O conhecimento científico -...

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7 Unidade 1 O conhecimento científico Origem e evolução do pensamento científico “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.” Albert Einstein O que é conhecer? Imagine que você está em uma livraria folheando um título de um escritor renomado, mas cujos livros foram recebidos distintamente pelo público: alguns foram muito bem aceitos, enquanto outros não conquistaram os leitores. Outro cliente, ao perceber que você está len- do um livro desse autor, aponta-lhe outro título do escritor e pergunta se é um bom livro. Antes de responder que nunca leu o livro e que, portanto, nada poderia informar sobre ele, você se recorda que leu em um jornal uma crítica bastante negativa acerca do título. O que você diria ao outro cliente? Exporia o fato de não ter lido o livro? Comentaria o que afirmava a crítica? Em situações como essa, você pode afirmar o conhecimento – ou desconhecimento – do livro de diversas maneiras. Uma possibilidade é, em conversas informais – como no caso descrito –, apropriar-se, consciente ou inconscientemente, do conteúdo da crítica, como se fos- se sua opinião, e divulgá-la a outras pessoas. Essa atitude, contudo, não seria apropriada em um seminário ou

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Unidade 1

O conhecimento científico

Origem e evolução do pensamento científico“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.”

Albert Einstein

O que é conhecer?Imagine que você está em uma livraria folheando um título de

um escritor renomado, mas cujos livros foram recebidos distintamente pelo público: alguns foram muito bem aceitos, enquanto outros não conquistaram os leitores. Outro cliente, ao perceber que você está len-do um livro desse autor, aponta-lhe outro título do escritor e pergunta se é um bom livro.

Antes de responder que nunca leu o livro e que, portanto, nada poderia informar sobre ele, você se recorda que leu em um jornal uma crítica bastante negativa acerca do título.

O que você diria ao outro cliente? Exporia o fato de não ter lido o livro? Comentaria o que afirmava a crítica?

Em situações como essa, você pode afirmar o conhecimento – ou desconhecimento – do livro de diversas maneiras. Uma possibilidade é, em conversas informais – como no caso descrito –, apropriar-se, consciente ou inconscientemente, do conteúdo da crítica, como se fos-se sua opinião, e divulgá-la a outras pessoas.

Essa atitude, contudo, não seria apropriada em um seminário ou

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qualquer outra apresentação acadêmica. Possivelmente alguém perce-beria que você não leu, de fato, o livro e, nesse contexto, seu conheci-mento acerca do objeto – um livro, por exemplo – seria questionado.

No livro Como falar dos livros que não lemos?, o professor e ensaísta Pierre Bayard propõe que não só é possível discorrer sobre títulos que nunca se leu, como também acredita que “julgar um livro pela capa”, contrariando o ditado, pode ser um exercício interessante para auxiliar o leitor – ou melhor, o não leitor – a formar uma opinião sobre o livro.Obviamente, não se trata de um ensaio no qual se apregoa a não leitura em detrimento da leitura completa. Para Bayard, é importante que o leitor tenha liberdade para falar de uma obra independentemente do quanto a leu, pois há várias formas de conhecer um livro que não são necessariamente permeadas pela leitura completa.

O conhecimento pode ocorrer de várias maneiras: por meio de aná-lises sistemáticas ou assistemáticas, pela observação permeada pela fé, pela tentativa de observação constante, na qual não se procure certezas. Por isso, é possível afirmar conhecimento de um livro mesmo sem tê-lo lido – acionando-se o repertório pessoal de leituras anteriores – e também o seu desconhecimento, apesar de tê-lo lido – considerando-se a hipótese de leitura superficial ou de não compreensão do assunto da obra.

O que desperta em você a vontade de conhecer algo? Que atitudes toma para buscar esse conhecimento? Há alguma diferença entre a maneira como você busca o conhecimento de um tema de seu interesse e de um tema que lhe foi imposto e com o qual não se identifica muito?

O conhecer está relacionado à percepção humana (tácita) das infor-mações referentes ao objeto. Ou seja, por meio dos sentidos, buscamos identificar as características do objeto e, ao vivenciá-las, efetivamos nosso conhecimento. Contudo, conhecer efetivamente é um processo complexo que pressupõe planejamento e precisão, principalmente no que se refere ao conhecimento científico.

Conhecer é, em princípio, a relação que o sujeito cognoscente (aque-le que conhece ou tem capacidade para conhecer) tem com o objeto co-nhecido. Ao efetivar esse conhecimento, o sujeito se apropria do objeto.

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Sujeitocognoscente

Tipos de conhecimento

Objeto conhecido

Figura 1 – O processo do conhecimento.

Assim, é preciso pensar e escolher a forma mais adequada de se apropriar do objeto de investigação, reconhecendo os tipos de conhe-cimento que se construirão de acordo com a natureza do objeto conhecido.

Mas, antes de apresentarmos as definições acerca dos tipos de co-nhecimento, informação central para os estudos subsequentes, é preci-so saber também o que é ciência e como ela nasceu. A palavra “ciên-cia” deriva de scientía, que significa conhecimento, saber, informação (CUNHA, 1982, p. 182). A ideia de ciência está intimamente ligada ao conhecimento, mas, como existem vários tipos de conhecimento, a ciência se refere a um tipo específico, construído com base em práticas sistematizadas e controladas, ou seja, o conhecimento científico.

Desde que a humanidade se percebeu como parte de um meio e se defrontou com os mistérios de sua existência, procura respostas a seus questionamentos, como forma de conhecer mais a vida e as questões humanas. Assim, assume-se que, em um primeiro momento, o conhe-cimento estava associado à curiosidade e à subsistência. O ser huma-no precisava conhecer a natureza, os animais e as plantas, precisava investigar o território onde vivia, o tempo e o clima. Eram questões pertinentes, que implicavam na sobrevivência ou em uma existência mais aprazível.

Dessa forma e de maneira empírica, ou seja, conhecendo com base em experiências assistemáticas, o ser humano começou a produzir ob-jetos para caça e a buscar soluções para seus males físicos.

Com o passar do tempo e com a evolução, o ser humano abando-nou o modo de vida nômade, no qual se mudava constantemente, a procura de locais com mais alimentos e melhores pastagens, e passou a permanecer mais tempo em determinados lugares, iniciando outra modalidade de vida, a sedentária.

Esse novo modo de vida exigia outros conhecimentos, tais como o cultivo da terra. Por isso, tornou-se imprescindível buscar informa-ções sobre o clima, o desenvolvimento das plantas e dos animais, entre outros. Assim, a evolução do ser humano relaciona-se a sua busca por novos conhecimentos. Veja mais alguns exemplos:

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• Os povos antigos buscaram aperfeiçoar a contagem do tempo, a arquitetura, a regulamentação da organização social – por meio de códigos de leis –, entre outras contribuições. Fachin (2006, p. 7) assim descreve o desenvolvimento dos povos antigos:

Os povos antigos, como os dos vales do Tigre e do Eufrates, e das margens do Nilo, desco-briram formas para medir áreas e volumes, baseados em cálculos numéricos; estabeleceram o calendário para marcar a época dos principais acontecimentos; e ainda fizeram o registro dos eclipses.

Chamam-se povos antigos as civilizações que habitaram na Mesopotâmia (parte da região denominada atualmente de Oriente Médio), como os sumérios, que desenvolveram a escrita cuneiforme, e os babilônios, que desenvolveram um dos primeiros conjuntos de lei – o Código de Hamurábi.

• No trânsito entre os séculos XVI e XVII, a ciência assumiu concepção semelhante a que conhecemos atualmente. O Humanismo – corrente de pensamento que propõe, entre outras coisas, que o ser humano é o centro de tudo e naturalmente investigador – associa a ciência à procura por estruturas universais, medidas e critérios de comparação, à busca por explicações causais, desvinculadas de conceitos míticos.

• De acordo com Ludwig (2009, p. 13), no período anterior,

até o século XVI, predominou o que se costumava chamar de pensamento pré-moderno, cujas características referem-se à harmonia do universo centrado na terra, o equilíbrio na natureza e na vida em sociedade, e, principalmente, a subjugação da razão ao pensamento mágico, às superstições e à religião.

A Reforma Protestante, a invenção da imprensa e o Renascimen-to foram grandes fomentadores do nascimento e da estabilização do pensamento moderno, contribuindo, respectivamente, para a descen-tralização do poder da Igreja Católica, para a grande difusão do co-nhecimento pelos meios impressos, para a valorização da razão e do pensamento humano.

Invenção da imprensa: A impressão por tipos móveis, feitas pela primeira vez na Europa por Johannes Gutenberg, possibilitava a reprodução em massa de livros e escrituras. An-tes de sua invenção, apenas os representantes da Igreja podiam ter acesso aos livros e repassavam suas interpretações às demais pessoas.Reforma Protestante: Movimento de reação, iniciado por Martinho Lutero, a algumas práticas da Igreja Católica no período, como a venda de indulgências (isto é, o recebimento de dinheiro de fiéis em troca da absolvição de seus pecados).Renascimento: Período histórico que compreende o final do século XIII e meados do século XVII, aproximadamente. Caracterizou-se pelas profundas mudanças culturais, econômicas, políticas e sociais e retomada de referências culturais da antiguidade clássica.

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Foi um caminho longo e nem sempre tranquilo. Não foram poucos os pensadores que sofreram por conta de suas ideias e posturas. Mui-tos morreram, mas deixaram marcas que construíram e ainda constro-em a história da ciência.

Breve histórico do pensamento científico

“Um homem nada faria se, para principiar a fazer as coisas, esperasse até fazê-las com tal perfeição que ninguém lhes acharia defeito.”

Cardeal Newman

É possível dividir didaticamente as fases históricas da seguinte forma:

• Pré-História – período marcado pelo surgimento do homem na Ter-ra até cerca de 4000 a.C., momento no qual a escrita é inventada.

• Idade Antiga – de 4000 a.C. até 476 d.C., quando ocorre a queda do Império Romano no Ocidente com a invasão dos povos bárbaros.

• Idade Média – de 476 d.C. até 1453, quando há a tomada de Cons-tantinopla pelos turcos.

• Idade Moderna – de 1453 até 1789, quando ocorreu a Revolução Francesa.

É importante ressaltar que, apesar dessa divisão, as ideias de filósofos da Antiguidade foram retomadas em vários outros períodos. Caracteris-ticamente, o conhecimento passa por processos de evolução, marcados pela retomada de algumas ideias e também pela negação de outras.

A ciência nasce, então, na Grécia, com os chamados filósofos da natu-reza ou pré-socráticos. Em suas investigações, esses filósofos questionavam as formas de pensamento, atitude que deu origem ao pensamento científi-co. Antes desse período, existia uma visão mítica e religiosa da natureza, fato que começou a se romper com o início do pensamento científico.

Grandes nomes figuram nesse momento, entre eles Tales de Mileto e Pitágoras, buscando explicar a origem e a composição do Universo. O matemático e geômetra Tales (século VII a.C.) é considerado o pai da filosofia grega, e estudou também Física e Cosmologia. Para ele, a água era a origem de todas as coisas.

Pitágoras (século VI a.C.), por sua vez, acreditava que os números cons-tituíam a essência de todas as coisas, criando uma concepção matemática da natureza. É dele o teorema do triângulo retângulo e cabe a ele também a criação da palavra “filosofia”, que significa “amor ao saber”. Segundo Sátiro e Wuensch (2003, p. 47), Pitágoras de Samos “acreditava que o co-nhecimento modificava as pessoas e que elas mereciam conhecimento”.

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Os filósofos pré-socráticos buscavam conhecer a origem do Universo e, ao atribuí-rem-na a um único elemento – a água, por exemplo –, mantinham ainda um pouco das explicações míticas.

Ainda que Pitágoras também tenha estudado a origem do Universo, a qual acreditava estar relacionada aos números, é possível perceber uma contribuição ainda mais sensível para o conhecimento científico. Você sabe o que é?

Ao atribuir aos números as explicações acerca do Universo, Pitágoras parte de abstra-ções, aquilo que não é sentido, para compreender o significado da natureza.

Sócrates (século V a.C.) desviou a investigação da natureza para o ser humano e questionou o que é o bem, a justiça, a virtude. A questão essencial nas investigações socráticas é a essência do homem. Uma de suas frases mais famosas nos remete a essa investigação: “Conhece-te a ti mesmo.”

O filósofo discutia suas ideias em praças e outros lugares públicos e não escolhia seus interlocutores, os quais podiam ser ricos, pobres, moços ou velhos:

Segundo o testemunho de seu mais famoso discípulo Platão, Sócrates investigava e dialogava com aqueles que estavam dispostos a fazer reflexões sobre temas fundamentais como o amor, a morte, a virtude, a verdade, o conhecimento. (SÁTIRO; WUENSCH, 2003, p. 47)

Por questionar muitas das crenças míticas e religiosas da sociedade grega, Sócrates foi condenado à morte, acusado, entre outras coisas, de desvirtuar a juventude grega. O filósofo foi obrigado a beber cicuta, veneno retirado de uma planta de mesmo nome.

Sócrates não deixou uma linha sequer escrita e suas ideias foram registradas por seu proeminente discípulo Platão (429 a.C.), que pro-punha que só se poderia chegar ao verdadeiro conhecimento por meio da dialética (arte do diálogo). Para esse filósofo, é por meio de ques-tionamentos e respostas que se inicia o processo de construção do conhecimento e a busca pela verdade.

DialéticaOriginalmente, o termo (que tem origem grega) significava discorrer com, isto é, trocar impres-sões, conversar, debater... dialogar. Evolui, entretanto, para um sentido mais preciso, desig-nando “uma discussão de algum modo institucionalizada, organizando-se – habitualmente em presença de um público que acompanha o debate – como uma espécie de concurso entre dois interlocutores que defendem duas teses contraditórias. A dialética eleva-se, então, ao nível de uma arte, a arte de triunfar sobre o adversário, de refutar as suas afirmações ou de o convencer”.(Fonte: BLANCHÉ, Robert. História da Lógica – de Aristóteles a Bertrand Russel. Lisboa: Edições 70, 1985.) O CANTO da filosofia. Dialética. Disponível em: <http://ocanto.esenviseu.net/lexd.htm>. Acesso em: 4 abr. 2010.

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Outra importante contribuição de Platão para a Filosofia é a “Ale-goria da caverna”, pela qual conceitua o mundo do sensível e o mun-do das ideias, apontando este último como o mundo verdadeiro, em oposição ao mundo do sensível, que seria apenas a sombra do que é verdadeiro.

Em A República, para demonstrar a relação entre o mundo sensível e o mundo das ideias, Platão vale-se da seguinte imagem: as gerações de um grupo de seres humanos, aprisionados ainda na infância em uma caverna, passam seus dias a olhar o mundo de fora por meio das sombras que os habitantes desse mundo exterior projetam na caverna. O que aconteceria se alguns prisioneiros se libertassem e verificassem que o mundo projetado era bem diferente do que viam depois de livres?

Discípulo de Platão, Aristóteles (384 a.C.) focaliza suas investiga-ções no problema fundamental do ser. Investigou a natureza, a socie-dade e os indivíduos, buscando a tudo classificar, sempre pautado pela racionalidade. Segundo Sátiro e Wuensch (2003, p. 185),

escreveu obra vasta, de temas científicos e metafísicos, passando pela moral e pela política. Sistematizou e analisou as formas de pensamento, da retórica à lógica, e foi responsável pela introdução de um método mais formal e sistemático na filosofia.

Para ele, as coisas eram constituídas a partir dos quatro elementos: água, terra, fogo e ar. Também estudou Física e criou, entre outras, uma das obras mais importantes no campo da teoria literária: a Poética.

Leia, a seguir, em excerto dessa obra, na qual Aristóteles classifica os gêneros literários em tragédia, epopeia e comédia. A epopeia (nar-ração em versos dos feitos de heróis gregos) e, mais especificamente, o fazer poético são abordados neste trecho. Observe que, para Aristóte-les, o trabalho do artista consiste em uma imitação da realidade:

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[...] Imitador, como o pintor ou qualquer outro artista plástico, o poeta necessariamente imita sempre por uma de três maneiras: ou reproduz os originais tais como eram ou são, ou como os dizem e eles parecem, ou como deviam ser. Isso se exprime em uma lingua-gem em que há termos raros, metáforas e muita modificação de palavras, pois consentimos isso aos poetas.

Ademais, correção não significa o mesmo na atuação social e na poética, nem em artes outras que a da poesia. O erro na poética mesma se dá de duas maneiras: erro de arte e erro acidental. Se o poeta resolver imitar um original e não o imitar corretamente por incapacidade, o erro é de arte; mas se errou na concepção do origi-nal e pintou um cavalo com ambas as patas dianteiras avançadas ou se enganou em algum ramo das ciências, como a medicina ou alguma outra, ou criou algo impossível, o erro não é de arte.

[...]

De modo geral, o impossível se deve reportar ao efeito poético, à melhoria, ou à opinião comum. Do ângulo da poesia, um impos-sível convincente é preferível a um possível que não convença.

ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica – Aristóteles, Horácio, Longino. Tradução de: BRUNA, Jaime. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1992. p. 48-50.

Durante a Idade Média, a Igreja Católica exerceu uma forte in-fluência sobre o desenvolvimento científico, na medida em que este servia de obstáculo a qualquer postura que negasse seus dogmas.

Devido a isso, surgiu nessa época a Escolástica, ciência que tinha por objetivo a demonstração da verdade na doutrina cristã. A Escolás-tica também idealizou um sistema de ensino fundamentado em dois conjuntos de disciplinas: o trívio, que contemplava a Gramática, a Re-tórica e a Dialética; o quadrívio, do qual faziam parte a Aritmética, a Geometria, a Astronomia e a Música.

Os pensadores mais importantes desse momento são Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) e Tomás de Aquino (São Tomás de Aquino). Há entre os filósofos escolásticos uma tentativa de harmonizar a cul-tura da Antiguidade com os ideais cristãos. Nessa tentativa, Tomás de Aquino retoma a Retórica e a Dialética de Platão, porém, muitas outras ideias clássicas foram rechaçadas por destoarem da filosofia cristã.

Teoria e prática de todo o discurso que tem uma intenção persuasiva: pode falar-se de retórica sempre que alguém procura convencer outrem de alguma coisa.O CANTO da filosofia. Retórica. Disponível em: <http://ocanto.esenviseu.net/lexr.htm>. Acesso em: 11 abr. 2010.

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Cabe ressaltar que, mesmo sofrendo com os obstáculos e as pu-nições impostas pela Igreja, o desenvolvimento científico levou essa instituição a abrir mão da exclusividade no ensino, desencadeando o surgimento das primeiras escolas privadas, que, mais tarde, deram origem às universidades.

Já no final da Idade Média, outros grandes homens marcaram a histó-ria da ciência. Nicolau Copérnico (1473 d.C.) foi um deles. Renascentista que desmentiu a ideia cristã de que a Terra era o centro do Universo, foi o idealizador da teoria heliocêntrica, segundo a qual o Sol estaria no centro do Universo. Ludwig (2009, p. 16) informa que “no século XVI ocorreu um rompimento bastante significativo. Nicolau Copérnico, em seu livro intitulado Commentariolus, asseverou que a Terra não era o centro do Uni-verso e sim um entre os demais planetas que giravam em torno do Sol”.

Depois de Copérnico, muitos seguidores de suas ideias incomoda-ram a Igreja, entre eles Giordano Bruno (1548 d.C.), que, partidário da teoria heliocêntrica, foi queimado vivo por se recusar a uma retra-tação pública.

Outro partidário de Copérnico foi Galileu Galilei (1564 d.C.), que desenvolveu o método experimental.

Utilizando-se das observações, do raciocínio lógico e das experimentações, Galileu fundamen-tava suas conclusões. Esse modo de proceder ficou conhecido como método experimental e Galileu ficou conhecido como o pai da experimentação e considerado o precursor da revolução na Física a partir do século XVII.MUNDO Educação. Um físico chamado Galileu Galilei. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/fi-sica/um-fisico-chamado-galileu-galilei.htm>. Acesso em: 11 abr. 2010.

Isaac Newton anexou às várias descobertas a lei da gravitação uni-versal, que demonstra a atração exercida pela Terra sobre as coisas na superfície. Além dessa lei, desenvolveu também o cálculo infinitesi-mal, área da matemática que se desenvolveu a partir da Álgebra e da Geometria. Preocupa-se com os movimentos e as variações, investi-gando as forças variáveis que agem produzindo aceleração.

Newton explicou, por meio da lei da gravitação universal, fenômenos até então não relacionados entre si, como a influência das fases da Lua na maré. Na Lua nova, por exemplo, quando a Terra, o Sol e a Lua encontram-se alinhados, a atração gravitacional exercida pelos astros é somada e as correntes marítimas ocasionam uma elevação máxima do nível do mar.

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Para Newton, o Universo assemelhava-se a um gigantesco relógio movido por leis naturais e matemáticas. Essa ideia já havia sido defen-dida por outros pensadores, como Descartes.

A tarefa de indução e experimentação da matemática foi reservada a Newton, para quem o co-nhecimento científico da natureza só é obtido quando os dados fornecidos pela experimenta-ção e pela observação puderem ser traduzidos pela simbologia matemática e quando expres-sarem regularidade, constância e relações entre os fenômenos em estudo. (FACHIN, 2006, p. 8)

René Descartes (1596 d.C.) também se ateve às leis do movimento e, a exemplo de muitos pensadores, não restringiu suas investigações a uma área apenas das ciências, mas focalizou seus estudos, de maneira mais intensa, na Matemática, com a qual tentava explicar tudo, inclu-sive a existência de Deus.

Em 1637, Descartes publica o Discurso do método, obra na qual mostra que a verdade pode ser obtida por meio de procedimentos racionais; iniciou pelo dado da própria existência, com a frase: “Penso, logo existo”. As normas cartesianas do método apontavam que tudo deveria iniciar a partir de um dado incontestável. (FACHIN, 2006, p. 8).

A teoria cartesiana sofreu e ainda sofre críticas intensas, mas é ine-gável sua contribuição para o avanço científico. Veja, a seguir, a explica-ção de Marilena Chaui (2000, p. 79) para a frase “Penso, logo existo”:

Na história da Filosofia, o exemplo mais célebre de intuição intelectual é conhecido como o cogito cartesiano, isto é, a afirmação de Descartes: “Penso (cogito), logo existo.” De fato, quan-do penso, sei que estou pensando e não é preciso provar ou demonstrar isso, mesmo porque provar e demonstrar é pensar e para demonstrar e provar é preciso, primeiro, pensar e saber que se pensa.Quando digo “Penso, logo existo”, estou simplesmente afirmando racionalmente que sei que sou um ser pensante ou que existo pensando, sem necessidade de provas e demonstrações. A intuição capta, num único ato intelectual, a verdade do pensamento pensando em si mesmo.

Já no século XIX percebe-se uma expansão no surgimento de co-munidades científicas organizadas, juntamente com a otimização da comunicação científica.

Alguns nomes são expoentes, mas Sigmund Freud (1856 d.C.) foi, sem dúvida, determinante nas ciências médicas. A psicanálise freu-diana aponta o inconsciente como gerador de muitas das atitudes do ser humano, o qual se dividiria entre os seus impulsos, as imposições sociais e as imposições que julgava que esta lhe impunha.

Nos trilhos dessa grande expansão do século XIX, o século XX surge atrelando ciência e tecnologia, provocando um grande avanço, cujas consequências ainda não se pode falar com certeza.

Para Oliveira (2002, p. 3),

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por muitos séculos, o conhecimento e a evolução tecnológica se deram por meio das experiên-cias empíricas, intuitivas e de erros. Somente a partir do séc. XVIII, quando a comunidade científica passou a conhecer vários trabalhos de grandeza científica, e com a evolução da físi-ca, da matemática e da mecânica no séc. XIX, época da Revolução Industrial, é que a tecnologia tornou-se uma Ciência Aplicada.

Albert Einstein (1879 d.C.), em 1905, publicou quatro estudos que revolucionaram as bases da ciência moderna, contestando os princí-pios absolutos formulados por Newton.

Esses quatro artigos se referem à teoria dos quanta, de Max Planck; ao movimento browniano e a teoria molecular da matéria; ao célebre princípio da equivalência da energia e da massa; à Teoria da Relativi-dade e à mítica fórmula: E = mc².

A ciência, como está em constante atividade, cria e derruba teorias diariamente, e o que era tido como certo há algum tempo pode não o ser agora. Esse é o papel da ciência, uma investigação constante das coisas do mundo.

Seria ousadia e até mesmo soberba de nossa parte pretender in-serir nestas páginas toda a história do conhecimento humano. Esta é apenas uma parte desse grande cenário das ciências que ainda está em construção, de forma viva, dinâmica e questionadora.

Classificação das ciências

“Todo grande progresso da ciência resultou de uma nova audácia da imaginação.”John Dewey

Inicialmente, os filósofos estudavam a natureza e por isso eram chamados filósofos da natureza. Eram também generalistas e estuda-vam todas as áreas das ciências, tais como a Física, a Cosmologia, a Matemática, entre outras. Com a evolução do pensamento científico, sentiu-se a necessidade de dividir a ciência em áreas, a fim de facilitar a investigação e compreensão dos fenômenos.

Ao longo do tempo, os pensadores apresentaram várias divisões para a ciência:

• Aristóteles (Antiguidade) – Ciências teóricas, práticas e poéticas.

• Francis Bacon (século XVI) – Ciências memorativas ou da memó-ria, ciências da imaginação e ciências da razão (filosofia).

• Augusto Comte (século XIX) – Matemática, Astronomia, Física, Química e Fisiologia.

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• Espencer (século XIX) – Abstratas, abstrato-concretas e as concretas.

Como podemos verificar, são várias as divisões, mas aqui tomare-mos a divisão moderna das ciências para facilitar o estudo, que assim se apresenta: exatas, naturais e humanas.

As ciências exatas contemplam a Matemática e áreas afins; as ciências naturais investigam as questões relacionadas à Biologia, Física e Química; as ciências humanas tratam de questões relacio-nadas ao homem, tais como a Psicologia, a Sociologia, a História, entre outras.

Tipos de conhecimentos“Fé na razão não é somente fé em nossa própria razão, mas também – e ainda

mais – na razão dos outros. Dessa forma, um racionalista, mesmo acreditando ser intelectualmente superior aos outros (o que lhe é difícil julgar), apenas o será na

medida em que aprender, por criticismo, bem como pelos próprios erros e os alheios, pois que só se aprende, neste sentido, se se levar a sério os outros, como também

seus argumentos. O racionalismo está, portanto, ligado à ideia de que a outra pessoa tem o direito de ser ouvida, e de defender seus argumentos.”

Karl Popper

Conhecimento empíricoO conhecimento empírico é aquele que nasce das experiências co-

tidianas. Ele é assistemático e não necessita de qualquer método.

Esse tipo de conhecimento é construído por meio de uma sequên cia de acasos e repetições que determinam um padrão do qual se apro-priam “as pessoas que conhecem”.

Um exemplo de conhecimento empírico são as receitas populares – indicações de chás ou mistura de ervas – ou mesmo a previsão do tempo feita pelas pessoas do campo, com mais experiência, ou seja, pessoas que aprenderam ao observar a repetição e o padrão de deter-minado evento.

No caso da previsão do tempo, por exemplo, as pessoas que vivem no campo aprenderam a observar um padrão de comportamento do tempo e, com base na observação, passaram a conhecer, de forma em-pírica, as consequências desse padrão.

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Não há, todavia, explicação alguma sobre a causa que desencadeia a consequência. Há, sim, uma conclusão tirada por meio da observa-ção de inúmeras ocorrências que levaram sempre a um mesmo resul-tado.

Muitas vezes, esse conhecimento nem mesmo foi experienciado, mas repassado de uma geração para outra, de forma definitiva e sem questionamentos. Assim, se alguém mais velho costumava dizer que “quando esquenta rapidamente, chove”, as demais pessoas da família podem assumir essa ideia como verdadeira e apropriar-se desse conhe-cimento, sem questioná-lo.

Conhecimento científicoA grande diferença entre o conhecimento empírico e o conheci-

mento científico está na sistematização, pois se o conhecimento empí-rico nasce do acaso, o conhecimento científico, ao contrário, nasce de uma sequência organizada e controlada de procedimentos que buscam intencionalmente o conhecimento.

No caso das receitas de chás que diminuem as dores no estômago, por exemplo, o conhecimento só será científico se o sujeito souber ex-plicar a causa do alívio da dor e o princípio que regula esse processo.

Para isso, é necessário reproduzir o episódio, acompanhando-o e controlando-o, a fim de descobrir o porquê de tal consequência. Cervo e Bervian (1977, p. 6), ao citarem Aristóteles, afirmam que “conhe-cemos uma coisa de maneira absoluta [...] quando sabemos qual é a causa que a produz e o motivo pelo qual não pode ser de outro modo; isto é saber por demonstração; por isso a ciência reduz-se à demons-tração”.

O conhecimento científico apresenta as seguintes características:

• Há certeza porque apresenta justificativas e explicações para o que considera certo.

• É metódico e sistemático porque busca reproduzir os fenômenos a fim de investigá-los, procurando as leis e os princípios que regem tais fenômenos.

• É universal, na medida em que se aplica a todos os casos seme-lhantes.

• Busca a objetividade que trará o máximo de neutralidade possível para uma descrição imparcial, porém crítica.

• O método científico é também chamado de método experimental, pois busca o conhecimento por meio da reprodução, da experi-mentação controlada e da demonstração de um fenômeno.

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Conhecimento filosóficoO conhecimento filosófico, assim como o científico, é racional,

uma vez que é produzido mediante especulação acerca do real. Con-tudo, esse conhecimento não visa à experimentação, comprovação e validação da verdade.

Para Cervo e Bervian (1977, p. 8), “o filosofar é um interrogar, é um contínuo questionar a si e a realidade”. Dessa forma, o objeto do conhecimento filosófico deve ser observado de maneira diferente, em um constante questionamento e sem buscar certezas imutáveis e mo-delos atemporais e universais.

Conhecimento teológicoO conhecimento teológico assenta-se basicamente em uma atitude

de fé. Quando criamos um problema de pesquisa, do qual se parte para uma investigação material (experimental) ou filosófica (racional), questiona-se, em tese, duvida-se. O conhecimento teológico nasce da fé de que outra pessoa esteja de posse da verdade e acredita-se nessa verdade, de maneira inquestionável.

Segundo Cervo e Bervian (1977, p. 9), conhecimento teológico “é aquele conjunto de verdades a que os homens chegaram não com o auxílio de sua inteligência, mas mediante a aceitação dos dados da re-velação divina”. Não há, portanto, nenhum questionamento por parte do sujeito em relação ao objeto conhecido.

Resumidamente, pode-se apresentar da seguinte maneira as dife-renças entre os diferentes tipos de conhecimento:

Conhecimento Como ocorre

EmpíricoPor meio da vivência, da observação cotidiana e não sistemá-tica de determinado fenômeno.

CientíficoPor meio da investigação sistemática e experimental da realidade.

FilosóficoPor meio do questionamento constante do objeto de investi-gação. Não há preocupação com a experimentação.

TeológicoPor meio da aceitação de que há um Deus ou deuses que controlam determinado fenômeno.

Quadro 1 – As diferenças entre alguns conhecimentos.

Verificamos, finalmente, que há vários níveis de conhecimento,

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que devem ser preteridos, de acordo com o objeto a ser investigado. Além disso, é preciso considerar as abordagens da investigação cien-tífica e, entre elas, há algumas de extrema relevância: o idealismo, o empirismo e o relativismo.

O idealismo é uma tendência filosófica que reduz toda a existência ao pensamento. Já o empirismo defende a crença de que todo conheci-mento só pode ser obtido pela experiência. Veja a explicação de Chaui (2000, p. 88-89) acerca do princípio do empirismo:

As ideias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, a razão as apanha para formar os pensamentos.A experiência escreve e grava em nosso espírito as ideias, e a razão irá associá-las, combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos pensamentos.

Por fim, o relativismo acredita que todas as ideias são válidas, pois elas dependem do contexto, e por isso são relativas. Essa abordagem, portanto, nega as certezas absolutas e as incertezas irrefutáveis.

No início desta unidade, você foi convidado a refletir sobre o que faria se, em uma livraria, uma pessoa lhe perguntasse a respeito de um livro que você não leu, mas do qual leu críticas negativas. Agora, imagine que você tenha de apresentar um trabalho sobre esse livro no qual investigue os motivos de não ter sido bem aceito pelo público.

Em quais aspectos sua preparação, nessa situação, seria diferente?Uma das principais diferenças entre assumir um posicionamento

em situações mais descontraídas e diante de uma comunidade científi-ca é que, neste caso, você teria de ler e analisar não só o livro criticado como também as opiniões de outros críticos, além de aprofundar-se em obras que discutam o processo de recepção da leitura.

Essa leitura é bastante desafiadora, pois exige um posicionamento ativo do leitor, que deverá não só compreender, como também analisar seu objeto de estudo com base na reflexão sobre seu aporte teórico.

Na próxima unidade, discutiremos mais aspectos relativos à leitu-ra e a sua importância como ferramenta de aprendizagem e pesquisa.