O Conservadorismo Pela Lente de Um Liberal _ Rodrigo Constantino - VEJA

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  • 7/26/2019 O Conservadorismo Pela Lente de Um Liberal _ Rodrigo Constantino - VEJA

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    Rodrigo Constantino

    Anlises de um liberal sem medo da polmica

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    04/10/2013

    s 16:09 \ Filosofia poltica

    O conservadorismo pela lentedeum liberal

    Fim de semana chegando, nada como um longo ensaio instigante (assim espero) para ler, no mesmo? Cortesia da Dicta & Contradicta, segue meuensaio que est publicado na ltima edio da revista, com edio de Joel Pinheiro da Fonseca. Espero que gostem.

    O conservadorismo pela lente de um liberal

    Por Rodrigo Constantino

    Para falar sobre filosofia poltica, o primeiro problema que surge a definio dos rtulos. Eles so teis na vida, no resta dvida, pois ajudam asimplificar conceitos complexos e a estreitar grupos de pensamento com base em semelhanas e divergncias. Mas podem ser perigosos, justamente porseu simplismo. Como encaixar em uma nica palavra tantos valores e princpios, tantas crenas?

    Dito isso, no terei como fugir dos rtulos em um ensaio sobre conservadorismo e liberalismo. O que entendo por conservadorismo? Em primeiro lugar,talvez seja melhor dizer o que no ser alvo de anlise neste ensaio: o neoconservadorismo do Partido Republicano nos Estados Unidos, to bemrepresentado pelo ex-presidente George W. Bush. Sua viso messinica de exportar, por meio de armas, a democracia para o mundo no combina com o

    conservadorismo tradicional. Tampouco trataremos de um conservadorismo verde e amarelo, at porque faltariam representantes legtimos dessepensamento no Brasil moderno. Inclusive considero estes dois cones da direita os imperialistas messinicos e os meros reacionrios como culpadospela m reputao do conservadorismo. Se seus representantes so Bush e Bolsonaro, ento no h muito de admirvel nessa linha de pensamento poltico.O anticomunismo muito pouco para torn-la respeitvel.

    O conservadorismo aqui abordado aquele que ganhou corpo terico a partir de Edmund Burke e suas reflexes sobre a Revoluo Francesa. Outrosvieram depois acrescentando suas prprias vises, mas sem transfigurar os pilares essenciais traados por Burke. Tocqueville, John Adams, Michael

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    Oakeshott, Russell Kirk, Roger Scruton e tantos outros contriburam para a preservao e o avano de suas principais caractersticas.

    E quais seriam elas? Tentemos definir os principais pontos do conservadorismo tarefa ingrata, mas necessria. Com relutncia, enfrentarei o desafio,sabendo de antemo que pecarei pelo simplismo. Pedirei ajuda a Russell Kirk, que se debruou sobre o assunto em The Conservative Mind.

    O conservadorismo no um dogma imutvel ou fixo, e se adapta ao tempo sem trair suas convices. Em sua essncia, porm, representa a tentativa depreservar o que familiar, e da decorre o respeito pelas tradies assimiladas e testadas pela sociedade ao longo do tempo, pela sabedoria dosantepassados. Alguns pilares costumam estar presentes em todo pensamento conservador. So eles: 1) A crena de que h uma inteno divina quegoverna a sociedade e a conscincia individual, criando um elo eterno que liga os vivos e os mortos 2) afeio pela enorme variedade e mistrio presentesna vida, ao contrrio da viso mais uniforme e limitada dos sistemas radicais 3) convico de que a sociedade civil necessita de ordem e classes, delideranas naturais que, uma vez abolidas, deixaro um vcuo a ser ocupado por ditadores 4) noo de que propriedade e liberdade esto conectadas deforma inseparvel 5) descrena em modelos racionalistas que ignoram o fato de que os homens so governados mais pelas emoes que pela razo 6)

    reconhecimento de que reforma e inovao revolucionria no so a mesma coisa, sendo esta normalmente arriscada demais para a manuteno dasociedade.

    Em minha interpretao da leitura dos textos conservadores, eis o que ficou de mais relevante: uma cautela contra tudo que extremista e utpico apreferncia por reformas graduais em vez de saltos revolucionrios uma abordagem humilde com base na falibilidade de nossa razo um foco nasvirtudes atemporais desenvolvidas por nossos ancestrais a valorizao da cultura e da famlia tradicional a defesa de uma aristocracia natural profundadesconfiana da democracia igualitria uma viso trgica do ser humano, cuja evoluo moral no acompanha a material um realismo ao lidar com a

    poltica, a arte do possvel e o respeito pela ordem social contra o risco de anomia. Desenvolverei esses pontos a seguir.

    Ceticismo vs. fanatismo

    Comecemos pela cautela contra radicalismos. Talvez esta seja uma das mais importantes caractersticas de um tpico conservador, e sem dvida a que maisme atrai. Todo conservador ctico por natureza e experincia. Ele compreende que a vida em sociedade por demais complexa para ser enquadrada emmodelos paridos em uma Torre de Marfim. O conservador rejeita abstraes, por desconfiar de sua viabilidade, porque estas tendem a uniformizar deforma centralizada os comportamentos para que o projeto poltico possa ser construdo. Ele jamais ir abraar movimentos revolucionrios, que tm a

    pretenso de criar um novo mundo a partir de uma tbula rasa, descartando todo o estoque de conhecimento existente.

    H em todo conservador uma boa dose de respeito pelo rduo processo de tentativa e erro ao longo dos tempos, que serviu para moldar instituies teis anossa sobrevivncia. E o mais importante: tais instituies nem sempre podem ser perfeitamente compreendidas pela nossa razo. O liberal FriedrichHayek tinha postura semelhante, apesar de no se considerar conservador. Mas sua viso era to parecida com o conservadorismo em alguns aspectos queele teve que escrever um texto explicando porque no era um deles.

    Hayek, de fato, tinha muitos pontos de convergncia com o conservadorismo. Ele desconfiava do racionalismo cartesiano, e achava que a prpria razopoderia nos mostrar seus limites, demandando maior humildade frente complexidade da vida social. Chegou a cunhar a expresso arrogncia fatal parase referir a esta pretenso humana de desenhar modelos racionais perfeitos e justos de sociedade. Hayek era contra o abuso da razo. Seguindo a idia deVico, Mandeville e dos iluministas escoceses, acreditava em uma ordem espontnea, advinda de consequncias no intencionais dos agentes. Sua maiordivergncia com os conservadores era no que diz respeito ao otimismo. Para Hayek, faltava aos conservadores a coragem de aceitar as mudanas no

    programadas pelas quais novas conquistas humanas iro surgir.

    No aspecto de nosso interesse aqui, Hayek sem dvida estava do lado conservador. Curiosamente, mesmo desconfiando da razo e respeitando o estoquede conhecimento acumulado, Hayek chegou a defender uma postura mais ousada dos liberais. Escreveu que era preciso transformar o liberalismo em umaempreitada radical e at utpica, uma aventura intelectual. Ironicamente, no viveu o suficiente para ver os seguidores modernos de Rothbard, que levaram

    seu conselho ao extremo, acusando-lhe de socialista.

    O fanatismo dos seguidores de Rothbard foi um dos fatores que me afastaram da viso libertria radical. Jovens imbudos de uma crena intransigente noprincpio absoluto da no-agresso acabaram por criar uma seita fechada, intolerante com qualquer divergncia. Seguros da descoberta dessa pedrafilosofal, reduzem a questo tica a uma mxima que uma criana compreenderia. Pensam que, com ela, respondem todos os complexos problemassociais. Juram falar em nome da Razo contra os alienados (todos que discordam). Acabam adotando postura incompatvel com o liberalismo plural ehumilde que defendo. Assim como Oscar Wilde, no sou jovem o suficiente para saber tudo.

    Conservadores do mais nfase tradio que ao racionalismo dogmtico. A civilizao no herdada biologicamente ela precisa ser aprendida econquistada por cada nova gerao, inclusive por meio de ideias e valores pr-concebidos (ningum teria como submeter tudo ao crivo de sua razo). Se atransmisso fosse interrompida por um sculo, seramos selvagens novamente. O homem no cria, apenas com base em sua razo, os pilares que sustentama civilizao. Ela o acmulo de um processo ininterrupto e que pode ser desfeito a qualquer momento.

    Uma das crticas comuns que os racionalistas fazem a esta postura ilustrada pela histria dos macacos enjaulados. Conta-se que cientistas colocaramcinco macacos na jaula, com uma escada que dava acesso a um cacho de bananas. Assim que um macaco tentava subir a escada, todos recebiam umaducha de gua fria. Quando um deles se aventurava em direo escada, os demais o espancavam, receosos do castigo geral. Trocaram ento um dos

    macacos, e o novato rapidamente tentou subir a escada, sendo logo espancado pelos outros quatro.

    Os cientistas foram ento trocando os macacos antigos um a um, e cada novo macaco que tentava pegar o cacho de bananas era impedido pelos outros,inclusive pelos que no estavam no comeo e nunca tinham levado a ducha. Ao fim do processo, os cinco macacos presentes na jaula eram todos novatos,ou seja, nenhum deles estivera presente quando a ducha fria impediu o acesso ao prmio. Ainda assim, quando algum recm-chegado se dirigia escada,eles o impediam. Se algum pudesse perguntar a estes macacos porque batiam no novato, provavelmente responderiam: No sei, as coisas sempre foramassim por aqui.

    A histria interessante mas serve para ambos os lados. Sim, verdade que muitas vezes seguimos tradies somente porque nossos pais faziam assim, eantes deles seus pais tambm. S que isso no quer dizer que a tradio seja intil, ou que possamos julg-la racionalmente. Basta substituir o prmio das

    bananas no exemplo por uma armadilha que detona uma exploso nuclear, para concluir que positivo o fato de nenhum macaco deixar outro chegar aotopo da escada, ainda que no saiba exatamente o motivo de sua ao.

    Nesse caso, seria temerrio permitir o acesso a qualquer macaco, e a tradio teria uma funo fundamental na preservao daquela comunidade. Oconservador, portanto, no precisa defender cegamente as tradies, ou ser avesso a qualquer mudana. Ele adota uma postura cautelosa. Defende umaabordagem gradual, repleta de cuidados e precaues. No abraa a mudana pela mudana em si. Contra o excesso de otimismo dos aventureiros, alerta

    para os riscos envolvidos.

    Conta Edmund Burke em suas reflexes: No estamos restritos alternativa de destruir completamente as instituies ou de deix-las subsistir semnenhuma reforma. [...] -me impossvel compreender como certas pessoas so to pretensiosas, a ponto de considerarem um pas como se fosse uma tbularasa onde pudessem escrever aquilo que melhor lhes convm. No plano meramente terico concebvel que se deseje que a sociedade tal qual existe fosseestruturada de uma maneira totalmente diferente, mas um bom patriota e um verdadeiro poltico procura tirar o melhor partido possvel daquilo que existede material na sua sociedade.

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    O sistema monrquico dos Bourbon precisava de reformas drsticas mas ser que a revoluo jacobina traria o paraso pregado? No deixa de ser curiosoo fato de que Thomas Paine, autor de The Age of Reason e Common Sense, tenha se empolgado tanto com esse movimento revolucionrio que tinha to

    pouco de racional e nada de bom senso. Por sorte, a Revoluo Americana, ao contrrio da Francesa, contava com importantes figuras mais pessimistas,como John Adams, para contrapor o otimismo radical de Paine e Jefferson.

    Isso nos remete ao outro ponto de divergncia entre liberais radicais e conservadores: estes so, via de regra, mais pessimistas. Para Rothbard, porexemplo, a atitude adequada ao libertrio a de inextinguvel otimismo quanto aos resultados finais, enquanto o erro do pessimismo o primeiro passodescendente na escorregadia ladeira que leva ao conservadorismo. Mas ser que o pessimismo (ou realismo, diriam alguns) mesmo um erro?

    Em The Uses of Pessmism, Roger Scruton defende que doses de pessimismo so cruciais para se evitar catstrofes. Segundo ele, pessoas escrupulosasmisturam um pouco de pessimismo a suas esperanas, reconhecendo que a vida possui limites, no apenas obstculos. Ele vai alm, e afirma que h umaforma de vcio na irrealidade que cria uma das formas mais destrutivas de otimismo: o desejo de substituir a realidade por um sistema de iluses.

    Tom Wolfe sintetizou ironicamente a questo quando disse que um conservador um liberal que foi assaltado. Sonhar bom, at indispensvel para oprogresso. Adotar uma postura mais otimista diante da vida parte essencial dos empreendimentos que mudam o mundo para melhor. Mas o sonhoimpossvel, otimista em demasia, pode ser fatal. Quando se diz que no h limites intransponveis, que a vida no feita de trade-offs, mas apenas deobstculos que precisam ser superados, se est a um passo da utopia.

    Essa outra caracterstica dos conservadores: uma profunda ojeriza ao pensamento utpico, crena de que os males do mundo podem ser extintos. Opensamento utpico redentor, oferece uma viso de completude, um ponto de chegada, o fim da histria. Utopias so vises teleolgicas que aplacam aangstia de uma vida sem sentido ou destino. O utpico no aceita restries e imperfeies ele quer uma soluo. Tampouco aceita que valores podemviver em conflito insolvel, sem uma resposta certa e nica.

    Modelos utpicos desembocam em sistemas fechados, prontos, acabados, e sempre intolerantes. Como o utpico sequer reconhece que podem existirvalores incomensurveis, ele tende ao fanatismo, pois sabe o que certo ou justo em todos os casos. Os sbios carregam muitas dvidas, enquanto ostolos e fanticos esto sempre certos de si, embora suas utopias no possam se concretizar, coisa que, no fundo, eles sabem. por isso que se negam adescrever em detalhes e de forma crtica o que exatamente tm em mente. As utopias acabam empacotadas de forma vaga, mesmo quando tm roupagemcientfica. Essa meta inalcanvel serve como poderosa arma para negar o que real. A utopia uma condenao abstrata de tudo que nos cerca, e justifica

    a postura intransigente e violenta do utpico.

    O utpico , em todos os sentidos, o avesso do conservador. Ele no aceita contemporizao alguma, no alimenta um saudvel ceticismo quanto ssolues pregadas, no tolera divergncias, no respeita as experincias histricas, no convive com as restries impostas pela vida em sociedade, noencara a possibilidade de sua receita mgica levar a um resultado terrvel. Como mecanismo de defesa, monopoliza os fins nobres e rejeita qualquerexperimento concreto como derivado de sua utopia. Para tanto, ele teria que reconhecer suas imperfeies.

    O Papel da religio

    Muitos conservadores atribuem relevncia gigantesca religio como instrumento da preservao dos valores morais. As religies oferecem, alm disso,uma viso redentora ps-morte, o que ajudaria a suportar as angstias da vida. Retire-se isso das pessoas, especialmente das massas, e alguma coisa sercolocada em seu lugar. Em Tempos Modernos, Paul Johnson considera que o colapso do impulso religioso deixou um vcuo de grandes propores. Elediz: A histria dos tempos modernos , em grande parte, a histria de como aquele vcuo foi preenchido. No lugar da crena religiosa, haveria aideologia secular. As utopias seriam, desta forma, substitutos das religies. A grande diferena que a seita ideolgica promete um paraso terrestre, o que ainda mais perigoso.

    Confesso que este um tema que gera muitas dvidas em mim. At que ponto as pessoas em geral necessitam das religies para preencher este vcuo,evitando assim o risco de colocarem em seu lugar seitas seculares ainda mais perigosas? Em outras palavras: at que ponto a morte de Deus no abriuespao para o nascimento do Deus Estado e, com ele, dos totalitarismos modernos? No tenho a pretenso de saber a resposta, mas reconheo que haqui uma importante divergncia entre liberais e conservadores. Se estes afirmam a religio como garantidora do tecido social, aqueles preferem a defesasecular das liberdades.

    H conservadores seculares, como Oakeshott. Mas talvez seja um ponto fraco do conservadorismo moderno esta enorme dependncia da religio. Talvez afilosofia, as artes e a literatura possam substituir a religio neste encanto pelo mistrio do universo, nesta contemplao pelo desconhecido, eterno eindizvel. Mas talvez os conservadores, apelando para o argumento utilitarista da f, tenham um ponto quando alegam que, sem o freio religioso, as massasdemandaro algum outro Pai em seu lugar. As rotas de fuga alternativas e mais sofisticadas talvez sejam privilgio de uma minoria esclarecida. Sei que uma viso elitista, mas eis outro aspecto que alguns liberais clssicos e conservadores compartilham: a existncia de uma aristocracia natural que carrega omundo nas costas.

    Elite e massa

    A multido conta com a vantagem numrica. Nas massas, a sensao predominante a de ser como todo mundo, e no h angstia nisso ao contrrio,

    sente-se bem por ser idntico aos demais. A caracterstica moderna, apontada emA Rebelio das Massaspor Ortega y Gasset, que esta alma vulgar,sabendo que vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impe em toda parte. A hiperdemocracia criou o imprio das massas, que

    precisa destruir o diferente, o melhor.

    De gustibus non est disputandum. Esta, que uma mxima ao agrado de muitos liberais, seria a nova regra geral. verdade que, se gosto no se discute, hao menos um apelo tolerncia, to cara aos liberais. S que existe outro lado da moeda: a crena inabalvel nas preferncias subjetivas acabou

    produzindo um excessivo relativismo. A msica clssica e o funk das favelas, os quadros de Caravaggio ou o tubaro de Damien Hirst, Dostoievski ou DanBrown, tudo simples questo de gosto. E o melhor ser julgado pela maioria. Vox populi, Vox Dei.

    Os conservadores demonstram enorme desconforto diante deste cenrio. Eles entendem que a democracia no critrio esttico. E o mesmo vale para apoltica. Por isso conservadores costumam desconfiar das escolhas democrticas, cientes de que no sero os melhores que chegaro ao poder, e sim osmais populares, ou seja, os demagogos. Esta desconfiana com a democracia no sinnimo de defesa de regimes autoritrios. Muitos liberais, comoLudwig von Mises e Karl Popper, reconheceram que a principal vantagem da democracia no o resultado timo de sua escolha, e sim seu mtodo

    pacfico de eliminar as piores escolhas. Os conservadores fazem coro aqui, alertando para os riscos do modelo democrtico, sem, entretanto, rejeit-locompletamente.

    Os conservadores tiveram importante papel no necessrio alerta de que regimes democrticos podem se tornar despticos. E, quando isso ocorre, costumaser a pior forma de tirania: aquela da maioria que aniquila o indivduo. Este receio fundamental para a prpria defesa da liberdade, possvel somente emum governo de leis, e no de homens com desejos arbitrrios impostos aos demais. Os conservadores defendem, ento, um amplo mecanismo de pesos econtrapesos, o respeito s instituies estabelecidas, o Common Law obtido pela experincia local de inmeros casos passados. Eles rejeitam as mudanasradicais e nunca testadas, a total substituio de costumes estabelecidos por sistemas paridos nas cabeas de idealistas que falam em nome do povo.

    Michael Oakeshott fez a distino entre a poltica de f e a poltica do ceticismo. A primeira entende que o governo deve buscar a perfeio humana,

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    que para todo problema h uma nica soluo racional, enquanto a ltima entende o governo no como entidade benigna e perfectibilista, mas apenasnecessria, e que impossvel construir uma sociedade perfeita. No mbito individual, cada um buscar a perfeio sua maneira, e no devemos colocaro governo ou a sociedade como agentes dessa busca de perfeio.

    Individualismo moderado

    Os liberais so mais enfticos na defesa do individualismo, ou seja, do indivduo como um fim em si mesmo, e no um meio sacrificvel por um bemmaior. Os conservadores, se no aderem ao coletivismo, tambm no apreciam o individualismo extremo. Ou seja, quando individualismo confundidocom sociopatia, quando liberdade individual confundida com licena para fazer qualquer coisa desde que no agrida (fisicamente) o outro, a oconservador se torna um crtico do liberalismo radical.

    Indivduos no devem ser tratados como tomos totalmente independentes, como ilhas. O conservador d valor comunidade local, narrativa histrica

    que caracteriza o prprio indivduo. O apetite individual sem qualquer restrio pode representar uma ameaa de desintegrao da ordem social e, com ela,da prpria liberdade individual. Seria o caos anrquico. O psicopata, no custa lembrar, no peca por falta de coerncia, e sim por falta de remorso, culpa,empatia.

    Confesso que tenho simpatia por este alerta, pois a lgica individualista levada ao extremo da coerncia pode significar at a destruio do ncleo familiar.Os filhos no assinaram contrato algum com os pais e, portanto, devem ser livres para fazerem o que quiserem, em qualquer idade?. Qualquer restrioseria uma coero ao indivduo livre, pela tica libertria. Considero esta concluso absurda. Refreia as tuas paixes, mas toma cuidado para no darrdeas soltas tua razo.

    Roger Scruton, falando sobre os limites da liberdade, explica que os conservadores lutam para restringir de alguma forma o comportamento adulto de olhonos interesses das geraes futuras, enquanto alguns liberais alegam que a nica coisa importante a liberdade destes adultos aproveitarem como quiseremo aqui e agora. Traar esta linha divisria tarefa quase impossvel, mas podemos pensar em casos que ilustram a divergncia. Um deles o aborto.Existem diversos argumentos contra e a favor, e por inmeros pontos de vista. De nosso interesse aqui, porm, basta dizer que h quem defenda a prticacom base somente no direito da me fazer o que quiser com seu corpo. J os conservadores, mesmo os que no se limitam base estritamente religiosa,questionam at que ponto a banalizao do aborto no afeta valores importantes para preservar a sociedade.

    Costumo manter a equidistncia entre libertrios e conservadores religiosos aqui. Os primeiros alegam que o feto como um parasita (Rothbard usou otermo) no corpo da mulher, que faz o que quiser com ele. O aborto seria legtimo at o fim da gestao. Os ltimos acreditam que o feto, desde o milsimoda concepo, exatamente como um ser humano em direitos. A plula do dia seguinte seria equivalente a assassinato. Encaro ambas as vises extremascomo um erro. Para cada problema complexo, h uma resposta clara, simples e errada.

    Outro exemplo seria o consumo de drogas. O liberal radical diria que esta uma questo exclusivamente individual, de liberdade de escolha, enquanto oconservador estaria mais preocupado com os possveis impactos desta liberao geral no seu entorno. O conservador, em geral, prefere no misturarliberdade com libertinagem, pois esta coloca em risco aquela. Talvez seja possvel uma contemporizao aqui, com a liberao de drogas leves como amaconha, sem apelar para o liberou geral, enquanto o consumo combatido por campanhas de persuaso.

    Construindo pontes

    Estamos chegando perto do fim deste ensaio, e ainda h muito que dizer sobre conservadorismo. No tenho a pretenso de esgotar o assunto em espao toreduzido. Gostaria agora, contudo, de tentar construir uma ponte ligando liberais a conservadores.

    O ceticismo e a cautela dos conservadores so excelentes ferramentas para amainarem um pouco o excesso de otimismo dos liberais. Fazendo uma

    analogia, os liberais seriam a juventude impetuosa, sonhadora, que quer tudo para ontem, enquanto os conservadores seriam o adulto maduro e calejado,desconfiado de toda grande empolgao. Um equilbrio entre ambos talvez seja o ideal.

    O tradicionalismo serve para no jogarmos no lixo a sabedoria dos antigos, sem cair no reacionarismo. O peso colocado nas emoes serve para frear umpouco a arrogncia de nossa limitada razo. A desconfiana em relao ao ser humano nos leva a reconhecer que h sempre um monstro interior que oprogresso material no capaz de eliminar. A preocupao com certos valores lembra-nos que libertinagem no liberdade. O respeito s virtudescontrabalanceia a tendncia iconoclasta e subversiva dos libertrios. At o aspecto religioso pode, ao menos, nos mostrar que nem s de po vive ohomem, em um mundo cada vez mais materialista onde tudo mercadoria, inclusive o amor. Por fim, o foco comunitrio pode temperar nossoindividualismo. A liberdade individual existe em funo da sociedade, e embora a cultura seja fonte de mal-estar, como sabia Freud, preciso renunciar a

    parte da satisfao pessoal em prol dos ideais civilizatrios.

    Pois ainda no inventaram nada melhor que a civilizao, e nem vo, posto que ela o resultado de sculos de aperfeioamento, sem jamais tocar aperfeio. Umaformao natural, se preferir, e no uma criao artificial. Preservar os pilares que sustentam esta civilizao, conservar tais alicerces, semsaudosismo de um passado idealizado, mas sabendo avanar sempre que possvel e com cautela, eis a ponte que liga liberais a conservadores.

    Tags:Burke, Oakeshott, Scruton, Sowell

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