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    1Qualit@s Revista Eletrnica ISSN 1677 4280 Vol.1. N2 (2011)

    O conflito social e suas mutaes na teoria sociolgica

    Marcos Jos Diniz Silva*

    Resumo:

    Este trabalho tem por objetivo refletir sobre os entendimentos do fenmeno doconflito social na teoria sociolgica, partindo de autores seminais na construo dasnoes de ordem para, em seguida caracterizar as definies de conflito em duas

    grandes correntes de pensamento: conflito como fenmeno patolgico e conflitocomo fenmeno sociativo.

    Palavras-chaves:Ordem, socializao, conflito social, teoria sociolgica

    Abstract:

    This work aims to reflect on the understandings of the phenomenon of social conflictin sociological theory, based on the seminal author in the construction of notions oforder and then describe the definitions of conflict in two major schools of thought:pathological phenomena such as conflict and conflict as sociativo phenomenon.

    Keywords:Order, socialization, social conflict, sociological theory

    Introduo

    O mundo atual vive uma das fases mais agudas de conflitos e violncias,

    quase que generalizados. Se, por um lado, o fim da bipolarizao mundial aliviou-nos do risco iminente de catstrofe nuclear; por outro lado, os conflitos mundiais

    regionalizados de carter econmico, religioso ou tnico revelaram-nos um quadro

    de extrema tenso.

    Confrontam-se duas alternativas poltico-ideolgicas diante da questo da

    ordem mundial: a alternativa democrtico-liberal capitaneada pelos pases ricos,

    secundados pelas naes em desenvolvimento, sobretudo ocidentais e, os modelos

    * Professor de Histria da Universidade Estadual do Cear e doutor em Sociologia pela UniversidadeFederal do Cear.

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    fundamentalistas de orientao islmica ou judaica que apontam para solues de

    extermnio mtuo.

    Entretanto, os conflitos na sociedade humana no podem ser circunscritos

    perspectiva macro-histrica ou macro-sociolgica, tendo em vista que cada nao,

    cada cultura, cada sociedade engendra modelos de relaes sociais que so

    invariavelmente tecidas com os fios do conflito. Ou seja, podemos afirmar que a

    socializao humana se estrutura na relao dialtica da cooperao/conflito, no se

    podendo olvidar que, mesmo de forma no explcita, a cooperao pode ter suas

    bases em tenses e conflitos sutis. Nesse sentido, considero relevante refletir de

    que modo a teoria sociolgica clssica tem percebido a categoria conflito social.

    Este trabalho organiza-se em trs partes. Na primeira parte tomaremosdois autores considerados precursores na reflexo sobre os fundamentos da ordem,

    Thomas Hobbes e Auguste Comte. Na segunda parte abordaremos o conflito nas

    concepes de Marx e Durkheim, entendido como elemento negativo, anormal ou

    patolgico. E na terceira parte, apresentamos as concepes de Max Weber e

    Georg Simmel e Norbert Elias como representantes de uma viso do conflito

    despojada de qualquer organicismo ou determinismo. Em Weber, percebendo o

    conflito enquanto relao social, em Simmel entendendo-o como fator de interaosocial e, por fim, a compreenso de Norbert Elias sobre conflitos, teses e equilbrio

    de poderes nas configuraes sociais.

    1. A q uesto da o rdem e seus fund amentos em Hobbes e Comt e

    Em 1651, Thomas Hobbes publica O Leviat ou Matria, Forma e Poder

    de uma Comunidade Eclesistica e Civil, interessado numa soluo para os graves

    problemas polticos da Inglaterra, naquela metade do sculo XVII, caracterizada pelo

    acelerado desenvolvimento comercial e manufatureiro e duma camada burguesa

    que ensaiava sua ascenso poltica, combatendo o absolutismo monrquico que

    fora at quela data benfico nas configuraes protecionistas e estatistas do

    mercantilismo, mas que politicamente j se revelava um obstculo s pretenses

    burguesas.

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    Entretanto, as agitaes camponesas (vide poltica de cercamentos),

    movimentos anti-absolutistas, levaram Hobbes a propor um modelo de comunidade

    eclesistica e civil, organizada monoliticamente num Estado ou sociedade poltica,

    onipotente, onipresente e absorvente das vontades individuais.

    Inaugurando o contratualismo moderno, Hobbes divide a sociedade

    humana, a vida social em dois estados: estado natural e estado contratual. O estado

    natural o estado negativo, o estado contratual o estado positivo.

    Considerando que, tendo os homens capacidades iguais quanto ao corpo

    e ao esprito, sucede que a competio, a desconfiana, a busca incessante de

    glria e poder, os levaria, invariavelmente, ao conflito, caracterizado pela guerra de

    todos os homens contra todos os homens. Assim:

    Desta guerra de todos os homens contra todos os homens tambmisto conseqncia: que nada pode ser injusto. As noes de bem ede mal, de justia e de injustia, ao podem a ter lugar. Onde no hpoder comum no h lei, e onde no h lei no h injustia. Naguerra, a fora e a fraude so as duas virtudes cardeais. A justia e ainjustia no fazem parte das faculdades do corpo e do esprito. [...]Outra conseqncia da mesma que no h propriedade, nem

    domnio, nem distino entre o meu e o teu; s pertence a cadahomem aquilo que ele capaz de conseguir, e apenas enquanto forcapaz de conserv-lo. (HOBBES, 1983:77).

    Portanto, sendo os homens, entre si, incapazes de encontrar uma soluo

    para os conflitos resultantes de suas diferenas e desejos, Hobbes prope um

    contrato instituidor de um soberano, em tudo garantidor da ordem. E nesse sentido,

    sentencia Hobbes:

    A nica maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defend-los das invases dos estrangeiros e das injrias uns dos outros,garantindo-lhes assim uma segurana suficiente para que, medianteseu prprio labor e graas aos frutos da terra, possam alimentar-se eviver satisfeitos, conferir toda sua fora e poder a um homem, ou auma assemblia de homens, que possa reduzir suas diversasvontades, por pluralidade de votos, a uma s vontade. [...] Isto mais

    do que consentimento ou concrdia, uma verdadeira unidade detodos eles [...] como se cada homem dissesse a cada homem:Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este

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    homem, ou a esta assemblia de homens, com a condio detransferires a ele o teu direito, autorizando de maneira semelhantetodas as suas aes. (HOBBES, 1983:105).

    No ato de conferir toda sua fora e o poder a um homem ou

    assemblia de homens Hobbes demonstrava sua preferncia pelo primeiro a

    sociedade poltica instituiria um poder externo, com prerrogativas de monoplio, em

    carter indivisvel, intransfervel e inquestionvel, ou como em suas palavras:

    nele que consiste a essncia do Estado, a qual pode ser assimdefinida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multido, mediantepactos recprocos uns com os outros, foi instituda por cada um comoautora, de modo a ela poder usar a fora e os recursos de todos, damaneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e adefesa comum. (HOBBES, 1983: 106, grifo do autor).

    Nesse modelo individualista-autoritrio, a ordem seria incompatvel com a

    expresso dos desacordos (BIRNBAUM,1995:250), e a soluo dos conflitos sociais,

    resultante das tendncias egostas dos homens iguais em capacidade, viria de uma

    ordem externa e absoluta.

    A outra vertente que aponta para a soluo dos conflitos sociais a partir de

    elementos externos, nasce com Auguste Comte. O sistema filosfico-social de

    Comte centra-se na necessidade de reforma intelecto-moral do homem para que se

    possa obter uma reorganizao da sociedade.

    Estrutura-se essa reforma sobre trs elementos bsicos: uma filosofia da

    histria que demonstre a evoluo da sociedade humana at o estado positivo (lei

    dos trs estados: teolgico, metafsico e positivo ou cientfico), uma classificao e

    fundamentao das cincias a partir do mtodo positivo e, finalmente, uma

    sociologia capaz de orientar a reforma das instituies a partir dos fundamentos

    positivos.

    Sua busca de uma unidade social o leva a afirmar, segundo Aron (1993),

    que s pode haver verdadeira unidade numa sociedade quando oconjunto das idias diretrizes, adotada pelos diferentes membros dacoletividade, forma um todo coerente. A sociedade catica quando

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    nela se justapem modos de pensar contraditrios e idias extradasde filosofias incompatveis. (ARON, 1993:88).

    O caos social reside no confronto de concepes de mundo, dos modos

    contraditrios de organizar a mesma sociedade, da expresso dos desacordos. Ou

    seja, muito prximo de Hobbes, Comte pensa nas formas de se anular a competio

    e as idias incompatveis. Seria no estado positivo, dominado pelo cientificismo, no

    contexto da exploso industrial e seu progressismo, que Comte encontraria o pice

    da sociedade humana. Desde que esta no se demorasse nos preconceitos e

    supersties dos estados teolgico e metafsico, o homem moderno alcanaria o

    progresso e com ele a reforma moral que anularia os conflitos sociais. Pois, para

    Comte S a filosofia positiva pode ser considerada a nica base slida da

    reorganizao social, que deve terminar o estado de crise na qual se encontram, h

    tanto tempo as naes mais civilizadas. (COMTE, 1983:17).

    Portanto, a soluo dos conflitos sociais viria com a evoluo e o

    progresso cientfico e tecnolgico, produzindo uma sociedade esclarecida (pelo culto

    razo e cincia - nova religio), pacfica e harmoniosa (pela distribuio

    eqitativa dos bens do progresso).

    2. O conf l i to com o anorm al idade soc ia l ou p ato logia: Marx e Durkheim

    Considerando-se que, para Marx, a estruturao conflituosa da sociedade

    humana resultara das alteraes nas relaes econmicas que originaram apropriedade privada e as classes antagnicas nos estertores das comunidades

    primitivas; e que o prprio desenvolvimento contraditrio entre as relaes de

    produo e as foras produtivas, na sociedade moderna, levaria inelutavelmente

    instaurao do comunismo; depreende-se que o conflito uma demonstrao de

    anormalidade histrico-social. A perspectiva marxista do conflito, portanto, est

    mais prxima do patolgico que do normal. (BIRNBAUM, 1995:253)

    Muito embora autores como Pasquino; Regalia (1995), considerem Marxprecursor entre os que conferem vitalidade ao conflito, medida que consideram

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    qualquer grupo ou sistema social como constantemente marcados por conflitos,

    porque em nenhuma sociedade a harmonia ou equilbrio foram

    normais(PASQUINO; REGALIA,1995:226); v-se que na construo terica de

    Marx, o comunismo a soluo dos antagonismos, como se pode perceber nos

    Manuscritos Econmico-Filosficos de 1844:

    O comunismo como superao positiva da propriedade privadaenquanto auto-alienao humana e por isto como apropriaoefetivamente real da essncia humana pelo e para o homem; por istocomo retorno completo, que veio a ser conscientemente e dentro detoda a riqueza do desenvolvimento at aqui, do homem para si como

    homem social, isto , humano. Este comunismo como naturalismoacabado = humanismo, como humanismo acabado = naturalismo, a verdadeira resoluo do antagonismo do homem com a natureza ecom o homem, a resoluo verdadeira da luta entre existncia eessncia, entre objetivao e auto-afirmao, entre a liberdade e anecessidade, entre indivduo e gnero. Ele o enigma da histriaresolvido e se sabe como esta soluo. (apudFERNANDES, 1984:168-169, grifo do autor).

    Veja-se como, para Marx, o comunismo possibilita o retorno completo,

    conscientemente, do homem para si como homem social, isto , humano. O

    retorno unidade do homem no social. Essa verdadeira resoluo dos

    antagonismos entre os homens e com a natureza restaura o homem original

    (naturalismo acabado = humanismo) pondo fim pr-histria da humanidade.

    O conflito , portanto, uma anormalidade histrica ocasionada pela

    propriedade privada e as classes antagnicas, caracterizando uma fase

    intermediria da histria humana a ser superada pelo comunismo, levando o homem

    ao humanismo acabado = naturalismo, como objetivao das sobrevivncias

    arquetpicas do igualitarismo das sociedades primitivas.

    J a concepo durkheimiana assentada na coeso social, entende o

    conflito como anormalidade medida que se rompe essa coeso baseada na

    solidariedade mecnica das sociedades simples ou primitivas, em direo diviso

    do trabalho. Nas sociedades indivisas, a solidariedade mecnica ou por semelhana

    em seu apogeu, a conscincia coletiva, recobre a conscincia individual,

    coincidindo em todos os pontos uma com a outra. De tal modo que no momento emque essa solidariedade exerce sua ao, nossa personalidade se esvai, podemos

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    dizer, por definio, pois no somos mais ns mesmos, e sim o ser coletivo.

    (DURKHEIM, 1995:106-107)

    Diverso o caso da solidariedade originada da diviso do trabalho ou

    orgnica onde cada indivduo tem uma esfera de ao prpria, por conseguinte,

    uma personalidade. [...] De fato, de um lado cada um depende tanto mais

    estreitamente da sociedade quanto mais for dividido o trabalho nela e, de outro, a

    atividade de cada um tanto mais pessoal quanto mais for especializada.

    (DURKHEIM, 1995:108)

    Para Durkheim existe, porm, a diviso do trabalho norma e a patolgica

    ou conflituosa. As formas anmicas so divididas em trs: as crises comerciais, o

    conflito capital/trabalho e especializao do trabalho cientfico. Essa descrio doestado anmico da sociedade de seu tempo, levou Durkheim a pensar formas de

    recomposio da coeso social, mecanismos de normatizao e de regulao social

    numa perspectiva funcionalista que o levou a ser rotulado de terico conservador.

    Mas, como lembra Birnbaum (1995), errnea essa perspectiva medida que

    Durkheim reconhece na sociedade uma dimenso conflitual legtima e em

    renovao incessante. Ademais, os vnculos que tm essa origem [contratual] so

    sempre de curta durao. O contrato nada mais que uma trgua, e bastanteprecria; ele apenas suspende por algum tempo as hostilidades. Sem dvida, por

    mais precisa que uma regulamentao seja, sempre deixar um espao livre para

    muitos atritos. Mas no necessrio, nem mesmo possvel, que a vida social seja

    sem lutas. O papel da solidariedade no suprimir a concorrncia, mas sim moder-

    la. (DURKHEIM, 1995:382).

    Desse modo, as concepes de Marx (privilegiando o conflito) e Durkheim

    (normatizando a coeso), aparentemente antagnicas, apontam ambos para umaperspectiva evolucionista e determinista medida que percebem o conflito a partir

    de uma viso histrico-social e disfuncional de ordem econmica e social

    (propriedade privada /diviso do trabalho social). Embora relevantes para a teoria

    social, essas abordagens no permitem, portanto, a compreenso dos conflitos em

    si. (BIRNBAUM, 1995).

    3. O conf lit o como relao, in ter ao e ten so so ci al: Weber, Sim mel e E lias

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    Fugindo ao determinismo estrutural, Weber prope como domnio da

    sociologia o estudo da ao social, das relaes e das formas de interao dos

    agentes, carregadas de intencionalidade. Nesse sentido, para Webe r uma relao

    social denomina-se luta quando as aes que se orientam pelo propsito de impor a

    prpria vontade contra a resistncia do ou dos parceiros. (WEBER,1994:23).

    Assim, Weber no encara o conflito como resultado de um estado anormal

    ou fase histrica negativa, mas como uma ao cotidiana e histrica resultante da

    concorrncia por bens escassos, entendidos em sua multiplicidade (materiais e

    simblicos) Aqui caberia lembrar tambm que para Weber a dominao um dos

    elementos mais importantes da ao social. E que Todas as reas da ao social,

    sem exceo, mostram-se profundamente influenciadas por complexos dedominao. (WEBER,1999:187).

    A contribuio de Weber considervel medida que despatologiza o

    conflito, mas com Simmel que temos uma teorizao mais complexa do conflito,

    tendo em vista que, para ele, o conflito se constitui numa das mais vvidas

    interaes.

    Simmel(1983) considera o conflito uma forma de sociao. Segundo ele,

    comportamentos antagnicos como dio, inveja, desejo, so causadores do conflitoe, este, por sua vez, se destina a solucionar os dualismos. Pois esse dualismo das

    relaes humanas estende-se globalidade das relaes sociais; no resulta de

    uma disfuno econmica ou outra, mas forma, em todos os nveis, a prpria trama

    da vida social. (BIRNBAUM, 1995:257).

    Tal qual Weber, sua viso interacionista est voltada para as aes e

    sentidos socialmente construdos pelos indivduos, grupos, naes, estados...

    Considera que o conflito compe-se de elementos positivos e negativosinseparveis. Unidade e divergncia so duas faces do ser individual e coletivo.

    Exemplifica-se isso na formao da personalidade individual o quantum de

    elementos harmnicos e antagnicos, como traumas, medos, depresses,

    resultantes das presses ticas, religiosas, etc.

    Numa perspectiva dialtica Simmel chega a afirmar: Assim como o

    universo precisa de amor e dio, isto , de foras de atrao e de foras de

    repulso, para que tenha uma forma qualquer, assim tambm a sociedade, para

    alcanar uma determinada configurao, precisa de quantidades proporcionais de

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    harmonia e desarmonia, de associao e competio, de tendncias favorveis e

    desfavorveis. (apudMORAES FILHO, 1983:124).

    A positividade sociolgica dos antagonismos, vista por Simmel, levou-o a

    defender o conflito tambm como fator de progresso, medida que leva grupos ou

    naes a realizaes considerveis, nos embates de interesses conflituosos, que

    no se realizariam em condies de harmonia coletiva. Exemplo disso seriam as

    guerras entre os estados modernos, pois por destructora y cara que resulte, ofrece

    un balance final ms favorable que las incontables pequeas luchas y rozamientos

    en los perodos en que los Gobiernos estaban menos centralizados. (SIMMEL,

    1986:328).

    Esse mesmo conflito ou guerra possibilita a um grupo a superao de

    certas discrepncias e alienaes individuais internas, ele freqentemente evidencia

    as relaes intergrupais com uma clareza e uma determinao impossveis de outro

    modo. (apud MORAES FILHO, 1983:154). Ou seja, o conflito externo possibilita

    temporariamente a anulao de discrepncias internas, porm os torna mais visveis

    e concretas, no percebidas de outro modo.

    Enfim, a amplitude de anlise do conflito como fator de socializao, em

    Simmel, abarca uma multiplicidade de relaes que vo do matrimnio, relaeserticas, famlia, grupos polticos at forma institucional do Estado ou entre

    Estados. De tal modo que na coexistencia de la vida social, ambos estados [la lucha

    y la paz] se ofrecen tan confundidos que, en toda paz se estn elaborando las

    condiciones para la guerra futura y en toda guerra las de la paz seguiente.

    (SIMMEL,1986:344).

    Norbert Elias, por sua vez, na obra Introduo Sociologia, no terceiro

    captulo, dedicado aos Modelos de jogo, traz importantes reflexes para treino daimaginao sociolgica, sobre o que denomina modelos de competio, em que

    se apresentam duas possibilidades de interao e interdependncia: a competio

    primria em dois grupos, e os modelos de jogo (realizada, mais ou menos sob

    regras, como xadrez, futebol, tnis, etc.). Dunning (2001:98) comenta a abordagem

    de Elias sobre o processo de parlamentarizao do conflito poltico, na Inglaterra

    do sculo XVIII, aps o exacerbamento das paixes na guerra civil do sculo

    anterior. Este seria o elemento central no processo de civilizao ingls, seguido

    pela esportizao das distraes, correlativamente quele processo de

    parlamentarizao, durante o qual o habitus mais civilizado desenvolvido pelos

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    aristocratas e pelos gentlemen levou esses ltimos a desenvolver maneiras menos

    violentas, mais civilizadas em seu lazer.

    O fato comum aos modelos de Simmel e Elias que neles as pessoas

    esto sempre medindo foras, embora, muitas vezes inconscientemente. Da resulta

    um equilbrio de poder, que poder ser estvel ou instvel, de acordo com

    circunstncias pessoais ou sociais. Tambm aqui, quando repensa o conceito poder,

    Elias mostra sua herana weberiana e, sobretudo, simmeliana. Primeiramente

    exorciza os caracteres mgico-mticos com se revestiu a palavra poder,

    demonstrando-o como uma caracterstica estrutural das relaes humanas de

    todas as relaes humanas. (ELIAS,2005:81, grifo do autor). Em seguida,

    demonstra que o equilbrio de poder no se encontra apenas na arena das relaesentre Estados, mas tambm como ocorrncia cotidiana nas relaes humanas

    (onde quer que haja uma interdependncia funcional entre pessoas), seja no

    modelo bipolar, seja, mais usualmente, no multipolar.

    semelhana de Simmel, Elias destaca o valor dos nmeros nas

    composies dos grupos em jogo e suas respectivas interaes, demonstrado a

    matemtica das relaes singulares possveis de serem estabelecidas; e questiona

    o tratamento sociolgico tradicional dado ao tema do conflito. Elias pensa o conflitosocial (violncia, tenses, equilbrio de poder) como elemento estruturante das

    interaes humanas e da evoluo social:

    Do ponto de vista dos grupos que se entrecruzam, podem por vezesconsiderar-se como expresses de uma animosidade pessoal, outrascomo consequncia da ideologia de um ou de outro lado. E, noentanto, trata-se antes de conflitos e tenses estruturados. Em

    muitos casos, eles e os seus resultados constituem o centro de umprocesso de evoluo. (ELIAS, 2005:189).

    Mas tambm o considera matria-prima das prticas e cogitaes do

    campo acadmico:

    D-se muitas vezes a impresso de que os cientistas sociaisimaginam semiconscientemente que, sem qualquer inteno,podero produzir tais tenses e conflitos caso os incluam em seus

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    modelos de sociedade. [...] Mas nunca as tenses e conflitosdesaparecero da sociedade pelo fato de terem sido omitidos nasteorias. (ELIAS, 2005:189, grifo do autor).

    Portanto, na avaliao de Coser (1996), as teorias sobre o conflito ou

    sobre a integrao no deveriam se colocar como perspectivas rivais, mas como

    componentes antes parciais do que globais da teoria sociolgica geral, de modo

    que:

    Sempre que um analista depara com o que parece ser um equilbriotemporrio, deveria prestar ateno s foras conflitantes quelevaram ao seu estabelecimento, antes que qualquer coisa. E,inversamente, o analista deveria ser sensvel probabilidade de queonde existe conflito e diviso haver tambm foras pressionandopra o estabelecimento de novos tipos de equilbrio. (COSER,1996:122).

    Enfim, considerando que a teoria sociolgica oscila, at hoje, entre as

    conceituaes do conflito como elemento patolgico e como elemento estruturantedas relaes sociais e, por tanto, tambm uma forma de interao social; coloca-se

    uma questo decisiva para o enfrentamento dos urgentes desafios contemporneos

    da vida coletiva, especialmente no Brasil: Em que medida o entendimento do que

    venha ser o conflito social, implicar no desenvolvimento de aes coletivas

    (pblicas e privadas) adequadas para o melhor solucionamento dos quadros

    conflituais que se apresentam nas diversas instncias da vida contempornea

    brasileira?

    Referncias:

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