$ 116,00 (acordado no ACT), o que corresponde a um

valor médio de R$ 4,00/dia, além do descanso semanal remunerado.

TERCEIRIZADAS/BELÉM BIO ENERGIA: Saem de casa para pegar os ônibus

por volta das 03h00 (madrugada), para começar o trabalho às 06h30. Não recebem por

horas in tineres e nem o descanso semanal remunerado.

g. Liberdade sindical

Todos(as) os trabalhadores(as) entrevistados(as) disseram que são

sindicalizados(as) e, que há uma boa relação do sindicato71 com os trabalhadores. Sobre

participação sindical, disseram não haver retaliação por parte da empresa Agropalma, para

quem queira se associar ao sindicato. Já em relação às empresas Biopalma e terceirizadas

(ligadas a Belém Bio Energia/Petrobrás), os trabalhadores disseram não haver diretamente

retaliação, porém, alguns fiscais e/ou supervisores intimidam trabalhadores que tem uma

ligação mais próxima com o sindicato, sobretudo, aqueles/as que têm liderança junto aos

trabalhadores.

71 Os trabalhadores assalariados rurais da Biopalma são representados pelos sindicatos de trabalhadores rurais de: Acará,

Concórdia do Pará, Tomé Açú, Abaetetuba e do sindicato de assalariados rurais de Mojú; Os trabalhadores da Agropalma

são representados pelo sindicato de trabalhadores rurais de Tailândia, onde, do total de 7000 assalariados rurais, todos

associados, 5.118 são funcionários da Agropalma, segundo informação do sindicato. A empresa informou que somente no

campo/produção agrícola tem 3.100 trabalhadores. Os trabalhadores terceirizados, que prestam serviços para a Belém Bio

Energia/Petrobrás, são representados pelos sindicatos de trabalhadores rurais de Tailândia, Tomé Açú e de outros municípios

de abrangência dos projetos da empresa.

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61

Sobre o acesso de dirigentes sindicais nos locais de trabalho, é garantido

livre acesso aos dirigentes sindicais, desde que comuniquem com antecedência. Na Biopalma

o acesso às dependências da empresa, para contato com os trabalhadores é garantido “desde

que se designe um acompanhante da Empresa, a fim de resguardar as finalidades previstas

em lei, sendo vedado tratar de assuntos de conotação político-partidário” (CLÁUSULA

TRIGÉSIMA - DO ACESSO AOS DIRIGENTES SINDICAIS/ACT 2011-2012).

Segundo trabalhadores da Agropalma, a empresa não impede o trabalhador de

se associar ao sindicato, assim como, participar das atividades sindicais, “a empresa libera

para reuniões, assembleias” afirmaram trabalhadores entrevistados. Geralmente são feitas

reuniões no espaço da empresa, por departamentos ou áreas, com os trabalhadores, resultando

em soluções de vários problemas ou, em propostas para melhoria das condições de trabalho.

Outro exemplo dado foi o resultado da paralisação ocorrida em agosto/201372, por melhores

condições de trabalho, a qual foi iniciada por um grupo de trabalhadores e, ao final, contou

com o apoio do sindicato, resultando na diminuição do horário de trabalho no sábado (antes

trabalhavam até 15h00, agora até 11h00, sendo 4 horas de trabalho diluídas durante a

semana). A expectativa dos trabalhadores(as) entrevistados é de que, “as reivindicações feitas

na ultima greve, ocorrida em agosto/2013, sejam concretizadas”. Segundo o secretário de

assalariados rurais do STTR de Tailândia, em cima da paralisação (que surgiu na empresa,

sem participação do sindicato) foi criada uma nova pauta de reivindicações, com 17 pontos (já

estava sendo negociada pelo sindicato uma pauta com 14 pontos, dos quais, já tinham sido

conquistados 13, ficando pendente apenas a questão da alimentação, para ser pensada

posteriormente a viabilidade). O sindicato tomou a frente e sentou com a direção da empresa,

para discutir algumas vantagens para os trabalhadores, como: bônus alimentação, plano de

saúde (extensivo para a família), redução de tarefas na carteira, vale alimentação, desconto de

20% para quem almoça e janta e 13% para quem janta, entre outros.

h. Tratamento digno no emprego

Foram relatados casos de assédio moral (ocorridos com trabalhadores da

Biopalma e de empresas terceirizadas), de fiscal e/ou gerente que usam palavrão ou

xingamento com trabalhadores que adoecem ou questionaram as condições de trabalho.

72 Em agosto de 2013 os trabalhadores da empresa Agropalma paralisaram suas atividades (por cinco dias), reivindicando

reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Uma das ações foi a interdição da Rodovia PA-150. Informações

acessadas no site: http://www.tailandiapara.com.br

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62

Relataram um caso em que, um trabalhador ao questionar as condições de trabalho, o fiscal o

xingou e, em seguida fez elogios à empresa, “dizendo que ela é boa, que dá refeição, café e,

portanto, o trabalhador tem que agradecer a Deus por estar em uma empresa boa”;

Segundo os trabalhadores entrevistados, a relação de trabalho das chefias

(supervisores e/ou fiscais) com os trabalhadores, poderia melhorar. Opinaram que os chefes

deveriam acompanhar as suas equipes nos ônibus, para saber ouvir os problemas e/ou

reivindicação dos trabalhadores e, levar até as gerências específicas e/ou geral, se

compromete a buscar solução aos problemas, pois “os fiscais que não tem uma boa relação

com sua equipe, os problemas são muitos”, ressaltou um dos entrevistados.

Ainda, segundo os trabalhadores(as) entrevistados(as), “há muita cobrança por

parte da empresa e poucas melhorias para os trabalhadores” – eles(as) citaram muito

melhorias de condições de trabalho e de benefícios sociais, como plano de saúde, ticket

alimentação, entre outros.

Dos problemas relatados pelos trabalhadores(as), destacam-se: as metas de produção

estipuladas, a jornada de trabalho, as condições de trabalho e o trabalho exaustivo, além do

acúmulo de atividades, desenvolvidas pelo rural palmar.

i.Trabalho seguro

Os trabalhadores ouvidos afirmaram ter recebido orientações básicas (no

momento da contratação) sobre medidas de proteção (como utilizar os EPI), e dos riscos

relacionados com o seu trabalho, porém, dizem não se sentir muito informados, sobretudo,

dos perigos relacionados à aplicação de herbicidas nas plantações de dendê. Para os que

trabalham com produtos químicos (aplicação de herbicida/agrotóxicos nos plantios de dendê),

há um curso (48 horas) em algumas empresas, sobre como aplicar o produto, utilizar os

equipamentos de proteção (tem um EPI próprio) e os riscos à saúde, “porém, quem trabalha

perto da aplicação da química, absorve o que fica no ar, não tem proteção adequada e nem

orientação”, cursos de ambientação (12 horas).

Em relação a treinamento sobre saúde e segurança, trabalhadores da

Biopalma informaram que não tiveram treinamento e que, em caso de acidente no local de

trabalho (campo), recorrem ao fiscal que encaminha o trabalhador para o posto médico do

polo (no caso, o de Acará), para atendimento de primeiros socorros (contam apenas com

enfermeiros). Segundo os trabalhadores entrevistados, fiscais “prometeram apitos para cada

trabalhador se comunicar, em caso de emergência, mas, não deram”.

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Os trabalhadores da Agropalma disseram que há treinamento sobre saúde e

segurança para todos os trabalhadores (dos entrevistados, todos disseram ter feito), porém,

consideram que só isso não resolve. Para alguns tipos de acidente com sangue (picada de

cobra, queda de folhas seca) são feitos CAT. Os trabalhadores que são afastados, por

problemas de saúde, quando retornam ao trabalho tem estabilidade de um ano na empresa

(previsto no ACT). Após esse período, se atestar que o trabalhador não tem mais nada ele

continua na empresa, senão, é mandado embora, relataram os trabalhadores. Existem

atividades laborais diárias com os trabalhadores; DDS (Diálogo Diário de Segurança) é norma

da empresa, que todos são obrigados a fazer dentro do horário de trabalho.

Sobre condições de trabalho, os trabalhadores da Biopalma relataram que só

existe um banheiro químico em cada galpão (área para almoço e descanso), para homens e

mulheres, que geralmente não funciona. Os trabalhadores disseram ainda que “tem que fazer

suas necessidades no mato”. Porém, no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT, 2011-2012), na

Cláusula 24ª, sobre Saúde e Segurança do Trabalhador, consta que “A EMPRESA deverá

dispor de banheiros biológicos para servir aos trabalhadores que executam plantio de dendê

no campo, em condições mínimas de conforto, conforme o disposto na NR 24, Lei 6514/7”,

sendo um banheiro para cada 40 (quarenta) empregados em atividade local (Parágrafo

Primeiro) e que o banheiro utilizado pelos empregados do sexo feminino deverá ser

exclusivo das mesmas (Parágrafo Segundo).

Os trabalhadores da Agropalma não consideram boa a condição do local de

trabalho (no campo), sobretudo para as mulheres, que tem que utilizar o mesmo banheiro que

os homens, porque só há um banheiro químico nos abrigos (local onde fazerem as

refeições/descanso) e, que fica distante de onde desenvolvem suas atividades. Existe um

banheiro dentro dos ônibus (que faz o transporte dos trabalhadores), porém, “não podem usar,

porque está sempre trancado”, afirmaram os entrevistados.

Os entrevistados da Agropalma disseram ainda que, algumas áreas de trabalho

estão muito sujas, sem condições de trabalho, com muito bicho, e que isso tem feito com que

muita gente se acidente, inclusive com picada de cobra, furada de espinhos. Enfatizaram que

tem lugar que “olhando parece estar abandonado por falta de limpeza da área”, ressaltaram

que “os trabalhadores deveriam pegar a área limpa, porque da forma que está dificulta a

visibilidade dos cachos maduros e aumenta os riscos para trabalhar; a gente quer produzir,

melhorar a nossa produção e o nosso salário, mas, isso dificulta muito”; Segundo eles, já

reclamaram, mas o depto alegou que tem pouca gente (poucos trabalhadores).

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Os trabalhadores consideram que as atividades desenvolvidas em campo e o

ritmo de trabalho afetam sua saúde, em decorrência do trabalho exaustivo. Os problemas de

saúde relatados, relacionados à atividade desenvolvida, depois que começaram a trabalhar na

EMPRESA foram: cansaço, stress, insônia, dor nos braços, problemas de coluna, dores nas

articulações, ardor nos olhos, alergias, doenças de pele (relacionaram aos agrotóxicos),

esgotamento físico, problemas respiratórios, lesão por esforços repetitivos [LER/ DORT],

doenças do sangue, depressão, intoxicação por agrotóxicos ou por efluentes/veneno que são

jogados nas parcelas, causando dor de cabeça, garganta seca, dor no peito (relatado por

coletoras de frutos soltos).

As coletoras de frutos soltos relataram que “quando o veneno/agrotóxico é

pulverizado eles [empresa] colocam uma placa que não pode utilizar a área por 48 horas,

porém, somos obrigadas a fazer a coleta, para cumprir a meta diária”. Outro problema

mencionado por elas foi muita dor na coluna e nas articulações, devido a posição para

coletar os frutos – ficam quase de cócoras o dia todo, e carregam/transportam baldes (9

baldes/dia, de 3 kg cada) até a área de coleta. A meta diária são 03 sacos de 28 kg cada.

A atividade exaustiva foi mencionada por muitos trabalhadores, em

decorrência do trabalho desenvolvido, onde “alguns trabalhadores se sentem tão cansados

que pedem para sair, mas a empresa não manda embora, e espera que o trabalhador peça

demissão”, frisou um trabalhado.

Os acidentes de trabalho sofridos (pelo trabalhador entrevistado ou por outros

trabalhadores), relatados foram: cortes, picada de cobra, intoxicação por veneno

(agrotóxicos), perfuração de toco nos pés, espinhos (do dendê) nas mãos, dedos, rosto, braços,

com folhas de palmeiras que caem nos trabalhadores, cheias de espinho. Uma trabalhadora

(coletora de frutos soltos) relatou que começou a sentir muita dor no peito e até expeliu

sangue, tendo sido encaminhada (pelo fiscal da área) para o setor de saúde da empresa, mas,

segundo ela, “não foi feito nada, nenhum exame, apenas me deram uma medicação”.

Outro trabalhador relatou que ao cortar um cacho (de dendê) a folha da

palmeira caiu em direção a ele e, por ser cheia de espinhos teve que se proteger com a mão,

vindo a sentir muitas dores (nas mãos), por ser a folha muito pesada. Ele comunicou ao fiscal

e foi levado para a base (da empresa), onde foi atendido e tomou um medicamento para dor,

tendo sido orientado esperar até segunda feira (se acidentou na sexta-feira) e, caso não

melhorasse, seria encaminhado a bater um raio-x.

Disseram ainda que muitas vezes, o trabalhador que sofre um acidente, é

encaminhado ao ambulatório (da empresa) e, depois é que é feito uma perícia (quando é

Page 65: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

65

concluída) fica “geralmente constatado que foi imprudência do trabalhador”, que acaba

sendo punido pelo ocorrido.

Alguns trabalhadores relataram que são ameaçados (pelos supervisores) de

pegar uma advertência (em casos de acidentes), por ser considerada uma “imprudência do

trabalhador”. Relataram ainda imprudência de alguns motoristas, que fazem o transporte dos

trabalhadores, “um ônibus já chegou a quase tombar na estrada com trabalhadores, ia

entrando na frente de uma carreta”, disse um trabalhador, que afirmou ter comunicado o fato

ao fiscal, porém, nada foi feito.

Foi relatado, por trabalhadores terceirizados, acidentes de trabalho que

aconteceram por manuseio de produtos químicos, como, de trabalhador que aplica agrotóxico

que se sentiu mal, porque estava com dosador frouxo; vazamento de produto químico no

ônibus em que transportava trabalhadores e, em área que estava sendo aplicado o produto,

perto do viveiro, atingindo um grande número de trabalhadores(as), maior parte mulheres,

sendo todos levados para o posto de saúde da cidade, tendo sido feito apenas medicação de

emergência. O fiscal não fez relatório de acidentes de trabalho, não foi feito CAT e nenhum

exame especializado nos trabalhadores.

Dos entrevistados, muitos manifestaram que já deixaram de dizer que

estavam doentes ou se sentindo mal, ou que vieram trabalhar, mesmo estando com

problemas de saúde, por medo de perderem o emprego ou serem prejudicados na empresa.

Segundo os entrevistados, “o trabalhador que adoece não é bem visto pela empresa”.

Segundo os trabalhadores entrevistados, a empresa (na qual têm vínculo)

oferece aos(as) trabalhadores(as) equipamentos de proteção individual (EPIs), porém,

consideram que alguns desses equipamentos não são adequadas aos trabalhadores(as) ou, não

protegem o suficiente, como as botas e luvas, que não protege dos espinhos dos dendezais,

assim como os óculos de proteção são considerados inadequados pelos trabalhadores.

Uma trabalhadora de frutos soltos relatou que mesmo usando luvas a aranha

picou sua mão (segundo ela, as luvas são muito finas) e, ao ser encaminhada para o

ambulatório, o médico questionou se ela estava mesmo usando as luvas/EPI, “foi como se eu

estivesse mentindo”, disse.

O EPI é individual. Os trabalhadores recebem da empresa uma bota, peneira,

óculos de proteção e duas ou três fardas. Alguns trabalhadores relataram que estão

“trabalhando com fardas remendadas, que se rasgaram durante o trabalho” e, quando

informaram ao fiscal, o mesmo disse que eles tinham que dar um jeito de remendar a farda. Se

houver perda de EPI há desconto no salário.

Page 66: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

66

Os exames médicos são feitos anualmente, além do admissional e demissional.

Não houve relato de exames específicos periódicos. A empresa Agropalma aceita atestado

médico, se o trabalhador for atendido em local fora da empresa, desde que venha com CID

(Classificação Internacional de Doenças) e carimbo do médico.

Quando acontece acidente no local de trabalho, como espinhos nos dedos ou

no corpo (queda de folhas secas das palmeiras), picadas de cobras, etc, os trabalhadores são

atendidos no posto de saúde da empresa, mas, vão para campo bater o crachá (mesmo

acidentados), para não ter falta. Caso o trabalhador/a sofra algum tipo de acidente, ele/a leva

uma advertência do supervisor, porque é visto como um “problema causado pelo próprio

trabalhador que não teve a devida atenção no trabalho”.

Page 67: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

67

5. Conflitos agrários e Impactos ambientais

O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual emitiram, em 11

de março de 2013, recomendação conjunta ao Secretário de Estado de Meio Ambiente no Pará

acerca do cumprimento da legislação ambiental relacionada à fiscalização das empresas

produtoras de óleo de palma no nordeste paraense. O MP avalia a instauração de

procedimento investigatório para apurar possíveis impactos da monocultura do dendê em

territórios indígenas e quilombolas. Em documento, o Ministério Público (MP) recomenda

ao secretário:

“que suspenda a tramitação, no Conselho Estadual de Meio Ambiente,

do Projeto de Resolução que ‘define os critérios para enquadramento

de obra ou empreendimento/atividades de baixo potencial

poluidor/degradador ou baixo impacto ambiental passíveis de

Dispensa de Licenciamento Ambiental (DLA), de obra ou

empreendimentos/atividades de baixo potencial poluidor/degradador

(...)” .73

Dentre os empreendimentos a receberem isenção de licenciamento ambiental

estão as atividades agrosilvopastoris, incluindo a agricultura familiar de até quatro módulos

fiscais, assim como as Culturas de Ciclo Longo de até 20 hectares, porém, “sem considerar as

características assumidas pelo plantio da palma de dendê no estado do Pará e ignorando sua

interação com as atividades de monocultura de larga escala” 74. Questionada a respeito das

providências tomadas no sentido de evitar a concessão de licenças ambientais, incidentes em

territórios quilombolas, para a atividade de produção de dendê, a Secretaria de Estado do

Meio Ambiente (SEMA) no Pará informou que, até aquela data, não haviam sido emitidas

licenças para o cultivo no estado. Contudo, aponta o MPF, haviam sido concedidas 11

autorizações de plantio para a empresa Biopalma no município de Acará, com validade de um

ano.

Na avaliação do MP, as empresas que atuam na atividade do plantio da palma

de dendê desenvolvem atividades potencial ou efetivamente poluidoras e, sem a posse de

Licença Ambiental Rural, podem contrariar as normas da legislação ambiental vigente. O MP

73 MPF – Procuradoria da República no Pará, 11/3/2013. 74 Idem

Page 68: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

68

recomendou que a SEMA realize fiscalizações, identificando a cadeia de produção – do

cultivo ao processamento do óleo – verificando quais empresas, e em que medida, inseriram

no mercado o óleo originário de áreas sem licenciamento ambiental. O MP também aponta a

existência de inquéritos, instaurados pela 8ª Promotoria Agrária de Castanhal, para investigar

conflitos agrários ocorridos entre comunidades quilombolas e empresas produtoras de dendê

na região do Alto Acará.75

Com relação aos agricultores proprietários de pequenos lotes de terra, a partir

de 2008, após ceder às investidas das grandes empresas produtoras do óleo de dendê pela

aquisição de suas terras, incorporaram-se aos contingentes de funcionários das agências

terceirizadoras, também conhecidas como “gatos”, ou tornaram-se assalariados das próprias

empresas no plantio e na colheita da palma. Um aspecto preocupante é que, dentre os

produtores que atuam como fornecedores das empresas refinadoras, muitos suspenderam os

plantios e as roças de cultivos alimentares, o que pode comprometer a segurança alimentar na

região – em contratos firmados especificamente com a Petrobras, a empresa inclui uma

cláusula determinando aos agricultores familiares a reserva para o cultivo exclusivo do dendê,

inviabilizando o cultivo conjugado de culturas de subsistência.76

Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos no Pará (DIEESE/PA) atribuem a essas novas dinâmicas decorrentes da

expansão da dendeicultura a elevação dos preços de alimentos básicos na capital paraense,

Belém, assim como na região nordeste. Entre janeiro e dezembro de 2012 foi registrada alta

de 12% no valor da cesta básica no Pará (equivalente a quase o dobro da inflação anual

calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), tendo como principal

vilã a farinha de mandioca – que aliás constitui um dos itens básicos do consumo popular e

regional –, que apresentou ampliação de 90% do preço no período observado.77

Em estudo de caso da Repórter Brasil, a entidade noticiou a parceria entre

Raimundo Lopes dos Reis, um agricultor de Concórdia do Pará, no nordeste do estado, e a

Biopalma Vale no início de 2010. Para plantar em seus 10 hectares, tomou empréstimo de

R$57,5 mil e completou com R$ 8 mil de suas economias pessoais. Em janeiro de 2013, após

75 Fonte: MPF. “Ministério Público recomenda fiscalização nos produtores de dendê no Pará” (11/3/2013).

Disponível em: <http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/ministerio-publico-recomenda-fiscalizacao-nos-

produtores-de-dende-no-para>. Acesso em: 27/8/2013. 76 Fonte: Repórter Brasil. Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira. Elementos para uma análise dos impactos

sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará, 2013: pp. 9-10. 77 Fonte: Repórter Brasil. Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira. Elementos para uma análise dos impactos

sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará, 2013: pp. 9-10.

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69

a colheita, obteve rendimento de R$ 1,8 mil com a palma, segundo afirmou à ONG.

Entretanto, cálculos da Repórter Brasil detalham que:

Para ajudar no trabalho de adubação e coroamento das palmeiras

(aplicação de herbicida ao redor das plantas), Raimundo contratou

quatro pessoas por cinco dias, a R$ 30,00 a diária: um gasto de R$

600,00. Depois, foram contratadas mais três pessoas por seis dias para

ajudar no trato e na colheita da lavoura. Gasto: R$ 540,00. Mais duas

diárias de trator (a R$ 300,00 a diária), R$ 600,00. Adicionando a isso

R$ 666,00 de adubo e R$ 105,00 de veneno, os gastos totais foram de

R$ 2.511,00 contra R$ 1.800,00 de renda. Dessa forma, em janeiro o

agricultor teve um “prejuízo” de R$ 711,00. (Repórter Brasil, 2013: p.

8)

A penosidade do trabalho na cultura do dendê paraense, à semelhança do que

ocorre nos canaviais paulistas, tem impulsionado o consumo de drogas pesadas tais como o

crack e a cocaína nas frentes de trabalho, sobretudo entre os trabalhadores terceirizados, cujos

rendimentos variam de acordo com o nível da produção individual:

Segundo J. R. M., que trabalhou nas fazendas Prateada e Malhada, da

Biopalma Vale, ele não suportou a pressão do trabalho pesado. “A

gente acordava às 3 h da madrugada, tomava um cafezinho ralo e ia

‘pro’ dendê. Trabalhávamos das 6h às 15h no plantio e no raleio das

mudas, mas qualquer deslize tínhamos descontos no pagamento. Nem

eu nem meu irmão aguentamos”. (Repórter Brasil, 2013: p. 11)

E completou, acerca do uso de drogas para intensificar a produtividade

imediata:

“Tem muita gente usando [drogas pesadas no trabalho]. Porque

enquanto você faz uma linha (de mudas de dendê), o cara que usou

cocaína faz uma e meia. Ganha muito mais assim, não sente cansaço,

não sente fome, não sente quando se machuca. Por isso muita gente

usa.” (Repórter Brasil, 2013: p. 11)

No que se refere aos impactos ambientais, além do desmatamento, o cultivo de

dendê para produção de biodiesel tem acarretado outro grave impacto: a contaminação por

agrotóxicos de igarapés que alimentam rios da região – tais quais os rios Pará, Tocantins,

Moju, Acará, Acará-Mirim, Capim, Aiu-Açu, Maracanã, Camari, dentre outros. No município

de Abaetetuba, na comunidade de Murutinga, situada à margem da rodovia PA-252,

moradores relataram à Repórter Brasil que as mulheres que habitualmente lavam roupas no

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70

igarapé Murutinga, localizado nas proximidades das plantações de dendê, têm apresentado

coceiras e erupções na pele.

Em Concórdia do Pará, um agricultor que possui um pequeno lote de terra na

comunidade Castanhalzinho, fronteiriça a uma grande área de cultivo do dendê da Biopalma

Vale, denunciou que, nos dias de aplicação de veneno, as famílias queixam-se de fortes dores

de cabeça e não é mais possível a criação de aves, que estão morrendo. No interior desta área

de cultivo percorre o igarapé Curuperé, um dos principais cursos d’água que abastecem a

comunidade quilombola de Curuperé, sendo também um dos espaços de lazer da comunidade.

Além de herbicidas – e estima-se que aproximadamente 332.000 litros de herbicida sejam

aplicados anualmente no cultivo no Pará, segundo estimativa da Sagri –, outros venenos

utilizados no plantio da palma, e listados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(Embrapa), envolvem raticida, inseticida, formicida-isca e inseticida armadilha.78

Além das questões ambientais, em 28 de junho de 2013 o cultivo da palma foi

oficialmente incluído na relação de atividades flagradas com trabalho escravo. Dois

dendeicultores – Hirohisa Nobushige, em Castanhal (PA), e Altino Coelho Miranda, vice-

prefeito (PSB) do município de Moju (PA) – foram incluídos na “lista suja”79 elaborada pelo

Ministério de Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) pela

exploração de mão de obra em condições de escravidão. Miranda (conhecido como Dedeco),

o vice-prefeito de Moju, é proprietário de fazenda de produção do dendê e atuava como

fornecedor da empresa Agropalma, a maior do setor no Brasil, tendo o contrato recindido

após a inclusão. Além dele, flagrado em reincidência mantendo trabalhadores em condições

análogas à escravidão em sua produção de palma, outros sete políticos foram incluídos na

“lista suja”.80

Na ação que resgatou trabalhadores mantidos em regime de escravidão na

fazenda do vice-prefeito de Moju, Miranda, em agosto de 2012, os fiscais do trabalho

libertaram 10 pessoas que trabalhavam sem o registro em carteira e estavam há 90 dias sem

78 Fonte: Repórter Brasil. Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira. Elementos para uma análise dos impactos

sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará, 2013: pp. 12-13. 79 Ao ter o nome incluído na “lista suja”, o infrator tem suspensos contratos de financiamento e acesso a crédito

com instituições financeiras federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da

Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES; além disso, segundo determinação do Conselho Monetário

Nacional, bancos privados também são proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista. Fonte:

Repórter Brasil. “Plantio de dendê entra na lista de atividades com trabalho escravo” (01/7/2013). Disponível

em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/07/plantio-de-dende-entra-na-lista-de-atividades-com-trabalho-escravo/>.

Acesso em: 05/9/2013. 80 Fonte: Repórter Brasil. “Plantio de dendê entra na lista de atividades com trabalho escravo” (01/7/2013).

Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/07/plantio-de-dende-entra-na-lista-de-atividades-com-trabalho-

escravo/>. Acesso em: 05/9/2013.

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71

receber salários. Miranda havia alegado aos auditores que não efetuava o pagamento dos

salários “porque não estavam dando produção” [seja lá o que isso quer dizer]. Também foi

constatada servidão por dívida, sendo que os alimentos eram comprados na própria fazenda,

as dívidas eram anotadas em cadernetas e havia desconto no pagamento ao final do mês: “Os

trabalhadores estavam trabalhando por comida, porque chegava o dia do pagamento e o

patrão dizia que não tinham saldo”, observaram os fiscais em entrevista à Repórter Brasil.

Outras constatações de práticas que configuram crime de trabalho escravo na ação

envolveram as condições de alojamentos:

Vários homens estavam alojados em um barraco de madeira, coberto

de lona, sem paredes laterais, portas, janelas e, principalmente, sem

banheiros. O assoalho estava podre e o telhado de cavaco, em

adiantado estado de deterioração, tinha muitas goteiras. Ainda de

acordo com os fiscais, durante a noite, quando chovia, os empregados

eram obrigados a levantar de suas redes e protegê-las para não molhar.

Já as refeições eram preparadas em um fogareiro improvisado no

interior do barraco e não havia mesas, cadeiras, armários e local

adequado para armazenar mantimentos. Os trabalhadores comiam

sentados no chão, sustentando o prato sobre as pernas. Roupas,

objetos pessoais e louças também ficavam no chão. Como não havia

banheiros, os trabalhadores tinham que fazer suas necessidades no

mato. (Repórter Brasil, 2013)

Quanto ao transporte dos trabalhadores às frentes de trabalho, era feito em um

trator sem freio e não equipado com os dispositivos de segurança. O primeiro flagrante havia

acontecido em 2007, com auditores fiscais do MTE acompanhados de agentes da Polícia

Federal, resgatando 15 trabalhadores, em busca por armamentos após denúncia de que os

trabalhadores seriam impedidos de deixar a propriedade enquanto estivessem em dívida com a

cantina da fazenda. No local foram encontradas e apreendidas munições de armas de fogo.81

Em condições de trabalho análogas à escravidão, semelhantes às verificadas no

segundo flagrante, foram registrados alojamentos em situação precária, trabalhadores sem

salário fixo e carteira assinada, obrigatoriedade de comprar alimentos vendidos na própria

fazenda, não acompanhavam as anotações das dívidas em cadernetas – a serem descontadas

ao término do mês –, não recebiam água potável nas frentes de trabalho e tampouco as

ferramentas do empregador, tendo de comprá-las por conta própria. Em decorrência do

81 Fonte: Repórter Brasil. “Plantio de dendê entra na lista de atividades com trabalho escravo” (01/7/2013).

Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/07/plantio-de-dende-entra-na-lista-de-atividades-com-trabalho-

escravo/>. Acesso em: 05/9/2013.

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72

flagrante, Miranda foi condenado pela Justiça em 2009 a nove anos de prisão em regime

fechado; como o réu apelou, o processo aguarda julgamento desde 14 de novembro de 2012

pela desembargadora federal Monica Sinfuentes, do Tribunal Federal Regional da 1ª Região

em Brasília.82

Em se tratando das comunidades tradicionais impactadas pelas atividades das

empresas refinadoras do biodiesel, em novembro de 2012 quilombolas da Comunidade

Dezenove de Maçaranduba, na divisa de Acará e Tomé Açu, sofreram ataque de pistoleiros, o

que resultou em dois mortos e quatro feridos. O crime ocorreu na Vila de Quatro Bocas,

mesmo local de lançamento do Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, em

2010, pelo presidente Lula. Parte das terras dos quilombolas está sendo disputada por um

fazendeiro que, de acordo com denúncia à promotora de Justiça Agrária, Eliane Moreira, está

interessado em vendê-las para a Biopalma Vale, que até já a teria ocupado, segundo os

quilombolas.83

Desde 2010 essa área ocupada pelas comunidades quilombolas na região está

em processo de regularização junto ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e conforme afirmou

em entrevista à Repórter Brasil o coordenador da associação Malungu, José Carlos Galiza:

“O que nós, das comunidades quilombolas da região, estamos

reivindicando é a titulação coletiva de 4,3 mil hectares. A comunidade

Maçaranduba está em uma área muito cobiçada peara o dendê. A

Biopalma, que diz que comprou parte dessa terra, pelo que a gente

saiba não tem documentação, mas já desmatou boa parte da área. O

que tem mesmo é pressão de outros fazendeiros que querem vender

parte do nosso território para o dendê. E tem criminalização da

polícia, porque no dia do velório dos dois assassinados, a polícia

prendeu não os assassinos, mas quatro familiares dos mortos.”

(Galiza. Repórter Brasil, 2012.)

O Ministério Público investiga a possível ligação do assassinato de

quilombolas com a disputa de terras e pressão sobre territórios de populações tradicionais para

o cultivo do dendê e, segundo a promotora Eliane Moreira:

“Estamos verificando como o dendê tem afetado os direitos

territoriais das comunidades tradicionais, bem como se as empresas

estão cumprindo o Protocolo Socioambiental do Óleo de Palma (que

82 Idem. 83 Fonte: Repórter Brasil. “Denúncias de violência e trabalho escravo envolvem cultura do dendê no Pará”

(21/12/2012). Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/12/denuncias-de-violencia-e-trabalho-escravo-

envolvem-cultura-do-dende-no-para/>. Acesso em: 05/9/2013.

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73

prevê critérios de sustentabilidade ambiental, social, produtiva e

econômica), acordado com o governo do estado. Mas partimos do

princípio que, em casos de disputas em territórios tradicionais, por

mais que os fazendeiros tenham título da terra, este não tem condão

de macular os direitos territoriais das comunidades.” (Promotora

Eliane Moreira. Repórter Brasil, 2012.)

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74

Considerações finais

O Estado do Pará é o maior produtor de óleo de palma do país (cerca de 80% da

produção nacional), a produção biodiesel de dendê, porém, ainda é muito incipiente e

representava, em 2009, menos de 0,06% da produção nacional de biodiesel e 1,58% na região

Norte.

Além disso, dentre as empresas estudadas, atualmente, apenas a Biovale produz o

combustível para consumo próprio.

A cultura do dendê tem seus prós e contras. Uma desvantagem que chama atenção

refere-se ao comprometimento da segurança alimentar, intensificando a vulnerabilidade

das comunidades locais uma vez a dendeicultura pode se tornar uma monocultura. Relatos

agricultores familiares reforçam essa afirmação: um agricultor declarou que necessitou

abandonar a roça de mandioca para cultivar o dendê.

Os ganhos financeiros são demorados, uma vez que os que os agricultores necessitam

de financiamento para cultivar o dendê (PRONAF/BASA), embora os agricultores

entrevistados tenham expectativa de obter bons resultados em médio prazo.

Os agricultores assinam contratos com as empresas, mas a leitura dos contratos pode

ser dificultada pelo fato de agricultores não serem alfabetizados. De acordo com relatos de

agricultor, a Biopalma antecipou para ele financiamento, mediante banco privado, antes de

sair empréstimo do BASA, para o início do cultivo. A leitura do contrato de empréstimo foi

feita por outra pessoa.

Além disso, de acordo com relato de agricultor, não havia informação precisa quanto e

quando iria receber por alguma das quatro colheitas entregues.

Mesmo assim, os agricultores entrevistados se consideraram satisfeitos e orgulhosos

por desenvolverem a atividade de agricultura familiar. Consideram sua condição de trabalho

melhor que a dos assalariados rurais, além disso, de acordo com um relato de um agricultor,

ele teria liberdade para organizar os seus dias e horários de trabalho.

Em relação aos assalariados rurais algumas questões chamam atenção:

De acordo com os relatos obtidos na oficina sindical com dirigentes do Sindicato de

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Concórdia do Pará em relação à Biopalma:

- relataram abuso de poder de fiscais da Biopalma, a comunicação entre os trabalhadores e os

fiscais é muito difícil, tendo em vista que o perímetro sob a responsabilidade de cada fiscal é

bastante amplo;

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75

- relação entre a Biopalma e o sindicato: há uma cláusula no Acordo Coletivo de Trabalho

(ACT) que prevê o acesso do sindicato ao local de trabalho. Por exigência do gerente da

Biopalma, a visita deve ser agendada previamente, mas mesmo assim, segundo destacaram,

na entrada há problemas com o pessoal da guarita (terceirizado) devido à substituição dos

seguranças a cada quinze dias;

- a maioria dos trabalhadores reclama muito da qualidade da refeição servida;

- por se tratar de um trabalho muito pesado, os dirigentes destacaram a dificuldade de

permanência dos trabalhadores por mais de cinco anos no serviço;

- caso o trabalhador apresente mais de dois atestados médicos, é penalizado pela empresa com

a suspensão do vale-alimentação.

-a respeito dos termos do contrato assinados entre empresas (Agropalma, Petrobras e

Bioenergia) e agricultores familiares da região de Concórdia do Pará, dirigentes sindicais

revelaram tomar conhecimento apenas recentemente, de modo extraoficial “que era tudo por

conta do agricultor, desde o financiamento até o fim do contrato, tudo era sua obrigação e a

empresa não tinha que fazer nada”.

A pesquisa com assalariados rurais levantou alguns aspectos:

- existência do trabalho terceirizado: nas empresas Biopalma e Agropalma são mantidos

contratos com empresas terceirizadas na prestação de serviço de alimentação, alimentação,

transporte e segurança. Existe na região em torno de 2.200 (dois mil e duzentos) trabalhadores

assalariados, de empresas terceirizadas, que prestam serviço para a Belém Bio

Energia/Petrobrás. Além da alta rotatividade, no verão (onde a produção é maior, período de

pouca chuva), trabalham por meta;

- segundo trabalhadores e dirigentes entrevistados, a rotatividade de trabalhadores

assalariados é muito grande, devido o trabalho exaustivo;

- Os trabalhadores(as), assalariados(as) rurais, que trabalham no campo só têm folga aos

domingos ou feriados, sendo este o único tempo disponível para família ou para atividades na

comunidade. O tempo médio de deslocamento, do local de moradia até os locais e trabalho

(campo), os/as trabalhadores/as gastam em média entre 3 a 4 horas por dia, prejudicando

portanto o convívio familiar;

- foram relatados casos de assédio moral (ocorridos com trabalhadores da Biopalma e de

empresas terceirizadas), de fiscal e/ou gerente que usam palavrão ou xingamento com

trabalhadores que adoecem ou questionaram as condições de trabalho;

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76

- em relação às condições dos locais de trabalho, trabalhadores reclamaram das condições dos

banheiros químicos (muito longe, segundo trabalhadores da Agropalma) e exposição aos

animais peçonhentos e espinhos;

- por fim, em relação à liberdade sindical, todos(as) os trabalhadores(as) entrevistados(as)

disseram que são sindicalizados(as) e, consideram que há uma boa relação do sindicato com

os trabalhadores. Sobre participação sindical, disseram não haver retaliação por parte da

empresa Agropalma, para quem queira se associar ao sindicato. Já em relação às empresas

Biopalma e terceirizadas (ligadas a Belém Bio Energia/Petrobrás), os trabalhadores disseram

não haver diretamente retaliação, porém, alguns fiscais e/ou supervisores intimidam

trabalhadores que tem uma ligação mais próxima com o sindicato, sobretudo, aqueles/as que

têm liderança junto aos trabalhadores. Sobre o acesso de dirigentes sindicais nos locais de

trabalho, é garantido livre acesso aos dirigentes sindicais, desde que comuniquem com

antecedência, Segundo trabalhadores da Agropalma, a empresa não impede o trabalhador de

se associar ao sindicato, assim como, participar das atividades sindicais. Nesta empresa houve

uma paralisação em agosto/2013, por melhores condições de trabalho, que foi iniciada por um

grupo de trabalhadores e apoiada pelo sindicato, resultando na diminuição do horário de

trabalho no sábado (antes trabalhavam até 15h00, agora até 11h00, sendo 4 horas de trabalho

diluídas durante a semana).

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77

Referências consultadas

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Page 79: O comportamento sócio-trabalhista na produção do óleo de palma ...

79

Anexo:

Tabela 01: Óleo de Palma e Petróleo bruto Brent – alguns dados monetários comparativos

Óleo de palma Óleo de palma Petróleo bruto Brent

A/B Real brasileiro

por tonelada

Dólares (EUA)

por tonelada

Dólares (EUA)

por barril

Mês Preço

Taxa de

variação Mês

Preço

(A)

Taxa de

variação Mês

Preço

(B)

Taxa de

variação

jan/13 1.578,37 - jan/13 776,54 - jan/13 112,93 - 6,8763

fev/13 1.563,54 -0,94% fev/13 792,38 2,04% fev/13 116,46 3,13% 6,8039

mar/13 1.529,49 -2,18% mar/13 771,87 -2,59% mar/13 109,24 -6,20% 7,0658

abr/13 1.515,17 -0,94% abr/13 756,46 -2,00% abr/13 102,88 -5,82% 7,3528

mai/13 1.549,08 2,24% mai/13 763,38 0,91% mai/13 103,03 0,15% 7,4093

jun/13 1.654,86 6,83% jun/13 763,04 -0,04% jun/13 103,11 0,08% 7,4003

jul/13 1.640,53 -0,87% jul/13 729,86 -4,35% jul/13 107,72 4,47% 6,7755

Fonte: Banco Mundial. Palm oil, Malaysia Palm Oil Futures (first contract forward) 4-5 percent FFA.

Elaboração: Index Mundi.

Gráfico 1: Óleo de palma a preços mensais (Dólar EUA por tonelada

métrica)

Fonte: Banco Mundial. Palm oil, Malaysia Palm Oil Futures (first contract forward) 4-5 percent FFA.

Elaboração: Index Mundi.

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80

Gráfico 2: Óleo de palma e Petróleo bruto Brent – comparação das taxas de variação de

preços (Dólar EUA)

Fonte: Banco Mundial. Palm oil, Malaysia Palm Oil Futures (first contract forward) 4-5 percent FFA.

Elaboração: Index Mundi.